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Document 62019CC0620

Conclusões do advogado-geral M. Bobek apresentadas em 3 de setembro de 2020.
Land Nordrhein-Westfalen contra D.-H. T.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesverwaltungsgericht.
Reenvio prejudicial — Dados pessoais — Regulamento (UE) 2016/679 — Artigo 23.o — Limitação dos direitos do titular dos dados — Interesse financeiro importante — Execução das ações cíveis — Regulamentação nacional que remete para as disposições do direito da União — Dados fiscais relativos a uma pessoa coletiva — Incompetência do Tribunal de Justiça.
Processo C-620/19.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2020:649

 CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MICHAL BOBEK

apresentadas em 3 de setembro de 2020 ( 1 )

Processo C‑620/19

Land Nordrhein‑Westfalen

contra

D.‑H. T., na qualidade de administrador de insolvência do património da J & S Service UG

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Alemanha)]

«Reenvio prejudicial — Competência do Tribunal de Justiça — Remissão do direito nacional para disposições do direito da União — Jurisprudência Dzodzi — Remissão direta e incondicional — Interesse na uniformidade conceptual — Regulamento (UE) 2016/679 — Proteção de dados — Limitações — Artigo 23.o, n.o 1, alíneas e) e j) — Execução de ações cíveis — Processos de insolvência — Autoridades fiscais»

I. Introdução

1.

Nos termos do artigo 267.o TFUE, um pedido de decisão prejudicial deve ter por objeto a interpretação dos Tratados ou a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União. Um dos requisitos da competência do Tribunal de Justiça ao abrigo desta disposição é o ato da União cuja interpretação é pedida ser aplicável ao litígio no processo principal, sendo esta aplicabilidade normalmente enunciada no próprio ato do direito da União pertinente.

2.

Todavia, a partir do Acórdão Dzodzi ( 2 ), Tribunal de Justiça declarou que os Tratados não excluem da competência do Tribunal de Justiça os pedidos de decisão prejudicial relativos a disposições do direito da União que não sejam aplicáveis aos factos do processo diretamente (ou seja, por força das disposições contidas nesses mesmos atos do direito da União) mas em que tais disposições se tornem aplicáveis indiretamente (ou seja, através de uma remissão feita pelo direito nacional, que tem por efeito alargar o âmbito de aplicação do direito da União). Assim, o Tribunal de Justiça declarou que, quando uma legislação nacional, para as soluções que dá a situações que não são abrangidas pelo âmbito de aplicação do ato da União em causa, se adequa às soluções adotadas por esse ato, existe um interesse certo da União em que, para prevenir divergências de interpretação futuras, as disposições procedentes desse ato sejam objeto de interpretação uniforme.

3.

Embora este princípio tenha sido posteriormente confirmado e aplicado em vários processos posteriores (a seguir «jurisprudência Dzodzi») ( 3 ), a delimitação da competência do Tribunal de Justiça nestas situações permanece ainda, até à data, pouco clara.

4.

O presente processo leva esta linha jurisprudencial aos seus limites externos. No seu reenvio prejudicial, o Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Alemanha) pede ao Tribunal de Justiça que interprete o artigo 23.o, n.o 1, alíneas e) e j), do Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados) ( 4 ), apesar de esta disposição não ser diretamente aplicável à situação em causa no processo principal. Com efeito, essa situação escapa, por várias razões, ao âmbito de aplicação do Regulamento 2016/679. É unicamente em razão da remissão contida na legislação nacional aplicável que o artigo 23.o, n.o 1, desse regulamento se tornou aplicável à situação submetida à apreciação do órgão jurisdicional de reenvio.

5.

O presente processo convida, assim, o Tribunal de Justiça a esclarecer até que ponto pode razoavelmente ser levada a lógica de uma remissão nacional, iniciada no Acórdão Dzodzi, numa situação em que, na sequência não de apenas uma, mas de facto várias extensões do âmbito de aplicação de uma regra do direito da União por parte do legislador nacional, o órgão jurisdicional de reenvio é confrontado com a necessidade de interpretar essa regra que, em minha opinião, não tem simplesmente qualquer utilidade para a questão concreta que lhe é submetida.

II. Quadro jurídico

A.   Direito da União

6.

Os considerandos 2, 4 e 73 do Regulamento 2016/679 têm a seguinte redação:

«(2)

Os princípios e as regras em matéria de proteção das pessoas singulares relativamente ao tratamento dos seus dados pessoais deverão respeitar, independentemente da nacionalidade ou do local de residência dessas pessoas, os seus direitos e liberdades fundamentais, nomeadamente o direito à proteção dos dados pessoais. […]

(4)

O tratamento dos dados pessoais deverá ser concebido para servir as pessoas. O direito à proteção de dados pessoais não é absoluto; deve ser considerado em relação à sua função na sociedade e ser equilibrado com outros direitos fundamentais, em conformidade com o princípio da proporcionalidade. O presente regulamento respeita todos os direitos fundamentais e observa as liberdade e os princípios reconhecidos na Carta [dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir “Carta”)], consagrados nos Tratados, nomeadamente o respeito pela vida privada e familiar, pelo domicílio e pelas comunicações, a proteção dos dados pessoais, a liberdade de pensamento, de consciência e de religião, a liberdade de expressão e de informação, a liberdade de empresa, o direito à ação e a um tribunal imparcial, e a diversidade cultural, religiosa e linguística.

[…]

(73)

O direito da União ou dos Estados‑Membros podem impor restrições relativas a princípios específicos e aos direitos de informação, acesso e retificação ou apagamento de dados pessoais e ao direito à portabilidade dos dados, ao direito de oposição, às decisões baseadas na definição de perfis, bem como à comunicação de uma violação de dados pessoais ao titular dos dados, e a determinadas obrigações conexas dos responsáveis pelo tratamento, na medida em que sejam necessárias e proporcionadas numa sociedade democrática para garantir a segurança pública, incluindo a proteção da vida humana, especialmente em resposta a catástrofes naturais ou provocadas pelo homem, para a prevenção, a investigação e a repressão de infrações penais ou a execução de sanções penais, incluindo a salvaguarda e a prevenção de ameaças à segurança pública ou violações da deontologia de profissões regulamentadas, para outros objetivos importantes de interesse público geral da União ou de um Estado‑Membro, nomeadamente um interesse económico ou financeiro importante da União ou de um Estado‑Membro, para a conservação de registos públicos por motivos de interesse público geral, para posterior tratamento de dados pessoais arquivados para a prestação de informações específicas relacionadas com o comportamento político no âmbito de antigos regimes totalitários ou para efeitos de defesa do titular dos dados ou dos direitos e liberdades de terceiros, incluindo a proteção social, a saúde pública e os fins humanitários. Essas restrições deverão respeitar as exigências estabelecidas na Carta e na Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.»

7.

O artigo 1.o («Objeto e objetivos») do Regulamento 2016/679 dispõe:

«1.   O presente regulamento estabelece as regras relativas à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados.

2.   O presente regulamento defende os direitos e as liberdades fundamentais das pessoas singulares, nomeadamente o seu direito à proteção dos dados pessoais.

[…]»

8.

O artigo 23.o do Regulamento 2016/679 («Limitações»), é a disposição final do seu capítulo III, consagrado aos direitos do titular dos dados. Tem a seguinte redação:

«1.   O direito da União ou dos Estados‑Membros a que estejam sujeitos o responsável pelo tratamento ou o seu subcontratante pode limitar por medida legislativa o alcance das obrigações e dos direitos previstos nos artigos 12.o a 22.o e no artigo 34.o, bem como no artigo 5.o, na medida em que tais disposições correspondam aos direitos e obrigações previstos nos artigos 12.o a 22.o, desde que tal limitação respeite a essência dos direitos e liberdades fundamentais e constitua uma medida necessária e proporcionada numa sociedade democrática para assegurar, designadamente:

[…]

e)

Outros objetivos importantes do interesse público geral da União ou de um Estado‑Membro, nomeadamente um interesse económico ou financeiro importante da União ou de um Estado‑Membro, incluindo nos domínios monetário, orçamental ou fiscal, da saúde pública e da segurança social;

[…]

j)

A execução de ações cíveis.»

B.   Legislação nacional

9.

O § 2a («Âmbito de aplicação das disposições relativas ao tratamento de dados pessoais») do Abgabenordnung (Código Tributário alemão, a seguir «AO»), conforme alterado pela Lei de 17 de julho de 2017 ( 5 ), tem a seguinte redação:

«(3)   As disposições desta lei e das leis fiscais relativas ao tratamento de dados pessoais cedem sempre que seja aplicável, diretamente ou por remissão do n.o 5, o direito da União Europeia, em especial o Regulamento (UE) 2016/679 […], na redação que se encontrar em vigor.

[…]

(5)   Na falta de disposição em contrário, aplicam‑se com as devidas adaptações as disposições do Regulamento (UE) 2016/679, da presente lei e das leis fiscais relativas ao tratamento de dados pessoais de pessoas singulares, às informações sobre

1.

pessoas singulares já falecidas ou

2.

pessoas coletivas, associações com ou sem capacidade jurídica e universalidades de bens, desde que identificadas ou identificáveis.»

10.

O § 32b («Obrigação de informação dos serviços de finanças quando os dados pessoais não são recolhidos junto do titular») do AO dispõe:

«(1)   Para além das exceções previstas no artigo 14.o, n.o 5, do Regulamento (UE) 2016/679 e no § 31c, n.o 2, o serviço de finanças não está obrigado a informar o titular dos dados, nos termos do artigo 14.o, n.os 1, 2 e 4, do Regulamento (UE) 2016/679,

1.

sempre que a prestação da informação

(a)

ponha em causa a boa execução das tarefas da competência do serviço de finanças ou de outro serviço público, na aceção do artigo 23.o, n.o 1, alíneas d) a h), do Regulamento (UE) 2016/679, ou

(b)

[…]

e, por essa razão, o interesse do titular dos dados no acesso à informação tenha de ceder. É aplicável o § 32a, n.o 2, com as devidas adaptações».

11.

O § 32c («Direito de acesso do titular dos dados») do AO tem a seguinte redação:

«(1)   Não existe direito de acesso por parte do titular dos dados em relação aos serviços de finanças nos termos do artigo 15.o do Regulamento (UE) 2016/679, sempre que

1.

o titular dos dados não deva ser informado em conformidade com o § 32b, n.os 1 ou 2,

2.

a prestação da informação ponha em causa o sujeito jurídico serviço de finanças na declaração, no exercício ou na defesa contra pretensões de natureza civil contra si invocadas, na aceção do artigo 23.o, n.o 1, alínea j), do Regulamento (UE) 2016/679; não são afetados os deveres de prestar informações que recaem sobre o serviço de finanças ao abrigo do direito civil,

[…]»

12.

O § 32e («Relação com outros direitos de acesso e de informação») do AO tem a seguinte redação:

«Sempre que o titular dos dados ou um terceiro exercer o direito de acesso à informação perante o serviço de finanças, ao abrigo da Lei de acesso à informação de 5 de setembro de 2005 […], ou ao abrigo das leis equivalentes dos Länder, aplicam‑se com as devidas adaptações os artigos 12.o a 15.o do Regulamento (UE) 2016/679, em conjugação com os §§ 32a a 32d. A este respeito, encontram se excluídos direitos à informação mais amplos sobre dados fiscais. […]»

13.

Nos termos do § 129, n.o 1, do Insolvenzordnung (Código da insolvência de 5 de outubro de 1994), conforme alterado:

«O administrador da insolvência pode impugnar […] atos jurídicos praticados antes da abertura do processo de insolvência e que sejam prejudiciais aos credores.»

14.

Nos termos do primeiro período do § 143, n.o 1, do Código da insolvência, a consequência jurídica de uma impugnação procedente é a obrigação do beneficiário do pagamento em causa de o devolver à massa insolvente.

