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Document 62005CJ0438

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 11 de Dezembro de 2007.
International Transport Workers’ Federation e Finnish Seamen’s Union contra Viking Line ABP e OÜ Viking Line Eesti.
Pedido de decisão prejudicial: Court of Appeal (England & Wales), Civil Division - Reino Unido.
Transportes marítimos - Direito de estabelecimento - Direitos fundamentais - Objectivos da política social comunitária - Acção colectiva de uma organização sindical contra uma empresa privada - Convenção colectiva susceptível de dissuadir uma empresa de registar um navio sob o pavilhão de outro Estado-Membro.
Processo C-438/05.

European Court Reports 2007 I-10779

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2007:772

Processo C‑438/05

International Transport Workers’ Federation

e

Finnish Seamen’s Union

contra

Viking Line ABP e OÜ Viking Line Eesti

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division)]

«Transportes marítimos – Direito de estabelecimento – Direitos fundamentais – Objectivos da política social comunitária – Acção colectiva de uma organização sindical contra uma empresa privada – Convenção colectiva susceptível de dissuadir uma empresa de registar um navio sob o pavilhão de outro Estado‑Membro»

Conclusões do advogado‑geral M. Poiares Maduro apresentadas em 23 de Maio de 2007 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 11 de Dezembro de 2007 

Sumário do acórdão

1.     Livre circulação de pessoas – Liberdade de estabelecimento – Disposições do Tratado – Âmbito de aplicação

(Artigo 43.° CE)

2.     Direito comunitário – Princípios – Direitos fundamentais – Direito de desencadear uma acção colectiva – Conciliação com as exigências relativas às liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado

(Artigo 43.° CE)

3.     Livre circulação de pessoas – Liberdade de estabelecimento – Disposições do Tratado – Âmbito de aplicação pessoal

(Artigo 43.° CE)

4.     Livre circulação de pessoas – Liberdade de estabelecimento – Restrições – Acção colectiva desencadeada por um sindicato a fim de induzir uma empresa privada a celebrar uma convenção colectiva de trabalho

(Artigo 43.° CE)

1.     O artigo 43.° CE deve ser interpretado no sentido de que, em princípio, não está subtraída ao âmbito de aplicação deste artigo uma acção colectiva desencadeada por um sindicato ou por um agrupamento de sindicatos contra uma empresa privada a fim de induzir esta última a celebrar uma convenção colectiva cujo conteúdo pode dissuadi‑la do exercício da liberdade de estabelecimento.

Com efeito, o artigo 43.° CE não rege apenas a acção das autoridades públicas mas é igualmente extensivo às regulamentações de outra natureza destinadas a disciplinar, de modo colectivo, o trabalho assalariado, o trabalho independente e as prestações de serviços. Dado que as condições de trabalho nos diferentes Estados‑Membros são regidas tanto por via de disposições de carácter legislativo ou regulamentar como por convenções colectivas ou outros actos celebrados ou adoptados por entidades privadas, limitar as proibições previstas no referido artigo aos actos das autoridades públicas acarretaria o risco de criar desigualdades quanto à sua aplicação.

Uma vez que a organização de acções colectivas pelos sindicatos de trabalhadores faz parte da autonomia jurídica de que estes organismos, que não constituem entidades de direito público, dispõem com base na liberdade sindical que lhes é reconhecida, designadamente, pelo direito nacional, e que estas acções colectivas estão inextrincavelmente ligadas à convenção colectiva cuja celebração os sindicatos perseguem, tais acções colectivas são, em princípio, abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 43.° CE.

(cf. n.os 33-37, 55, disp. 1)

2.     O direito de desencadear uma acção colectiva, incluindo o direito de greve, é reconhecido quer por diferentes instrumentos internacionais para os quais os Estados‑Membros cooperaram ou aos quais aderiram, como a Carta Social Europeia, de resto expressamente mencionada no artigo 136.° CE, e a Convenção n.° 87, adoptada em 1948 pela Organização Internacional de Trabalho relativa à liberdade sindical e à protecção do direito sindical, quer por instrumentos elaborados pelos referidos Estados‑Membros a nível comunitário ou no âmbito da União Europeia, como a Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores adoptada em 1989, igualmente mencionada no artigo 136.° CE, e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

Embora referido o direito, incluindo o direito de greve, deva, assim, ser reconhecido enquanto direito fundamental que constitui parte integrante dos princípios gerais do direito comunitário cuja observância é assegurada pelo Tribunal de Justiça, é também verdade que o seu exercício pode ser sujeito a determinadas restrições. Com efeito, como reafirma o artigo 28.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, tal direito goza de protecção em conformidade com o direito comunitário e as legislações e práticas nacionais.

A este respeito, embora a protecção dos direitos fundamentais constitua um interesse legítimo susceptível de justificar, em princípio, uma restrição às obrigações impostas pelo direito comunitário, mesmo por força de uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado, o exercício desses direitos não escapa ao âmbito de aplicação das disposições do Tratado e deve ser conciliado com as exigências relativas aos direitos protegidos pelo referido Tratado e em conformidade com o princípio da proporcionalidade.

Daqui resulta que o carácter fundamental inerente ao direito de desencadear uma acção colectiva não é susceptível ao subtrair no âmbito de aplicação do artigo 43.° CE uma acção desse tipo desencadeada contra uma empresa a fim de induzir esta última a celebrar uma convenção colectiva cujo conteúdo pode dissuadi‑la de exercer a liberdade de estabelecimento.

(cf. n.os 43-47)

3.     O artigo 43.° CE é susceptível de conferir a uma empresa privada direitos que podem ser oponíveis a um sindicato ou a uma associação de sindicatos.

Com efeito, a abolição dos obstáculos à livre circulação de pessoas e à livre prestação de serviços entre os Estados‑Membros ficaria comprometida se a supressão das barreiras de origem estatal pudesse ser neutralizada por obstáculos resultantes do exercício da sua autonomia jurídica por associações ou organismos que não são abrangidos pelo direito público. Além disso, o facto de determinadas disposições do Tratado se dirigirem formalmente aos Estados‑Membros não exclui que possam ao mesmo tempo ser conferidos direitos a qualquer particular interessado no cumprimento das obrigações assim definidas. Por outro lado, a proibição de atentar contra uma liberdade fundamental prevista numa disposição do Tratado de natureza imperativa impõe‑se, designadamente, a todas as convenções destinadas a regulamentar de modo colectivo o trabalho assalariado.

(cf. n.os 57, 58, 66, disp. 2)

4.     O artigo 43.° CE deve ser interpretado no sentido de que acções colectivas que visam induzir uma empresa privada cuja sede está situada num Estado‑Membro determinado a celebrar uma convenção colectiva de trabalho com um sindicato estabelecido nesse Estado e a aplicar as cláusulas previstas nessa convenção aos trabalhadores de uma filial da referida empresa estabelecida noutro Estado‑Membro, constituem restrições na acepção do referido artigo.

Com efeito, uma acção colectiva desse tipo tem por efeito tornar menos atractivo, ou mesmo inútil, o exercício, por uma empresa, do seu direito de livre estabelecimento, na medida em que essa acção impede esta última de receber, no Estado‑Membro de acolhimento, o mesmo tratamento que os restantes operadores económicos estabelecidos nesse Estado. Do mesmo modo, essa acção colectiva, que visa impedir os armadores de matricularem os seus navios num Estado diferente daquele de que são nacionais os proprietários efectivos desses navios, deve considerar‑se, no mínimo, susceptível de restringir o exercício por uma empresa do seu direito de livre estabelecimento.

