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Document 62019CJ0407

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 11 de fevereiro de 2021.
Katoen Natie Bulk Terminals NV e General Services Antwerp NV contra Belgische Staat e Middlegate Europe NV contra Ministerraad.
Pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Raad van State e Grondwettelijk Hof (Bélgica).
Reenvio prejudicial — Artigo 45.o TFUE — Livre circulação de trabalhadores — Artigo 49.o TFUE — Liberdade de estabelecimento — Artigo 56.o TFUE — Livre prestação de serviços — Exercício de atividades portuárias — Trabalhadores portuários — Acesso à profissão e recrutamento — Modalidades de reconhecimento dos trabalhadores portuários — Trabalhadores portuários não incluídos no contingente de trabalhadores previsto pela legislação nacional — Limitação da duração do contrato de trabalho — Mobilidade dos trabalhadores portuários entre diferentes zonas portuárias — Trabalhadores de logística — Certificado de segurança — Razões imperiosas de interesse geral — Segurança nas zonas portuárias — Proteção dos trabalhadores — Proporcionalidade.
Processos apensos C-407/19 e C-471/19.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:107

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

11 de fevereiro de 2021 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Artigo 45.o TFUE — Livre circulação de trabalhadores — Artigo 49.o TFUE — Liberdade de estabelecimento — Artigo 56.o TFUE — Livre prestação de serviços — Exercício de atividades portuárias — Trabalhadores portuários — Acesso à profissão e recrutamento — Modalidades de reconhecimento dos trabalhadores portuários — Trabalhadores portuários não incluídos no contingente de trabalhadores previsto pela legislação nacional — Limitação da duração do contrato de trabalho — Mobilidade dos trabalhadores portuários entre diferentes zonas portuárias — Trabalhadores de logística — Certificado de segurança — Razões imperiosas de interesse geral — Segurança nas zonas portuárias — Proteção dos trabalhadores — Proporcionalidade»

Nos processos apensos C‑407/19 e C‑471/19,

que têm por objeto dois pedidos de decisão prejudicial apresentados, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Bélgica) (C‑407/19) e pelo Grondwettelijk Hof (Tribunal Constitucional, Bélgica) (C‑471/19), por Decisões de 16 maio e de 6 de junho de 2019, que deram entrada no Tribunal de Justiça em 24 maio e em 20 de junho de 2019, respetivamente, nos processos

Katoen Natie Bulk Terminals NV,

General Services Antwerp NV

contra

Belgische Staat (C‑407/19),

e

Middlegate Europe NV

contra

Ministerraad (C‑471/19),

sendo intervenientes:

Katoen Natie Bulk Terminals NV,

General Services Antwerp NV,

Koninklijk Verbond der Beheerders van Goederenstromen (KVBG) CVBA,

MVH Logistics en Stuwadoring BV,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: M. Vilaras (relator), presidente de secção, N. Piçarra, D. Šváby, S. Rodin e K. Jürimäe, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da General Services Antwerp NV, da Katoen Natie Bulk Terminals NV e da Middlegate Europe NV, por M. Lebbe e. Simons, advocaten,

em representação do Governo belga, por L. Van den Broeck, M. Jacobs e C. Pochet, na qualidade de agentes, assistidas por P. Wytinck, D. D’Hooghe e T. Ruys, advocaten,

em representação da Comissão Europeia, por A. Nijenhuis, S. L. Kalėda e B.‑R. Killmann, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 10 de setembro de 2020,

profere o presente

Acórdão

1

Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação, no processo C‑407/19, dos artigos 34.o, 35.o, 45.o, 49.o, 56.o, 101.o, 102.o e 106.o, n.o 1, TFUE e, no processo C‑471/19, dos artigos 49.o e 56.o TFUE, dos artigos 15.o e 16.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), bem como do princípio da igualdade.

2

Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que opõem, no processo C‑407/19, a Katoen Natie Bulk Terminals NV e a General Services Antwerp NV ao Belgische Staat (Estado belga) e, no processo C‑471/19, a Middlegate Europe NV ao Ministerraad (Conselho de Ministros, Bélgica), a respeito da validade de certas disposições de direito belga relativas à organização do trabalho portuário e, nomeadamente, à sua conformidade com o direito da União.

Direito belga

Lei relativa aos Contratos de Trabalho

3

No direito belga, o regime comum aplicável aos contratos de trabalho, nomeadamente dos trabalhadores, é instituído pela wet betreffende de arbeidsovereenkomsten (Lei relativa aos Contratos de Trabalho), de 3 de julho de 1978 (Belgisch Staatsblad, 22 de agosto de 1978, p. 9277).

Lei relativa ao Trabalho Portuário

4

O artigo 1.o da wet betreffende de havenarbeid (Lei relativa ao Trabalho Portuário), de 8 de junho de 1972 (Belgisch Staatsblad, 10 de agosto de 1972, p. 8826), na sua versão aplicável aos factos nos processos principais (a seguir «Lei relativa ao Trabalho Portuário»), prevê:

«Ninguém pode mandar realizar trabalhos portuários nas zonas portuárias por trabalhadores que não sejam trabalhadores portuários reconhecidos.»

5

O artigo 2.o desta lei dispõe:

«A delimitação das zonas portuárias e do trabalho portuário, tal como foi estabelecida pelo Rei […] regula a aplicação da presente lei.»

6

O artigo 3.o da referida lei tem a seguinte redação:

«O Rei fixa as condições e as modalidades de reconhecimento dos trabalhadores portuários, após parecer da comissão paritária competente para a zona portuária em causa.

[…]»

7

Nos termos do artigo 3 bis da mesma lei:

«Após parecer da comissão paritária competente para a zona portuária em causa, o Rei pode obrigar os empregadores que empregam trabalhadores portuários nessa zona a inscrever‑se numa organização de empregadores por ele autorizada e que, na qualidade de mandatária, cumpra todas as obrigações que, por força da legislação sobre o trabalho individual e coletivo e da legislação social, decorrem, para os empregadores, do emprego dos trabalhadores portuários.

Para poder ser autorizada, a organização de empregadores a que se refere o parágrafo anterior deve ter como membros a maioria dos empregadores interessados.»

Decreto Real de 1973

8

O artigo 1.o do koninklijk besluit tot oprichting en tot vaststelling van de benaming en van de bevoegdheid van het Paritair Comité van het havenbedrijf (Decreto Real que Institui a Comissão Paritária dos Portos e Fixa a sua Denominação e Competência), de 12 de janeiro de 1973 (Belgisch Staatsblad, 23 de janeiro de 1973, p. 877), na sua versão aplicável aos factos nos processos principais (a seguir «Decreto Real de 1973»), dispõe:

«É instituída uma comissão paritária, denominada “Comissão paritária dos portos” (competente para os trabalhadores em geral e para os seus empregadores), para:

todos os trabalhadores e respetivos empregadores que, nas zonas portuárias:

A. efetuem, a título principal ou acessório, trabalho portuário, ou seja, todas as manipulações de mercadorias que sejam transportadas por navios de mar ou embarcações de navegação interior, por caminho de ferro ou camiões, e os serviços acessórios respeitantes a essas mercadorias, independentemente de essas atividades ocorrerem nas docas, nas vias navegáveis, nos cais ou nas instalações que se ocupam da importação, da exportação e do trânsito de mercadorias, bem como todas as manipulações de mercadorias transportadas por navios de mar ou embarcações de navegação interior com destino ou provenientes dos cais de instalações industriais.

Entende‑se por:

1. Manipulações de mercadorias:

a) mercadorias: todas as mercadorias, contentores e meios de transporte incluídos, exceto unicamente:

transporte de petróleo a granel, produtos derivados do petróleo (líquidos) e matérias‑primas líquidas para as refinarias, a indústria química e as atividades de armazenamento e tratamento em instalações petrolíferas;

peixe trazido por barcos de pesca;

gases líquidos pressurizados e a granel.

b) manipulações: carregar, descarregar, arrumar a carga no navio, desarrumar a carga, deslocar a carga, descarregar a granel, aparelhar, classificar, selecionar, calibrar, empilhar, desempilhar, bem como compor e desfazer os carregamentos unitários.

2. Serviços auxiliares relacionados com estas mercadorias: marcar, pesar, medir, cubicar, verificar, receber, proteger (com a exceção dos serviços de proteção prestados por empresas sob jurisdição da Comissão Paritária para serviços de proteção e/ou de vigilância por conta das empresas que reportam à comissão paritária dos portos), entregar, recolher amostras e selar, atracar e desatracar.

[…]»

Decreto Real de 2004

9

Antes de ser alterado pelo koninklijk besluit tot wijziging van het koninklijk besluit van 5 juli 2004 betreffende de erkenning van havenarbeiders in de havengebieden die onder het toepassingsgebied vallen van de wet van 8 juni 1972 betreffende de havenarbeid (Decreto Real que Altera o Decreto Real de 5 de julho de 2004 relativo ao Reconhecimento dos Trabalhadores Portuários nas Zonas Portuárias Abrangidas pelo Âmbito de Aplicação da Lei de 8 de junho de 1972 relativa ao Trabalho Portuário), de 10 de julho de 2016(Belgisch Staatsblad, 13 de julho de 2016, p. 43879, a seguir «Decreto Real de 2016»), o artigo 2.o do koninklijk besluit betreffende de erkenning van havenarbeiders in de havengebieden die onder het toepassingsgebied vallen van de wet van 8 juni 1972 betreffende de havenarbeid (Decreto Real relativo ao Reconhecimento dos Trabalhadores Portuários nas Zonas Portuárias Abrangidas pelo Âmbito de Aplicação da Lei de 8 de junho de 1972 relativa ao Trabalho Portuário), de 5 de julho de 2004 (Belgisch Staatsblad, 4 de agosto de 2004, p. 58908), previa:

«Uma vez reconhecidos, os trabalhadores portuários são integrados quer no “contingente geral” quer no “contingente logístico”.

Os trabalhadores portuários incluídos no contingente geral são reconhecidos para efetuar qualquer trabalho portuário na aceção do artigo 1.o do [Decreto Real de 1973].

Os trabalhadores portuários incluídos no contingente logístico são reconhecidos para efetuar o trabalho portuário, na aceção do artigo 1.o do [Decreto Real de 1973], em locais onde as mercadorias, aquando da preparação da sua distribuição ou da sua posterior expedição, são objeto de uma transformação que confira, indiretamente, um valor acrescentado demonstrável.»

10

O Decreto Real relativo ao Reconhecimento dos Trabalhadores Pportuários nas Zonas Portuárias Abrangidas pelo Âmbito de Aplicação da Lei de 8 de junho de 1972 relativa ao Trabalho Portuário, conforme alterado pelo Decreto Real de 2016 (a seguir «Decreto Real de 2004»), substituiu, designadamente, o conceito de «contingente» pelo de «pool». O artigo 1.o do Decreto Real de 2004 prevê:

«§ 1.   Em cada zona portuária, os trabalhadores portuários são reconhecidos pela comissão paritária constituída, a seguir designada “Comissão Administrativa”, instituída na subcomissão paritária competente para a zona portuária em causa.

Esta Comissão Administrativa é composta por:

1.o

um presidente e um vice‑presidente;

2.o

quatro membros efetivos e quatro membros suplentes designados pelas organizações de empregadores representadas na subcomissão paritária;

3.o

quatro membros efetivos e quatro membros suplentes designados pelas organizações de trabalhadores representadas na subcomissão paritária;

4.o

um ou mais secretários.

As disposições do Decreto Real de 6 de novembro de 1969 que fixa as modalidades gerais de funcionamento das comissões e das subcomissões paritárias, bem como as regras especiais previstas no artigo 10.o do presente decreto, são aplicáveis ao funcionamento da Comissão Administrativa.

§ 2.   O pedido de reconhecimento é apresentado por escrito à subcomissão paritária competente através de um modelo disponibilizado para esse efeito.