15.

Em conformidade com o § 144, n.o 1, do referido código, o crédito original do beneficiário sobre o devedor insolvente é então reativado. Esse crédito deve ser satisfeito pela massa insolvente.

16.

O § 2 («Âmbito de aplicação») da Gesetz über die Freiheit des Zugangs zu Informationen für das Land Nordrhein‑Westfalen (Lei relativa ao acesso à informação do Land da Renânia do Norte‑Vestefália), de 27 de novembro de 2001, conforme alterado, tem a seguinte redação:

«1)   A presente lei é aplicável às atividades administrativas das autoridades públicas. […] Para efeitos da presente lei, entende‑se por autoridade pública qualquer organismo que execute tarefas administrativas públicas.

[…]»

17.

O § 4 («Direito à informação») desta lei dispõe:

«1)   Qualquer pessoa singular pode exigir aos organismos referidos no n.o 2, em conformidade com a presente lei, o direito de acesso às informações oficiais na posse dos organismos.

2)   As disposições legais específicas relativas ao acesso às informações administrativas, à prestação de informações ou à concessão de acesso ao processo prevalecem sobre as disposições da presente lei. […]»

III. Matéria de facto, tramitação do processo nacional e questões prejudiciais

18.

O demandante no processo principal é um administrador de insolvência de uma sociedade, a J&S Service UG. Nessa qualidade, pediu à administração fiscal determinadas informações relativas à situação fiscal da sociedade insolvente sob sua administração, a fim de examinar a possibilidade de intentar ações de impugnação contra o serviço de finanças competente.

19.

O demandante apresentou esse pedido ao abrigo da Lei relativa ao acesso à informação. O demandante pedia, nomeadamente, informações sobre as potenciais medidas de execução e as medidas de execução efetivas tomadas contra a sociedade, os pagamentos recebidos dessa sociedade e a data em que as autoridades fiscais tomaram conhecimento do estatuto de insolvente da sociedade. O demandante pedia, igualmente, extratos de conta dessa sociedade relativos a todos os impostos no período compreendido entre março de 2014 e junho de 2015.

20.

O acesso do demandante às informações foi recusado pelo serviço de finanças indeferiu o pedido de informações. O demandante impugnou esta decisão perante o Verwaltungsgericht (Tribunal Administrativo), que, no essencial, julgou a ação procedente. O Oberverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Superior, Alemanha) negou provimento ao recurso interposto pelo Land. Considerou que o direito à informação, consagrado na Lei do Land sobre o acesso à informação, não era excluído pelas disposições específicas relativas ao sigilo fiscal. Embora, em geral, esse tipo de informações pudesse estar sujeito a sigilo fiscal, tal não se aplicava certamente ao administrador de insolvência da sociedade à qual as informações respeitavam.

21.

O Land interpôs então recurso de Revision para o Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal). Este órgão jurisdicional, tendo dúvidas quanto à correta interpretação do artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento 2016/679 — disposição para a qual remetem as disposições relativas ao sigilo fiscal — decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O artigo 23.o, n.o 1, alínea j), do Regulamento (UE) 2016/679 serve também a defesa dos interesses dos serviços de finanças?

2)

Em caso afirmativo, a expressão “execução de ações cíveis” abrange também a defesa dos serviços de finanças contra pretensões cíveis e é necessário que estas pretensões já tenham sido invocadas?

3)

O regime do artigo 23.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento (UE) 2016/679 permite que, para defesa de um interesse financeiro importante de um Estado‑Membro no domínio fiscal, se restrinja o direito de acesso previsto no artigo 15.o do Regulamento [2016/679] como meio de oposição a pretensões cíveis de impugnação da insolvência contra os serviços de finanças?»

22.

Foram apresentadas observações escritas no presente processo pelo Land da Renânia do Norte‑Vestefália, pelos Governos checo, alemão e polaco e pela Comissão Europeia.

IV. Análise

23.

As três questões submetidas pelo Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal) têm por objeto a interpretação do artigo 23.o, n.o 1, alíneas e) e j), do Regulamento 2016/679. É pacífico, contudo, que esta disposição não é diretamente aplicável à situação em causa no processo principal. Como explica o órgão jurisdicional de reenvio, o artigo 23.o, n.o 1, foi tornado indiretamente aplicável pelo legislador nacional, através de uma remissão feita pelas disposições nacionais pertinentes.

24.

Nestas circunstâncias, antes de responder às questões submetidas, há que abordar um incidente processual prévio: o Tribunal de Justiça é competente responder às questões submetidas no caso em apreço?

25.

As partes que apresentaram observações no presente processo têm posições diferentes a este respeito: enquanto o Land da Renânia do Norte‑Vestefália, o Governo polaco e, em certa medida, a Comissão expressaram dúvidas quanto à competência do Tribunal de Justiça, os Governos checo e alemão adotaram a posição contrária.

26.

Perante este cenário, as presentes conclusões estão estruturadas da seguinte forma. Examinarei, em primeiro lugar, a competência do Tribunal de Justiça no presente processo (A). Para este efeito, exporei a jurisprudência Dzodzi (1), recordando as suas origens e a sua expansão (a), bem como as limitações que o Tribunal de Justiça progressivamente introduziu (b). Atendendo aos problemas que podem decorrer de uma aplicação ampla desta jurisprudência, proporei depois ao Tribunal de Justiça que a consolide (2). Seguidamente, aplicarei o quadro jurídico proposto ao caso em apreço, concluindo que, na minha opinião, não se pode retirar nenhum ensinamento útil da legislação da União invocada para a questão específica com que o órgão jurisdicional nacional se depara (3). Tendo chegado à conclusão de que o Tribunal de Justiça não tem competência no caso em apreço, abordarei o mérito das três questões prejudiciais apenas muito sucintamente e dentro dos limites do que é logicamente possível (B).

A.   Competência do Tribunal de Justiça

1. Jurisprudência Dzodzi

a) Origem e expansão

27.

As origens da jurisprudência Dzodzi remontam ao Acórdão Thomasdünger ( 6 ). Nesse processo, o órgão jurisdicional de reenvio pedia ao Tribunal de Justiça que interpretasse uma posição específica da Pauta Aduaneira Comum (a seguir «PAC»). Contudo, o processo tinha por objeto a importação de mercadorias para a Alemanha provenientes de outro Estado‑Membro e que, por conseguinte, não era abrangida pelo âmbito de aplicação da PAC. O motivo subjacente a este pedido prejudicial era o facto de as autoridades alemãs terem, na legislação interna pertinente, remetido para as posições previstas na PAC para outros fins.

28.

Nas conclusões sucintas que apresentou, o advogado‑geral F. Mancini propôs ao Tribunal de Justiça que se declarasse incompetente. Na sua opinião, o Tratado não habilitava o Tribunal de Justiça a pronunciar‑se quando as disposições (então) comunitárias a interpretar não afetavam os interesses das partes diretamente, mas per relationem. Considerou que o Tribunal de Justiça não tinha competência no que respeita a disposições que são tomadas em consideração apenas porque uma autoridade nacional decidiu, livre e unilateralmente, adotá‑las como quadro de referência a fim de determinar as suas próprias regras ( 7 ).

29.

No seu acórdão, contudo, o Tribunal de Justiça não abordou esta questão. Invocou a presunção de pertinência das questões prejudiciais e debruçou‑se, seguidamente, sobre o mérito das mesmas ( 8 ).

30.

A confirmação explícita da sua competência para responder a questões prejudiciais em tais casos surgiu no Acórdão Dzodzi ( 9 ). O processo tinha por objeto o direito de residência na Bélgica do cônjuge (de nacionalidade togolesa) de um nacional belga falecido que nunca tinha exercido a sua liberdade de trabalhar ou de residir noutro Estado‑Membro. A legislação da União referida pelo órgão jurisdicional belga não era manifestamente aplicável e o processo não apresentava qualquer elemento transfronteiriço. Contudo, o órgão jurisdicional de reenvio salientou que, por força do direito nacional, o cônjuge de um nacional belga devia ser tratado como se fosse um nacional da Comunidade. Por conseguinte, esse órgão jurisdicional perguntou ao Tribunal de Justiça se M. Dzodzi teria o direito de residir e permanecer na Bélgica se o seu marido fosse nacional de outro Estado‑Membro, que não a Bélgica.

31.

Nas suas Conclusões, o advogado‑geral M. Darmon recomendou ao Tribunal de Justiça que se declarasse incompetente. Salientou, em particular, que a unidade e a coerência da ordem jurídica comunitária não são afetadas por situações não abrangidas pelo seu âmbito de aplicação, independentemente da eventual similitude entre as disposições nacionais pertinentes e as disposições comunitárias cuja interpretação era pedida ( 10 ).

32.

O Tribunal de Justiça não seguiu a recomendação do advogado‑geral. Baseou a sua competência em três considerações principais: i) a presunção de pertinência, ii) o facto de a redação do Tratado não excluir expressamente a competência e iii) o interesse da Comunidade em que, «para evitar divergências de interpretação futuras, qualquer disposição de direito comunitário seja interpretada de forma uniforme, quaisquer que sejam as condições em que se deve aplicar» ( 11 ).

33.

O Acórdão Dzodzi tornou‑se depois jurisprudência assente. Esta abordagem foi aplicada não só em processos que tinham por objeto as liberdades fundamentais, mas também em processos que respeitavam, nomeadamente, à política agrícola comum ( 12 ), à proteção dos consumidores ( 13 ), à fiscalidade ( 14 ), à política social ( 15 ) e ao direito da concorrência ( 16 ).

34.

Embora o quadro factual e jurídico desses processos variasse, a maioria apresentava dois elementos que pareciam ter especial importância para o Tribunal de Justiça: i) o facto de as regras nacionais reproduzirem fielmente as disposições pertinentes da União ( 17 ) e/ou ii) a intenção expressa (ou pelo menos clara) do legislador nacional de harmonizar o direito nacional com o direito da União. Este último requisito considerava‑se preenchido, nomeadamente, quando, ao regular situações puramente internas, a legislação nacional se tivesse adequado às soluções adotadas no direito da União ( 18 ), a fim, nomeadamente, de evitar o aparecimento de discriminações contra cidadãos nacionais ou eventuais distorções de concorrência ( 19 ) ou para assegurar um quadro jurídico único em situações comparáveis ( 20 ).

35.

A jurisprudência subsequente permaneceu bastante ambígua quanto ao alcance exato da extensão da competência decorrente do Acórdão Dzodzi. Os princípios decorrentes desta jurisprudência parecem ter sido aplicados de forma muito generosa em vários processos.

36.

Em especial, em certos casos, o Tribunal de Justiça chegou ao ponto de aceitar remissões vagas, indiretas ou implícitas para o direito da União. Era o que se passava, por exemplo, no processo BIAO, em que as disposições nacionais «não reproduziam textualmente as disposições [da União pertinentes]» mas o Governo nacional e o órgão jurisdicional de reenvio tinham concordado em que a Decisão do Tribunal de Justiça seria vinculativa a nível nacional ( 21 ). Nesta mesma linha, no processo BAT, o Tribunal de Justiça pronunciou‑se com base no facto de que era «pacífico que a lei nacional se adequa[ra] para as soluções que d[ava] a uma situação interna às soluções dadas em direito comunitário», apesar de, a tal respeito, a disposição específica em causa não fazer uma remissão expressa para o direito da União ( 22 ).

37.

De igual modo, no processo Kofisa, o Tribunal de Justiça aceitou um reenvio prejudicial em que a regra nacional que regia situações internas não remetia para uma disposição específica do direito da União mas apenas para a «legislação aduaneira» pertinente da União ( 23 ). Da mesma forma, no processo Schoonbroodt, o Tribunal de Justiça pronunciou‑se numa situação em que as disposições nacionais pertinentes remetiam apenas para «as soluções adotadas no direito comunitário» ( 24 ). Por fim, no processo Ostas, o Tribunal de Justiça declarou‑se competente ao abrigo da jurisprudência Dzodzi, sem prejuízo das verificações a efetuar pelo órgão jurisdicional de reenvio quanto à existência de uma remissão direta e incondicional ( 25 ).