Estas restrições podem, em princípio, ser justificadas pela protecção de uma razão imperiosa de interesse geral, como a protecção dos trabalhadores, na condição de se provar que são aptas a garantir a realização do objectivo legítimo prosseguido e não ultrapassam o necessário para o alcançar.

(cf. n.os 72-74, 90, disp. 3)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

11 de Dezembro de 2007 (*)

«Transportes marítimos – Direito de estabelecimento – Direitos fundamentais – Objectivos da política social comunitária – Acção colectiva de uma organização sindical contra uma empresa privada – Convenção colectiva susceptível de dissuadir uma empresa de registar um navio sob o pavilhão de outro Estado‑Membro»

No processoC‑438/05,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pela Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) (Reino Unido), por decisão de 23 de Novembro de 2005, entrado no Tribunal de Justiça em 6 de Dezembro de 2005, no processo

International Transport Workers’ Federation,

Finnish Seamen’s Union

contra

Viking Line ABP,

OÜ Viking Line Eesti,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann, A. Rosas, K. Lenaerts, U. Lõhmus e L. Bay Larsen, presidentes de secção, R. Schintgen (relator), R. Silva de Lapuerta, K. Schiemann, J. Makarczyk, P. Kūris, E. Levits e A. Ó Caoimh, juízes,

advogado‑geral: M. Poiares Maduro,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 10 de Janeiro de 2007,

vistas as observações apresentadas:

–       em representação da International Transport Workers’ Federation, por M. Brealey, QC, assistido por M. Demetriou, barrister, mandatados por D. Fitzpatrick, solicitor,

–       em representação da Finnish Seamen’s Union, por M. Brealey, QC, assistido por M. Demetriou, barrister, mandatados por J. Tatten, solicitor,

–       em representação da Viking Line ABP e OÜ Viking Line Eesti, por M. Hoskins, barrister, mandatado por I. Ross e J. Blacker, solicitors,

–       em representação do Governo do Reino Unido, por E. O’Neill, na qualidade de agente, assistida por D. Anderson, QC, bem como por J. Swift e S. Lee, barristers,

–       em representação do Governo belga, por A. Hubert, na qualidade de agente,

–       em representação do Governo checo, por T. Boček, na qualidade de agente,

–       em representação do Governo dinamarquês, por J. Molde, na qualidade de agente,

–       em representação do Governo alemão, por M. Lumma e C. Schulze‑Bahr, na qualidade de agentes,

–       em representação do Governo estónio, por L. Uibo, na qualidade de agente,

–       em representação do Governo francês, por G. de Bergues e O. Christmann, na qualidade de agentes,

–       em representação da Irlanda, por D. O’Hagan, na qualidade de agente, assistido por E. Fitzsimons e B. O’Moore, SC, bem como par N. Travers, BL,

–       em representação do Governo italiano, por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por G. Albenzio, avvocato dello Stato,

–       em representação do Governo letão, por E. Balode‑Buraka e K. Bārdiŋa, na qualidade de agentes,

–       em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer e G. Hesse, na qualidade de agentes,

–       em representação do Governo polaco, por J. Pietras e M. Korolec, na qualidade de agentes,

–       em representação do Governo finlandês, por E. Bygglin e A. Guimaraes‑Purokoski, na qualidade de agentes,

–       em representação do Governo sueco, por A. Kruse e A. Falk, na qualidade de agentes,

–       em representação do Governo norueguês, por K. Waage, K. Fløistad e F. Sejersted, na qualidade de agentes,

–       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por F. Benyon, J. Enegren e K. Simonsson, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 23 de Maio de 2007,

profere o presente

Acórdão

1       O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação, por um lado, do artigo 43.° CE e, por outro, do Regulamento (CEE) n.° 4055/86 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1986, que aplica o princípio da livre prestação de serviços aos transportes marítimos entre Estados‑Membros e Estados‑Membros para países terceiros (JO L 378, p. 1).

2       Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a International Transport Workers’ Federation (Federação Internacional dos Trabalhadores dos Transportes, a seguir «ITF») e a Finnish Seamen’s Union (Suomen Merimies‑Unioni ry, Sindicato Finlandês dos Trabalhadores Marítimos, a seguir «FSU»), por um lado, à Viking Line ABP (a seguir «Viking») e à sua filial OÜ Viking Line Eesti (a seguir «Viking Eesti»), por outro, a propósito de uma acção colectiva e da ameaça dessa acção com o intuito de dissuadir a Viking de mudar o pavilhão finlandês de um dos seus navios e de registar esse navio sob o pavilhão de outro Estado‑Membro.

 Quadro jurídico

 Regulamentação comunitária

3       O artigo 1.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4055/86 prevê:

«A liberdade de prestação de serviços de transporte marítimo entre Estados‑Membros e entre Estados‑Membros e países terceiros será aplicável aos nacionais dos Estados‑Membros estabelecidos num Estado‑Membro que não seja o do destinatário dos serviços.»

 Legislação nacional

4       Resulta da decisão de reenvio que o artigo 13.° da Constituição finlandesa, que reconhece a qualquer pessoa a liberdade de constituir associações profissionais e a liberdade de se organizar com vista a salvaguardar outros interesses, foi interpretado no sentido de que permite aos sindicatos desencadearem acções colectivas contra sociedades com vista à defesa dos interesses dos trabalhadores.

5       Todavia, na Finlândia, o direito de greve está sujeito a determinadas restrições. Assim, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal deste Estado, esse direito não pode ser exercido, designadamente, quando a greve seja contrária aos bons costumes ou proibida pelo direito nacional ou pelo direito comunitário.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

6       A Viking, uma sociedade de direito finlandês, é um importante operador de transportes por ferryboats. Explora sete navios, entre os quais o Rosella, que assegura, sob pavilhão finlandês, a ligação marítima entre Talin (Estónia) e Helsínquia (Finlândia).

7       O FSU é um sindicato finlandês de trabalhadores marítimos que conta cerca de 10 000 membros. Os membros da tripulação do Rosella estão inscritos nesse sindicato. O FSU está filiado na ITF, que é uma federação internacional de sindicatos de trabalhadores do sector dos transportes, cuja sede está situada em Londres (Reino Unido). A ITF agrupa 600 sindicatos estabelecidos em 140 Estados diferentes.

8       Resulta da decisão de reenvio que uma das principais políticas da ITF é a sua campanha de luta contra os pavilhões de conveniência. Esta política tem por objectivos essenciais, por um lado, estabelecer um elo genuíno entre o pavilhão de um navio e a nacionalidade do proprietário e, por outro, proteger e melhorar as condições de trabalho das tripulações dos navios que arvoram pavilhão de conveniência. A ITF considera que um navio está registado sob pavilhão de conveniência quando a propriedade efectiva e o controlo do navio se encontrem num Estado diferente do Estado do pavilhão sob o qual o navio está matriculado. Apenas os sindicatos do Estado onde se encontra o proprietário efectivo de um navio têm o direito, em conformidade com a política da ITF, de celebrar acordos colectivos relativos a esse navio. Esta campanha de luta contra os pavilhões de conveniência é levada a cabo através de boicotes e de outras acções de solidariedade entre os trabalhadores.

9       Enquanto o Rosella arvorar pavilhão finlandês, a Viking é obrigada, por força do direito finlandês e da convenção colectiva de trabalho aplicável, a pagar à tripulação salários de nível idêntico ao dos praticados na Finlândia. Ora, os salários pagos às tripulações estónias são inferiores aos que são pagos às tripulações finlandesas. A actividade de exploração do Rosella foi deficitária devido à concorrência directa dos navios estónios, que asseguram a mesma ligação a custos salariais inferiores. Em vez de ceder o referido navio, a Viking planeou, durante o mês de Outubro de 2003, mudar o pavilhão do mesmo, registando‑o na Estónia ou na Noruega, a fim de poder celebrar uma nova convenção colectiva com um sindicato estabelecido num destes Estados.