O pedido indica se é apresentado para um emprego no pool ou fora dele.

§ 3.   Em derrogação do disposto no § 1, [n.o] 1, para os trabalhadores que efetuam um trabalho na aceção do artigo 1.o do [Decreto Real de 1973], em locais onde as mercadorias, aquando da preparação da sua distribuição ou da sua posterior expedição, são objeto de uma transformação que confira um valor acrescentado demonstrável, e dispõem de um certificado de segurança, denominados “trabalhadores de logística”, este certificado de segurança equivale ao reconhecimento na aceção da [Lei relativa ao Trabalho Portuário].

O empregador que tenha celebrado um contrato de trabalho com um trabalhador requer o certificado de segurança para realizar as atividades previstas no número anterior e a sua emissão tem lugar mediante a apresentação do bilhete de identidade e do contrato de trabalho. As modalidades deste procedimento são fixadas por convenção coletiva de trabalho.»

11

Nos termos do artigo 2.o deste decreto real:

«§ 1.   Os trabalhadores portuários referidos no artigo 1.o, § 1, [n.o] 1, uma vez reconhecidos, são ou não integrados no pool dos trabalhadores portuários.

É tida em conta a necessidade de mão de obra para o reconhecimento para efeitos da tomada em consideração no pool.

§ 2.   Os trabalhadores portuários integrados no pool são reconhecidos por tempo determinado ou por tempo indeterminado.

As modalidades relativas à duração do reconhecimento são fixadas por convenção coletiva.

§ 3.   Os trabalhadores portuários não integrados no pool são contratados mediante contrato de trabalho em conformidade com a Lei […] relativa aos Contratos de Trabalho.

A duração do reconhecimento é limitada à duração desse contrato de trabalho.»

12

O artigo 4.o do referido decreto real tem a seguinte redação:

«§ 1.   Para o reconhecimento como trabalhador portuário a que se refere o artigo 1.o, § 1, n.o 1, são aplicáveis as seguintes condições:

[…]

2.o

ser declarado clinicamente apto para o trabalho portuário pelo serviço externo para a prevenção e proteção no trabalho no qual está inscrita a organização de empregadores designada como mandatária nos termos do artigo 3 bis da [Lei relativa ao Trabalho Portuário];

3.o

ter sido aprovado nos testes psicotécnicos realizados pelo órgão designado para o efeito pela organização de empregadores designada como mandatária nos termos do artigo 3 bis da [Lei relativa ao Trabalho Portuário]; o objetivo destes testes consiste em examinar se o candidato a trabalhador portuário tem a inteligência suficiente, a personalidade e a motivação adequadas para poder desempenhar, após um curso de formação, a função de trabalhador portuário;

[…]

6.o

ter frequentado, durante três semanas, cursos de formação para trabalhar em segurança, bem como para adquirir uma competência profissional, e ter sido aprovado na prova final. A autoridade competente pode determinar as condições de qualidade que deve preencher a formação, a qual pode ser livremente concedida;

7.o

não ter sido objeto, nos últimos cinco anos, de uma medida de revogação do reconhecimento como trabalhador portuário com base no artigo 7.o, § 1, n.os 1 ou 3, do presente decreto […];

8.o

no caso do reconhecimento de um trabalhador portuário abrangido pelo artigo 2.o, § 3, dispor, além disso, de um contrato de trabalho.

§ 2.   O reconhecimento de um trabalhador portuário é válido em cada zona portuária, tal como delimitada pelo Rei nos termos dos artigos 35.o e 37.o da Lei de 5 de dezembro de 1968, relativa às Convenções Coletivas de Trabalho e às Comissões Paritárias.

As condições e modalidades em que um trabalhador portuário pode trabalhar numa zona portuária diferente daquela em que é reconhecido são fixadas por convenção coletiva.

A organização de empregadores designada como mandatária nos termos do artigo 3 bis da [Lei relativa ao Trabalho Portuário] continua a ser mandatária se o trabalhador portuário trabalhar fora da zona portuária na qual foi reconhecido.

§ 3.   Os trabalhadores portuários suscetíveis de demonstrar que preenchem, noutro Estado‑Membro da União Europeia, condições equivalentes em matéria de trabalho portuário, deixam de estar sujeitos, para efeitos da aplicação do presente decreto, a essas condições.

§ 4.   Os pedidos de reconhecimento e de renovação são apresentados à Comissão Administrativa e tratados por esta.»

13

O artigo 13.o, n.o 1, do mesmo decreto real dispõe:

«1.o   [No período anterior a 30 de junho de 2017,] o contrato de trabalho a que se refere o artigo 2.o, § 3, [segundo] parágrafo, deve ser celebrado por tempo indeterminado;

2.o   [No período compreendido entre 1 de julho de 2017 e 30 de junho de 2018,] o contrato de trabalho a que se refere o artigo 2.o, § 3, [segundo] parágrafo, deve ser celebrado com uma duração mínima de dois anos;

3.o   [No período compreendido entre 1 de julho de 2018 e 30 de junho de 2019,] o contrato de trabalho a que se refere o artigo 2.o, § 3, segundo parágrafo, deve ser celebrado com uma duração mínima de um ano;

4.o   [No período compreendido entre 1 de julho de 2019 e 30 de junho de 2020,] o contrato de trabalho a que se refere o artigo 2.o, § 3, segundo parágrafo, deve ser celebrado com uma duração mínima de seis meses.»

14

Nos termos do artigo 15.o, n.o 1, do Decreto Real de 2004:

«Para a aplicação do presente decreto real:

1.o Os trabalhadores portuários reconhecidos nos termos do antigo artigo 2.o, [segundo] parágrafo, são automaticamente reconhecidos como trabalhadores portuários incluídos no pool, em conformidade com o artigo 2.o, § 1, sem prejuízo da aplicação dos artigos 5.o a 9.o do presente decreto real;

2.o os trabalhadores portuários reconhecidos nos termos do antigo artigo 2.o, [terceiro] parágrafo, são automaticamente equiparados aos trabalhadores de logística referidos no artigo 1.o, § 3, sem prejuízo da aplicação dos artigos 5.o a 9.o do presente decreto real.»

Litígios nos processos principais, questões prejudiciais e tramitação processual no Tribunal de Justiça

Processo C‑407/19

15

A Katoen Natie Bulk Terminal e a General Services Antwerp são duas sociedades com sede na Bélgica, cujo objeto social inclui operações portuárias na Bélgica e no estrangeiro.

16

Em 5 de setembro de 2016, estas duas sociedades interpuseram, no órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑407/19, o Raad Van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Bélgica), um recurso de anulação do Decreto Real de 2016.

17

Este decreto real foi adotado na sequência da notificação para cumprir enviada ao Reino da Bélgica pela Comissão Europeia, em 28 de março de 2014, segundo a qual a sua regulamentação relativa ao trabalho portuário violava o artigo 49.o TFUE. A Comissão indicou, em substância, que a regulamentação belga relativa ao emprego de trabalhadores portuários dissuadia as empresas estrangeiras de se estabelecerem na Bélgica uma vez que não tinham a liberdade de escolha dos membros do seu pessoal, sendo obrigadas a recorrer aos trabalhadores portuários reconhecidos, mesmo para tarefas logísticas, que, além disso, só podiam ser efetuadas numa zona geográfica limitada. Na sequência da adoção do Decreto Real de 2016, a Comissão decidiu, em 17 de maio de 2017, encerrar o processo por infração.

18

O Raad Van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) precisa, a título preliminar, que o Decreto Real de 2016, que é uma lei material cuja anulação erga omnes é pedida no âmbito do contencioso objetivo pendente perante o mesmo órgão jurisdicional, se aplica indistintamente às empresas, empregadores e trabalhadores, independentemente da sua nacionalidade, que prestam ou fazem prestar trabalho portuário nas zonas portuárias belgas, ou que estão estabelecidos nas zonas portuárias ou aí pretendem estabelecer‑se.

19

Esse órgão jurisdicional chama igualmente a atenção para o facto de o Decreto Real de 2004 regular o trabalho portuário nas zonas portuárias (marítimas) situadas na Bélgica, entre as quais os portos de Antuérpia e Zeebrugge, que são portos marítimos destinados ao transporte internacional, a saber, um ambiente altamente competitivo. Por conseguinte, importa não perder de vista o interesse nitidamente transfronteiriço das zonas portuárias marítimas, tendo especialmente em conta as atividades de importação e de exportação nelas desenvolvidas, os numerosos operadores internacionais, provenientes nomeadamente dos outros Estados‑Membros que aí exercem as suas atividades comerciais no setor do comércio internacional e o poder de atração do local de execução num lugar que pode ser interessante para os operadores estrangeiros e para os trabalhadores estrangeiros, eventualmente de Estados‑Membros próximos, aos quais esses operadores pretendem recorrer para realizar as suas atividades empresariais. À luz destes elementos, o referido órgão jurisdicional considera que o litígio que lhe foi submetido não diz respeito a uma situação puramente interna, na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

20

No que respeita à livre circulação dos trabalhadores, garantida pelo artigo 45.o TFUE, o Raad Van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) observa que a Katoen Natie Bulk Terminal e a General Services Antwerp são sociedades logísticas belgas que exercem as suas atividades em zonas portuárias belgas, as quais, para realizar o seu objeto social, consideram poder empregar outros trabalhadores portuários além dos trabalhadores portuários reconhecidos, independentemente da sua nacionalidade. Na sua qualidade de empregadores que pretendem contratar, no Estado‑Membro onde estão estabelecidos, trabalhadores nacionais de outro Estado‑Membro, essas sociedades podem, por conseguinte, invocar a livre circulação dos trabalhadores, consagrada no artigo 45.o TFUE. Na medida em que se afigura que as condições constantes do Decreto Real de 2004 complicam, para os nacionais de outros Estados‑Membros, a prestação do trabalho portuário no território belga e implicam um entrave à livre circulação dos trabalhadores, os empregadores como as referidas sociedades também deveriam poder opor‑se a tal regulamentação. Isto demonstra igualmente que o litígio pendente nesse órgão jurisdicional não pode ser reduzido a uma situação puramente interna.

21

Quanto ao mérito do litígio, o Raad Van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) precisa que a Katoen Natie Bulk Terminal e a General Services Antwerp contestam, em substância, sete medidas constantes do Decreto Real de 2004 que foram instituídas ou alteradas pelo Decreto Real de 2016.

22

Esse órgão jurisdicional parte da premissa de que todas essas medidas constituem um entrave às liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado FUE, uma vez que são suscetíveis de dificultar ou de tornar menos atrativo para os trabalhadores, designadamente os provenientes de outro Estado‑Membro, a prestação de trabalho portuário numa zona portuária belga, bem como a contratação desses trabalhadores pelos empregadores.

23

No que diz respeito a uma eventual justificação desses entraves à luz de razões imperiosas de interesse geral, o referido órgão jurisdicional observa que a Katoen Natie Bulk Terminal e a General Services Antwerp contestam que as referidas medidas sejam, em geral, «adequadas» para alcançar o objetivo prosseguido, que é o de garantir a segurança nas zonas portuárias e, assim, a segurança e a proteção em matéria de direito do trabalho dos trabalhadores portuários. Contestam igualmente que essas mesmas medidas sejam proporcionadas e não vão além do necessário para alcançar esse objetivo, sendo não discriminatórias.

24

No que diz respeito, em primeiro lugar, ao reconhecimento obrigatório de todos os trabalhadores portuários que não estão encarregados de desempenhar tarefas logísticas pela Comissão Administrativa a que se refere o artigo 1.o, n.o 1, do Decreto Real de 2004 e composta por organizações de empregadores e organizações de trabalhadores (a seguir «Comissão Administrativa»), à inexistência de garantias processuais suficientes a este respeito e à necessidade de ter em conta a mão de obra necessária com vista à tomada em consideração no pool, o Raad Van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) declara que, no direito belga, uma decisão positiva ou negativa da Comissão Administrativa sobre a concessão de um reconhecimento como trabalhador portuário pode ser diretamente impugnada através de um recurso judicial.