38.

Curiosamente, nos processos Federconsorzi e Fournier ( 26 ), o Tribunal de Justiça declarou‑se competente mesmo em circunstâncias em que a remissão para as disposições pertinentes do Tratado CE não constava da legislação nacional, mas apenas de contratos de direito privado ou de acordos celebradas por autoridades públicas.

39.

Além disso, nos processos Kofisa e Poseidon, o Tribunal de Justiça proferiu a sua decisão partindo do princípio de que esta seria vinculativa para o órgão jurisdicional de reenvio. O Tribunal de Justiça observou que nenhum elemento dos autos permitia supor que o órgão jurisdicional de reenvio tivesse a faculdade de se afastar da interpretação que o Tribunal de Justiça desse às disposições pertinentes da União ( 27 ). O Tribunal de Justiça foi ainda mais longe no Acórdão Fournier, em que se declarou competente depois de observar que as disposições nacionais em causa se enquadravam numa área não coberta pela diretiva pertinente e, portanto, os termos utilizados nas disposições nacionais não tinham «que ter […] o mesmo significado do que os utilizados pela diretiva» pertinente. O Tribunal de Justiça declarou que incumbia «exclusivamente ao órgão jurisdicional de reenvio interpretar [as disposições nacionais em causa], dar aos termos utilizados [nessas disposições] o sentido que considera adequado, sem estar limitado, neste aspeto, pelo significado que deve ser atribuído a idêntica expressão constante da diretiva» ( 28 ).

40.

Por último, em certos processos, o Tribunal de Justiça não desenvolveu as razões pelas quais tinha competência para responder ao reenvio prejudicial, ao abrigo da jurisprudência Dzodzi. Limitou‑se a reiterar a jurisprudência sem explicar de que modo os princípios enunciados eram aplicáveis aos factos do processo ( 29 ).

b) Delimitação

41.

Apesar de se ter tornado assente, a jurisprudência Dzodzi continuou a suscitar críticas por parte de vários advogados‑gerais: F. G. Jacobs no processo Leur‑Bloem ( 30 ) e BIAO ( 31 ), D. Ruiz‑Jarabo Colomer no processo Kofisa ( 32 ) e A. Tizzano no processo Adam ( 33 ). Em substância, os ilustres advogados‑gerais i) consideraram que o facto de os Tratados não excluírem expressamente a competência não era convincente, atendendo ao princípio fundamental da atribuição de competências nele consagrado, ii) questionaram a existência de um interesse real da União em assegurar uma interpretação coerente, iii) salientaram a singularidade de interpretar regras da União fora do seu contexto próprio e iv) duvidaram do caráter vinculativo da resposta do Tribunal de Justiça nestas circunstâncias. Com base em tais considerações, os referidos advogados‑gerais convidaram o Tribunal de Justiça a abandonar a jurisprudência Dzodzi ou, em qualquer caso, a aplicá‑la restritivamente.

42.

O Tribunal de Justiça nunca seguiu a proposta de abandonar a jurisprudência Dzodzi. Contudo, introduziu‑lhe certas precisões ao longo do tempo.

43.

Em primeiro lugar, no Acórdão Kleinwort Benson, seguindo a sugestão do advogado‑geral G. Tesauro ( 34 ), o Tribunal de Justiça declarou‑se incompetente com fundamento em que a legislação nacional em questão não previa uma «devolução direta e incondicional» para as disposições pertinentes do direito da União, mas se limitava a tomá‑las como um modelo, sem reproduzir integralmente os seus termos. Além disso, o Tribunal de Justiça salientou que o direito nacional era claro no sentido de que a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça não teria necessariamente sido vinculativa para o órgão jurisdicional nacional ( 35 ).

44.

Embora o critério da «remissão direta e incondicional» não tenha sido sempre seguido nos anos que se seguiram à prolação do Acórdão Kleinwort Benson ( 36 ), o Tribunal de Justiça aplicou‑o progressivamente de forma mais rigorosa. Assim, não conheceu de pedidos em que a remissão não era clara, não era provada ou era demasiado genérica ( 37 ) e em que a remissão não implicava que a resposta a dar pelo Tribunal de Justiça ao reenvio seria vinculativa para o órgão jurisdicional de reenvio ( 38 ). Pelo contrário, o Tribunal de Justiça admitiu reenvios prejudicais em que os autos que lhe tinham sido submetidos revelavam claramente que as disposições da União pertinentes tinham sido tornadas aplicáveis pelo direito nacional de modo direto e incondicional ( 39 ). Em vários processos, o Tribunal de Justiça só admitiu o reenvio prejudicial depois de se certificar que a interpretação das disposições da União que lhe era pedida seria vinculativa para as autoridades nacionais ( 40 ). Sempre que necessário, o Tribunal de Justiça não hesitou em consultar os trabalhos preparatórios da legislação nacional para verificar se o legislador nacional tinha na verdade tido a intenção de tratar do mesmo modo as situações abrangidas pelo direito da União e as situações internas ( 41 ).

45.

Em segundo lugar, no Acórdão Ullens de Schooten, o Tribunal de Justiça sublinhou que, em processos relativos às liberdades fundamentais, a sua competência para responder a questões prejudiciais em situações puramente internas constitui uma exceção. Seguidamente, procedeu à sistematização desta matéria, enumerando quatro conjuntos de circunstâncias em que é, todavia, competente para responder a tais reenvios (sendo a jurisprudência Dzodzi um deles). Sobretudo, o Tribunal de Justiça salientou igualmente que, numa situação em que todos os elementos se confinam a um só Estado‑Membro, «cabe ao órgão jurisdicional de reenvio indicar ao Tribunal de Justiça, conforme exigido no artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, em que medida, apesar do seu caráter puramente interno, o litígio nele pendente revela um elemento de conexão com as disposições do direito da União […] que torna a interpretação prejudicial solicitada necessária para a solução desse litígio» ( 42 ).

46.

A jurisprudência recente do Tribunal de Justiça (tanto anterior como posterior ao Acórdão Ullens de Schooten) parece confirmar que o Tribunal de Justiça está disposto a verificar de forma mais rigorosa se os órgãos jurisdicionais de reenvio lhe apresentaram devidamente todas as informações necessárias para fundar a sua competência ( 43 ).

47.

Em terceiro lugar, há que referir o Acórdão Nolan. Nesse processo, o Tribunal de Justiça considerou que a jurisprudência Dzodzi não era aplicável quando «um ato da União prev[ia] expressamente um caso de exclusão do seu âmbito de aplicação». O Tribunal de Justiça declarou que «não se pode afirmar ou presumir que existe um interesse da União em que, num domínio excluído pelo legislador da União do âmbito de aplicação do ato que adotou, se proceda a uma interpretação uniforme das disposições desse ato» ( 44 ).

48.

É certo que o Acórdão Nolan pode ser interpretado no sentido de que declara que a regra da jurisprudência Dzodzi não se aplica sempre que as disposições da União para as quais o direito nacional remete excluam expressamente situações como as do processo principal. Contudo, se fosse interpretado desse modo, o Acórdão Nolan seria um unicum na jurisprudência ( 45 ).

49.

Com efeito, em processos posteriores, o Tribunal de Justiça deixou claro que tal interpretação (ampla) do Acórdão Nolan é errada. No Acórdão E, o Tribunal de Justiça recusou‑se a seguir a mesma lógica, observando que «o litígio que deu origem a esse acórdão era caracterizado por especificidades que não se encontram no processo principal» ( 46 ). Mais recentemente, no Acórdão G. S. e V. G., o Tribunal de Justiça salientou que a sua competência não pode «variar consoante o âmbito de aplicação da disposição relevante [da União] tenha sido delimitado através de uma definição positiva ou através do estabelecimento de determinados casos de exclusão, podendo estas duas técnicas legislativas ser utilizadas indiferentemente» ( 47 ). Em especial, o Tribunal de Justiça explicou que a jurisprudência Dzodzi visa «permitir ao Tribunal de Justiça pronunciar‑se sobre a interpretação de disposições do direito da União, independentemente das condições em que as mesmas se devam aplicar, em situações que os autores dos Tratados ou o legislador da União não consideraram útil incluir no âmbito de aplicação destas disposições» ( 48 ).

50.

Por conseguinte, penso que o Acórdão Nolan deve antes ser entendido como um processo em que o Tribunal de Justiça se declarou incompetente pelo facto de a disposição da União cuja interpretação era pedida ter sido «utilizada» pelo legislador nacional num contexto demasiado afastado do original. Com efeito, não só a disposição da União não se aplicava à situação em causa ratione personae, como também o contexto jurídico em que se inseria a regra nacional variava significativamente.

2. Consolidação e clarificação da jurisprudência Dzodzi

51.

Apesar das críticas de que tem sido objeto, o Tribunal de Justiça tem sistematicamente confirmado a sua jurisprudência Dzodzi. Contudo, como resulta da panorâmica acima exposta, as circunstâncias em que o Tribunal de Justiça conhece de um processo, ainda que se encontre realmente fora do âmbito de aplicação de uma medida da União, e a delimitação exata de tal extensão, estão longe de ser claras.

52.

Acredito que o Tribunal de Justiça deve aproveitar a oportunidade que lhe é proporcionada pelo presente processo para trazer pelo menos alguma clareza a esta questão ( 49 ). Na falta de um quadro mais preciso, os órgãos jurisdicionais nacionais não dispõem de orientações quanto à questão de saber quando podem interrogar o Tribunal de Justiça sobre a interpretação de disposições da União que são aplicáveis ao processo principal apenas indiretamente. É evidente, neste contexto, que cada reenvio recusado por motivos processuais implica inevitavelmente uma utilização subaproveitada do tempo e dos recursos, tanto para o órgão jurisdicional de reenvio como para o Tribunal de Justiça.

53.

Exporei, nas passagens que se seguem, os requisitos que, na minha opinião, devem estar preenchidos para que um despacho de reenvio apresentado fora do âmbito de aplicação de um ato da União possa ser aceite ao abrigo da abordagem Dzodzi. Dois destes requisitos — um duplo requisito material e um requisito processual — decorrem já da jurisprudência do Tribunal (a). Sugiro que se confirme expressamente a existência de um terceiro requisito, material, além desses dois, que diz respeito ao interesse na uniformidade conceptual visada por esse reenvio (b).

a) Uma remissão direta e incondicional e o dever do órgão jurisdicional nacional de explicar o reenvio

54.

Um primeiro requisito material — que é, na realidade, um duplo requisito — foi estabelecido pela primeira vez no acórdão Kleinwort Benson e foi confirmado mais recentemente numa série de processos: o direito nacional deve conter uma «remissão direta e incondicional» para as disposições da União cuja interpretação é pedida ao Tribunal de Justiça. Isto suscita, naturalmente a seguinte questão: quando é que uma remissão é direta e incondicional?

55.

O termo «direta» deve ser entendido, na minha opinião, no sentido de que a referência deve ser específica e inequívoca, por oposição a uma referência geral (ou genérica) ( 50 ). Este requisito está decerto preenchido pelas disposições nacionais que contêm uma remissão expressa para disposições da União que são identificadas ou facilmente identificáveis. Todavia, não se pode excluir que referências que não se encontrem na própria disposição nacional, mas noutros documentos — como as medidas que acompanham a legislação (ou outros trabalhos preparatórios), ou na regulamentação de aplicação — possam ser consideradas suficientemente simples e claras para esse efeito ( 51 ).

56.