10     A Viking, em conformidade com o direito finlandês, informou do seu projecto o FSU e a tripulação do Rosella. Em reuniões decorridas entre as partes, o FSU manifestou claramente a sua oposição a esse projecto.

11     Em 4 de Novembro de 2003, o FSU enviou uma mensagem electrónica à ITF, informando‑a do projecto de mudança de pavilhão do Rosella. Esta mensagem continha além disso a indicação de que «a propriedade efectiva do Rosella se encontra na Finlândia, pelo que o FSU conserva o direito de negociação com a Viking». O FSU pediu à ITF que transmitisse esta informação a todos os sindicatos filiados, convidando‑os a não negociarem com a Viking.

12     Em 6 de Novembro de 2003, a ITF dirigiu uma circular aos seus filiados (a seguir «circular ITF») ordenando‑lhes que não encetassem negociações com a Viking ou a Viking Eesti, devendo os sindicatos filiados seguir esta recomendação tendo em conta o princípio de solidariedade entre os sindicatos e o risco de serem alvo de sanções em caso de inobservância da referida circular.

13     O acordo relativo aos efectivos aplicável ao Rosella expirou em 17 de Novembro de 2003, pelo que o FSU deixou de estar sujeito, a partir dessa data, à obrigação de paz social imposta pelo direito finlandês. Consequentemente, anunciou uma greve exigindo que a Viking, por um lado, aumentasse em oito pessoas os efectivos a bordo do Rosella e, por outro, renunciasse ao seu projecto de mudança de pavilhão deste navio.

14     A Viking aceitou a reivindicação relativa aos oito membros de tripulação suplementares mas recusou‑se a renunciar ao referido projecto.

15     O FSU, não estando porém disposto a permitir a renovação do acordo sobre os efectivos, indicou, por carta de 18 de Novembro de 2003, que só aceitava essa renovação na dupla condição de, por um lado, a Viking se comprometer, independentemente de uma eventual mudança de pavilhão do Rosella, a continuar a respeitar o direito finlandês, a convenção colectiva de trabalho aplicável, o acordo geral e o acordo relativo aos efectivos a bordo do referido navio e de, por outro, a eventual mudança de pavilhão não causar despedimentos de trabalhadores de nenhum dos navios de pavilhão finlandês pertencentes a essa companhia nem modificação, sem o consentimento dos trabalhadores, das condições de trabalho. Através de comunicados de imprensa, o FSU justificou a sua posição com a necessidade de proteger os postos de trabalho finlandeses.

16     Em 17 de Novembro de 2003, a Viking recorreu ao Tribunal de Trabalho (Finlândia) pedindo que fosse declarado que, contrariamente à posição defendida pelo FSU, o acordo relativo aos efectivos continuava a vincular as partes. Baseando‑se na tese de que o referido acordo tinha expirado, o FSU anunciou, em aplicação da lei finlandesa relativa à mediação dos conflitos sociais, a sua intenção de iniciar, em 2 de Dezembro de 2003, uma acção de greve visando o Rosella.

17     Em 24 de Novembro de 2003, a Viking tomou conhecimento da existência da circular ITF. No dia seguinte, intentou no Tribunal de Primeira Instância de Helsínquia (Finlândia) uma acção destinada a obter a proibição da acção de greve anunciada pelo FSU. O Tribunal de Trabalho marcou para o dia 2 de Dezembro de 2003 uma audiência preparatória.

18     Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o FSU estava plenamente consciente de que a sua reivindicação principal, segundo a qual, em caso de mudança de pavilhão, a tripulação devia manter as condições de trabalho previstas no direito finlandês e na convenção colectiva aplicável, tornava inútil a mudança de pavilhão, uma vez que esta tinha por objectivo essencial permitir à Viking reduzir os seus custos salariais. Além disso, o registo do Rosella sob pavilhão estónio implicaria que a Viking deixaria de poder, pelo menos no que diz respeito ao Rosella, receber os auxílios de Estado que o Governo finlandês concedia aos navios que arvoram pavilhão finlandês.

19     No âmbito de um processo de conciliação, a Viking assumiu o compromisso de que, num primeiro momento, a mudança de pavilhão não daria origem a quaisquer despedimentos. Porém, dado que o FSU se recusou a renunciar à greve, em 2 de Dezembro de 2003 a Viking pôs termo ao litígio aceitando as reivindicações deste sindicato e desistindo das suas acções judicias. Por outro lado, comprometeu‑se a não dar início ao processo de mudança de pavilhão antes de 28 de Fevereiro de 2005.

20     Em 1 de Maio de 2004, a República da Estónia tornou‑se membro da União Europeia.

21     Dado que a actividade de exploração do Rosella continuou deficitária, a Viking persistiu na sua intenção de registar o referido navio sob pavilhão estónio. Uma vez que a circular ITF continuou em vigor, visto a ITF nunca a ter retirado, manteve‑se o pedido que esta última dirigiu aos sindicatos filiados a propósito do Rosella.

22     Em 18 de Agosto de 2004, a Viking intentou na High Court of Justice (England & Wales), Queen’s Bench Division (Commercial Court) (Reino Unido), uma acção na qual pedia que a acção da ITF e do FSU fosse declarada contrária ao artigo 43.° CE, que fosse ordenada a revogação da circular ITF e que o FSU fosse intimado a não colocar entraves aos direitos de que a Viking goza ao abrigo do direito comunitário.

23     Por decisão de 16 de Junho de 2005, o referido órgão jurisdicional acolheu o pedido da Viking, por considerar que tanto a acção colectiva como a ameaça de acção colectiva da ITF e do FSU impunham restrições à liberdade de estabelecimento contrárias ao artigo 43.° CE e, subsidiariamente, constituíam restrições ilegais à livre circulação dos trabalhadores e à livre prestação de serviços, na acepção dos artigos 39.° CE e 49.° CE.

24     Em 30 de Junho de 2005, a ITF e o FSU interpuseram no órgão jurisdicional de reenvio recurso dessa decisão. Como fundamento do recurso alegaram, designadamente, que o direito de os sindicatos desencadearem uma acção colectiva para preservar postos de trabalho constitui um direito fundamental reconhecido no título XI do Tratado CE, em especial no artigo 136.° CE, cujo primeiro parágrafo prevê que «[a] Comunidade e os Estados‑Membros, tendo presentes os direitos sociais fundamentais, tal como os enunciam a Carta Social Europeia, assinada em Turim, em 18 de Outubro de 1961, e a Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores, de 1989, terão por objectivos a promoção do emprego, a melhoria das condições de vida e de trabalho, de modo a permitir a sua harmonização, assegurando simultaneamente essa melhoria, uma protecção social adequada, o diálogo entre parceiros sociais, o desenvolvimento dos recursos humanos, tendo em vista um nível de emprego elevado e duradouro, e a luta contra as exclusões».

25     Com efeito, a menção, na referida disposição, da Carta Social Europeia e da Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores implica uma referência ao direito de greve reconhecido por estes instrumentos jurídicos. Os sindicatos têm, portanto, o direito de desencadear uma acção colectiva contra uma entidade patronal estabelecida num Estado‑Membro a fim de a dissuadir de transferir uma parte ou a totalidade da sua empresa para outro Estado‑Membro.