25

Em segundo lugar, quanto à verificação das condições de reconhecimento relativas à aptidão clínica e à aprovação nos testes psicotécnicos, o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) interroga‑se, em especial, sobre se a condição suplementar, fixada no artigo 4.o, § 1, ponto 8, do Decreto Real de 2004, que exige que o trabalhador disponha, além disso, de um contrato de trabalho, é adequada para alcançar o objetivo prosseguido, que é o de garantir a segurança nas zonas portuárias.

26

No que se refere, em terceiro lugar, à duração do reconhecimento dos trabalhadores não incluídos no pool, bem como ao regime transitório instituído pelo Decreto Real de 2004, o Raad Van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) observa que, sempre que o trabalhador obtenha um contrato de trabalho, deve cumprir o procedimento de reconhecimento, independentemente da razão pela qual cessou o seu contrato de trabalho anterior.

27

O Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) observa, em quarto lugar, que, por força do regime transitório previsto pelo Decreto Real de 2004, um contrato de trabalho celebrado antes de 30 de junho de 2017 deveria ter sido celebrado por tempo indeterminado. Depois, sucessivamente, um contrato celebrado a partir de 1 de julho de 2017 deveria ter sido celebrado por um período mínimo de dois anos, a partir de 1 de julho de 2018, por um período mínimo de um ano e, a partir de 1 de julho de 2019, por um período mínimo de seis meses. Só a partir de 1 de julho de 2020 é que a duração do contrato de trabalho pôde ser determinada livremente. Assim, o estatuto do trabalhador portuário sujeito, nos termos do artigo 2.o, n.o 3, do Decreto Real de 2004, ao regime comum previsto pela Lei relativa aos Contratos de Trabalho é nitidamente menos atrativo do que o do trabalhador portuário incluído no pool, o que pode constituir uma restrição injustificada à livre circulação.

28

No que diz respeito, em quinto lugar, ao reconhecimento de pleno direito de todos os trabalhadores portuários que trabalham como trabalhadores portuários «incluídos no pool», o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) observa que, segundo a Katoen Natie Bulk Terminal e a General Services Antwerp, esta medida privaria os empregadores do direito de captar mão de obra qualificada mediante a celebração direta com os trabalhadores portuários de um contrato por tempo indeterminado que lhes assegure uma segurança de emprego segundo as regras do direito comum do trabalho, uma vez que esses trabalhadores continuariam a estar incluídos «de pleno direito» no pool. Coloca‑se a questão de saber se essa medida deve ser considerada adequada e proporcionada à luz do objetivo prosseguido e, por conseguinte, conforme com a liberdade de estabelecimento e com a livre circulação dos trabalhadores.

29

Em sexto lugar, no que se refere à obrigação de fixar por convenção coletiva de trabalho (a seguir «CCT») as condições e modalidades do emprego dos trabalhadores, para a prestação de trabalho numa zona portuária diferente daquela em que estes obtiveram o reconhecimento, o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) interroga‑se sobre se essa medida é razoável e proporcionada ou se, como sustentam a Katoen Natie Bulk Terminal e a General Services Antwerp, não se pode razoavelmente sustentar que a mobilidade dos trabalhadores entre diferentes zonas portuárias deve ser reduzida ou sujeita a condições suplementares em nome da segurança nas zonas portuárias.

30

Por último, em sétimo lugar, no que diz respeito à obrigação, para os trabalhadores que efetuam um trabalho logístico, como definido no artigo 1.o, n.o 3, do Decreto Real de 2004 (a seguir «trabalhadores de logística»), de dispor de um «certificado de segurança», o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) considera que essa medida visa garantir a segurança em geral e, por conseguinte, também a dos trabalhadores em causa. No entanto, coloca‑se a questão de saber se tal medida, interpretada no sentido de que o referido certificado de segurança deve ser solicitado sempre que seja celebrado um novo contrato de trabalho, não representa um encargo administrativo significativo e desproporcionado, à luz da liberdade de estabelecimento e da livre circulação dos trabalhadores.

31

Nestas circunstâncias, o Raad Van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem os artigos 49.o, 56.o, 45.o, 34.o, 35.o, 101.o ou 102.o […] TFUE, conjugados ou não com o artigo 106.o, n.o 1, […] TFUE, ser interpretados no sentido de que se opõem ao regime previsto no artigo 1.o do [Decreto Real de 2004] […], conjugado com o artigo 2.o, do mesmo decreto, a saber, o regime segundo o qual os trabalhadores portuários a que se refere o artigo 1.o, § 1, n.o 1, do mencionado [decreto real], quando são reconhecidos pela comissão administrativa composta paritariamente por membros designados pelas organizações de empregadores representadas na subcomissão paritária em causa, por um lado, e por membros designados pelas organizações de trabalhadores representadas na subcomissão paritária [,] por outro, podem ou não ser incluídos na lista dos trabalhadores portuários, atendendo a que, para efeitos desse reconhecimento e inclusão, é tida em conta a necessidade de mão de obra, não está previsto um prazo para a referida comissão administrativa tomar uma decisão final e apenas está prevista a impugnação judicial das suas decisões de reconhecimento?

2)

Devem os artigos 49.o, 56.o, 45.o, 34.o, 35.o, 101.o ou 102.o […] TFUE, conjugados ou não com o artigo 106.o, n.o 1, […] TFUE, ser interpretados no sentido de que se opõem ao regime introduzido pelo artigo 4.o, § 1, pontos 2.o, 3.o, 6.o e 8.o do [Decreto Real de 2004], a saber, o regime que impõe como condições para o reconhecimento como trabalhador portuário que o trabalhador: a) tenha sido declarado clinicamente apto por um serviço externo para a prevenção e proteção no trabalho, no qual está filiada a organização de empregadores designada como mandatária nos termos do artigo 3 bis da [Lei relativa ao Trabalho Portuário]; b) tenha sido aprovado nos testes psicotécnicos realizados pelo órgão designado para o efeito pela organização de empregadores designada como mandatária nos termos do mesmo artigo 3 bis da [Lei relativa ao Trabalho Portuário], c) tenha frequentado durante três semanas o curso de formação de segurança no trabalho e para aquisição da competência profissional e tenha sido aprovado no exame final e d) já disponha de um contrato de trabalho quando se trate de trabalhador portuário não incluído na lista, entendendo‑se para o efeito, conjugados os referidos artigos com o artigo 4.o, § 3, do [Decreto Real de 2004], que os trabalhadores portuários estrangeiros devem poder demonstrar que cumprem noutro Estado‑Membro condições semelhantes para deixarem de estar sujeitos às referidas condições para a aplicação do regime impugnado?

3)

Devem os artigos 49.o, 56.o, 45.o, 34.o, 35.o, 101.o ou 102.o […] TFUE, conjugados ou não com o artigo 106.o, n.o 1, […] TFUE, ser interpretados no sentido de que se opõem ao regime introduzido pelo artigo 2.o, § 3, do [Decreto Real de 2004] segundo o qual a duração do reconhecimento dos trabalhadores portuários que não estão incluídos na lista, e por isso são diretamente recrutados por um empregador mediante contrato de trabalho nos termos da [Lei relativa aos Contratos de Trabalho], é limitada à duração desse contrato de trabalho, pelo que deve ser sempre iniciado um novo procedimento de reconhecimento?

4)

Devem os artigos 49.o, 56.o, 45.o, 34.o, 35.o, 101.o ou 102.o […] TFUE, conjugados ou não com o artigo 106.o, n.o 1, […] TFUE, ser interpretados no sentido de que se opõem ao regime introduzido pelo artigo 13.o, n.o 1[,] do [Decreto Real de 2004], a saber, a medida transitória segundo a qual o contrato de trabalho referido na terceira questão prejudicial devia, inicialmente, ser celebrado sem termo, [num segundo momento,] a partir de 1 de julho de 2017 por um termo mínimo de dois anos, [num terceiro momento,] a partir de 1 de julho de 2018 por um termo mínimo de um ano, [num quarto momento,] a partir de 1 de julho de 2019 por um termo mínimo de seis meses, e[, por último, num quinto momento] a partir de 1 de julho de 2020 por um termo fixado livremente?

5)

Devem os artigos 49.o, 56.o, 45.o, 34.o, 35.o, 101.o ou 102.o […] TFUE, conjugados ou não com o artigo 106.o, n.o 1, […] TFUE, ser interpretados no sentido de que se opõem ao regime previsto no artigo 15.o, n.o 1, do [Decreto Real de 2004], a saber, a medida (transitória) segundo a qual os trabalhadores portuários reconhecidos ao abrigo do antigo regime são automaticamente reconhecidos como trabalhadores portuários na lista, o que dificulta a possibilidade da contratação direta (com um contrato por tempo indeterminado) dos referidos trabalhadores portuários por um empregador e impede os empregadores de captar mão de obra adequada mediante a celebração direta com esses trabalhadores de um contrato por tempo indeterminado e de oferecer a estes últimos estabilidade no emprego segundo as regras gerais do direito do trabalho?

6)

Devem os artigos 49.o, 56.o, 45.o, 34.o, 35.o, 101.o ou 102.o […] TFUE, conjugados ou não com o artigo 106.o, n.o 1, […] TFUE, ser interpretados no sentido de que se opõem ao regime introduzido pelo artigo 4.o, § 2, do [Decreto Real de 2004], a saber, o regime segundo o qual são fixadas por [CCT] as condições e modalidades em que um trabalhador portuário pode prestar trabalho numa zona portuária diferente daquela onde foi reconhecido, e por força do qual a mobilidade dos trabalhadores entre zonas portuárias é limitada, sem que o próprio legislador esclareça quais possam ser essas condições ou modalidades?

7)

Devem os artigos 49.o, 56.o, 45.o, 34.o, 35.o, 101.o ou 102.o […] TFUE, conjugados ou não com o artigo 106.o, n.o 1, […] TFUE, [ser interpretados] no sentido de que se opõem ao regime introduzido pelo artigo 1.o, § 3, do [Decreto Real de 2004], a saber, o regime pelo qual os trabalhadores (de logística) que prestam trabalho, na aceção do artigo 1.o do [Decreto Real de 1973] em locais onde os produtos, antes de serem ulteriormente distribuídos ou expedidos, são submetidos a uma transformação que implica indiretamente um valor acrescido demonstrável, devem dispor de um certificado de segurança, certificado este que constitui um reconhecimento na aceção da [Lei relativa ao Trabalho Portuário], atendendo a que este certificado é solicitado pelo empregador que celebrou um contrato de trabalho com um trabalhador para realizar atividades nessa aceção e a respetiva emissão é feita mediante apresentação do contrato de trabalho e do bilhete de identidade, sendo as modalidades do procedimento a observar estabelecidas por [CCT], sem que o legislador esclareça este aspeto?»

Processo C‑471/19

32

A Middlegate Europe é uma empresa de transportes sediada em Zeebrugge (Bélgica), que opera em toda a Europa. No âmbito do transporte rodoviário internacional, os seus trabalhadores preparam, com o auxílio de um «tugmaster» (trator rebocador), entre outras coisas, o carregamento de semirreboques no cais do porto de Zeebrugge, para serem enviados para o Reino Unido e a Irlanda.

33

Em 12 de janeiro de 2011, um trabalhador que, no âmbito de um transporte rodoviário internacional com partida de Virton (Bélgica) e com destino a Bury (Reino Unido), preparava esses carregamentos foi sujeito a um controlo policial. Na sequência desse controlo, os serviços de polícia lavraram um auto contra a Middlegate Europe por infração ao artigo 1.o da Lei relativa ao Trabalho Portuário, ou seja, devido a um trabalho portuário efetuado por um trabalhador portuário não reconhecido.