Por sua vez, o termo «incondicional» parece significar que as disposições da União para as quais se remete devem ser «aplicáveis sem limitações à situação em causa no processo principal» ( 52 ), o que implica que o órgão jurisdicional de reenvio não pode afastar‑se da interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça ( 53 ). Esta interpretação do termo «incondicional» é corroborada pela jurisprudência acima referida em que o Tribunal de Justiça salientou a importância de a sua decisão ser vinculativa no processo principal ( 54 ).

57.

Depois do Acórdão Ullens de Schooten, ficou também claro que existe um requisito processual que deve estar preenchido para que o Tribunal de Justiça aceite um reenvio prejudicial num processo do tipo do Dzodzi. A competência do Tribunal de Justiça em situações em que o direito da União não é diretamente aplicável aos factos do processo constitui uma exceção e deve, como tal, ser interpretada estritamente. Além disso, o conhecimento claro e pormenorizado da legislação nacional pertinente por parte do Tribunal de Justiça é ainda mais importante em processos do tipo do Dzodzi, uma vez que a pertinência e a necessidade de uma resposta do Tribunal de Justiça podem não ser imediatamente percetíveis ( 55 ). Incumbe, assim, ao órgão jurisdicional de reenvio explicar ao Tribunal de Justiça a razão pela qual o Tribunal de Justiça tem competência, apesar de as disposições da União em questão não serem diretamente aplicáveis ao processo principal. O não fornecimento de elementos de informação pertinentes a este respeito impede simplesmente o Tribunal de Justiça de presumir a sua competência ( 56 ).

b) O interesse na «uniformidade conceptual»

58.

Existe, na minha opinião, um requisito adicional que deve estar preenchido para acionar a competência do Tribunal de Justiça em processos do tipo do Dzodzi. Embora possam ser identificados alguns traços deste requisito na jurisprudência ( 57 ), devo admitir que o Tribunal de Justiça, até à data, não o referiu expressamente. Contudo, este requisito adicional parece ter origem na própria lógica subjacente à jurisprudência Dzodzi.

59.

A principal justificação da competência do Tribunal de Justiça em processos do tipo do Dzodzi — que o Tribunal de Justiça reiterou, quase como um mantra, ao longo da sua jurisprudência — é que, em caso de remissão, é do interesse da União assegurar uma interpretação uniforme das disposições pertinentes da União «a fim de evitar divergências de interpretação futuras». Implicitamente, esta «uniformidade de interpretação» deve, atendendo à estrutura desses processos, ter‑se referido ao interesse da União em manter a uniformidade interna num Estado‑Membro e não à interpretação uniforme do direito da União em todos os seus Estados‑Membros, que seria, com efeito, a situação mais tradicional no direito da União. Caso contrário, é bastante difícil compreender exatamente de que modo é que a uniformidade do direito da União poderia ser ameaçada pelo facto de os diferentes Estados‑Membros manterem unilateralmente, a nível nacional, regras diferentes fora do âmbito de aplicação do direito da União.

60.

Todavia, não vejo por que razão cada referência a disposições, princípios ou conceitos do direito da União que se possa encontrar nas legislações dos Estados‑Membros daria necessariamente origem a um interesse da União em ter (o que se poderia chamar) uma «uniformidade conceptual».

61.

Posso compreender que exista interesse numa uniformidade conceptual, não só para a União mas também e sobretudo para o Estado‑Membro, em não ter uma situação em que dois conjuntos de regras se aplicam, a nível nacional, num contexto comparável do ponto de vista funcional e jurídico. É provavelmente o que se passa quando essas regras prosseguem o mesmo objetivo e têm o mesmo objeto. Nessas — e apenas nessas — situações, parece‑me simultaneamente desejável e possível interpretar estes dois conjuntos de regras de modo coerente.

62.

Com efeito, vários advogados‑gerais alertaram o Tribunal de Justiça para os perigos da interpretação de uma regra fora do seu contexto, ou da sua aplicação a um conjunto de factos diferentes dos que o legislador da União tinha em mente ( 58 ). Não posso deixar de expressar as mesmas reservas. Contudo, quando o contexto dos dois conjuntos de regras é essencialmente análogo, esses riscos são decerto menores.

63.

Dito isto, podem ser necessárias algumas precisões no que respeita à exigência de as disposições nacionais e as da União terem o mesmo objeto. Com efeito, na medida em que as primeiras regulam uma matéria que não é abrangida por estas últimas, esta exigência não pode, evidentemente, visar exigir uma identidade perfeita, mas antes uma contiguidade, uma proximidade ou grande similaridade dos seus objetos.

64.

Este requisito estará provavelmente preenchido quando as autoridades nacionais decidem alargar o âmbito de aplicação das regras da União a situações «vizinhas», a fim de tratar da mesma maneira as situações regidas a nível da União e as situações puramente internas. Com efeito, é o que acontece, em especial, quando as regras internas pertinentes estão, por assim dizer, «a um passo», seja ele ratione materiae, ratione personae, ratione loci ou ratione temporis, do quadro legislativo da União para o qual remetem.

65.

Os exemplos da jurisprudência ajudam a compreender melhor este conceito. No processo Dzodzi, as regras comunitárias e nacionais pertinentes tinham claramente o mesmo objeto: a aquisição do direito de residência dos cônjuges, respetivamente, de nacionais da União e de nacionais belgas. O órgão jurisdicional belga perguntou, assim, ao Tribunal de Justiça se M. Dzodzi poderia beneficiar de tal direito, se fosse abrangida, ratione personae, pelo âmbito de aplicação das regras comunitárias pertinentes ( 59 ). No processo Leur‑Bloem, o legislador nacional, ao transpor as disposições da União relativas à tributação das fusões, cisões, entradas de ativos e permutas de ações entre sociedades de Estados‑Membros diferentes, alargou o âmbito de aplicação destas regras de modo a abranger igualmente as fusões entre duas sociedades neerlandesas ( 60 ). Nos processos SGI e Solar Electric Martinique, a legislação francesa tinha, essencialmente, tornado aplicáveis as regras da União relativas ao IVA aos departamentos e territórios ultramarinos, apesar de estes últimos serem expressamente excluídos do âmbito de aplicação das diretivas da União pertinentes ( 61 ). No processo Europamur, a legislação espanhola pertinente tinha alargado o âmbito de aplicação das regras da União relativas às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores de modo a regular igualmente as práticas entre empresas ( 62 ). Em vários processos, o Tribunal de Justiça respondeu a questões relativas à correta interpretação do artigo 101.o TFUE em situações em que os acordos ou práticas em questão não afetavam a concorrência no mercado interno mas podiam potencialmente ter violado regras de concorrência nacionais ( 63 ).

66.

Mesmo em muitos casos em que o Tribunal de Justiça pode ter apreciado generosamente a existência de uma remissão direta e incondicional — como nos acórdãos Fournier, Ostas e BIAO ( 64 ) — o facto é que as regras nacionais em questão se tinham limitado a alargar em apenas «um passo» o âmbito de aplicação das regras da União pertinentes ( 65 ).

67.

Contudo, quanto mais a legislação nacional se afasta do contexto em que as disposições da União foram concebidas e operam, menor é o interesse da União (e do Estado‑Membro em causa) em assegurar uma uniformidade conceptual e mais fraca é a base da competência do Tribunal de Justiça. O Tribunal de Justiça poderia talvez declarar‑se competente para interpretar uma regra da União relativa ao transporte rodoviário de suínos se um Estado‑Membro alargasse o âmbito de aplicação dessa regra ao transporte rodoviário de ovinos. Mas será que o Tribunal de Justiça também se declararia também competente, invocando o Acórdão Dzodzi, se um Estado‑Membro alargasse essas regras, ou apenas algumas disposições selecionadas das mesmas, com base numa remissão clara e incondicional, ao transporte interestelar de seres humanos?

68.

Evidentemente, nada obsta a que as autoridades dos Estados‑Membros se inspirem em regras da União existentes e retomem essas regras — ou alguns princípios, conceitos e termos nelas utilizados — para regular outras matérias. No entanto, a sua criatividade para enxertar coisas novas nas regras da União não pode ter como consequência uma extensão anormal e ilimitada da competência do Tribunal de Justiça.

69.

Assim, a lógica subjacente é uma lógica de passos. Regra geral, dar apenas um passo fora do quadro jurídico existente da União, preservando a lógica geral desse quadro, pode não suscitar problemas. No entanto, uma série de pequenos passos para o legislador nacional torna‑se subitamente num salto quase gigantesco para o Tribunal de Justiça, que é então chamado a decidir indiretamente um processo que tem muito pouco a ver com o instrumento de direito da União original.

c) Resumo intercalar

70.

Em suma, para que o Tribunal de Justiça se declare competente num processo em que o direito da União em causa é aplicado perante o órgão jurisdicional nacional em razão da sua expansão conceptual para além do âmbito de aplicação inicialmente concebido, devem estar preenchidos três requisitos.

71.

Em primeiro lugar, o direito nacional deve conter uma remissão direta e incondicional para a disposição da União cuja interpretação pelo Tribunal de Justiça é solicitada, o que torna esta disposição do direito da União não só claramente aplicável ao processo em questão como implica igualmente que as orientações dadas pelo Tribunal de Justiça serão vinculativas para o órgão jurisdicional nacional nesse processo.

72.

Em segundo lugar, as regras da União cujo âmbito foi alargado pelo direito nacional devem ainda operar num contexto comparável do ponto de vista funcional e jurídico, em que subsista um interesse em preservar uma uniformidade conceptual e no âmbito do qual a interpretação das disposições do direito da União possa ainda ter uma certa utilidade prática para o órgão jurisdicional de reenvio.

73.

Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio é obrigado a explicar claramente de que modo os dois requisitos acima mencionados estão preenchidos no caso concreto, expondo as disposições pertinentes do direito nacional.

74.

É à luz deste quadro que passo agora a apreciar se o Tribunal de Justiça é competente no caso em apreço.

3. Quanto ao caso em apreço

75.

Em primeiro lugar, começando pelo último requisito processual, as informações necessárias para que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre a sua competência são claramente apresentadas no despacho de reenvio. Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio explica exaustivamente as razões pelas quais, na sua opinião, o Tribunal de Justiça é competente ao abrigo da jurisprudência Dzodzi. O Tribunal de Justiça não necessita, portanto, de recorrer a quaisquer presunções quanto ao direito nacional a este respeito.

76.

Em segundo lugar, é pacífico que o direito nacional pertinente, a saber, o AO, faz uma remissão «direta e incondicional» para as disposições do Regulamento 2016/679. Os §§ 2a, 32b, e 32e do AO contêm uma remissão expressa para as disposições desse regulamento. Além disso, o § 32c, n.o 1, ponto 2, do AO dispõe que os termos «declaração, […] exercício ou […] defesa de pretensões cíveis ou […] defesa contra pretensões cíveis» devem ser interpretados à luz do artigo 23.o, n.o 1, alínea j), do Regulamento 2016/679 ( 66 ). A intenção de alinhar os dois conjuntos de regras é também revelada pela exposição de motivos desse código. É igualmente pacífico, além disso, que a resposta do Tribunal de Justiça seria vinculativa para o órgão jurisdicional de reenvio.

77.

Em terceiro lugar, todavia, duvido muito que haja interesse em assegurar uma uniformidade conceptual. Com efeito, parece‑me que as disposições da União e as disposições nacionais em causa — apreciadas tanto a nível macro (no contexto do instrumento jurídico em que se inserem) como a nível micro (incidindo apenas nas disposições específicas) — nem prosseguem o mesmo objetivo, nem têm o mesmo objeto.

78.

Antes de mais, quase nem é necessário sublinhar as diferenças significativas, em termos de conteúdo e de objetivo, entre os diferentes quadros legislativos em que as duas disposições se inscrevem. O artigo 23.o, n.o 1, é uma disposição do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados: um corpus de regras que regem o tratamento de dados pessoais no mercado único ( 67 ). Este regulamento estabelece, sobretudo, limites à utilização do tratamento de dados a fim de proteger os direitos fundamentais dos titulares dos dados.