26     Coloca‑se, assim, a questão de saber se é intenção do Tratado proibir uma acção sindical se esta tiver por objectivo impedir uma entidade patronal de utilizar, por razões económicas, a liberdade de estabelecimento. Ora, por analogia com o que o Tribunal de Justiça declarou a propósito do título VI do Tratado (acórdãos de 21 de Setembro de 1999, Albany, C‑67/96, Colect., p. I‑5751; de 12 de Setembro de 2000, Pavlov e o., C‑180/98 a C‑184/98, Colect., p. I‑6451; e de 21 de Setembro de 2000, van der Woude, C‑222/98, Colect., p. I‑7111), o título III e os artigos do referido Tratado relativos à livre circulação de pessoas e de serviços não são aplicáveis às «actividades sindicais autênticas».

27     Nestas condições, por considerar que a resolução do litígio que lhe foi submetido depende da interpretação do direito comunitário, a Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«Âmbito das disposições relativas à liberdade de circulação

1)      Quando um sindicato ou uma união de sindicatos desencadeia acções colectivas contra uma empresa privada para obrigar essa empresa a celebrar uma convenção colectiva de trabalho com um sindicato num determinado Estado‑Membro, que tem por resultado tornar inútil a mudança do pavilhão de um navio para outro Estado‑Membro, está esta acção fora do âmbito do artigo 43.° [CE] e/ou do Regulamento n.° 4055/86 […], por força da política social [comunitária] incluindo, inter alia, o título XI do Tratado CE e, em particular, por analogia com o raciocínio do Tribunal de Justiça no acórdão […] Albany [já referido], n.os 52 a 64?

Efeito directo horizontal

2)      O artigo 43.° [CE] e/ou o Regulamento n.° 4055/86 têm efeito directo horizontal, de modo a conferir a uma empresa privada direitos que esta pode invocar contra outra parte privada e, em particular, contra um sindicato ou uma união de sindicatos relativamente a acções colectivas desencadeadas por esse sindicato ou essa união de sindicatos?

Existência de restrições à liberdade de circulação

3)      Quando um sindicato ou uma união de sindicatos desencadeia acções colectivas contra uma empresa privada para obrigar essa empresa a celebrar uma convenção colectiva de trabalho com um sindicato num determinado Estado‑Membro, que tem por resultado tornar inútil a mudança do pavilhão de um navio para outro Estado‑Membro, constitui esta acção uma restrição para efeitos do artigo 43.° CE e/ou do Regulamento n.° 4055/86?

4)      A política de uma união de sindicatos segundo a qual os navios devem ser registados no país onde se situam a propriedade e o controlo do navio, de modo que os sindicatos do país da propriedade de um navio tenham o direito de celebrar convenções colectivas de trabalho relativas a esse navio, constitui uma restrição directamente discriminatória, indirectamente discriminatória ou não discriminatória nos termos do artigo 43.° CE ou do Regulamento n.° 4055/86?

5)      Para determinar se as acções colectivas de um sindicato ou união de sindicatos constituem uma restrição directamente discriminatória, indirectamente discriminatória ou não discriminatória nos termos do artigo 43.° CE ou do Regulamento n.° 4055/86, é relevante a intenção subjectiva do sindicato que desencadeia a acção ou deve o tribunal nacional resolver o litígio apenas por referência aos efeitos objectivos dessa acção?

Estabelecimento/Serviços

6)      Quando uma sociedade‑mãe está estabelecida no Estado‑Membro A e pretende realizar um acto de estabelecimento mediante a mudança de pavilhão do navio para o Estado‑Membro B, para ser explorado por uma filial que lhe pertence na íntegra, existente no Estado‑Membro B e que está sujeita à direcção e controlo da sociedade‑mãe:

a)      a ameaça ou a realização efectiva de uma acção colectiva de um sindicato ou união de sindicatos que procura tornar inútil o exercício acima mencionado é susceptível de constituir uma restrição ao direito de estabelecimento da sociedade‑mãe nos termos do artigo 43.° CE, e

b)      após a mudança de pavilhão do navio, pode a filial invocar o Regulamento n.° 4055/86 relativamente aos serviços por si prestados do Estado‑Membro B para o Estado‑Membro A?

 Justificação


 Discriminação directa

7)      Se as acções colectivas de um sindicato ou união de sindicatos constituírem uma restrição directamente discriminatória nos termos do artigo 43.° CE ou do Regulamento n.° 4055/86, pode esta restrição, em princípio, ser justificada pela excepção de ordem pública prevista no artigo 46.° [CE] com base:

a)      no facto de as acções colectivas (incluindo a greve) serem um direito fundamental protegido pelo direito comunitário; e/ou

b)      na protecção dos trabalhadores?

 Política da [ITF]: justificação objectiva

8)      Consegue a aplicação de uma política de uma união de sindicatos segundo a qual os navios devem ser registados no país onde se situam a propriedade e o controlo do navio, de modo a que os sindicatos no país da propriedade de um navio tenham o direito de celebrar convenções colectivas de trabalho relativas a esse navio, um equilíbrio justo entre o direito social fundamental de desencadear acções colectivas e a liberdade de estabelecimento e de prestação de serviços e é objectivamente justificada, adequada, proporcionada e está em conformidade com o princípio do reconhecimento mútuo?

Acções do FSU: justificação objectiva

9)      Quando:

–       uma sociedade‑mãe no Estado‑Membro A possui um navio registado no Estado‑Membro A e presta serviços de ferryboat entre o Estado‑Membro A e o Estado‑Membro B utilizando esse navio;

–       a sociedade‑mãe pretende alterar o pavilhão do navio para o Estado‑Membro B para aplicar termos e condições de emprego menos exigentes que os do Estado‑Membro A;

–       a sociedade‑mãe no Estado‑Membro A tem uma filial no Estado‑Membro B e essa filial está sujeita à sua direcção e controlo;

–       se pretende que a filial opere o navio após a sua mudança de pavilhão para o Estado‑Membro B com uma tripulação recrutada no Estado‑Membro B, abrangida por uma convenção colectiva de trabalho negociada com um sindicato membro da ITF, no Estado‑Membro B;

–       a sociedade‑mãe continua a ser a proprietária do navio e este a ser fretado sem tripulação à filial;

–       o navio continua a prestar diariamente serviços de ferryboat entre o Estado‑Membro A e o Estado‑Membro B;

–       um sindicato do Estado‑Membro A desencadeia acções colectivas para levar a sociedade‑mãe e/ou a filial a celebrarem uma convenção colectiva de trabalho mediante a qual se aplicarão à tripulação do navio termos e condições aceitáveis para o sindicato no Estado‑Membro A, mesmo depois da mudança de pavilhão do navio e que tem por efeito tornar inútil para a sociedade‑mãe mudar o pavilhão do navio para o Estado‑Membro B,

conseguem essas acções colectivas um equilíbrio justo entre o direito social fundamental de desencadear acções colectivas e a liberdade de estabelecimento e de prestação de serviços, são objectivamente justificadas, adequadas, proporcionadas e estão em conformidade com o princípio do reconhecimento mútuo?