34

Por Decisão de 17 de janeiro de 2013, foi aplicada à Middlegate Europe uma coima no valor de 100 euros. Esta sociedade interpôs recurso dessa decisão no arbeidsrechtbank Gent, afdeling Brugge (Tribunal do Trabalho de Gand, Secção de Bruges, Bélgica). Por Decisão de 17 de dezembro de 2014, esse órgão jurisdicional negou provimento ao recurso. Por Acórdão de 3 de novembro de 2016, o arbeidshof te Gent (Tribunal Superior do Trabalho de Gand, Bélgica) negou provimento ao recurso interposto da decisão adotada em primeira instância.

35

Em seguida, a Middlegate Europe interpôs recurso do referido acórdão no Hof van Cassatie (Tribunal de Cassação, Bélgica). No âmbito deste processo, alegou que os artigos 1.o e 2.o da Lei relativa ao Trabalho Portuário violam os artigos 10.o, 11.o e 23.o da Constituição belga, na medida em que violam a liberdade de comércio e de indústria das empresas. A pedido da Middlegate Europe, o Hof van Cassatie (Tribunal de Cassação) decidiu submeter duas questões prejudiciais ao órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑471/19, o Grondwettelijk Hof (Tribunal Constitucional, Bélgica).

36

Esse órgão jurisdicional salienta que a liberdade de comércio e indústria, conforme consagrada pela Constituição belga, está estreitamente ligada à liberdade profissional, ao direito de trabalhar e à liberdade de empresa, que são garantidos pelos artigos 15.o e 16.o da Carta, e a várias liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado FUE, como a livre prestação de serviços (artigo 56.o TFUE) e a liberdade de estabelecimento (artigo 49.o TFUE).

37

Em primeiro lugar, a Cour constitutionnelle (Tribunal Constitucional) considera que a obrigação imposta, por força da Lei relativa ao Trabalho Portuário, às empresas que pretendam prestar, numa zona portuária, trabalho portuário, incluindo atividades alheias à carga e descarga de navios, de recorrerem apenas a trabalhadores portuários reconhecidos e de se inscreverem obrigatoriamente, para esse efeito, numa organização representativa dos empregadores reconhecida parece restringir, relativamente a essas empresas, a liberdade de escolha do pessoal e a liberdade de negociação das condições de trabalho.

38

Por conseguinte, esse órgão jurisdicional considera que os artigos 1.o e 2.o da Lei relativa ao Trabalho Portuário implicam uma restrição à liberdade de estabelecimento, na aceção do artigo 49.o TFUE. À luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, em especial do Acórdão de 11 de dezembro de 2014, Comissão/Espanha (C‑576/13, não publicado, EU:C:2014:2430), interroga‑se sobre se essa restrição é ou não justificada, tendo em conta as características e as circunstâncias específicas da regulamentação nacional em matéria de trabalho portuário.

39

A este respeito, observa que o objetivo do legislador belga, aquando da adoção da Lei relativa ao Trabalho Portuário, era proteger a profissão de trabalhador portuário proibindo aos trabalhadores não reconhecidos a execução de trabalho portuário. Com efeito, ao conferir uma base jurídica ao estatuto de «trabalhador portuário reconhecido» — que está estreitamente ligado ao caráter específico, difícil e perigoso do trabalho portuário —, este legislador procurou reservar as atividades de manutenção das mercadorias nos portos, cuja tecnicidade evolui rapidamente, exclusivamente aos trabalhadores que tenham seguido uma formação profissional sólida, destinada a avaliar tanto as suas qualificações profissionais como as suas capacidades físicas e intelectuais. Ao instituir este estatuto e o monopólio de trabalho que lhe está associado, o referido legislador quis igualmente responder à preocupação de garantir a segurança nas zonas portuárias e de evitar acidentes de trabalho, por um lado, e à necessidade de ter diariamente trabalhadores especializados à disposição de um porto que combina produtividade, serviço e competitividade, por outro. Ao exigir a inscrição do empregador numa única organização de empregadores aprovada por zona portuária, interveniente na qualidade de secretariado social de gestão, o legislador belga procurou, além disso, garantir a igualdade de tratamento em matéria de direitos sociais entre todos os trabalhadores portuários relativamente a todas as obrigações de direito social decorrentes do estatuto de trabalhador portuário reconhecido.

40

Em segundo lugar, o Grondwettelijk Hof (Tribunal Constitucional) chama a atenção para que, enquanto se aguarda a intervenção do legislador belga, a declaração simples e pura da inconstitucionalidade dos artigos 1.o e 2.o da Lei relativa ao Trabalho Portuário poderia ter como efeito que milhares de trabalhadores portuários se encontrassem inesperadamente, durante um determinado período de tempo, numa situação de grande incerteza no que respeita ao seu estatuto jurídico no mercado de trabalho, o que poderia ter consequências sociais e financeiras nefastas para os trabalhadores portuários. Os poderes públicos podem, nas mesmas circunstâncias, ser também confrontados com consequências graves.

41

A fim de evitar, se for caso disso, a insegurança jurídica e o descontentamento social, e a fim de permitir ao legislador belga adaptar a organização do trabalho portuário nas zonas portuárias às obrigações decorrentes da Constituição belga, em conjugação com a liberdade de comércio e de indústria garantidas pelos artigos 15.o e 16.o da Carta e com o artigo 49.o TFUE, o Grondwettelijk Hof (Tribunal Constitucional) salienta que, nos termos do direito belga, pode manter temporariamente os efeitos dos artigos 1.o e 2.o da Lei relativa ao Trabalho Portuário.

42

Nestas circunstâncias, o Grondwettelijk Hof (Tribunal Constitucional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 49.o [TFUE], independentemente de ser lido ou não em conjugação com o artigo 56.o do mesmo Tratado, com os artigos 15.o e 16.o da [Carta] e com o princípio da igualdade, ser interpretado no sentido de que se opõe a um regime nacional que impõe às pessoas ou empresas que pretendam realizar, na zona portuária belga, atividades de trabalho portuário na aceção da [Lei relativa ao Trabalho Portuário], incluindo atividades para além da carga e descarga de navios em sentido estrito, que recorram apenas a trabalhadores portuários reconhecidos?

2)

Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, pode o Grondwettelijk Hof (Tribunal Constitucional) manter os efeitos dos artigos 1.o e 2.o da [Lei relativa ao Trabalho Portuário], a fim de evitar a insegurança jurídica e o descontentamento social e permitir que o legislador os torne conformes com as obrigações decorrentes do direito da União […]?»

43

Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 19 de julho de 2020, os processos C‑407/19 e C‑471/19 foram apensados para efeitos das fases escrita e oral, bem como do acórdão.

Quanto ao pedido de reabertura da fase oral do processo

44

Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 27 de outubro de 2020, a Katoen Natie Bulk Terminals, a General Services Antwerp e a Middlegate Europe pediram que fosse ordenada a reabertura da fase oral do processo, em aplicação do artigo 83.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

45

Em apoio do seu pedido, alegaram, em substância, por um lado, que resulta de determinados documentos que se tornaram acessíveis após a leitura das conclusões do advogado‑geral que o Governo belga e as organizações de empregadores e de trabalhadores do setor portuário se concertaram e decidiram manter a regulamentação em causa nos processos principais, ainda que o Tribunal de Justiça siga as propostas do advogado‑geral. Por outro lado, pretendem chamar a atenção do Tribunal de Justiça para decisões recentes em matéria de trabalho portuário proferidas por órgãos jurisdicionais de Estados‑Membros.

46

Por força do artigo 83.o do seu Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, ouvido o advogado‑geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido, ou quando, após o encerramento dessa fase, uma parte invocar um facto novo que possa ter influência determinante na decisão do Tribunal, ou ainda quando o processo deva ser resolvido com base num argumento que não foi debatido entre as partes ou os interessados referidos no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

47

Esta situação não se verifica no caso em apreço. A posição que o Governo belga e as organizações de empregadores e de trabalhadores do setor portuário pretendem adotar caso o Tribunal de Justiça siga as propostas apresentadas pelo advogado‑geral nas suas conclusões não é pertinente para a resposta a dar às questões dos órgãos jurisdicionais de reenvio nos presentes processos. Do mesmo modo, a jurisprudência nacional recente, referida pela Katoen Natie Bulk Terminals, pela General Services Antwerp e pela Middlegate Europe no seu pedido de reabertura da fase oral do processo, também não é pertinente para esse efeito. Trata‑se, por um lado, de uma decisão da autoridade da concorrência espanhola adotada na sequência da prolação do Acórdão de 11 de dezembro de 2014, Comissão/Espanha (C‑576/13, não publicado, EU:C:2014:2430), e, por outro, de um acórdão de um órgão jurisdicional neerlandês, sem relação com a regulamentação em causa nos processos principais.

48

Além disso, na medida em que, no seu pedido de reabertura da fase oral do processo, a Katoen Natie Bulk Terminals, a General Services Antwerp e a Middlegate Europe expressam o seu desacordo com certas apreciações que figuram nas conclusões do advogado‑geral, convém recordar, por um lado, que o Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e o Regulamento de Processo deste não preveem a possibilidade de as partes interessadas apresentarem observações em resposta às conclusões apresentadas pelo advogado‑geral (Acórdão de 4 de setembro de 2014, Vnuk, C‑162/13, EU:C:2014:2146, n.o 30 e jurisprudência referida).

49

Por outro lado, por força do artigo 252.o, segundo parágrafo, TFUE, cabe ao advogado‑geral apresentar publicamente, com toda a imparcialidade e independência, conclusões fundamentadas sobre os processos que, nos termos do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, requeiram a sua intervenção. A este respeito, o Tribunal de Justiça não está vinculado pelas conclusões do advogado‑geral nem pela fundamentação no termo da qual este chega a essas conclusões. Por conseguinte, o desacordo de uma parte com as conclusões do advogado‑geral, sejam quais forem as questões que este examina nas mesmas, não constitui, por si, um fundamento justificativo da reabertura da fase oral do processo (Acórdão de 4 de setembro de 2014, Vnuk, C‑162/13, EU:C:2014:2146, n.o 31 e jurisprudência referida).

50

Atendendo a todas as considerações precedentes, o Tribunal de Justiça considera que não há que ordenar a reabertura da fase oral do processo.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à competência do Tribunal de Justiça

51

Importa observar que, tanto no processo C‑407/19 como no processo C‑471/19, os elementos do litígio se circunscrevem a um único Estado‑Membro.

52

A este respeito, por um lado, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio indicar ao Tribunal de Justiça em que medida, apesar do seu caráter puramente interno, o litígio nele pendente revela um elemento de conexão com as disposições do direito da União relativas às liberdades fundamentais que torna a interpretação prejudicial solicitada necessária para a solução desse litígio (Acórdão de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten, C‑268/15, EU:C:2016:874, n.o 55). Ora, como resulta dos n.os 18 a 20 do presente acórdão, no processo C‑407/19, o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) teve o cuidado de explicar em que medida a vocação internacional das zonas portuárias situadas na Bélgica permite considerar que as situações abrangidas pela regulamentação nacional aplicável apresentam tal elemento de conexão com o direito da União. Essas considerações mostram‑se plenamente transponíveis para o litígio de que o Grondwettelijk Hof (Tribunal Constitucional) é chamado a conhecer no processo C‑471/19.