79.

Pelo contrário, o § 32c, n.o 1, ponto 2, é uma disposição do Código Tributário alemão, um instrumento jurídico completamente diferente. As disposições incluídas nesse instrumento, inclusive as relativas ao tratamento de dados, são destinadas a assegurar uma tributação uniforme e lícita e salvaguardar as receitas fiscais.

80.

Além disso, as duas disposições específicas, consideradas em conjunto ou isoladamente, são também diferentes em termos de objetivos e de conteúdo.

81.

O artigo 23.o do Regulamento 2016/679 prevê situações em que a União ou os Estados‑Membros podem introduzir limitações aos direitos normalmente conferidos aos titulares dos dados garantidos no Capítulo III do Regulamento 2016/679 (por exemplo, os direitos de acesso, de retificação e de apagamento) e às correspondentes obrigações impostas aos responsáveis pelo tratamento (tais como as obrigações de informação). Nas situações aí enumeradas (que devem ser interpretar restritivamente), certos interesses públicos ou privados podem limitar o direito fundamental das pessoas à proteção dos dados pessoais ( 68 ).

82.

Pelo contrário, o § 32c, n.o 1, ponto 2, do AO — que figura na Primeira Parte, Quarto Capítulo («Proteção de Dados e Sigilo fiscal») do AO — faz parte de um conjunto de regras destinadas a regular as situações em que as autoridades fiscais alemãs podem (ou não podem) divulgar ou usar os dados dos contribuintes a que tiveram acesso no contexto de processos fiscais. No âmbito desta dimensão, como é igualmente demonstrado pelo presente processo, essas regras funcionam, na realidade, como restrições ou limitações ao direito de acesso de um particular às informações na posse de autoridades públicas.

83.

Mais especificamente, o órgão jurisdicional de reenvio explica que o § 32c, n.o 1, ponto 2, do AO foi introduzido a fim de sanar uma situação de desvantagem da administração fiscal no contexto de processos de insolvência. Nos termos do direito alemão, uma ação de impugnação intentada no âmbito de um processo de insolvência é uma ação cível que corre nos tribunais cíveis. A lei alemã sobre a insolvência coloca os credores de direito privado e os credores de direito público em pé de igualdade, pelo que os créditos de direito público, como impostos e contribuições para a segurança social, não são privilegiados.

84.

No entanto, como sublinha ainda o órgão jurisdicional de reenvio, antes da adoção do § 32c, n.o 1, ponto 2, do AO, as autoridades fiscais encontravam‑se, na prática, numa situação mais desfavorável do que qualquer outro credor privado. Com efeito, graças a uma jurisprudência nacional que favorecia o acesso no que respeita às regras relativas à liberdade de informação e ao acesso à informação, os administradores de insolvência podiam exigir às autoridades fiscais o acesso às informações fiscais relativas ao devedor insolvente. Isso permitia que os administradores decidissem, com pleno conhecimento de causa, se deveriam ou não intentar ações de impugnação contra essas autoridades. Essa possibilidade não existe em relação aos credores privados do devedor insolvente, uma vez que esses credores não estão sujeitos a leis sobre a liberdade de informação.

85.

Foi neste contexto legislativo e prático que o legislador alemão introduziu o § 32c, n.o 1, ponto 2, do AO, a fim de evitar que as autoridades fiscais se encontrassem numa posição de desvantagem relativamente aos outros credores privados em processos de insolvência.

86.

Consequentemente, os objetivos das duas disposições são igualmente diferentes: o artigo 23.o do Regulamento 2016/679 visa alcançar um justo equilíbrio entre, por um lado, o respeito dos direitos fundamentais das pessoas singulares afetadas pelo tratamento de dados (por exemplo, a vida privada e familiar) e, por outro, a necessidade de salvaguardar outros interesses legítimos numa sociedade democrática (por exemplo, a segurança nacional). Pelo contrário, o § 32c, n.o 1, ponto 2, do AO visa corrigir um desequilíbrio detetado, em detrimento das autoridades fiscais, quando são intentadas ações de impugnação no âmbito de um processo de insolvência.

87.

Além disso, para atingir esse objetivo, o § 32c, n.o 1, ponto 2, do AO, longe de se limitar a alargar o alcance do artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento 2016/679 a determinadas situações «vizinhas», «retoma» uma disposição deste último e, através de uma curiosa remissão legislativa, aplica‑a a um conjunto de circunstâncias bastante diferente. Esta construção legislativa só é possível, contudo, porque já tinham existido, noutros elementos do quadro jurídico nacional, várias outras extensões da aplicação do Regulamento 2016/679, ratione materiae e ratione personae.

88.

Em primeiro lugar, o artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento 2016/679 só se aplica às pessoas singulares, ao passo que o § 32c, n.o 1, ponto 2, do AO se aplica a todas as pessoas, singulares ou coletivas. Com efeito, no caso em apreço, é pedido o acesso às informações relativas aos dados fiscais de uma pessoa coletiva. Isto não é, evidentemente, um pequeno pormenor: a ponderação exigida pelo artigo 23.o, n.o 1, pode não ser necessariamente efetuada da mesma maneira no que respeita a dados relativos a uma pessoa coletiva, à qual o Regulamento 2016/679 não é sequer aplicável, não implicando assim qualquer ponderação ou avaliação legislativa relativamente a tal situação. O interesse de uma pessoa singular em proteger a sua própria privacidade e a da sua família dificilmente pode ser comparado com o interesse de uma pessoa coletiva que pode ter de proteger dados relativos, por exemplo, aos seus negócios, à sua organização ou à sua situação fiscal.

89.

Em segundo lugar, como o Governo alemão explicou, nos termos do direito nacional o administrador da insolvência é um «terceiro» ( 69 ) para efeitos de acesso aos dados do devedor insolvente. Por conseguinte, não se pode considerar que o administrador da insolvência aja com base nos direitos que o titular dos dados (a sociedade sob administração) lhe transmitiu. Todavia, o artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento 2016/679 diz respeito aos direitos dos titulares dos dados e às obrigações dos responsáveis pelo tratamento. Esta disposição não diz simplesmente respeito, de modo algum, ao acesso de terceiros às informações na posse de autoridades públicas.

90.

Em terceiro lugar, o artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento 2016/679, ao contrário do § 32c, n.o 1, ponto 2, do AO, não diz respeito às limitações a pedidos de acesso às informações, na posse das autoridades públicas, com base em regras de transparência e abertura. A disposição da União estabelece as limitações admissíveis aos direitos dos titulares dos dados (incluindo o direito de acesso) que procurem fazer respeitar os seus direitos de privacidade por quem detenha ou trate os dados (independentemente da sua natureza privada ou pública).

91.

Por conseguinte, o artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento 2016/679 é uma disposição que autoriza exceções específicas a certos direitos dos titulares dos dados, decorrentes da economia e da lógica do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados. Visa estabelecer um justo equilíbrio entre os direitos fundamentais dos indivíduos, isto é, pessoas singulares, e certos interesses públicos e privados vitais.

92.

O § 32c, n.o 1, ponto 2, do AO faz «um transplante» desta disposição com o objetivo de assegurar um certo equilíbrio num contexto legislativo e factual completamente diferente. Com efeito, a disposição nacional serve para conter o alcance demasiado amplo das regras internas relativas ao acesso às informações na posse das autoridades públicas, privando certas partes (terceiros) do acesso às informações relativas a impostos, com vista a (r)estabelecer um equilíbrio entre as partes em ações de impugnação no âmbito de processos de insolvência.

93.

Em conclusão, o artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento 2016/679 e o § 32c, n.o 1, ponto 2, do AO fazem parte de diferentes corpos de leis, prosseguem objetivos diferentes e seguem uma lógica completamente diferente. Não vejo por que razão existiria um interesse, certamente da União e eventualmente também da República Federal da Alemanha, em garantir uma uniformidade conceptual entre estas disposições.

94.

Com base nestas considerações, recomendo ao Tribunal de Justiça que declare que, no presente processo, não é competente para responder às questões submetidas.

95.

Todavia, uma vez que é meu dever assistir (plenamente) o Tribunal de Justiça, abordarei sucintamente o mérito das questões submetidas, com a reserva significativa de que, atendendo a quanto exposto, não penso que o Tribunal de Justiça possa fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio qualquer resposta útil para efeitos do litígio nele pendente.

96.

Metaforicamente, é como se fosse perguntado a um árbitro de hóquei no gelo se a exceção à proibição de icing é aplicável numa situação em que ambas as equipas estão com um número de jogadores reduzido mas só um dos guarda‑redes sai da área da baliza e avança na direção do disco, por uma pessoa a jogar xadrez entre os espetadores do rinque de patinagem, para decidir se poderá talvez fazer roque com a sua rainha. A resposta a tal pergunta será muito provavelmente no sentido de que as regras do hóquei no gelo não impedem essa jogada, mas suspeito que é porque se pode presumir que essas regras nada têm a dizer sobre tentativas de roque com uma rainha no jogo do xadrez.

B.   Quanto ao mérito das questões prejudiciais

97.

Com as suas três questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, em substância, saber se uma disposição nacional — como o § 32c, n.o 1, ponto 2, do AO — que limita o direito de acesso aos dados pessoais na posse das autoridades fiscais, quando esses dados sejam suscetíveis de ser utilizados para intentar ações de impugnação contra essas autoridades, é compatível com o artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento 2016/679.

98.

Como decorre das considerações atrás desenvolvidas, a resposta a essa pergunta não pode deixar de ser afirmativa. Devido ao seu conteúdo, alcance e objetivo diferentes, o Regulamento 2016/679 nada tem a dizer sobre a escolha legislativa concreta feita pelas autoridades alemãs para limitar o alcance das regras nacionais sobre a liberdade de informação no âmbito de processos de insolvência, a fim de restabelecer a igualdade entre os credores de direito privado e os de direito público.

99.

Em todo o caso, e apesar da dificuldade lógica de «adaptar» a disposição da União em questão aos factos do caso em apreço, tentarei, nos desenvolvimentos que se seguem, interpretá‑la como se fosse aplicável numa situação como a que está em causa no processo principal.

1. Primeira questão

100.

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 23.o, n.o 1, alínea j), do Regulamento 2016/679 permite limitações introduzidas na prossecução de um interesse das autoridades públicas, por oposição à proteção dos interesses dos particulares.

101.

O órgão jurisdicional de reenvio salienta o legislador nacional pressupõe evidentemente tal possibilidade: o § 32c, n.o 1, ponto 2, do AO faz expressamente referência ao artigo 23.o, n.o 1, alínea j), do Regulamento 2016/679. Todavia, esse órgão jurisdicional observa que parte da doutrina sugere que as situações previstas no artigo 23.o, n.o 1, alíneas i) e j), permitem limitações apenas na prossecução de um interesse privado, pelo que não podem «abranger» a promoção de um objetivo público.

102.

O Land e os Governos checo e alemão consideram que se deve responder à primeira questão em sentido afirmativo. No que respeita à questão (abstrata) da interpretação das alíneas i) e j) do artigo 23.o, n.o 1, partilho da sua opinião. Não resulta da redação nem do objetivo do artigo 23.o, n.o 1, alínea j), do Regulamento 2016/679 que esta disposição não seja aplicável relativamente às autoridades públicas.

103.

A alínea j) refere‑se apenas à «execução de ações cíveis», sem qualquer limitação quanto à natureza privada ou pública das partes no processo. Nada na redação do artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento 2016/679 (ou do considerando 73) exclui do âmbito de aplicação desta disposição os processos cíveis em que participem autoridades públicas, como demandantes ou como demandadas.

104.

