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Document 62019CC0451

Conclusões do advogado-geral P. Pikamäe apresentadas em 13 de janeiro de 2022.
Subdelegación del Gobierno en Toledo contra XU e QP.
Pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Tribunal Superior de Justicia de Castilla-La Mancha.
Reenvio prejudicial — Artigo 20.o TFUE — Cidadania da União Europeia — Cidadão da União que nunca exerceu a sua liberdade de circulação — Pedido de cartão de residência de um membro da sua família, nacional de um país terceiro — Indeferimento — Obrigação de o cidadão da União dispor de recursos suficientes — Obrigação de os cônjuges viverem juntos — Filho menor, cidadão da União — Legislação e prática nacionais — Gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos aos cidadãos da União — Privação.
Processos apensos C-451/19 e C-532/19.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:24

 CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PRIIT PIKAMÄE

apresentadas em 13 de janeiro de 2022 ( 1 )

Processos apensos C‑451/19 e C‑532/19

Subdelegación del Gobierno en Toledo

contra

XU (C‑451/19)

e

Subdelegación del Gobierno en Toledo

contra

QP (C‑532/19)

[pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Tribunal Superior de Justicia de Castilla‑La Mancha (Tribunal Superior de Justiça de Castela‑Mancha, Espanha)]

«Reenvio prejudicial — Artigo 20.o TFUE — Cidadania da União Europeia — Cidadão da União que nunca exerceu a sua liberdade de circulação — Pedido de cartão de residência de um membro da sua família, nacional de um país terceiro — Indeferimento — Obrigação de o cidadão da União dispor de recursos suficientes — Obrigação de os cônjuges viverem juntos — Filho menor, cidadão da União — Legislação e práticas nacionais — Gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos aos cidadãos da União — Privação»

I. Introdução

1.

Os pedidos de decisão prejudicial submetidos pelo Tribunal Superior de Justicia de Castilla‑La Mancha (Tribunal Superior de Justiça de Castela‑Mancha, Espanha) nos presentes processos apensos têm por objeto a interpretação do artigo 20.o TFUE no que respeita ao reconhecimento do direito de residência de nacionais de países terceiros que são membros da família (o filho da cônjuge e o cônjuge, respetivamente) de uma cidadã espanhola que não exerceu o seu direito de liberdade de circulação, bem como a eventual obrigação de proceder à análise concreta e individual da questão de saber se existe uma relação de dependência entre os membros do núcleo familiar.

2.

Estes pedidos foram apresentados no âmbito de litígios que opõem a Subdelegación del Gobierno en Toledo (Subdelegação do Governo em Toledo, Espanha) (a seguir «Subdelegação») a nacionais de países terceiros a propósito do indeferimento, por esta, de pedidos de obtenção, a seu favor, de um cartão de residência na qualidade de membro da família de um cidadão da União. Estes últimos invocam, em apoio das suas pretensões, um direito de residência derivado, baseado no artigo 20.o TFUE, bem como a jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre o estatuto de cidadão da União. Os presentes processos oferecem ao Tribunal de Justiça a oportunidade de esclarecer a sua jurisprudência relativa ao direito de residência derivado que, em determinadas circunstâncias excecionais, deve ser reconhecida a um nacional de um país terceiro ao abrigo desta disposição.

II. Quadro jurídico

A. Direito da União

1.   Diretiva 2004/38/CE

3.

O artigo 1.o da Diretiva 2004/38/CE ( 2 ) dispõe:

«A presente diretiva estabelece:

a)

As condições que regem o exercício do direito de livre circulação e residência no território dos Estados‑Membros pelos cidadãos da União e membros das suas famílias;

b)

O direito de residência permanente no território dos Estados‑Membros para os cidadãos da União e membros das suas famílias;

[…]»

4.

O artigo 3.o desta diretiva, epigrafado «Titulares», prevê, no seu n.o 1:

«A presente diretiva aplica‑se a todos os cidadãos da União que se desloquem ou residam num Estado‑Membro que não aquele de que são nacionais, bem como aos membros das suas famílias, na aceção do ponto 2) do artigo 2.o, que os acompanhem ou que a eles se reúnam.»