53

Por outro lado, quando o órgão jurisdicional de reenvio recorre ao Tribunal de Justiça no âmbito de um processo de anulação de disposições aplicáveis não apenas aos cidadãos nacionais mas também aos nacionais dos outros Estados‑Membros, a decisão que esse órgão jurisdicional adotar na sequência do seu acórdão proferido a título prejudicial irá produzir efeitos também relativamente a estes últimos nacionais, o que justifica que o Tribunal de Justiça responda às questões que lhe foram submetidas relacionadas com as disposições do Tratado relativas às liberdades fundamentais, ainda que todos os elementos do litígio no processo principal estejam circunscritos a um só Estado‑Membro (Acórdão de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten, C‑268/15, EU:C:2016:874, n.o 51 e jurisprudência referida). Este entendimento é igualmente válido no caso de o Tribunal de Justiça ser chamado a pronunciar‑se no âmbito de um processo relativo à compatibilidade dessas disposições nacionais com o direito da União. Ora, as disposições nacionais em causa nos processos principais são indistintamente aplicáveis tanto aos nacionais belgas como aos nacionais dos outros Estados‑Membros.

54

Daqui resulta que o Tribunal de Justiça é competente para se pronunciar sobre todas as questões prejudiciais.

Quanto às questões prejudiciais no processo C‑471/19

Quanto à primeira questão

55

Com a sua primeira questão no processo C‑471/19, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 49.o e 56.o TFUE, os artigos 15.o e 16.o da Carta, bem como o princípio da igualdade de tratamento, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que obriga as pessoas ou empresas que pretendam exercer atividades portuárias numa zona portuária, incluindo atividades alheias à carga e descarga de navios em sentido estrito, a recorrer apenas a trabalhadores portuários reconhecidos como tais em conformidade com as condições e modalidades fixadas em aplicação desta regulamentação.

56

Antes de mais, há que indicar que, no que se refere à compatibilidade com os artigos 15.o e 16.o da Carta de uma regulamentação nacional por força da qual as empresas que pretendam prestar serviços portuários devem obrigatoriamente recorrer a trabalhadores portuários reconhecidos, uma análise da restrição induzida pela regulamentação nacional nos termos dos artigos 49.o e 56.o TFUE abrange igualmente as eventuais restrições ao exercício dos direitos e das liberdades previstos nos artigos 15.o a 17.o da Carta, pelo que não é necessária uma análise separada a título de uma eventual incompatibilidade com a liberdade de empresa (v., neste sentido, Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Global Starnet, C‑322/16, EU:C:2017:985, n.o 50 e jurisprudência referida).

57

Na medida em que o órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑471/19 evocou, na sua primeira questão, o princípio da igualdade de tratamento, há que salientar que uma regulamentação nacional como a que está em causa nesta questão se aplica de forma idêntica tanto aos trabalhadores residentes como aos não residentes que, por conseguinte, são tratados em pé de igualdade.

58

No entanto, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que os artigos 49.o e 56.o TFUE se opõem a qualquer medida nacional que, ainda que se aplique sem discriminação em razão da nacionalidade, seja suscetível de impedir, entravar ou tornar menos atrativo o exercício, por parte dos nacionais da União Europeia, da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços garantidas por estas disposições do Tratado (Acórdão de 10 de julho de 2014, Consorzio Stabile Libor Lavori Pubblici, C‑358/12, EU:C:2014:2063, n.o 28 e jurisprudência referida).

59

Ora, há que observar, à semelhança do órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑471/19 e do advogado‑geral nos n.os 52 e 53 das suas conclusões, que uma regulamentação de um Estado‑Membro que obriga as empresas provenientes de outros Estados‑Membros que pretendam estabelecer‑se nesse Estado‑Membro para aí exercerem atividades portuárias ou que, sem se estabelecerem no referido Estado‑Membro, aí pretendam prestar serviços portuários a recorrer apenas a trabalhadores portuários reconhecidos como tais em conformidade com essa regulamentação impede a referida empresa de recorrer ao seu próprio pessoal ou de recrutar outros trabalhadores não reconhecidos e, por conseguinte, é suscetível de prejudicar ou tornar menos atrativo o estabelecimento dessa empresa no Estado‑Membro em causa ou a prestação, por esta, de serviços no referido Estado‑Membro.

60

Por conseguinte, constitui uma restrição às liberdades garantidas pelos artigos 49.o e 56.o TFUE (v., por analogia, Acórdão de 11 de dezembro de 2014, Comissão/Espanha, C‑576/13, não publicado, EU:C:2014:2430, n.os 37 e 38).

61

Tais restrições podem ser justificadas por razões imperiosas de interesse público, desde que sejam adequadas para garantir a realização do objetivo prosseguido e não excedam o necessário para atingir esse objetivo, concretamente se não existirem medidas menos restritivas que permitam atingi‑lo de forma igualmente eficaz (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de dezembro de 2007, International Transport Workers’ Federation e Finnish Seamen’s Union, C‑438/05, EU:C:2007:772, n.o 75; de 10 de julho de 2014, Consorzio Stabile Libor Lavori Pubblici, C‑358/12, EU:C:2014:2063, n.o 31; e de 11 de dezembro de 2014, Comissão/Espanha, C‑576/13, não publicado, EU:C:2014:2430, n.os 47 e 53).

62

Resulta das indicações do órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑471/19, resumidas no n.o 39 do presente acórdão, que coincidem com as explicações dadas pelo Governo belga nas suas observações escritas, que as disposições da Lei relativa ao Trabalho Portuário em causa no processo principal visam, em substância, garantir a segurança nas zonas portuárias e prevenir os acidentes de trabalho, assegurar a disponibilidade de mão de obra especializada tendo em conta a flutuação da procura de trabalho nessas zonas e garantir a igualdade de tratamento em matéria de direitos sociais entre todos os trabalhadores portuários.

63

Primeiro, quanto ao objetivo de garantir a igualdade de tratamento em matéria de direitos sociais entre todos os trabalhadores portuários, importa recordar que a proteção dos trabalhadores constitui uma razão imperiosa de interesse geral suscetível de justificar uma restrição às liberdades de circulação (v., designadamente, Acórdãos de 11 de dezembro de 2007, International Transport Workers’ Federation e Finnish Seamen’s Union, C‑438/05, EU:C:2007:772, n.o 77, e de 11 de dezembro de 2014, Comissão/Espanha, C‑576/13, não publicado, EU:C:2014:2430, n.o 50).

64

No entanto, esse objetivo não pode ser alcançado por uma regulamentação nacional que obriga pessoas ou empresas que pretendam exercer atividades portuárias numa zona portuária a recorrer apenas a trabalhadores portuários reconhecidos, na medida em que o simples facto de um trabalhador portuário ser reconhecido como tal não implica que este goze dos mesmos direitos sociais que todos os outros trabalhadores portuários reconhecidos. Com efeito, resulta do pedido de decisão prejudicial que esse objetivo poderia ser alcançado pela obrigação dos empregadores de trabalhadores portuários de se inscreverem numa organização única. Ora, essa obrigação pode ser imposta nos termos do artigo 3 bis da Lei relativa ao Trabalho Portuário, que não é visado pela presente questão.

65

Segundo, quanto ao objetivo de assegurar a disponibilidade de mão de obra especializada, admitindo que possa ser considerado como constituindo uma razão imperiosa de interesse geral, na aceção da jurisprudência referida no n.o 61 do presente acórdão, como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 68 das suas conclusões, um sistema rígido que prevê a constituição de um contingente limitado de trabalhadores portuários reconhecidos ao qual deve obrigatoriamente recorrer qualquer empresa que pretenda exercer atividades portuárias excede o necessário para alcançar o objetivo de assegurar a disponibilidade de mão de obra especializada.

66

Terceiro, no que diz respeito ao objetivo mais específico de garantir a segurança nas zonas portuárias e prevenir os acidentes de trabalho, como recordado no n.o 63 do presente acórdão, a proteção dos trabalhadores figura entre as razões imperiosas de interesse geral suscetíveis de justificar uma restrição às liberdades de circulação.

67

O mesmo se aplica ao objetivo mais específico de garantir a segurança nas zonas portuárias (v., neste sentido, Acórdão de 11 de dezembro de 2014, Comissão/Espanha, C‑576/13, não publicado, EU:C:2014:2430, n.os 49 a 52).

68

A este respeito, há que salientar, à semelhança do advogado‑geral nos n.os 70 e 71 das suas conclusões, que, na medida em que os artigos 1.o e 2.o da Lei relativa ao Trabalho Portuário se limitam a instituir um regime de reconhecimento dos trabalhadores portuários, cujas condições e modalidades concretas de execução devem ser fixadas por atos adotados nos termos do artigo 3.o desta lei, não se pode considerar que, consideradas isoladamente, estas disposições sejam, por si mesmas, inadequadas ou desproporcionadas para alcançar o objetivo de garantir a segurança nas zonas portuárias e prevenir acidentes de trabalho.

69

Com efeito, o caráter necessário e proporcionado desse regime, e, consequentemente, a sua compatibilidade com os artigos 49.o e 56.o TFUE, deve ser apreciado de forma global, tendo em conta todas as condições previstas para o reconhecimento dos trabalhadores portuários e as modalidades de aplicação desse regime.

70

Uma regulamentação nacional segundo a qual as empresas que pretendam prestar serviços portuários devem obrigatoriamente recorrer a trabalhadores portuários reconhecidos só pode ser considerada proporcionada em relação ao objetivo prosseguido se o reconhecimento dos trabalhadores portuários se basear em critérios objetivos, não discriminatórios e conhecidos antecipadamente, de modo a enquadrar o exercício do poder de apreciação da autoridade responsável pelo seu reconhecimento e a assegurar que este não seja utilizado de modo arbitrário (v., por analogia, Acórdão de 17 de julho de 2008, Comissão/França, C‑389/05, EU:C:2008:411, n.o 94 e jurisprudência referida).

71

Além disso, uma vez que o objetivo dessa regulamentação é garantir a segurança nas zonas portuárias e prevenir acidentes de trabalho, as condições de reconhecimento dos trabalhadores portuários devem, logicamente, incidir unicamente sobre a questão de saber se estes dispõem das qualidades e aptidões necessárias para assegurar a execução das tarefas que lhes incumbem com toda a segurança.

72

Para esse efeito, como salientou o advogado‑geral no n.o 76 das suas conclusões, pode eventualmente prever‑se que, para serem reconhecidos, os trabalhadores portuários devem dispor de uma formação profissional suficiente.

73

Contudo, uma exigência segundo a qual essa formação deve ser ministrada ou atestada por um único organismo determinado no Estado‑Membro em causa, sem ter em conta o eventual reconhecimento dos interessados como trabalhadores portuários noutro Estado‑Membro da União, ou a formação que estes tenham seguido noutro Estado‑Membro da União e as aptidões profissionais que aí tenham adquirido, é desproporcionada em relação ao objetivo prosseguido (v., neste sentido, Acórdão de 5 de fevereiro de 2015, Comissão/Bélgica, C‑317/14, EU:C:2015:63, n.os 27 a 29).

74

Por outro lado, como salientou o advogado‑geral, em substância, no n.o 88 das suas conclusões, a limitação do número de trabalhadores portuários que podem ser objeto de reconhecimento e, por conseguinte, a constituição de um contingente restrito desses trabalhadores, aos quais qualquer empresa que pretenda exercer atividades portuárias deve obrigatoriamente recorrer, admitindo que seja adequada para garantir a segurança nas zonas portuárias, é certamente desproporcionada em relação à realização desse objetivo.

75

Com efeito, este objetivo também pode ser alcançado prevendo que qualquer trabalhador capaz de demonstrar que dispõe das competências profissionais exigidas e, sendo caso disso, que seguiu uma formação adequada pode ser reconhecido como trabalhador portuário.

76

Atendendo às considerações precedentes, há que responder à primeira questão no processo C‑471/19 que os artigos 49.o e 56.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional que obriga pessoas ou empresas que pretendam exercer atividades portuárias numa zona portuária, incluindo atividades alheias à carga e descarga de navios em sentido estrito, a recorrer apenas a trabalhadores portuários reconhecidos como tais, em conformidade com as condições e modalidades fixadas em aplicação dessa regulamentação, desde que as referidas condições e modalidades, por um lado, sejam baseadas em critérios objetivos, não discriminatórios, conhecidos antecipadamente e que permitam aos trabalhadores portuários de outros Estados‑Membros demonstrar que cumprem, no seu Estado de origem, exigências equivalentes às aplicadas aos trabalhadores portuários nacionais e, por outro, não estabeleçam um contingente limitado de trabalhadores que possam ser objeto desse reconhecimento.