Além disso, embora as ações cíveis sejam, na sua maioria, intentadas entre particulares, que prosseguem um interesse privado, não vejo nenhum motivo razoável com base no qual o legislador da União tivesse querido tratar de forma diferente os processos cíveis em que as autoridades públicas sejam partes. Qualquer regra desse tipo, que conferisse mais direitos a determinados credores em relação a outros, seria, a meu ver, bastante estranha.

105.

O objetivo da regra estabelecida na alínea j) é — presumo — o de permitir ao legislador da União ou nacional decidir que, no âmbito de processos de execução de ações cíveis, as regras específicas sobre a divulgação de informações prevalecem, em caso de conflito, sobre as regras gerais que decorrem da proteção dos dados. Com efeito, a maior parte das ordens jurídicas prevê regimes especiais em matéria de divulgação de informações no âmbito dos processos judiciais, incluindo os cíveis. Todavia, os regimes dos Estados‑Membros variam consideravelmente. Atendendo à importância de tais regimes, pode presumir‑se que o legislador da União podia decidir que a sua aplicação não devia ser afetada pelas regras relativas à proteção de dados. Logicamente, assim deve ser, independentemente de saber se as partes são sujeitos de direito privado ou público, e independentemente de qualquer interesse privado ou público com base no qual a sua ação ou defesa se baseada.

106.

A Comissão, contudo, defende a tesa oposta. Alega que o artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento 2016/679 faz uma distinção de princípio entre as exceções que visam salvaguardar os interesses públicos, enumeradas nas alíneas a) a h), e as que visam proteger interesses privados, enumeradas nas alíneas i) e j) desse artigo. Explica que a alínea j) não se encontrava na disposição antecessora da atual (o artigo 13.o da Diretiva 95/46/CE ( 70 )), só tendo sido introduzida pelo regulamento atual. A Comissão sustenta que, por ter sido acrescentado no final da lista, e não no seu início, a alínea j), tal como a alínea i), deve ter como objetivo a salvaguarda de interesses privados.

107.

A Comissão alega ainda que o aditamento da alínea j) se destinava a codificar as conclusões do Tribunal de Justiça no Acórdão Promusicae ( 71 ), em que o Tribunal de Justiça tinha constatado uma diferença aparente nas disposições que correspondiam ao atual artigo 23.o relativamente à capacidade das partes (privadas) de fazerem valer os seus direitos perante os órgãos jurisdicionais nacionais. Na sua opinião, a alteração tinha um âmbito muito específico e limitado.

108.

No entanto, não encontro nenhum elemento, nem no texto do Regulamento 2016/679 nem nos trabalhos preparatórios, que suporte a argumentação da Comissão. No que respeita a estes últimos, em especial, parece‑me bastante surpreendente que a Comissão não tenha apresentado tais documentos ao Tribunal de Justiça nem os tenha, pelo menos, referido nas suas observações.

109.

Em qualquer caso, com base nos trabalhos preparatórios acessíveis ao público, afigura‑se que a alínea j) não aparecia na proposta de regulamento apresentada pela Comissão em 2012 ( 72 ). Esta alínea foi posteriormente introduzida pelo Conselho ( 73 ). Contudo, nos documentos que pude examinar, não encontrei qualquer vestígio da alegada intenção do legislador da União de limitar o âmbito desta alteração à execução de ações intentadas por particulares ( 74 ). Nem encontrei qualquer indicação específica de que o legislador da União tenha estruturado a lista das limitações possíveis em função da dicotomia interesse público/interesse privado sugerida pela Comissão.

110.

Também não fico convencido pelo argumento segundo o qual a alínea j) deve ter um âmbito de aplicação bastante estreito, na medida em que o legislador da União apenas pretendeu reagir ao Acórdão Promusicae.

111.

A alínea j) pode muito bem ter sido inspirada pelo Acórdão Promusicae. Todavia, não vejo por que razão, depois de esta questão ter sido «aberta» pelo acórdão, o legislador teria necessariamente pretendido limitar a alteração aos factos concretos desse litígio. Porquê limitar a alteração às ações cíveis intentadas por particulares na prossecução de um interesse privado? Como foi referido nos n.os 104 e 105 das presentes conclusões, uma regra desse tipo pareceria pouco razoável.

112.

Por conseguinte, não vejo razão alguma para concluir que o artigo 23.o, n.o 1, alínea j), do Regulamento 2016/679 só permite introduzir limitações quando a execução de ações cíveis seja exercida por particulares.

2. Segunda questão

113.

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a expressão «execução de ações cíveis» que figura no artigo 23.o, n.o 1, alínea j), do Regulamento 2016/679 abrange igualmente a defesa contra pretensões cíveis e, em caso afirmativo, se é necessário que estas pretensões já tenham sido invocadas.

114.

O órgão jurisdicional de reenvio explica que o § 32c, n.o 1, ponto 2, do AO estabelece, em substância, o princípio segundo o qual, numa situação como a do processo principal, as obrigações de prestação de informações devem ser orientadas apenas por regras de direito civil. Contudo, essas regras (nacionais) só preveem obrigações de divulgação quando se tenha já declarado a existência de uma pretensão impugnatória e o processo respeite apenas à determinação da natureza e da extensão da pretensão. Assim, até que seja apurada a existência de uma obrigação de restituição, o administrador da insolvência pode pedir informações unicamente ao devedor insolvente.

115.

O órgão jurisdicional de reenvio salienta que o termo «Durchsetzung» utilizado na versão alemã do artigo 23.o, n.o 1, alínea j), do Regulamento 2016/679 se refere tradicionalmente à esfera do credor e é principalmente utilizado como sinónimo de execução ou cumprimento de uma pretensão cujo mérito já foi reconhecido. Com efeito, este termo é semelhante aos termos «enforcement», na versão inglesa do regulamento e «exécution» na sua versão francesa. Com base nessas considerações, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se a defesa em ações cíveis é subsumível na expressão «execução». Neste contexto, chama a atenção para o facto de outras disposições do regulamento se referirem à «declaração», ao «exercício» ou à «defesa» de um direito num processo judicial ( 75 ).

116.

Se a expressão «execução de ações cíveis» incluir a defesa das autoridades fiscais contra tais ações, levanta‑se a questão adicional — segundo o órgão jurisdicional de reenvio — de saber se as pretensões (no caso em apreço, as ações de impugnação) devem já ter sido invocadas ou se basta que as informações sejam pedidas para apreciar tais pretensões. Com efeito, a redação do § 32c, n.o 1, ponto 2, do AO refere‑se à defesa do sujeito jurídico serviço de finanças «contra pretensões cíveis contra ele invocadas» ( 76 ). Isto sugere que o demandante deve já ter invocado uma pretensão contra a parte contrária, e o mérito dessa pretensão deve já ter sido fundamentado. Contudo, uma interpretação textual diferente é igualmente possível. Além disso, se a regra nacional só excluísse o direito de acesso aos dados fiscais em processos de execução, essa regra seria em grande parte ineficaz: o administrador da insolvência já teria obtido as informações necessárias. O órgão jurisdicional de reenvio inclina‑se, portanto, para uma leitura do § 32c, n.o 1, ponto 2, do AO no sentido de que o termo «invocadas» deve abranger também «a invocar» ou «possíveis».

117.

Também no que respeita a esta segunda questão, concordo com as opiniões expressas pelo Land e pelos Governos checo e alemão.

118.

Antes de mais, parece‑me que a execução de ações cíveis implica necessariamente uma apreciação dos argumentos apresentados em apoio da existência da pretensão, bem como dos apresentados em apoio da sua inexistência. Uma interpretação em sentido contrário seria incompatível com o princípio da igualdade de armas. Com efeito, perturbaria o equilíbrio processual entre as partes no processo judicial, favorecendo o demandante. Assim, o conceito de «execução» deve englobar o de «defesa» contra a ação intentada pelo demandante.

119.

Esta conclusão não é posta em causa pelo facto de outras disposições desse regulamento utilizarem a expressão «declaração, exercício ou defesa» de um direito em tribunal. Em primeiro lugar, estas disposições podem ter sido redigidas por «mãos» diferentes em momentos diferentes (como já referi, a alínea j) foi posteriormente inserida pelo Conselho). Em segundo lugar, essas outras disposições não incluem o termo «execução» entre os utilizados e não se prestam, portanto, a uma comparação útil.

120.

Seguindo a mesma lógica, sou igualmente de opinião que a limitação prevista no artigo 23.o, n.o 1, alínea j), do Regulamento 2016/679 não está subordinada ao requisito de as ações cíveis terem já sido invocadas.

121.

É certo que o termo utilizado no regulamento, nas várias línguas ( 77 ), pode ser entendido no sentido de que se refere unicamente à fase de execução dos processos: aquela em que se obtém o cumprimento por uma das partes, se necessário coercivamente. No entanto, esse termo também pode ser entendido, de forma mais ampla, no sentido de que se refere ao início de um processo destinado a obter o reconhecimento e, por conseguinte, a proteção, de um direito subjetivo.

122.

Parece‑me que se deve privilegiar esta última interpretação. Não vejo por que razão lógica o legislador da União permitiria que os Estados‑Membros mantivessem os seus regimes específicos em matéria de divulgação de informação apenas em certos tipos ou fases de processos cíveis e não noutros. Se razões relacionadas com a proteção da integridade e da equidade dos processos de direito civil permitem aos Estados‑Membros introduzir limitações aos direitos dos titulares dos dados (e às obrigações dos responsáveis pelo tratamento de dados), essas regras deveriam decerto, em princípio, aplicar‑se em qualquer fase do processo ( 78 ).

123.

A interpretação contrária pareceria também contraintuitiva: porquê permitir aos Estados‑Membros limitar o acesso durante a fase final (ou de execução) do processo, mas não antes? Como o órgão jurisdicional de reenvio salienta, com razão, o administrador já teria então obtido as informações que procurava e a regra que limita o acesso perderia o seu sentido.

124.

Concluo, assim, que a expressão «execução de ações cíveis», que figura no artigo 23.o, n.o 1, alínea j), do Regulamento 2016/679, abrange igualmente a defesa contra pretensões cíveis e não se limita a situações em que a existência da pretensão já tenha sido declarada.

3. Terceira questão

125.

Por último, com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se uma disposição nacional, como o § 32, n.o 1, ponto 2, do AO, que limita o direito de acesso aos dados na posse das autoridades fiscais, quando tais dados sejam suscetíveis de ser utilizados para apresentar ações de impugnação contra essas autoridades, é compatível com o artigo 23.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento 2016/679.

126.

O órgão jurisdicional de reenvio salienta que o § 32c, n.o 1, ponto 2, do AO não remete para a alínea e), mas para a alínea j) do artigo 23.o, n.o 1. Contudo, esse órgão jurisdicional não exclui que esta alínea e) possa, ainda assim, constituir uma base válida para a disposição nacional. Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se os objetivos prosseguidos pelo § 32c, n.o 1, ponto 2, do AO — ou seja, colocar as autoridades fiscais numa posição equivalente à de outros credores em caso de ações de impugnação, a fim de assegurar uma tributação uniforme e salvaguardar as receitas fiscais — podem ser considerados um «objetivo importante do interesse público geral», na aceção da alínea e). Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta igualmente se a disposição nacional em causa se inscreve no «domínio fiscal», para efeitos da alínea e), na medida em que o objeto do litígio que lhe foi submetido não é regido pelo direito fiscal, mas pelo direito da insolvência.

127.

A este respeito, mas com a reserva já atrás expressa ( 79 ), concordo mais uma vez com o Land, e com os Governos checo e alemão, segundo os quais esta questão exige uma resposta afirmativa.

128.

A alínea e) do artigo 23.o n.o 1, permite limitações destinadas assegurar «[o]utros objetivos importantes do interesse público geral […] de um Estado‑Membro, nomeadamente um interesse económico ou financeiro importante da União ou de um Estado‑Membro, incluindo nos domínios monetário, orçamental ou fiscal» ( 80 ). Resulta, portanto, dos próprios termos do artigo 23.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento 2016/679 que os Estados‑Membros podem introduzir limitações a certos direitos conferidos por este regulamento para prosseguirem interesses económicos em domínios fiscais.