10)      Seria a resposta à nona questão diferente se a sociedade‑mãe se comprometesse em Tribunal, em seu nome e em nome de todas as empresas do mesmo grupo, a não despedir, devido a mudança de pavilhão, nenhum dos seus empregados (compromisso que não exige a renovação de contratos por tempo determinado nem impede a reafectação dos empregados em termos e condições equivalentes)?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Observações preliminares

28     Recorde‑se que, em conformidade com jurisprudência assente, no âmbito da cooperação instituída pelo artigo 234.° CE entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, cabe exclusivamente ao juiz nacional a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar apreciar, tendo em conta a especificidade do processo, quer a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão quer a pertinência das questões que coloca ao Tribunal de Justiça. No entanto, o Tribunal de Justiça considerou que não pode pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional, quando seja manifesto, designadamente, que a interpretação do direito comunitário, solicitada pelo órgão jurisdicional nacional, não tem qualquer relação com a realidade ou com o objecto do litígio no processo principal ou quando o problema apresentado ao Tribunal de Justiça for hipotético (v. acórdãos de 15 de Dezembro de 1995, Bosman, C‑415/93, Colect., p. I‑4921, n.os 59 e 61, e de 25 de Outubro de 2005, Schulte, C‑350/03, Colect., p. I‑9215, n.° 43).

29     No caso vertente, o pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação, por um lado, das disposições do Tratado relativas à liberdade de estabelecimento e, por outro, do Regulamento n.° 4055/86, que aplica o princípio da livre prestação de serviços aos transportes marítimos.

30     Observe‑se no entanto que, uma vez que a questão relativa à livre prestação de serviços só posteriormente à mudança de pavilhão do Rosella prevista pela Viking é susceptível de se colocar e que na data em que as questões prejudiciais foram submetidas ao Tribunal de Justiça essa mudança ainda não tinha ocorrido, o pedido de decisão prejudicial tem carácter hipotético, pelo que é inadmissível na parte relativa à interpretação do Regulamento n.° 4055/86.

31     Nestas condições, há que responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio unicamente na parte em que têm por objecto o artigo 43.° CE.

 Quanto à primeira questão

32     Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 43.° CE deve ser interpretado no sentido de que está subtraída do seu âmbito de aplicação uma acção colectiva desencadeada por um sindicato ou por um agrupamento de sindicatos contra uma empresa a fim de induzir esta última a celebrar uma convenção colectiva cujo conteúdo pode dissuadi‑la do exercício da liberdade de estabelecimento.

33     A este respeito, recorde‑se que, segundo jurisprudência assente, os artigos 39.° CE, 43.° CE e 49.° CE não regulam apenas a acção das autoridades públicas mas são igualmente extensivos às regulamentações de outra natureza destinadas a disciplinar, de modo colectivo, o trabalho assalariado, o trabalho independente e as prestações de serviços (v. acórdãos de 12 de Dezembro de 1974, Walrave e Koch, 36/74, Colect., p. 595, n.° 17; de 14 de Julho de 1976, Donà, 13/76, Colect., p. 545, n.° 17; Bosman, já referido, n.° 82; de 11 de Abril de 2000, Deliège, C‑51/96 e C‑191/97, Colect., p. I‑2549, n.° 47; de 6 de Junho de 2000, Angonese, C‑281/98, Colect., p. I‑4139, n.° 31; e de 19 de Fevereiro de 2002, Wouters e o., C‑309/99, Colect., p. I‑1577, n.° 120).

34     Dado que as condições de trabalho nos diferentes Estados‑Membros são regidas tanto por via de disposições de carácter legislativo ou regulamentar como por convenções ou outros actos celebrados ou adoptados por entidades privadas, limitar as proibições previstas nos referidos artigos aos actos das autoridades públicas acarretaria o risco de criar desigualdades quanto à sua aplicação (v., por analogia, acórdãos, já referidos, Walrave e Koch, n.° 19; Bosman, n.° 84; e Angonese, n.° 33).

35     No caso presente, deve considerar‑se, por um lado, que a organização de acções colectivas pelos sindicatos de trabalhadores faz parte da autonomia jurídica de que estes organismos, que não constituem entidades de direito público, dispõem com base na liberdade sindical que lhes é reconhecida, designadamente, pelo direito nacional.

36     Por outro lado, como o FSU e a ITF alegam, acções colectivas como as que estão em causa no processo principal, que podem constituir o último recurso ao dispor das organizações sindicais para ver satisfeita a sua reivindicação de regular de modo colectivo o trabalho dos trabalhadores da Viking, devem considerar‑se inextricavelmente ligadas à convenção colectiva que o FSU pretende celebrar.

37     Daqui resulta que acções colectivas como a que é referida na primeira questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio estão, em princípio, abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 43.° CE.

38     Esta conclusão não é posta em causa pelos diferentes argumentos invocados pelo FSU, pela ITF e por alguns dos Estados‑Membros que apresentaram observações ao Tribunal de Justiça em apoio da tese contrária à referida no número anterior.

39     Em primeiro lugar, o Governo dinamarquês alega que o direito de associação, o direito de greve e o direito de lock‑out escapam ao domínio da liberdade fundamental enunciada no artigo 43.° CE, uma vez que, em conformidade com o artigo 137.°, n.° 5, CE, conforme alterado pelo Tratado de Nice, a Comunidade não tem competência para regular estes direitos.

40     A este respeito, basta recordar que, embora seja verdade que, nos domínios não abrangidos pela competência da Comunidade, os Estados‑Membros continuam, em princípio, a ter liberdade para fixar as condições de existência dos direitos em causa e as modalidades de exercício desses direitos, não é menos certo que, no exercício das suas competências, os Estados‑Membros devem respeitar o direito comunitário (v., por analogia, no que respeita ao domínio da segurança social, acórdãos de 28 de Abril de 1998, Decker, C‑120/95, Colect., p. I‑1831, n.os 22 e 23, e Kohll, C‑158/96, Colect., p. I‑1931, n.os 18 e 19; no que diz respeito à fiscalidade directa, acórdãos de 4 de Março de 2004, Comissão/França, C‑334/02, Colect., p. I‑2229, n.° 21, e de 13 de Dezembro de 2005, Marks & Spencer, C‑446/03, Colect., p. I‑10837, n.° 29).

41     Por conseguinte, a circunstância de o artigo 137.° CE não se aplicar ao direito de greve nem ao direito de lock‑out não é de molde a subtrair uma acção colectiva como a que está em causa no processo principal à aplicação do artigo 43.° CE.

42     Seguidamente, segundo as observações dos Governos dinamarquês e sueco, o direito de desencadear uma acção colectiva, incluindo o direito de greve, constitui um direito fundamental subtraído, enquanto tal, ao âmbito de aplicação do artigo 43.° CE.

43     Refira‑se, a este respeito, que o direito de desencadear uma acção colectiva, incluindo o direito de greve, é reconhecido quer por diferentes instrumentos internacionais para os quais os Estados‑Membros cooperaram ou aos quais aderiram, como a Carta Social Europeia, assinada em Turim, em 18 de Outubro de 1961, de resto expressamente mencionada no artigo 136.° CE, e a Convenção n.° 87, relativa à liberdade sindical e à protecção do direito sindical, adoptada em 9 de Julho de 1948 pela Organização Internacional de Trabalho, quer por instrumentos elaborados pelos referidos Estados‑Membros a nível comunitário ou no âmbito da União, como a Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores adoptada na reunião do Conselho Europeu em Estrasburgo, em 9 de Dezembro de 1989, igualmente mencionada no artigo 136.° CE, e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em 7 de Dezembro de 2000, em Nice (JO C 364, p. 1).