Quanto à segunda questão no processo C‑471/19

77

A segunda questão no processo C‑471/19 diz respeito à hipótese de decorrer da resposta à primeira questão que os artigos 49.o e 56.o TFUE se opõem a uma regulamentação nacional como a dos artigos 1.o e 2.o da Lei relativa ao Trabalho Portuário. O órgão jurisdicional de reenvio neste processo pergunta, em substância, se, em tal hipótese, pode manter provisoriamente os efeitos destes artigos, a fim de evitar uma insegurança jurídica e um descontentamento social no Estado‑Membro em causa.

78

Ora, resulta da resposta à primeira questão que disposições nacionais como os artigos 1.o e 2.o da Lei relativa ao Trabalho Portuário não são, enquanto tais, incompatíveis com as liberdades consagradas nos artigos 49.o e 56.o TFUE, mas que a apreciação da compatibilidade, com essas liberdades, do regime instituído em aplicação destas disposições requer uma abordagem global, que tome em consideração todas as condições e modalidades de execução desse regime.

79

Nestas circunstâncias, não há que responder à segunda questão no processo C‑471/19.

Quanto às questões prejudiciais no processo C‑407/19

Observações preliminares

80

As questões prejudiciais no processo C‑407/19 visam permitir ao órgão jurisdicional de reenvio neste processo apreciar a compatibilidade com o direito da União de diferentes disposições do Decreto Real de 2004, que estabelece as modalidades de aplicação das disposições da Lei relativa ao Trabalho Portuário. Esse órgão jurisdicional refere‑se, neste contexto, às diferentes liberdades de circulação garantidas pelo Tratado.

81

A este respeito, resulta, em primeiro lugar, da resposta dada à primeira questão prejudicial no processo C‑471/19 que essa regulamentação está abrangida pela liberdade de estabelecimento e pela livre prestação de serviços garantidas, respetivamente, nos artigos 49.o e 56.o TFUE.

82

Em segundo lugar, importa precisar que tal regulamentação está igualmente abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 45.o TFUE. Com efeito, o benefício desta disposição pode ser invocado não apenas pelos próprios trabalhadores mas também pelos seus empregadores. Para ser eficaz e útil, o direito que os trabalhadores têm de ser contratados e de terem uma ocupação, sem discriminação, deve necessariamente ter como complemento o direito de os empregadores os contratarem, no respeito das regras em matéria de livre circulação dos trabalhadores (Acórdão de 16 de abril de 2013, Las,C‑202/11, EU:C:2013:239, n.o 18). As disposições do Tratado FUE relativas à livre circulação de pessoas, vistas no seu conjunto, visam facilitar, aos nacionais da União, o exercício de atividades profissionais de qualquer natureza em todo o território desta e opõem‑se a medidas que possam desfavorecer esses nacionais quando desejem exercer uma atividade económica no território de outro Estado‑Membro. Estas disposições e, em particular, o artigo 45.o TFUE opõem‑se, assim, a qualquer medida que, embora aplicável sem discriminação em razão da nacionalidade, seja suscetível de afetar ou de tornar menos atrativo o exercício, pelos nacionais da União, das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado (Acórdão de 16 de abril de 2013, Las, C‑202/11, EU:C:2013:239, n.os 19, 20 e jurisprudência referida).

83

Em terceiro lugar, embora o órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑407/19 tenha igualmente evocado, na redação das suas questões, os artigos 34.o e 35.o TFUE, relativos à livre circulação de mercadorias, importa, todavia, observar que não forneceu nenhuma indicação quanto ao efeito concreto sobre esta liberdade de uma regulamentação nacional como a visada por essas questões.

84

Em qualquer caso, há que recordar que, quando uma medida nacional restringe tanto a livre prestação de serviços como a livre circulação de mercadorias, o Tribunal de Justiça examina, em princípio, relativamente apenas a uma dessas liberdades fundamentais, se se verifica que, nas circunstâncias do caso concreto, uma delas é completamente secundária em relação à outra e se pode estar ligada a ela (Acórdão de 14 de outubro de 2004, Omega, C‑36/02, EU:C:2004:614, n.o 26 e jurisprudência referida).

85

O mesmo se aplica a uma medida que restringe tanto a liberdade de estabelecimento, ou a livre circulação de trabalhadores, como a livre circulação de mercadorias.

86

Ora, admitindo que uma regulamentação nacional como a referida no n.o 80 do presente acórdão seja suscetível de restringir igualmente a livre circulação de mercadorias, na medida em que os trabalhadores portuários efetuam igualmente prestações relativas ao transporte de mercadorias que transitam pelos portos, é evidente que essa restrição é totalmente secundária relativamente às restrições à livre circulação dos trabalhadores e dos serviços, bem como à liberdade de estabelecimento.

87

Em quarto lugar, embora o órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑407/19 evoque, na redação das questões submetidas ao Tribunal de Justiça, os artigos 101.o, 102.o e 106.o TFUE, também não forneceu explicações suficientes para permitir a este último apreciar se essas disposições devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal.

88

De resto, como recordou o advogado‑geral no n.o 38 das suas conclusões, o Tribunal de Justiça já declarou que uma regulamentação como a que está em causa no processo principal, que obriga os particulares a recorrer, para a execução de trabalhos portuários, exclusivamente a trabalhadores portuários reconhecidos, não está abrangida pelos artigos 101.o, 102.o e 106.o, n.o 1, TFUE, na medida em que, mesmo considerados conjuntamente, os trabalhadores portuários não podem ser considerados «empresas», na aceção destas disposições (v., neste sentido, Acórdão de 16 de setembro de 1999, Becu e o., C‑22/98, EU:C:1999:419, n.os 27, 30 e 31).

89

Atendendo às considerações precedentes, há que examinar as questões prejudiciais no processo C‑407/19 apenas à luz dos artigos 45.o, 49.o e 56.o TFUE.

90

A este respeito, resulta dos n.os 59 e 60 do presente acórdão que uma regulamentação de um Estado‑Membro que, à semelhança dos artigos 1.o e 2.o da Lei relativa ao Trabalho Portuário, obriga as empresas não residentes que pretendam estabelecer‑se nesse Estado‑Membro para aí exercerem atividades portuárias ou que, sem aí se estabelecerem, pretendam prestar nesse Estado‑Membro serviços portuários a recorrer apenas a trabalhadores portuários reconhecidos nos termos dessa regulamentação constitui uma restrição às liberdades garantidas pelos artigos 49.o e 56.o TFUE.

91

Da mesma forma, tal regulamentação nacional é suscetível de ter um efeito dissuasor nos trabalhadores e empregadores provenientes de outros Estados‑Membros e, consequentemente, constitui uma restrição à livre circulação dos trabalhadores, consagrada no artigo 45.o TFUE (v., por analogia, Acórdão de 16 de abril de 2013, Las, C‑202/11, EU:C:2013:239, n.o 22).

92

Além disso, resulta respetivamente dos n.os 61 e 63 do presente acórdão que tais restrições podem ser justificadas por razões imperiosas de interesse geral e que o objetivo de garantir a segurança nas zonas portuárias e prevenir acidentes de trabalho, invocado pelo Governo belga nas suas observações escritas, pode constituir uma razão desse tipo, suscetível de justificar essas restrições, desde que sejam necessárias e proporcionadas em relação ao objetivo prosseguido.

93

Por conseguinte, há que proceder, relativamente a cada uma das medidas a que se referem as questões prejudiciais no processo C‑407/19, à análise do seu caráter necessário e proporcionado em relação ao objetivo mencionado no número anterior.

Quanto à primeira questão, à segunda questão, alínea d), e à terceira e quarta questões

94

Com a primeira questão, a segunda questão, alínea d), e a terceira e quarta questões, que devem ser analisadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑407/19 pergunta, em substância, se os artigos 45.o, 49.o e 56.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional nos termos da qual:

o reconhecimento dos trabalhadores portuários incumbe a uma Comissão Administrativa, composta paritariamente por membros designados pelas organizações de empregadores e pelas organizações de trabalhadores;

esta comissão decide igualmente, em função da necessidade de mão de obra, se os trabalhadores reconhecidos devem ou não ser incluídos num contingente de trabalhadores portuários;

para os trabalhadores portuários não incluídos nesse contingente, a duração do seu reconhecimento é limitada à duração do seu contrato de trabalho, desde que este último tenha uma duração indeterminada, entendendo‑se que, em aplicação de uma disposição de direito transitório, esse benefício é, num primeiro momento, progressivamente alargado aos trabalhadores portuários que dispõem de um contrato de trabalho com uma duração cada vez mais curta e, num segundo momento, aos que dispõem de um contrato de trabalho, independentemente da sua duração;

não está previsto nenhum prazo máximo para a referida comissão tomar uma decisão; e

apenas está prevista uma impugnação judicial das decisões da mesma comissão relativas ao reconhecimento de um trabalhador portuário.

95

Primeiro, no que se refere à composição da Comissão Administrativa, há que salientar que, na medida em que, como resulta do n.o 92 do presente acórdão, a exigência de reconhecimento dos trabalhadores portuários visa garantir a segurança nas zonas portuárias e prevenir acidentes de trabalho, uma regulamentação ao abrigo da qual esse reconhecimento é concedido por um órgão administrativo composto paritariamente por membros designados pelas organizações de empregadores e de trabalhadores não se afigura necessária e adequada para alcançar esse objetivo.

96

Com efeito, não está garantido que os membros deste órgão, designados por essas organizações, disponham dos conhecimentos necessários para determinar se um trabalhador portuário preenche os critérios de reconhecimento, relativos à sua aptidão para executar as tarefas que lhe incumbem com toda a segurança.

97

Além disso, como salientou o advogado‑geral nos n.os 126 a 128 das suas conclusões, embora os membros do órgão competente para o reconhecimento dos trabalhadores portuários sejam designados por operadores já presentes no mercado, nomeadamente por uma organização que representa os trabalhadores portuários já reconhecidos suscetíveis de entrar em concorrência pelos postos de trabalho disponíveis com os trabalhadores que solicitam o respetivo reconhecimento, é legítimo duvidar da imparcialidade desses membros e, consequentemente, que possam pronunciar‑se sobre os pedidos de reconhecimento de forma objetiva, transparente e não discriminatória (v., por analogia, Acórdãos de 15 de janeiro de 2002, Comissão/Itália, C‑439/99, EU:C:2002:14, n.o 39; de 1 de julho de 2008, MOTOE, C‑49/07, EU:C:2008:376, n.o 51; e de 26 de setembro de 2013, Ottica New Line, C‑539/11, EU:C:2013:591, n.os 53 e 54).

98

Segundo, a falta de fixação de um prazo razoável no qual o órgão encarregado do reconhecimento dos trabalhadores portuários deve tomar a sua decisão também não se afigura necessária e adequada para alcançar o objetivo de garantir a segurança nas zonas portuárias e prevenir acidentes de trabalho.

99

Pelo contrário, a inexistência de tal prazo é suscetível de aumentar o risco de recusa arbitrária de reconhecimento de um trabalhador portuário que possua as qualidades exigidas, com o único objetivo de restringir a concorrência no mercado de trabalho em causa.

100

Terceiro, no que diz respeito ao facto de, segundo as indicações do órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑407/19, só estar previsto um recurso judicial contra as decisões da comissão encarregada do reconhecimento dos trabalhadores portuários, há que salientar que, para ser considerada proporcionada em relação ao objetivo prosseguido, uma medida que implique a restrição de uma liberdade fundamental deve poder ser objeto de fiscalização jurisdicional efetiva, garantida pelo artigo 47.o da Carta (v., neste sentido, Acórdão de 8 de maio de 2019, PI, C‑230/18, EU:C:2019:383, n.os 78 a 81).