5.

O artigo 7.o, n.os 1 e 2, da referida diretiva tem a seguinte redação:

«1.   Qualquer cidadão da União tem o direito de residir no território de outro Estado‑Membro por período superior a três meses, desde que:

[…]

b)

Disponha de recursos suficientes para si próprio e para os membros da sua família, a fim de não se tornar uma sobrecarga para o regime de segurança social do Estado‑Membro de acolhimento durante o período de residência, e de uma cobertura extensa de seguro de doença no Estado‑Membro de acolhimento, ou

[…]

d)

Seja membro da família que acompanha ou se reúne a um cidadão da União que preencha as condições a que se referem as alíneas a), b) ou c).

2.   O direito de residência disposto no n.o 1 é extensivo aos membros da família de um cidadão da União que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro, quando acompanhem ou se reúnam ao cidadão da União no Estado‑Membro de acolhimento, desde que este preencha as condições a que se referem as alíneas a), b) ou c) do n.o 1.»

2.   Diretiva 2003/86/CE

6.

O artigo 2.o da Diretiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar ( 3 ), enuncia:

«Para os efeitos da presente diretiva entende‑se por:

[…]

c)

“Requerente do reagrupamento”: o nacional de um país terceiro com residência legal num Estado‑Membro e que requer, ou cujos familiares requerem, o reagrupamento familiar para se reunificarem.

[…]»

7.

O artigo 3.o desta diretiva prevê:

«1.   A presente diretiva é aplicável quando o requerente do reagrupamento for titular de uma autorização de residência emitida por um Estado‑Membro por prazo de validade igual ou superior a um ano e com uma perspetiva fundamentada de obter um direito de residência permanente, se os membros da sua família forem nacionais de um país terceiro, independentemente do estatuto que tiverem.

[…]

3.   A presente diretiva não é aplicável aos familiares de cidadãos da União.»

8.

Nos termos do artigo 4.o da referida diretiva:

«1.   Em conformidade com a presente diretiva e sob reserva do cumprimento das condições previstas no capítulo IV, bem como no artigo 16.o, os Estados‑Membros devem permitir a entrada e residência dos seguintes familiares:

[…]

c)

Os filhos menores, incluindo os filhos adotados, do requerente do agrupamento, à guarda e a cargo do requerente. Os Estados‑Membros podem autorizar o reagrupamento dos filhos cuja guarda seja partilhada, desde que o outro titular do direito de guarda tenha dado o seu acordo;

[…]

6.   A título de derrogação, os Estados‑Membros podem exigir que os pedidos respeitantes ao reagrupamento familiar dos filhos menores tenham de ser apresentados antes de completados os 15 anos, tal como previsto na respetiva legislação nacional em vigor à data de transposição da presente diretiva. Se o pedido for apresentado depois de completados os 15 anos, os Estados‑Membros que decidirem aplicar esta derrogação devem autorizar a entrada e residência desses filhos com fundamento distinto do reagrupamento familiar.»

9.

Segundo o artigo 5.o, n.o 3, da Diretiva 2003/86:

«O pedido deve ser apresentado e analisado quando os familiares residirem fora do território do Estado‑Membro em que reside o requerente do reagrupamento.

A título de derrogação, um Estado‑Membro pode, em circunstâncias adequadas, aceitar que a apresentação do pedido seja feita quando os familiares se encontrarem já no seu território.»

B. Direito espanhol

10.

O artigo 32.o da Constituição espanhola prevê:

«1.   O homem e a mulher têm o direito de se casar em plena igualdade jurídica.

2.   A lei regula as formas de casamento, a idade e a capacidade para se casar, os direitos e deveres dos cônjuges, as causas de separação e de dissolução e os seus efeitos.»

11.

Nos termos do artigo 68.o do Código Civil:

«Os cônjuges devem viver juntos, devem‑se fidelidade e assistência mútua. Além disso, devem partilhar as responsabilidades domésticas, bem como os cuidados aos ascendentes e descendentes e às outras pessoas a seu cargo.»