44     Embora o direito de desencadear uma acção colectiva, incluindo o direito de greve, deva, assim, ser reconhecido enquanto direito fundamental que constitui parte integrante dos princípios gerais do direito comunitário cuja observância é assegurada pelo Tribunal de Justiça, é também verdade que o seu exercício pode ser sujeito a determinadas restrições. Com efeito, como reafirma o artigo 28.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, os referidos direitos gozam de protecção em conformidade com o direito comunitário e as legislações e práticas nacionais. Além disso, como resulta do n.° 5 do presente acórdão, segundo o direito finlandês, o direito de greve não pode ser exercido, designadamente, quando a greve seja contrária aos bons costumes ou proibida pelo direito nacional ou pelo direito comunitário.

45     A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que a protecção dos direitos fundamentais constitui um interesse legítimo susceptível de justificar, em princípio, uma restrição às obrigações impostas pelo direito comunitário, mesmo por força de uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado como a livre circulação de mercadorias (v. acórdão de 12 de Junho de 2003, Schmidberger, C‑112/00, Colect., p. I‑5659, n.° 74) ou a livre prestação de serviços (v. acórdão de 14 de Outubro de 2004, Omega, C‑36/02, Colect., p. I‑9609, n.° 35).

46     No entanto, nos acórdãos Schmidberger e Omega, já referidos, o Tribunal de Justiça declarou que o exercício dos direitos fundamentais em causa, ou seja, respectivamente, as liberdades de expressão e de reunião e o respeito da dignidade humana, não escapa ao âmbito de aplicação das disposições do Tratado e considerou que esse exercício deve ser conciliado com as exigências relativas aos direitos protegidos pelo referido Tratado e em conformidade com o princípio da proporcionalidade (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Schmidberger, n.° 77, e Omega, n.° 36).

47     Decorre do exposto que o carácter fundamental inerente ao direito de desencadear uma acção colectiva não é susceptível de subtrair as acções colectivas em causa no processo principal ao âmbito de aplicação do artigo 43.° CE.

48     Por último, o FSU e a ITF sustentam que o raciocínio adoptado pelo Tribunal de Justiça no acórdão Albany, já referido, deve ser aplicado por analogia no processo principal, uma vez que determinadas restrições à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços são inerentes às acções colectivas levadas a cabo no âmbito de uma negociação colectiva.

49     A este respeito, recorde‑se que no n.° 59 do acórdão Albany, já referido, o Tribunal de Justiça, depois de ter declarado que certos efeitos restritivos da concorrência são inerentes aos acordos colectivos celebrados entre organizações representativas das entidades patronais e dos trabalhadores, decidiu, no entanto, que os objectivos de política social prosseguidos por esses acordos seriam postos seriamente em causa se os parceiros sociais estivessem sujeitos ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado CE (actual artigo 81.°, n.° 1, CE) na procura conjunta de medidas destinadas a melhorar as condições de emprego e de trabalho.

50     Daqui o Tribunal de Justiça inferiu, no n.° 60 do acórdão Albany, já referido, que se deve considerar que acordos concluídos no âmbito de negociações colectivas entre parceiros sociais com vista a atingir esses objectivos, em razão da sua natureza e do seu objecto, não são abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

51     Observe‑se, no entanto, que este raciocínio não pode ser transposto para as liberdades fundamentais enunciadas no título III do referido Tratado.

52     Com efeito, contrariamente ao que o FSU e a ITF sustentam, não se pode considerar que lesar de algum modo essas liberdades fundamentais seja inerente ao próprio exercício da liberdade sindical e do direito de desencadear uma acção colectiva.

53     Sublinhe‑se, além disso, que a circunstância de um acordo ou uma actividade serem subtraídos ao âmbito de aplicação das disposições do Tratado relativas à concorrência não determina que esse acordo ou actividade estejam igualmente excluídos do âmbito de aplicação das disposições do mesmo Tratado relativas à livre circulação de pessoas ou de serviços, uma vez que a cada uma dessas disposições correspondem requisitos de aplicação próprios (v., neste sentido, acórdão de 18 de Julho de 2006, Meca‑Medina e Majcen/Comissão, C‑519/04 P, Colect., p. I‑6991).

54     Por fim, recorde‑se que o Tribunal de Justiça já declarou que as cláusulas de convenções colectivas não estão subtraídas ao âmbito de aplicação das disposições do Tratado relativas à livre circulação de pessoas (acórdãos de 15 de Janeiro de 1998, Schöning‑Kougebetopoulou, C‑15/96, Colect., p. I‑47; de 24 de Setembro de 1998, Comissão/França, C‑35/97, Colect., p. I‑5325; e de 16 de Setembro de 2004, Merida, C‑400/02, Colect., p. I‑8471).

55     Em face do exposto, há que responder à primeira questão que o artigo 43.° CE deve ser interpretado no sentido de que, em princípio, não está subtraída ao seu âmbito de aplicação uma acção colectiva desencadeada por um sindicato ou por um grupo de sindicatos contra uma empresa a fim de induzir esta última a celebrar uma convenção colectiva cujo conteúdo pode dissuadi‑la de exercer a liberdade de estabelecimento.

 Quanto à segunda questão

56     Com esta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 43.° CE é susceptível de conferir a uma empresa privada direitos que podem ser oponíveis a um sindicato ou a uma associação de sindicatos.

57     Para responder a esta questão, recorde‑se que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a abolição dos obstáculos à livre circulação de pessoas e à livre prestação de serviços entre os Estados‑Membros ficaria comprometida se a supressão das barreiras de origem estatal pudesse ser neutralizada por obstáculos resultantes do exercício da sua autonomia jurídica por associações ou organismos que não são abrangidos pelo direito público (v. acórdãos, já referidos, Walrave e Koch, n.° 18; Bosman, n.° 83; Deliège, n.° 47; Angonese, n.° 32; e Wouters e o., n.° 120).

58     O Tribunal de Justiça declarou, além disso, por um lado, que o facto de determinadas disposições do Tratado se dirigirem formalmente aos Estados‑Membros não exclui que possam ao mesmo tempo ser conferidos direitos a qualquer particular interessado no cumprimento das obrigações assim definidas e, por outro, que a proibição de atentar contra uma liberdade fundamental prevista numa disposição do Tratado de natureza imperativa se impõe, designadamente, a todas as convenções destinadas a regulamentar de modo colectivo o trabalho assalariado (v., neste sentido, acórdão de 8 de Abril de 1976, Defrenne, 43/75, Colect., p. 193, n.os 31 e 39).

59     Ora, estas considerações devem ser igualmente válidas no que diz respeito ao artigo 43.° CE, que consagra uma liberdade fundamental.

60     No caso vertente, impõe‑se concluir que, como resulta dos n.os 35 e 36 do presente acórdão, as acções colectivas desencadeadas pelo FSU e pela ITF têm por objectivo a celebração de uma convenção que deve regular de forma colectiva o trabalho dos assalariados da Viking e que estes dois sindicatos constituem organismos que não são entidades de direito público e que exercem a autonomia jurídica que lhes é reconhecida, designadamente, pelo direito nacional.

61     Daqui resulta que, em circunstâncias como as do processo principal, o artigo 43.° CE deve ser interpretado no sentido de que pode ser directamente invocado por uma empresa privada contra um sindicato ou um grupo de sindicatos.

62     Esta interpretação é, além disso, corroborada pela jurisprudência sobre as disposições do Tratado relativas à livre circulação de mercadorias, da qual decorre que determinadas restrições podem ser de origem não estatal e resultar de acções desencadeadas por pessoas privadas ou grupos de pessoas privadas (v. acórdãos de 9 de Dezembro de 1997, Comissão/França, C‑265/95, Colect., p. I‑6959, n.° 30, e Schmidberger, já referido, n.os 57 e 62).