101

Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑407/19 verificar, se for caso disso, se o recurso judicial previsto contra as decisões da Comissão Administrativa cumpre os requisitos dessa fiscalização.

102

Em contrapartida, o facto de não estar previsto nenhum recurso numa instância administrativa contra as decisões relativas ao reconhecimento dos trabalhadores portuários não é suscetível de criar dúvidas quanto ao caráter necessário e proporcionado de uma medida nacional que torne esse reconhecimento obrigatório.

103

Quarto, quanto à inclusão ou não dos trabalhadores portuários reconhecidos num contingente de trabalhadores, por decisão da Comissão Administrativa, saliente‑se que resulta das indicações do órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑407/19 que o pool previsto pelo Decreto Real de 2004 não constitui um contingente rígido como o referido no n.o 74 do presente acórdão, na medida em que, como resulta do artigo 2.o, n.o 3, deste decreto real, os trabalhadores não incluídos nesse pool podem ser contratados na qualidade de trabalhadores portuários, com base num contrato de trabalho.

104

No entanto, resulta desta última disposição, bem como das indicações do órgão jurisdicional de reenvio, que o reconhecimento dos trabalhadores não incluídos no pool está limitado à duração do seu contrato de trabalho, ao passo que, nos termos do artigo 2.o, n.o 2, do Decreto Real de 2004, os trabalhadores portuários incluídos no pool podem ser reconhecidos por tempo indeterminado.

105

Por outro lado, ao abrigo da disposição transitória do artigo 13.o, n.o 1, do Decreto Real de 2004, a possibilidade de beneficiar de um reconhecimento sem ser incluído no pool foi inicialmente limitada aos trabalhadores portuários que dispusessem de um contrato por tempo indeterminado e foi progressivamente alargada aos trabalhadores portuários que dispusessem de um contrato de trabalho por tempo determinado cada vez mais curto. Só a partir de 1 de julho de 2020 é que todos os trabalhadores portuários que disponham de um contrato de trabalho podem ser reconhecidos como tais, independentemente da duração do seu contrato.

106

A este respeito, há que salientar que é certo que uma regulamentação nacional por força da qual o reconhecimento dos trabalhadores portuários deve ser objeto de renovação a intervalos razoáveis não é incompatível com o objetivo de garantir a segurança nas zonas portuárias e de prevenir acidentes de trabalho, na medida em que a exigência de renovação periódica do reconhecimento permite assegurar que os trabalhadores portuários continuem a dispor das aptidões necessárias para exercer as tarefas que lhes incumbem com toda a segurança.

107

Contudo, uma regulamentação nos termos da qual apenas uma parte dos trabalhadores portuários pode beneficiar de um reconhecimento por tempo indeterminado, ao passo que o reconhecimento de outros trabalhadores portuários expira automaticamente no termo do seu contrato de trabalho, ainda que este tenha sido apenas de duração muito curta, pelo que estes últimos trabalhadores devem submeter‑se a um novo procedimento de reconhecimento sempre que celebram um novo contrato de trabalho, não se afigura adequada e necessária para alcançar o objetivo referido no número anterior.

108

Com efeito, não há motivos suscetíveis de justificar esse tratamento diferente das duas categorias de trabalhadores portuários que se encontram em situações totalmente semelhantes, do ponto de vista da segurança no seu local de trabalho.

109

É ainda mais assim porque, como salientou o advogado‑geral no n.o 157 das suas conclusões, os trabalhos de curta duração predominam na atividade portuária.

110

Com efeito, durante o período transitório referido no n.o 105 do presente acórdão, apenas os trabalhadores portuários incluídos no pool terão a possibilidade de celebrar contratos de trabalho de curta duração, o que leva, na prática, a uma situação em que esse pool é constituído por um número restrito de trabalhadores portuários a que se deve obrigatoriamente recorrer. Ora, já foi referido no n.o 74 do presente acórdão que a constituição desse contingente constitui uma medida desproporcionada relativamente ao objetivo de garantir a segurança nas zonas portuárias e não pode ser justificada à luz deste objetivo.

111

Por outro lado, mesmo após o termo do período transitório, o facto de os trabalhadores portuários não incluídos no pool deverem ser objeto de um novo reconhecimento sempre que celebrem um novo contrato de trabalho, ainda que recentemente, através da celebração de um contrato de trabalho anterior de curta duração, já tenham sido objeto de reconhecimento, constitui uma restrição às liberdades consagradas nos artigos 45.o, 49.o e 56.o TFUE, que não pode ser justificada à luz do objetivo mencionado no número anterior.

112

Com efeito, não se pode razoavelmente considerar que esses trabalhadores possam ter perdido, pouco tempo após o seu reconhecimento como trabalhadores portuários, as aptidões e qualidades que o justificaram um pouco antes.

113

Atendendo às considerações precedentes, há que responder à primeira questão, à segunda questão, alínea d), e à terceira e quarta questões no processo C‑407/19 que os artigos 45.o, 49.o e 56.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional por força da qual:

o reconhecimento dos trabalhadores portuários é da competência de uma comissão administrativa composta paritariamente por membros designados pelas organizações de empregadores e pelas organizações de trabalhadores;

esta comissão decide igualmente, em função da necessidade de mão de obra, se os trabalhadores reconhecidos devem ou não ser incluídos num contingente de trabalhadores portuários, entendendo‑se que, para os trabalhadores portuários não incluídos nesse contingente, a duração do seu reconhecimento está limitada à duração do respetivo contrato de trabalho, pelo que deve ser iniciado um novo procedimento de reconhecimento para cada novo contrato celebrado; e

não está previsto um prazo máximo para a referida comissão tomar uma decisão.

Quanto à segunda questão, alíneas a) c)

114

Com a sua segunda questão, alíneas a) a c), o órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑407/19 pergunta, em substância, se os artigos 45.o, 49.o e 56.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional nos termos da qual, a menos que possa demonstrar que preenche requisitos equivalentes noutro Estado‑Membro, um trabalhador deve, para ser reconhecido como trabalhador portuário:

ser declarado clinicamente apto para o trabalho portuário por um serviço externo para a prevenção e a proteção no trabalho, no qual esteja inscrita a organização na qual todos os empregadores que operam na zona portuária em causa devem obrigatoriamente inscrever‑se;

ser aprovado nos testes psicotécnicos realizados pelo órgão designado para o efeito por essa organização de empregadores;

frequentar durante três semanas cursos de formação de segurança no trabalho e destinados à aquisição de uma qualificação profissional, e

obter aprovação no exame final dessa formação.

115

Como salientou o advogado‑geral no n.o 140 das suas conclusões, as exigências de aptidão clínica, de aprovação num teste psicológico e de formação profissional prévia são, em princípio, condições adequadas para garantir a segurança nas zonas portuárias e proporcionais em relação a esse objetivo.

116

Com efeito, como alegou o Governo belga nas suas observações escritas, essas exigências oferecem garantias razoáveis de que o trabalho portuário será prestado da forma mais segura possível, por trabalhadores que apresentem o discernimento suficiente e disponham de formação e motivação adequadas a fim de reduzir o número de acidentes de trabalho e de outros riscos para a segurança pública relacionados com a manipulação de mercadorias.

117

O facto de a aptidão clínica dos candidatos ao reconhecimento como trabalhadores portuários ser controlada pelo serviço de prevenção e proteção no trabalho em que está inscrita a organização de empregadores da zona portuária em causa e de ser esta mesma organização que designa o órgão encarregado de efetuar os testes psicotécnicos nos quais esses candidatos devem obter aprovação para serem reconhecidos não é, por si só, suscetível de criar dúvidas quanto ao caráter adequado e proporcionado das referidas exigências.

118

No entanto, como salientou o advogado‑geral no n.o 141 das suas conclusões, esses exames médicos, testes ou provas, para serem considerados necessários e proporcionais relativamente ao objetivo prosseguido, devem ser efetuados em condições de transparência, de objetividade e de imparcialidade.

119

Por conseguinte, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑407/19 verificar se o papel desempenhado pela organização de empregadores e, sendo caso disso, pelos sindicatos de trabalhadores portuários reconhecidos na designação dos órgãos encarregados de efetuar esses exames, testes ou provas é suscetível, nas circunstâncias concretas do litígio no processo principal, de pôr em causa o caráter transparente, objetivo e imparcial destes exames, testes ou provas.

120

Atendendo às considerações precedentes, há que responder à segunda questão, alíneas a) a c), que os artigos 45.o, 49.o e 56.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional nos termos da qual, a menos que possa demonstrar que preenche requisitos equivalentes noutro Estado‑Membro, um trabalhador deve, para ser reconhecido como trabalhador portuário:

ser declarado clinicamente apto para o trabalho portuário por um serviço externo para a prevenção e a proteção no trabalho, no qual esteja inscrita a organização na qual todos os empregadores que operam na zona portuária em causa devem obrigatoriamente inscrever‑se;

ser aprovado nos testes psicotécnicos realizados pelo órgão designado para o efeito por essa organização de empregadores;

frequentar durante três semanas cursos de formação de segurança no trabalho e destinados à aquisição de uma qualificação profissional; e

obter aprovação no exame final;

desde que a missão confiada à organização de empregadores e, se for caso disso, aos sindicatos dos trabalhadores portuários reconhecidos na designação dos órgãos encarregados de efetuar esses exames, testes ou provas não seja suscetível de pôr em causa o caráter transparente, objetivo e imparcial destes últimos.

Quanto à quinta questão

121

Com a sua quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 45.o, 49.o e 56.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional ao abrigo da qual os trabalhadores portuários, reconhecidos como tais em conformidade com o regime jurídico que lhes era aplicável antes da entrada em vigor dessa regulamentação, mantêm, em aplicação desta última, a qualidade de trabalhadores portuários reconhecidos e são incluídos no contingente de trabalhadores portuários previsto pela referida regulamentação.

122

Na medida em que, como resulta do n.o 62 do presente acórdão, o objetivo de um regime de reconhecimento dos trabalhadores portuários, tal como descrito pelo órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑407/19, é garantir a segurança nas zonas portuárias e prevenir os acidentes de trabalho, uma regulamentação nacional ao abrigo da qual os trabalhadores portuários reconhecidos como tais na vigência de um regime análogo anterior mantêm o seu reconhecimento na vigência do novo regime não parece inadequada para alcançar o objetivo prosseguido nem desproporcionada em relação a esse objetivo.

123

Com efeito, pode razoavelmente presumir‑se que os trabalhadores portuários já reconhecidos sob o regime anterior dispõem já das aptidões e das qualidades necessárias para garantir a segurança nas zonas portuárias.

124

Resulta das indicações prestadas pelo órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑407/19 que a sua quinta questão se baseia na argumentação que lhe foi apresentada pelas recorrentes neste processo principal, segundo a qual uma medida como a referida no n.o 121 do presente acórdão é suscetível de privar um empregador da possibilidade de recrutar diretamente, ou seja, fora do pool, trabalhadores portuários já reconhecidos, na medida em que estes últimos estariam reticentes em deixar esse pool para celebrar esse contrato de trabalho, uma vez que, desta forma, perderiam o seu reconhecimento.

125

Ora, essa argumentação não critica a manutenção, sob o novo regime jurídico, do reconhecimento obtido por um trabalhador portuário ao abrigo do regime jurídico anterior, mas o facto de essa manutenção não ser adquirida se o trabalhador em causa deixar o pool para celebrar um contrato de trabalho diretamente com um empregador.