12.

O artigo 70.o do mesmo código prevê:

«Os cônjuges estabelecem de comum acordo o lugar do domicílio conjugal e, em caso de desacordo, a questão é decidida pelo juiz, que tem em conta o interesse da família.»

13.

Nos termos do artigo 110.o do referido código:

«O pai e a mãe, embora não exerçam a autoridade parental, são obrigados a ocupar‑se dos seus filhos menores e a prover‑lhes a sua alimentação.»

14.

Segundo o artigo 154.o do Código Civil:

«Os menores não emancipados estão sujeitos à autoridade parental dos progenitores.

[…]»

15.

O artigo 1.o do Real Decreto 240/2007, sobre entrada, libre circulación y residencia en España de ciudadanos de los Estados miembros de la Unión europea y de otros Estados parte en el Acuerdo sobre el Espacio Económico Europeu (Decreto Real 240/2007, Relativo à Entrada, à Liberdade de Circulação e à Residência em Espanha de Cidadãos dos Estados‑Membros da União Europeia e de outros Estados Partes no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu) ( 4 ), de 16 de fevereiro de 2017, na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, dispõe:

«1.   O presente decreto real regula as condições para o exercício dos direitos de entrada e de saída, de livre circulação, de residência, de residência permanente e de trabalho em Espanha pelos nacionais de outros Estados‑Membros da União Europeia e de outros Estados partes no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, bem como os limites dos direitos referidos por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública.

2.   O conteúdo do presente decreto real não prejudica as disposições das leis especiais e dos tratados internacionais em que [o Reino de Espanha] seja parte).»

16.

O artigo 2.o deste decreto real prevê:

«O presente decreto real é igualmente aplicável, nos termos aqui previstos, aos membros da família de um nacional de outro Estado‑Membro da União Europeia ou de outro Estado parte no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, seja qual for a sua nacionalidade, quando os acompanhem ou a eles se reúnam, e que a seguir se enumeram:

a)

O cônjuge, desde que não tenha havido acordo ou declaração de nulidade do casamento, divórcio ou separação judicial.

[…]

c)

Os seus descendentes diretos, bem como os do seu cônjuge ou do parceiro registado, menores de vinte e um anos e os maiores desta idade e que estejam a seu cargo ou sejam incapazes, desde que não tenha havido acordo ou declaração de nulidade do casamento, divórcio ou separação judicial ou que o registo da parceria não tenha sido anulado;

[…]»

17.

Nos termos do artigo 7.o do referido decreto real:

«1.   Qualquer cidadão da União ou nacional de outro Estado parte no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu tem o direito de residir no território do Estado espanhol por um período superior a três meses, desde que:

[…]

b) Disponha de recursos suficientes para si próprio e para os membros da sua família, a fim de não se tornar um encargo para o regime de segurança social de Espanha durante o período de residência, e de uma cobertura extensa de seguro de doença em Espanha; ou,

[…]

d) Seja membro da família que acompanha ou se reúne a um cidadão da União ou de outro Estado parte no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu que preencha as condições a que se referem as alíneas a), b) ou c).

2.   O direito de residência previsto no n.o 1 é extensivo aos membros da família de um cidadão da União que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro, quando acompanhem ou se reúnam em Espanha ao cidadão da União ou de outro Estado parte no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, desde que este preencha as condições a que se referem as alíneas a), b) ou c) do n.o 1.

[…]

7.   No que respeita aos meios de subsistência suficientes, não se podendo estabelecer um montante fixo, há que ter em conta a situação pessoal dos nacionais do Estado‑Membro da União Europeia ou do outro Estado parte no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu. De qualquer modo, esse montante não pode ser superior ao nível de recursos financeiros abaixo do qual os espanhóis recebem assistência social ou ao montante da pensão mínima de segurança social.»

18.