129.

O artigo 23.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento 2016/679 reproduz, em substância, os termos do artigo 13.o, n.o 1, alínea e), da Diretiva 95/46 ( 81 ), relativamente ao qual o Tribunal de Justiça declarou que «uma limitação, para efeitos fiscais, da proteção de dados conferida pela Diretiva 95/46 é […] expressamente prevista por essa diretiva» ( 82 ).

130.

É certo que, como a Comissão observa, o artigo 23.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento 2016/679 enumera uma série de exceções e, como tal, deve ser interpretado estritamente. Esta é, reconhecidamente, como regra geral, a abordagem acertada. Contudo, a alínea e) não é, em si, uma restrição, mas apenas a enunciação de um objetivo legítimo. Pela sua própria natureza, um objetivo legítimo tem uma formulação aberta. É uma característica comum à maior parte dos interesses enumerados no artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento 2016/679 (particularmente a segurança do Estado, a defesa e a segurança pública). Tal deve‑se, claramente, ao facto de uma interpretação e aplicação estritas das restrições permitidas pelo artigo 23.o, n.o 1, ser assegurada pela exigência do cumprimento das condições previstas na primeira frase dessa disposição: qualquer limitação deve i) ser introduzida por uma medida legislativa, ii) respeitar a essência dos direitos e liberdades fundamentais e iii) constituir uma medida necessária e proporcionada numa sociedade democrática.

131.

Assim, o único requisito estabelecido na alínea e) é o de o interesse que o Estado‑Membro pretende proteger ser «importante». Mais uma vez, o regulamento não oferece qualquer indicação sobre o que pode (ou não) ser considerado «importante».

132.

Pessoalmente, leria «importante» simplesmente como «merecedor de proteção»: um interesse que, na medida em que permite derrogar várias disposições da União, é reconhecido como legítimo também no sistema jurídico da União. Por conseguinte, desde que o interesse prosseguido beneficie a generalidade (objetivo de interesse público geral) e não seja contrário a nenhuma regra ou nenhum princípio do direito da União ou, em qualquer caso, injusto ou desleal, tal interesse é manifestamente abrangido pela alínea e).

133.

Dito isto, é evidente que os objetivos de assegurar uma tributação uniforme e de salvaguardar as receitas fiscais são reconhecidos como objetivos legítimos no sistema jurídico da União ( 83 ). Contudo, poderia o modo específico pelo qual o § 32c, n.o 1, ponto 2, do AO prossegue esse objetivo ultrapassar o «espaço seguro» concedido aos Estados‑Membros pelo artigo 23.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento 2016/679?

134.

Creio que não.

135.

Não vejo por que razão o direito da União, e mais especificamente o artigo 23.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento 2016/679, deva ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição nacional, como o § 32c, n.o 1, ponto 2, do AO, que visa colocar as autoridades fiscais numa posição equivalente à dos outros credores no contexto de pedidos de impugnação insolvência.

136.

Para além do facto de, mais uma vez, ser bastante difícil deduzir qualquer posição do artigo 23.o, n.o 1, do Regulamento 2016/679 quanto à questão da igualdade dos credores de direito público e de direito privado em processos de insolvência, gostaria também de salientar que, em vários outros Estados‑Membros, as autoridades fiscais gozam de uma posição privilegiada no contexto de processos de insolvência. É concebível, portanto, que o legislador alemão possa considerar que, no âmbito de tais processos, as suas autoridades fiscais não devam estar em pior situação (pelo menos) do que os credores privados.

137.

A Comissão alega, todavia, que o estabelecimento de uma igualdade de tratamento entre a administração fiscal e os credores de direito privado em litígios como o do processo principal não constitui um interesse público geral, mas um interesse próprio do Estado que não pode ser ponderado com o direito fundamental do titular dos dados de aceder aos dados coligidos que lhe digam respeito. Por conseguinte, a Comissão considera que o artigo 23.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento 2016/679 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição nacional como o § 32c, n.o 1, ponto 2, do AO.

138.

A razão de ser da distinção entre «interesses públicos gerais» e «interesses próprios do Estado», bem os contornos precisos dos dois conceitos escapam‑me, para falar com franqueza. Na falta de uma explicação da Comissão quanto a este aspeto, e não tendo encontrado quaisquer vestígios do mesmo no texto do Regulamento 2016/679, os argumentos da Comissão não me parecem convincentes.

139.

À luz do que precede, concluo que uma disposição nacional, como o § 32c, n.o 1, ponto 2, do AO, que limita o direito de acesso às informações na posse das autoridades fiscais, quando essas informações possam depois ser utilizadas para intentar contra essas autoridades ações de impugnação no âmbito de processos de insolvência, não pode ser considerada incompatível com o artigo 23.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento 2016/679 mas, em termos práticos, sobretudo porque estas últimas disposições nada têm a dizer sobre esta questão específica.

V. Conclusão

140.

Proponho ao Tribunal de Justiça que se declare incompetente para responder às questões prejudiciais submetidas pelo Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Alemanha).


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Acórdão de 18 de outubro de 1990, Dzodzi (C‑297/88 e C‑197/89, EU:C:1990:360) (a seguir «Dzodzi»).

( 3 ) O próprio Tribunal de Justiça referiu‑se a esta série de processos como «jurisprudência Dzodzi» nos Acórdãos de 17 de julho de 1997, Leur‑Bloem (C‑28/95, EU:C:1997:369, n.o 27), e de 17 de julho de 1997, Giloy (C‑130/95, EU:C:1997:372, n.o 23).

( 4 ) JO 2016, L 119, p. 1.

( 5 ) Lei que entrou em vigor com efeitos a partir de 25 de maio de 2018.

( 6 ) Acórdão de 26 de setembro de 1985 (166/84, EU:C:1985:373).

( 7 ) Conclusões do advogado‑geral F. Mancini no processo Thomasdünger (166/84, não publicadas, EU:C:1985:208, n.os 1 e 2).

( 8 ) Acórdão de 26 de setembro de 1985, Thomasdünger (166/84, não publicado, EC:1985:373, n.o 11).

( 9 ) Supra, nota 2.

( 10 ) Conclusões nos processos apensos Dzodzi (C‑297/88 e C‑197/89, EU:C:1990:274, n.os 8 a 11). O ilustre advogado‑geral tomou a mesma posição nas Conclusões que apresentou, no mesmo dia, no processo Gmurzynska‑Bscher (C‑231/89, EU:C:1990:276).

( 11 ) Acórdão Dzodzi, n.os 29 a 43.

( 12 ) V., por exemplo, Acórdão de 25 de junho de 1992, Federconsorzi (C‑88/91, EU:C:1992:276).

( 13 ) V., nomeadamente, Acórdão de 12 de julho de 2012, SC Volksbank România (C‑602/10, EU:C:2012:443).

( 14 ) V. Acórdãos de 3 de dezembro de 1998, Schoonbroodt (C‑247/97, EU:C:1998:586), e de 11 de janeiro de 2001, Kofisa Italia (C‑1/99, EU:C:2001:10).

( 15 ) V., nomeadamente, Acórdão de 7 de novembro de 2013, Isbir (C‑522/12, EU:C:2013:711).

( 16 ) V., entre muitos outros, Acórdãos de 11 de dezembro de 2007, ETI e o. (C‑280/06, EU:C:2007:775), e de 14 de março de 2013, Allianz Hungária Biztosító e o. (C‑32/11, EU:C:2013:160).

( 17 ) V., neste sentido, Acórdãos de 4 de dezembro de 2014, FNV Kunsten Informatie en Media (C‑413/13, EU:C:2014:2411, n.o 19); de 26 de novembro de 2015, Maxima Latvija (C‑345/14, EU:C:2015:784, n.o 13); e de 21 de novembro de 2019, Deutsche Post e o. (C‑203/18 e C‑374/18, EU:C:2019:999, n.o 39).

( 18 ) Acórdão de 16 de março de 2006, Poseidon Chartering (C‑3/04, EU:C:2006:176, n.o 17).

( 19 ) V., entre muitos outros, Acórdão de 17 de julho de 1997, Leur‑Bloem (C‑28/95, EU:C:1997:369, n.o 32).

( 20 ) V., neste sentido, Acórdãos de 17 de julho de 1997, Giloy (C‑130/95, EU:C:1997:372, n.o 28), e de 21 de julho de 2016, VM Remonts e o. (C‑542/14, EU:C:2016:578, n.o 18).

( 21 ) Acórdão de 7 de janeiro de 2003 (C‑306/99, EU:C:2003:3, n.o 92).

( 22 ) Acórdão de 29 de abril de 2004, British American Tobacco (C‑222/01, EU:C:2004:250, n.o 41).

( 23 ) Acórdão de 11 de janeiro de 2001, Kofisa Italia (C‑1/99, EU:C:2001:10, n.os 18 a 33).

( 24 ) Acórdão de 3 de dezembro de 1998, Schoonbroodt (C‑247/97, EU:C:1998:586, n.o 15).

( 25 ) Acórdão de 14 de janeiro de 2016, Ostas celtnieks (C‑234/14, EU:C:2016:6, n.os 20 e 21).

( 26 ) Respetivamente, Acórdãos de 25 de junho de 1992 (C‑88/91, EU:C:1992:276, n.os 2 e 3), e de 12 de novembro de 1992 (C‑73/89, EU:C:1992:431, n.os 13, 14 e 22).

( 27 ) Acórdãos de 11 de janeiro de 2001, Kofisa Italia (C‑1/99, EU:C:2001:10, n.o 31), e de 16 de março de 2006, Poseidon Chartering (C‑3/04, EU:C:2006:176, n.o 18).

( 28 ) Acórdão de 12 de novembro de 1992, Fournier (C‑73/89, EU:C:1992:431, n.os 22 e 23).

( 29 ) V., por exemplo, Acórdãos de 3 de dezembro de 2015, Quenon K. (C‑338/14, EU:C:2015:795, n.os 15 a 19), e de 17 de maio de 2017, ERGO Poist’ovňa (C‑48/16, EU:C:2017:377, n.os 26 a 32).

( 30 ) C‑28/95, EU:C:1996:332.

( 31 ) C‑306/99, EU:C:2001:608.

( 32 ) Conclusões no processo Kofisa Italia (C‑1/99 e C‑226/99, EU:C:2000:498, n.os 28 e segs.).

( 33 ) C‑267/99, EU:C:2001:190, n.os 22 a 35.

( 34 ) Conclusões do advogado‑geral G. Tesauro no processo Kleinwort Benson (C‑346/93, EU:C:1995:17, n.os 18 e segs.).

( 35 ) Acórdão de 28 de março de 1995 (C‑346/93, EU:C:1995:85, n.os 20 e segs.).

( 36 ) Para uma perspetiva global e crítica, v. Krommendijk, J., «Wide Open and Unguarded Stand our Gates: The CJEU and References for a Preliminary Ruling in Purely Internal Situations», German Law Journal, Vol. 18, 2017, pp. 1359 a 1394; e Arena, A., Le “situazioni puramente interne” nel diritto dell’Unione Europea, Editoriale Scientifica, Nápoles, 2019, pp. 127 a 143 e 180 a 200.

( 37 ) V., por exemplo, Acórdãos de 18 de dezembro de 2014, Generali‑Providencia Biztosító (C‑470/13, EU:C:2014:2469, n.o 25), e de 16 de junho de 2016, Rodríguez Sánchez (C‑351/14, EU:C:2016:447, n.o 66). V., igualmente, Despacho de 28 de junho de 2016, Italsempione — Spedizioni Internazionali (C‑450/15, não publicado, EU:C:2016:508, n.os 21 a 23).