63     A interpretação enunciada no n.° 61 do presente acórdão também não é posta em causa pela circunstância de a restrição na origem do litígio submetido ao órgão jurisdicional de reenvio resultar do exercício de um direito conferido pelo direito nacional finlandês, como, no caso concreto, o direito de desencadear uma acção colectiva, incluindo o direito de greve.

64     Acrescente‑se que, ao contrário do que sustenta, designadamente, a ITF, não resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada no n.° 57 do presente acórdão que a referida interpretação seja limitada aos organismos quase‑públicos ou às associações que exercem funções regulamentares ou que dispõem de poderes quase‑legislativos.

65     Com efeito, esta jurisprudência não contém indício algum que permita sustentar validamente que se limita às associações ou aos organismos que exercem funções regulamentares ou que dispõem de poderes quase‑legislativos. De resto, observe‑se que, ao exercer o poder autónomo de que dispõem ao abrigo da liberdade sindical de negociar com as entidades patronais ou com as organizações profissionais as condições de trabalho e de remuneração dos trabalhadores, as organizações sindicais dos trabalhadores participam na formação das convenções que visam regular de forma colectiva o trabalho assalariado.

66     De acordo com estas considerações, deve responder‑se à segunda questão que o artigo 43.° CE é susceptível de conferir a uma empresa privada direitos que podem ser oponíveis a um sindicato ou a uma associação de sindicatos.

 Quanto à terceira a décima questões

67     Com estas questões, que devem ser apreciadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça, no essencial, se acções colectivas como as que estão em causa no processo principal constituem restrições, na acepção do artigo 43.° CE, e, se assim for, em que medida podem essas restrições ser justificadas.

 Quanto à existência de restrições

68     Importa recordar, em primeiro lugar, como o Tribunal de Justiça já por várias vezes fez, que a liberdade de estabelecimento constitui um dos princípios fundamentais da Comunidade e que as disposições do Tratado que garantem essa liberdade têm efeito directo a partir do fim do período de transição. Estas disposições asseguram o direito de estabelecimento noutro Estado‑Membro, não só aos cidadãos comunitários mas também às sociedades definidas no artigo 48.° CE (acórdão de 27 de Setembro de 1988, Daily Mail and General Trust, 81/87, Colect., p. 5483, n.° 15).

69     De resto, o Tribunal de Justiça considerou que, embora as disposições do Tratado relativas à liberdade de estabelecimento visem nomeadamente assegurar o benefício do tratamento nacional no Estado‑Membro de acolhimento, impedem igualmente que o Estado‑Membro de origem coloque obstáculos ao estabelecimento noutro Estado‑Membro de um dos seus nacionais ou de uma sociedade constituída em conformidade com a sua legislação e que, além disso, corresponda à definição do artigo 48.° CE. Os direitos garantidos pelos artigos 43.° CE a 48.° CE seriam esvaziados do seu conteúdo se o Estado‑Membro de origem pudesse proibir que as empresas abandonassem o seu território para se estabelecerem noutro Estado‑Membro (v. acórdão Daily Mail and General Trust, já referido, n.° 16).

70     Refira‑se, em segundo lugar, que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o conceito de «estabelecimento», na acepção dos referidos artigos do Tratado, envolve o exercício efectivo de uma actividade económica, através de uma implantação estável noutro Estado‑Membro, por um período indeterminado, e que a matrícula de um navio não pode ser dissociada do exercício da liberdade de estabelecimento quando o navio constitui um instrumento do exercício de uma actividade económica que implica a implantação estável no Estado‑Membro de matrícula (acórdão de 25 de Julho de 1991, Factortame e o., C‑221/89, Colect., p. I‑3905, n.os 20 a 22).

71     O Tribunal de Justiça concluiu que as condições impostas para a matrícula de navios não devem constituir obstáculo à liberdade de estabelecimento, na acepção dos artigos 43.° CE a 48.° CE (acórdão Factortame e o., já referido, n.° 23).

72     Ora, no caso presente, por um lado, não se pode contestar que uma acção colectiva como a planeada pelo FSU tem por efeito tornar menos atractivo, ou mesmo inútil, como referiu o órgão jurisdicional de reenvio, o exercício, pela Viking, do seu direito de livre estabelecimento, na medida em que essa acção impede esta última assim como a sua filial Viking Eesti de receber, no Estado‑Membro de acolhimento, o mesmo tratamento que os restantes operadores económicos estabelecidos nesse Estado.

73     Por outro lado, uma acção colectiva desencadeada para pôr em prática a política de luta contra os pavilhões de conveniência prosseguida pela ITF, que visa principalmente, como resulta das observações desta última, impedir os armadores de matricularem os seus navios num Estado diferente daquele de que são nacionais os proprietários efectivos desses navios, deve considerar‑se, no mínimo, susceptível de restringir o exercício pela Viking do seu direito de livre estabelecimento.

74     Daqui resulta que acções como as que estão em causa no processo principal constituem restrições à liberdade de estabelecimento, na acepção do artigo 43.° CE.

 Quanto à justificação das restrições

75     Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que uma restrição à liberdade de estabelecimento só é admissível se prosseguir um objectivo legítimo compatível com o Tratado e se se justificar por razões imperiosas de interesse geral. Todavia, mesmo nesse caso, é ainda necessário que a restrição seja adequada a garantir a realização do objectivo prosseguido e não ultrapasse o necessário para o alcançar (v., designadamente, acórdãos de 30 de Novembro de 1995, Gebhard, C‑55/94, Colect., p. I‑4165, n.° 37, e Bosman, já referido, n.° 104).

76     A ITF, apoiada, designadamente, pelo Governo alemão, pela Irlanda e pelo Governo finlandês, alega que as restrições em causa no processo principal se justificam uma vez que são necessárias para garantir a protecção de um direito fundamental reconhecido pelo direito comunitário e que têm por objectivo a protecção dos direitos dos trabalhadores, que constitui uma razão imperiosa de interesse geral.

77     Observe‑se, a este respeito, que o direito de desencadear uma acção colectiva que tenha por objectivo a protecção dos trabalhadores constitui um interesse legítimo susceptível de justificar, em princípio, uma restrição a uma das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado (v., neste sentido, acórdão Schmidberger, já referido, n.° 74) e que a protecção dos trabalhadores figura entre as razões imperiosas de interesse geral já reconhecidas pelo Tribunal de Justiça (v., designadamente, acórdãos de 23 de Novembro de 1999, Arblade e o., C‑369/96 e C‑376/96, Colect., p. I‑8453, n.° 36; de 15 de Março de 2001, Mazzoleni e ISA, C‑165/98, Colect., p. I‑2189, n.° 27; e de 25 de Outubro de 2001, Finalarte e o., C‑49/98, C‑50/98, C‑52/98 a C‑54/98 e C‑68/98 a C‑71/98, Colect., p. I‑7831, n.° 33).

78     Acrescente‑se que, nos termos do artigo 3.°, n.° 1, alíneas c) e j), CE, a acção da Comunidade comporta não só um «mercado interno caracterizado pela abolição, entre os Estados‑Membros, dos obstáculos à livre circulação de mercadorias, de pessoas, de serviços e de capitais» mas igualmente «uma política social». O artigo 2.° CE enuncia, com efeito, que a Comunidade tem como missão, designadamente, promover «o desenvolvimento harmonioso, equilibrado e sustentável das actividades económicas» e «um elevado nível de emprego e de protecção social».