O artigo 8.o, n.o 1, deste mesmo decreto real dispõe:

«Os membros da família de um nacional de um Estado‑Membro da União Europeia ou de outro Estado parte no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu a que se refere o artigo 2.o do presente decreto real, que não sejam nacionais de um desses Estados, podem, quando acompanhem este último ou a ele se reúnam, residir em Espanha por um período superior a três meses e estão sujeitos à obrigação de requerer e obter um “cartão de residência de membro da família de um cidadão da União”.»

III. Factos na origem do litígio, tramitação do processo principal e questões prejudiciais

A. Processo C‑451/19

19.

XU, de nacionalidade venezuelana, nasceu em 19 de setembro de 2001, na Venezuela. A mãe de XU, nacional da venezuelana, é titular de um Tarjeta de Residencia Comunitaria (Cartão de Residência Comunitária) e vive com o filho em Espanha desde 2004. XU tinha obtido uma autorização de residência neste Estado‑Membro.

20.

Em 20 de janeiro de 2011, um tribunal de família da Venezuela determinou que a guarda de XU seria confiada à mãe, que poderia residir em Espanha com o filho, sem limitação de nenhum tipo.

21.

A mãe de XU e o padrasto deste, cidadão espanhol que nunca exerceu a sua liberdade de circulação na União, casaram‑se em El Viso de San Juan (Espanha), em 6 de setembro de 2014. A validade deste casamento não foi posta em causa.

22.

Os cônjuges vivem juntos em El Viso de San Juan (Espanha), desde 12 de dezembro de 2008. Em 24 de julho de 2009, uma criança, de nacionalidade espanhola, nasceu da união daqueles.

23.

Em 28 de setembro de 2015, o padrasto de XU apresentou um pedido de obtenção, a favor de XU, de um cartão de residência temporária de membro da família de um cidadão da União Europeia, em conformidade com o artigo 2.o, alínea c), do Decreto Real 240/2007.

24.

Esse pedido foi indeferido com o fundamento de que o padrasto de XU não tinha demonstrado que dispunha, como exige o artigo 7.o do Decreto Real 240/2007, de recursos suficientes para ele próprio e para os membros da sua família.

25.

Em 28 de janeiro de 2016, a Subdelegação confirmou o indeferimento do pedido apresentado pelo padrasto de XU. Este último interpôs um recurso contencioso administrativo dessa decisão no Juzgado de lo contencioso‑administrativo n.o 1 de Toledo (Tribunal do Contencioso Administrativo n.o 1 de Toledo, Espanha).

26.

Este órgão jurisdicional concedeu provimento ao seu recurso, considerando que o artigo 7.o do Decreto Real 240/2007 não era aplicável no caso em apreço, uma vez que o padrasto de XU nunca exerceu a sua liberdade de circulação na União.

27.

A Administração do Estado recorreu desta decisão para o Tribunal Superior de Justicia de Castilla‑La Mancha (Tribunal Superior de Justiça de Castela‑Mancha), que decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

A exigência de que o cidadão espanhol, que não exerceu o seu direito de circulação, preencha os requisitos do artigo 7.o[, n.o 1,] do Decreto Real 240/2007, como condição necessária para o reconhecimento do direito de residência do seu cônjuge, cidadão de um país terceiro, em conformidade com o artigo 7.o[, n.o 2,] desse decreto real, pode constituir, no caso de esses requisitos não estarem preenchidos, uma violação do artigo 20.o [TFUE] se, em consequência da recusa desse direito, o cidadão espanhol for obrigado a abandonar o território da União, considerado no seu todo? Para analisar esta situação, há que ter em conta que o artigo 68.o do Código Civil Espanhol estabelece a obrigação de os cônjuges viverem juntos.