( 38 ) V., por exemplo, Despacho de 3 de setembro de 2015, Orrego Arias (C‑456/14, não publicado, EU:C:2015:550, n.os 24 e 25).

( 39 ) V., por exemplo, Acórdão de 27 de junho de 2018, SGI e Valériane (C‑459/17 e C‑460/17, EU:C:2018:501, n.o 28).

( 40 ) V. Acórdãos de 7 de janeiro de 2003, BIAO (C‑306/99, EU:C:2003:3, n.o 92), e de 14 de março de 2013, Allianz Hungária Biztosító e o. (C‑32/11, EU:C:2013:160, n.os 18 e 22).

( 41 ) Acórdãos de 7 de novembro de 2013, Isbir (C‑522/12, EU:C:2013:711, n.o 29), e de 21 de novembro de 2019, Deutsche Post e o. (C‑203/18 e C‑374/18, EU:C:2019:999, n.o 40).

( 42 ) Acórdão de 15 de novembro de 2016 (C‑268/15, EU:C:2016:874, n.os 47 a 55, em especial 53 e 55).

( 43 ) V., por exemplo, Acórdãos de 7 de julho de 2011, Agafiţei e o. (C‑310/10, EU:C:2011:467, n.o 43); de 20 de março de 2014, Caixa d’Estalvis i Pensions de Barcelona (C‑139/12, EU:C:2014:174, n.os 46 e 47); de 24 de outubro de 2019, Belgische Staat (C‑469/18 e C‑470/18, EU:C:2019:895, n.os 24 e 25); e de 30 de janeiro de 2020, I.G.I. (C‑394/18, EU:C:2020:56, n.os 47 a 54). V., igualmente, Despachos de 3 de julho de 2014, Tudoran (C‑92/14, EU:C:2014:2051, n.os 41 e 42), e de 12 de maio de 2016, Sahyouni (C‑281/15, EU:C:2016:343, n.os 27 a 31).

( 44 ) Acórdão de 18 de outubro de 2012 (C‑583/10, EU:C:2012:638, n.os 32 a 57).

( 45 ) A única decisão que pode, talvez, ser lida no sentido de seguir o Acórdão Nolan, embora com um raciocínio a contrario, é o Acórdão de 26 de março de 2020, Kreissparkasse Saarlouis (C‑66/19, EU:C:2020:242, n.os 25 e 26).

( 46 ) Acórdão de 13 de março de 2019 (C‑635/17, EU:C:2019:192, n.o 42).

( 47 ) Acórdão de 12 de dezembro de 2019, G. S. e V. G. (Ameaça para a ordem pública) (C‑381/18 e C‑382/18, EU:C:2019:1072, n.o 47).

( 48 ) Acórdão de 12 de dezembro de 2019, G. S. e V. G. (Ameaça para a ordem pública) (C‑381/18 e C‑382/18, EU:C:2019:1072, n.o 47). O sublinhado é meu.

( 49 ) Para dizer a verdade, considero, com efeito, à semelhança dos meus ilustres antecessores citados ao longo das presentes conclusões, que a jurisprudência Dzodzi é uma anomalia e deve ser abandonada. Além do facto de esta jurisprudência ser altamente discutível em termos constitucionais, especialmente hoje em dia quando, talvez contrariamente ao passado, o que é abrangido pelo «âmbito de aplicação do direito da União» tende a ser mais vigorosamente vigiado do que anteriormente, a abordagem Dzodzi surgiu também num momento em que o número de reenvios provenientes dos órgãos jurisdicionais nacionais era muito mais moderado e o Tribunal de Justiça não se importava, aparentemente, de aceitar algum trabalho adicional. Mas também suspeito que o Tribunal de Justiça ainda não está pronto a dar tal passo.

( 50 ) V., neste sentido, Acórdãos de 21 de dezembro de 2011, Cicala (C‑482/10, EU:C:2011:868, n.o 25), e de 7 de novembro de 2013, Romeo (C‑313/12, EU:C:2013:718, n.os 19 a 38). V., igualmente, Conclusões do advogado‑geral P. Cruz Villalón no processo Allianz Hungária Biztosító e o. (C‑32/11, EU:C:2012:663, n.o 29).

( 51 ) V., de igual modo, Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo ETI e o. (C‑280/06, EU:C:2007:404, n.o 39) e Conclusões do advogado‑geral P. Pikamäe nos processos apensos Deutsche Post e o. (C‑203/18 e C‑374/18, EU:C:2019:502, n.os 47 e 48).

( 52 ) Acórdão de 21 de dezembro de 2011, Cicala (C‑482/10, EU:C:2011:868, n.o 27).

( 53 ) Despacho de 9 de setembro de 2014, Parva Investitsionna Banka e o. (C‑488/13, EU:C:2014:2191, n.o 29).

( 54 ) Supra, n.o 44 das presentes conclusões.

( 55 ) V., neste sentido, Ritter, C., «Purely Internal Situations, Reverse Discrimination, Guimont, Dzodzi and Article 234», European Law Review, 31, 2006, pp. 690 a 710, na p. 709; e Iglesias Sanchéz, S., «Purely Internal Situations and the Limits of EU law: A Consolidated Case Law or a Notion to be Abandoned?’», European Constitutional Law Review, 14, 2018, pp. 7 a 36, na p. 31.

( 56 ) V., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral N. Wahl nos processos apensos Venturini e o. (C‑159/12 a C‑161/12, EU:C:2013:529, n.os 54 a 62).

( 57 ) Com efeito, algumas Decisões do Tribunal de Justiça podem ser interpretadas no sentido de sugerirem que a existência de um interesse certo da União em interpretar as disposições em causa de modo a evitar divergências de interpretação futuras deve ser «estabelecido» (v., em especial, Acórdão de 7 de julho de 2011, Agafiţei e o. (C‑310/10, EU:C:2011:467, n.o 42). V., igualmente, Acórdãos de 12 de julho de 2012, SC Volksbank România (C‑602/10, EU:C:2012:443, n.os 87 e 88), e de 19 de outubro de 2017, Europamur Alimentación (C‑295/16, EU:C:2017:782, n.o 32) ou, pelo menos, deve poder ser «considerado» [Acórdão de 19 de outubro de 2017, Solar Electric Martinique (C‑303/16, EU:C:2017:773, n.o 29)].

( 58 ) V., supra, n.o 41 das presentes conclusões.

( 59 ) Acórdão Dzodzi, n.os 29 a 43.

( 60 ) Acórdão de 17 de julho de 1997, Leur‑Bloem (C‑28/95, EU:C:1997:369, n.os 31 e 32).

( 61 ) Respetivamente, Acórdãos de 19 de outubro de 2017, Solar Electric Martinique (C‑303/16, EU:C:2017:773, n.o 29), e de 27 de junho de 2018, SGI e Valériane (C‑459/17 e C‑460/17, EU:C:2018:501, n.o 28).

( 62 ) Acórdão de 19 de outubro de 2017, Europamur Alimentación (C‑295/16, EU:C:2017:782, n.o 31).

( 63 ) V., nomeadamente, a jurisprudência atrás referida na nota 17.

( 64 ) Respetivamente, Acórdãos de 12 de novembro de 1992, Fournier (C‑73/89, EU:C:1992:431, n.o 23) (integração de um conceito que figura na diretiva da União relativa ao seguro de responsabilidade civil pela circulação de veículos automóveis num acordo que regula a mesma matéria); de 7 de janeiro de 2003, BIAO (C‑306/99, EU:C:2003:3, n.os 68 a 77) (extensão de uma regra de contabilidade da União a certas situações não abrangidas pelo âmbito de aplicação da diretiva da União pertinente); bem como de 14 de janeiro de 2016, Ostas celtnieks (C‑234/14, EU:C:2016:6, n.os 17 a 19) (extensão das regras da União em matéria de contratos públicos abaixo do limiar fixado pela diretiva da União pertinente).

( 65 ) Mas v., igualmente, Acórdão de 12 de julho de 2012, SC Volksbank România (C‑602/10, EU:C:2012:443, n.os 85 a 93), em que o Tribunal de Justiça aceitou interpretar as disposições da União relativas aos contratos de crédito aos consumidores apesar de essas disposições não se aplicarem ratione temporis nem ratione materiae ao processo principal. No entanto, é indiscutível que ambos os conjuntos de normas se aplicavam a situações muito semelhantes, dado que tinham o mesmo objeto (os contratos de crédito) e prosseguiam o mesmo objetivo (o de proteger os consumidores).

( 66 ) Citado integralmente no n.o 11 das presentes conclusões.

( 67 ) V., em especial, considerandos 2 e 4 e artigo 1.o do Regulamento 2016/679.

( 68 ) V., em especial, considerandos 4 e 73 do Regulamento 2016/679. Mais genericamente, v. Feiler, L., Forgó, N., Weig, M., The EU General Data Protection Regulation (GDPR) — A Commentary, GLP, 2018, pp. 138 a 140; Moore, D., «Comment to Article 23 — Restrictions», em Kuner, C., Bygrave, L., Docksey, C., Drechsler, L. (eds.), The EU General Data Protection Regulation (GDPR) — A Commentary, Oxford University Press, 2020, pp. 543 a 554; e Ehmann, E., Selmayer, M. (eds.), Datenschutz‑Grundverordnung: Kommentar. 2.a ed., C. H. Beck, 2018, pp. 467 a 469.

( 69 ) Quanto a este conceito no Regulamento 2016/679, v. artigo 4.o, n.o 1, ponto 10.

( 70 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (JO 1995, L 281, p. 31).

( 71 ) Acórdão de 29 de janeiro de 2008 (C‑275/06, EU:C:2008:54, n.os 51 a 55).

( 72 ) Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados) COM(2012) 11 final, de 25 de janeiro de 2012 (pp. 54 e 55).

( 73 ) V., nomeadamente, documentos do Conselho 9398/15, de 1 de junho de 2015 (pp. 145 e 146), e 9565/15, de 11 de junho de 2015 (pp. 107 e 108).

( 74 ) Abstraindo da questão estrutural mais ampla de saber até que ponto essa alegada intenção deveria de facto ser relevante se não estiver de modo algum refletida no texto do ato jurídico nem nos seus considerandos — v., para mais pormenores, as Conclusões que apresentei no processo BV (C‑129/19, EU:C:2020:375, n.os 119 a 123).

( 75 ) Artigo 9.o, n.o 2, alínea f), artigo 17.o, n.o 3, alínea e), artigo 18.o, n.o 1, alínea c) e n.o 2, artigo 21.o, n.o 1, segundo período, e artigo 49.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento 2016/679.

( 76 ) O sublinhado é meu.

( 77 ) Esta expressão é semelhante, nomeadamente, à das versões checa («vymáhání»), espanhola («ejecución»), finlandesa («täytäntöönpano»), italiana («esecuzione»), portuguesa («execução») e eslovaca («vymáhanie») do regulamento.

( 78 ) V., por analogia, a lógica razoavelmente mais ampla, adotada pelo Tribunal de Justiça na interpretação dos termos «podem ser divulgadas no âmbito de processos do foro cível ou comercial» quanto à questão de saber se tais processos devem efetivamente ter já sido instaurados no Acórdão de 13 de setembro de 2018, Buccioni (C‑594/16, EU:C:2018:717, n.o 35).

( 79 ) N.os 93 a 95 das presentes conclusões.

( 80 ) O sublinhado é meu.

( 81 ) N.o 106 das presentes conclusões.

( 82 ) Acórdão de 27 de setembro de 2017, Puškár (C‑73/16, EU:C:2017:725, n.o 42).

( 83 ) V., neste sentido, Acórdãos de 13 de dezembro de 2005, Marks & Spencer (C‑446/03, EU:C:2005:763, n.o 51), e de 13 de março de 2007, Test Claimants in the Thin Cap Group Litigation (C‑524/04, EU:C:2007:161, n.o 68).

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