126

A este respeito, como resulta do n.o 113 do presente acórdão, os artigos 45.o, 49.o e 56.o TFUE opõem‑se a uma regulamentação nacional por força da qual um trabalhador portuário reconhecido, mas não incluído no contingente de trabalhadores que a mesma prevê, deve ser objeto de um novo procedimento de reconhecimento por cada novo contrato de trabalho celebrado.

127

Atendendo às considerações precedentes, há que responder à quinta questão no processo C‑407/19 que os artigos 45.o, 49.o e 56.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional ao abrigo da qual os trabalhadores portuários, reconhecidos como tais em conformidade com o regime jurídico que lhes era aplicável antes da entrada em vigor dessa regulamentação, mantêm, em aplicação desta última, a qualidade de trabalhadores portuários reconhecidos e são incluídos no contingente de trabalhadores portuários previsto pela referida regulamentação.

Quanto à sexta questão

128

Com a sua sexta questão, o órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑407/19 pergunta, em substância, se os artigos 45.o, 49.o e 56.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que prevê que a transferência de um trabalhador portuário para o contingente de trabalhadores de uma zona portuária diferente daquela em que obteve o seu reconhecimento está sujeita a condições e modalidades fixadas por uma CCT.

129

Importa salientar, antes de mais, que o facto de essas condições e modalidades serem fixadas por uma CCT não tem por efeito a sua exclusão do âmbito de aplicação dos referidos artigos (v., neste sentido, Acórdão de 11 de dezembro de 2007, International Transport Workers’ Federation e Finnish Seamen’s Union, C‑438/05, EU:C:2007:772, n.os 33 e 34).

130

A este respeito, há que salientar que uma regulamentação nacional que sujeita a condições, quer estas sejam fixadas por lei ou por uma CCT, a possibilidade de um trabalhador portuário reconhecido trabalhar numa zona portuária diferente daquela em que obteve o seu reconhecimento constitui uma restrição tanto à livre circulação dos trabalhadores como à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços.

131

Com efeito, essa regulamentação restringe tanto a liberdade de um trabalhador portuário exercer empregos em diferentes zonas portuárias como a possibilidade, para uma empresa que se estabelece numa determinada zona portuária ou que aí pretenda prestar serviços, de recorrer aos serviços de um trabalhador portuário à sua escolha, que tenha obtido o seu reconhecimento numa zona portuária diferente.

132

No entanto, o Governo belga alegou nas suas observações escritas que, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, do Decreto Real de 2004, o reconhecimento de um trabalhador portuário é válido em cada zona portuária, salvo quando este faça parte do pool de uma determinada zona portuária. Neste último caso, a passagem de uma zona portuária para outra dependerá de saber se existe necessidade de mão de obra e se a reserva de recrutamento é permitida. Por conseguinte, esta disposição exclui apenas a possibilidade de um trabalhador portuário que faça parte do pool estar simultaneamente ativo fora deste último, seja na mesma zona portuária ou noutra. A possibilidade de trabalhar noutra zona portuária continua, não obstante, aberta a qualquer trabalhador portuário reconhecido que não faça parte do pool.

133

A este respeito, importa, por um lado, precisar que essa regulamentação é suscetível de constituir uma restrição às liberdades garantidas pelos artigos 45.o, 49.o e 56.o TFUE, ainda que apenas diga respeito a um número limitado de trabalhadores.

134

Por outro lado, à luz das indicações que figuram no n.o 132 do presente acórdão, saliente‑se que, na medida em que um pool de trabalhadores portuários, na aceção da regulamentação nacional em causa no processo principal, visa prover pontualmente às necessidades de mão de obra especializada em cada zona portuária do Estado‑Membro em causa, o facto de a transferência de um trabalhador portuário entre os pools de duas zonas diferentes estar, neste contexto, subordinada a condições e modalidades destinadas a assegurar que cada pool disponha de mão de obra em número suficiente pode ser justificado à luz do objetivo legítimo de garantir a segurança em cada zona portuária. Com efeito, uma medida que preveja essas condições pode, designadamente, permitir assegurar que haja permanentemente um número mínimo de trabalhadores qualificados capazes de garantir o funcionamento do porto com toda a segurança. Não obstante, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se essa medida é necessária e proporcionada em relação a esse objetivo.

135

Atendendo a todas estas considerações, há que responder à sexta questão no processo C‑407/19 que os artigos 45.o, 49.o e 56.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional que prevê que a transferência de um trabalhador portuário para o contingente de trabalhadores de uma zona portuária diferente daquela em que obteve o seu reconhecimento está sujeita a condições e modalidades fixadas por uma CCT, desde que estas sejam necessárias e proporcionadas à luz do objetivo de assegurar a segurança em cada zona portuária, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Quanto à sétima questão

136

Com a sua sétima questão, o órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑407/19 pergunta, em substância, se os artigos 45.o, 49.o e 56.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que prevê que os trabalhadores de logística devem dispor de um «certificado de segurança», emitido mediante apresentação dos respetivos bilhete de identidade e contrato de trabalho, cujas modalidades de emissão e procedimento a seguir para a sua obtenção são fixados por uma CCT.

137

Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende determinar a conformidade com os artigos 45.o, 49.o e 56.o TFUE de uma regulamentação nacional que se limita a prever que o «certificado de segurança» de que devem ser detentores os trabalhadores de logística que trabalham numa zona portuária lhes é emitido mediante apresentação do seu bilhete de identidade e do seu contrato de trabalho, sendo as outras modalidades de emissão desse certificado e o procedimento a seguir para a obtenção do referido documento fixados por uma CCT.

138

A este respeito, importa salientar que, como resulta do n.o 129 do presente acórdão, embora os artigos 45.o, 49.o e 56.o TFUE não se oponham, em princípio, a que as condições de trabalho num Estado‑Membro sejam fixadas por CCT, não é menos verdade que as condições assim fixadas não estão excluídas do âmbito de aplicação destes artigos.

139

Ora, a apreciação do caráter proporcionado e necessário das restrições às liberdades consagradas nos referidos artigos, que resultam da exigência de que todos os trabalhadores de logística que trabalham numa zona portuária devam dispor de um «certificado de segurança», deve necessariamente tomar em consideração as modalidades concretas de emissão desse certificado e o procedimento a seguir para esse efeito, fixados por uma CCT.

140

No âmbito desta apreciação, há que verificar se as condições de emissão desse certificado dizem exclusivamente respeito à questão de saber se o trabalhador de logística em causa apresenta as qualidades e aptidões necessárias para garantir a segurança nas zonas portuárias e se o procedimento previsto para a obtenção desse certificado não impõe encargos administrativos irrazoáveis e desproporcionados.

141

Em especial, a exigência de que a emissão do «certificado de segurança» requer a apresentação do contrato de trabalho do interessado pode ter como consequência obrigar o empregador ou o trabalhador em causa a pedir a emissão de um novo certificado de cada vez que seja celebrado um novo contrato de trabalho. Na medida em que, como resulta do n.o 109 do presente acórdão, as tarefas de curta duração predominam no domínio do trabalho portuário, essa exigência pode revelar‑se excessiva e desproporcionada. Como alegou a Comissão nas suas observações escritas, seria suficiente prever a renovação periódica desse certificado, determinando que este permaneça válido após a rescisão de um contrato de trabalho de curta duração.

142

Atendendo às considerações precedentes, há que responder à sétima questão no processo C‑407/19 que os artigos 45.o, 49.o e 56.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional que prevê que os trabalhadores de logística devem dispor de um «certificado de segurança», emitido mediante apresentação dos respetivos bilhete de identidade e contrato de trabalho, cujas modalidades de emissão e procedimento a seguir para a sua obtenção são fixados por uma CCT, desde que as condições de emissão desse certificado sejam necessárias e proporcionadas ao objetivo de garantir a segurança nas zonas portuárias e o procedimento previsto para a sua obtenção não imponha encargos administrativos irrazoáveis e desproporcionados.

Quanto às despesas

143

Revestindo os processos, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidentes suscitados perante os órgãos jurisdicionais de reenvio, compete a estes decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

1)

Os artigos 49.o e 56.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional que obriga pessoas ou empresas que pretendam exercer atividades portuárias numa zona portuária, incluindo atividades alheias à carga e descarga de navios em sentido estrito, a recorrer apenas a trabalhadores portuários reconhecidos como tais, em conformidade com as condições e modalidades fixadas em aplicação dessa regulamentação, desde que as referidas condições e modalidades, por um lado, sejam baseadas em critérios objetivos, não discriminatórios, conhecidos antecipadamente e que permitam aos trabalhadores portuários de outros Estados‑Membros demonstrar que cumprem, no seu Estado de origem, exigências equivalentes às aplicadas aos trabalhadores portuários nacionais e, por outro, não estabeleçam um contingente limitado de trabalhadores que possam ser objeto desse reconhecimento.

 

2)

Os artigos 45.o, 49.o e 56.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional por força da qual:

o reconhecimento dos trabalhadores portuários é da competência de uma comissão administrativa composta paritariamente por membros designados pelas organizações de empregadores e pelas organizações de trabalhadores;

esta comissão decide igualmente, em função da necessidade de mão de obra, se os trabalhadores reconhecidos devem ou não ser incluídos num contingente de trabalhadores portuários, entendendo‑se que, para os trabalhadores portuários não incluídos nesse contingente, a duração do seu reconhecimento está limitada à duração do respetivo contrato de trabalho, pelo que deve ser iniciado um novo procedimento de reconhecimento por cada novo contrato celebrado; e

não está previsto um prazo máximo para a referida comissão tomar uma decisão.

 

3)

Os artigos 45.o, 49.o e 56.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional nos termos da qual, a menos que possa demonstrar que preenche requisitos equivalentes noutro Estado‑Membro, um trabalhador deve, para ser reconhecido como trabalhador portuário:

ser declarado clinicamente apto para o trabalho portuário por um serviço externo para a prevenção e a proteção no trabalho, no qual esteja inscrita a organização na qual todos os empregadores que operam na zona portuária em causa devem obrigatoriamente inscrever‑se;

ser aprovado nos testes psicotécnicos realizados pelo órgão designado para o efeito por essa organização de empregadores;

frequentar durante três semanas cursos de formação de segurança no trabalho e destinados à aquisição de uma qualificação profissional; e

obter aprovação no exame final;

desde que a missão confiada à organização de empregadores e, se for caso disso, aos sindicatos dos trabalhadores portuários reconhecidos na designação dos órgãos encarregados de efetuar esses exames, testes ou provas não seja suscetível de pôr em causa o caráter transparente, objetivo e imparcial destes últimos.

 

4)

Os artigos 45.o, 49.o e 56.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional ao abrigo da qual os trabalhadores portuários, reconhecidos como tais em conformidade com o regime jurídico que lhes era aplicável antes da entrada em vigor dessa regulamentação, mantêm, em aplicação desta última, a qualidade de trabalhadores portuários reconhecidos e são incluídos no contingente de trabalhadores portuários previsto pela referida regulamentação.

 

5)

Os artigos 45.o, 49.o e 56.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional que prevê que a transferência de um trabalhador portuário para o contingente de trabalhadores de uma zona portuária diferente daquela em que obteve o seu reconhecimento está sujeita a condições e modalidades fixadas por uma convenção coletiva de trabalho, desde que estas sejam necessárias e proporcionadas à luz do objetivo de assegurar a segurança em cada zona portuária, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 

6)

Os artigos 45.o, 49.o e 56.o TFUE devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional que prevê que os trabalhadores de logística devem dispor de um «certificado de segurança», emitido mediante apresentação dos respetivos bilhete de identidade e contrato de trabalho, cujas modalidades de emissão e procedimento a seguir para a sua obtenção são fixados por uma convenção coletiva de trabalho, desde que as condições de emissão desse certificado sejam necessárias e proporcionadas ao objetivo de garantir a segurança nas zonas portuárias e que o procedimento previsto para a sua obtenção não imponha encargos administrativos irrazoáveis e desproporcionados.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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