79     Dado que a Comunidade tem, deste modo, não só uma finalidade económica mas igualmente uma finalidade social, os direitos que resultam das disposições do Tratado relativas à livre circulação de mercadorias, de pessoas, de serviços e de capitais devem ser ajustados aos objectivos prosseguidos pela política social, entre os quais figura, designadamente, como resulta do artigo 136.°, primeiro parágrafo, CE, a melhoria das condições de vida e de trabalho, de modo a permitir a sua igualização no progresso, uma protecção social adequada e o diálogo social.

80     No caso em apreço, caberá ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se os objectivos prosseguidos pelo FSU e pela ITF através da acção colectiva desencadeada por estes últimos tinham em vista a protecção dos trabalhadores.

81     A este propósito, no que se refere, em primeiro lugar, à acção colectiva desencadeada pelo FSU, embora se possa razoavelmente considerar que essa acção, que visa a protecção dos postos e das condições de trabalho dos membros deste sindicato susceptíveis de virem a ser afectados pela mudança de pavilhão do Rosella, tem, à primeira vista, um objectivo de protecção dos trabalhadores, esta qualificação não pode, no entanto, ser mantida se for demonstrado que os postos ou as condições de trabalho em causa não eram afectados nem seriamente ameaçados.

82     Seria esse, nomeadamente, o caso se, do ponto de vista jurídico, o compromisso visado pelo órgão jurisdicional de reenvio na sua décima questão tivesse uma força tão vinculativa quanto os termos de um acordo colectivo e fosse susceptível de garantir aos trabalhadores o cumprimento das disposições legais e a manutenção das disposições da convenção colectiva que regulam a sua relação de trabalho.

83     Na medida em que não resulta claramente da decisão de reenvio qual o alcance jurídico que deve ser reconhecido a um compromisso como o visado na décima questão, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se os postos ou as condições de trabalho dos membros do referido sindicato susceptíveis de serem afectados pela mudança de pavilhão do Rosella eram postos em causa ou eram seriamente ameaçados.

84     Na hipótese de, em resultado dessa apreciação, o órgão jurisdicional de reenvio concluir que, no processo que lhe está submetido, os postos ou as condições de trabalho dos membros do FSU susceptíveis de ser afectados pela mudança de pavilhão do Rosella são verdadeiramente postos em causa ou são seriamente ameaçados, cabe‑lhe ainda determinar se a acção colectiva desencadeada por este sindicato é adequada a garantir a realização do objectivo prosseguido e não ultrapassa o necessário para o alcançar.

85     Recorde‑se a este respeito que, embora caiba em última instância ao juiz nacional, que tem competência exclusiva para apreciar os factos e interpretar a legislação nacional, determinar se e em que medida a referida acção colectiva está em conformidade com esses requisitos, o Tribunal de Justiça, chamado a fornecer ao juiz nacional respostas úteis, tem competência para dar indicações, extraídas dos autos do processo principal assim como das observações escritas e orais que lhe tenham sido submetidas, de modo a permitir‑lhe proferir a decisão no litígio concreto que lhe está submetido.

86     Quanto à aptidão das acções desencadeadas pelo FSU para alcançar os objectivos prosseguidos no processo principal, recorde‑se que é pacífico que as acções colectivas, tal como as negociações colectivas e as convenções colectivas, podem constituir, nas circunstâncias específicas de um processo, um dos principais meios de os sindicatos protegerem os interesses dos seus membros (v. TEDH, acórdãos Syndicat national de la police belge de 27 de Outubro de 1975, série A, n.° 19, e Wilson, National Union of Journalists e o. c. Reino Unido de 2 de Julho de 2002, Colectânea dos acórdãos e decisões 2002‑V, § 44).

87     Relativamente à questão de saber se a acção colectiva em causa no processo principal não ultrapassa o necessário para alcançar o objectivo prosseguido, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio examinar, por um lado, se, em aplicação da legislação nacional e do direito convencional aplicável a essa acção, o FSU não dispunha de outros meios, menos restritivos da liberdade de estabelecimento, para levar a bom termo a negociação colectiva encetada pela Viking e, por outro, se este sindicato tinha esgotado esses meios antes de desencadear a referida acção.

88     No que diz respeito, em segundo lugar, às acções colectivas destinadas a pôr em prática a política levada a cabo pela ITF, sublinhe‑se que, se essa política tiver por resultado impedir os armadores de matricularem os seus navios num Estado diferente daquele de que são nacionais os proprietários efectivos desses navios, as restrições à liberdade de estabelecimento que decorrem dessas acções não podem ser objectivamente justificadas. Deve, no entanto, concluir‑se que, como refere a decisão de reenvio, a referida política tem igualmente por objectivo a protecção e a melhoria das condições de trabalho dos trabalhadores marítimos.

89     Todavia, como resulta dos autos apresentados ao Tribunal de Justiça, a ITF, no âmbito da sua política de luta contra os pavilhões de conveniência, está obrigada, quando tal lhe seja pedido por um dos seus membros, a desencadear uma acção de solidariedade contra o proprietário efectivo de um navio registado num Estado diferente daquele de que esse proprietário é nacional, independentemente da questão de saber se o exercício, por este último, do seu direito de livre estabelecimento pode ter ou não consequências prejudiciais para o emprego ou para as condições de trabalho dos seus trabalhadores. Assim, como a Viking sustentou na audiência sem que, sobre este ponto, tivesse sido desmentida pela ITF, a política que consiste em reservar o direito de negociação colectiva aos sindicatos do Estado do qual o proprietário efectivo de um navio é nacional também é aplicável quando o navio está registado num Estado que garante aos trabalhadores uma protecção social mais elevada do que aquela de que beneficiariam no primeiro Estado.

90     Em face do exposto, deve responder‑se à terceira a décima questões que o artigo 43.° CE deve ser interpretado no sentido de que acções colectivas como as que estão em causa no processo principal, que visam induzir uma empresa cuja sede está situada num Estado‑Membro determinado a celebrar uma convenção colectiva de trabalho com um sindicato estabelecido nesse Estado e a aplicar as cláusulas previstas nessa convenção aos trabalhadores de uma filial da referida empresa estabelecida noutro Estado‑Membro, constituem restrições na acepção do referido artigo. Estas restrições podem, em princípio, ser justificadas pela protecção de uma razão imperiosa de interesse geral, como a protecção dos trabalhadores, na condição de se provar que são aptas a garantir a realização do objectivo legítimo prosseguido e não ultrapassam o necessário para o alcançar.

 Quanto às despesas

91     Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1)      O artigo 43.° CE deve ser interpretado no sentido de que, em princípio, não está subtraída ao seu âmbito de aplicação uma acção colectiva desencadeada por um sindicato ou um grupo de sindicatos contra uma empresa privada a fim de induzir esta última a celebrar uma convenção colectiva cujo conteúdo pode dissuadi‑la de exercer a liberdade de estabelecimento.

2)      O artigo 43.° CE é susceptível de conferir a uma empresa privada direitos que podem ser oponíveis a um sindicato ou a uma associação de sindicatos.

3)      O artigo 43.° CE deve ser interpretado no sentido de que acções colectivas como as que estão em causa no processo principal, que visam induzir uma empresa cuja sede está situada num Estado‑Membro determinado a celebrar uma convenção colectiva de trabalho com um sindicato estabelecido nesse Estado e a aplicar as cláusulas previstas nessa convenção aos trabalhadores de uma filial da referida empresa estabelecida noutro Estado‑Membro, constituem restrições na acepção do referido artigo.

Estas restrições podem, em princípio, ser justificadas pela protecção de uma razão imperiosa de interesse geral, como a protecção dos trabalhadores, na condição de se provar que são aptas a garantir a realização do objectivo legítimo prosseguido e não ultrapassam o necessário para o alcançar.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.

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