2)

Em todo o caso e independentemente do acima exposto, viola o artigo 20.o [TFUE], nos termos já referidos, a prática do Estado espanhol que consiste na aplicação automática da regulamentação contida no artigo 7.o do Decreto Real 240/2007, que recusa a autorização de residência ao membro da família de um cidadão da União que nunca exerceu a liberdade de circulação, única e exclusivamente por este último não cumprir os requisitos previstos nessa disposição, sem ter sido analisado, concreta e individualmente, se entre esse cidadão da União e o nacional de um país terceiro existe uma relação de dependência tal que, seja por que razão for e tendo em conta as circunstâncias, determine que, se for recusado um direito de residência a um cidadão de um país terceiro, o cidadão da União não possa separar‑se do membro da família de que depende e tiver de abandonar o território da União? Para analisar esta situação, há que ter em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, designadamente [o] Acórdão de 8 de maio de 2018, C‑82/16, K.A. e o. contra Belgische Staat.»

B. Processo C‑532/19

28.

Em 25 de setembro de 2015, QP, cidadão peruano, casou com uma nacional espanhola que nunca exerceu a sua liberdade de circulação na União. A legalidade deste casamento nunca foi posta em causa. QP e a sua cônjuge têm uma filha, de nacionalidade espanhola, nascida em 11 de agosto de 2012.

29.

Em 2 de outubro de 2015, QP apresentou um pedido de obtenção de um cartão de residência de membro da família de um cidadão da União Europeia, anexando‑lhe, entre outros, o contrato de trabalho por tempo indeterminado da sua mulher, bem como diversas folhas de salário.

30.

Durante a instrução do processo, a Subdelegação informou QP da existência de três condenações penais proferidas contra ele, datadas de 7 de setembro de 2010, de 25 de outubro de 2010 e de 16 de novembro de 2016, sendo a primeira e a terceira por condução de um veículo sem carta de condução e a segunda por condução em estado de embriaguez, a fim de que apresentasse as suas observações, o que aquele fez.

31.

Em 14 de dezembro de 2015, o pedido de QP foi indeferido pela Subdelegação por não estarem preenchidos os requisitos estabelecidos pelo Decreto Real 240/2007, uma vez que QP tinha um registo criminal em Espanha e não dispunha, para ele próprio e para os membros da sua família, de recursos financeiros suficientes.

32.

Em 1 de fevereiro de 2016, a Subdelegação confirmou o indeferimento do pedido apresentado por QP. Este interpôs um recurso de contencioso administrativo dessa decisão no Juzgado de lo Contencioso‑Administrativo n.o 2 de Toledo (Tribunal do Contencioso Administrativo n.o 2 de Toledo, Espanha), que concedeu provimento ao seu recurso.

33.

A Administração do Estado recorreu desta decisão para o Tribunal Superior de Justicia de Castilla‑La Mancha (Tribunal Superior de Justiça de Castela‑Mancha), que decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

A exigência de que o cidadão espanhol, que não exerceu o seu direito de circulação, preencha os requisitos do artigo 7.o[, n.o 1,] do [Decreto Real] 240/2007, como condição necessária para o reconhecimento do direito de residência do seu cônjuge, cidadão de um país terceiro, em conformidade com o artigo 7.o[, n.o 2,] desse [decreto real], pode constituir, no caso de esses requisitos não estarem preenchidos, uma violação do artigo 20.o [TFUE] se, em consequência da recusa desse direito, o cidadão espanhol for obrigado a abandonar o território da União, considerado no seu todo? Para analisar esta situação, há que ter em conta que o artigo 68.o do Código Civil Espanhol estabelece a obrigação de os cônjuges viverem juntos.

2)

Em todo o caso e independentemente do acima exposto, viola o artigo 20.o [TFUE], nos termos já referidos, a prática do Estado espanhol que consiste na aplicação automática da regulamentação contida no artigo 7.o do [Decreto Real] 240/2007, que recusa a autorização de residência ao membro da família de um cidadão da União que nunca exerceu a liberdade de circulação, única e exclusivamente por este último não cumprir os requisitos previstos nessa disposição, sem ter sido analisado, concreta e individualmente, se entre esse cidadão da União e o nacional de um país terceiro existe uma relação de dependência tal que, seja por que razão for e tendo em conta as circunstâncias, determine que, se for recusado um direito de residência a um cidadão de um país terceiro, o cidadão da União não possa separar‑se do membro da família de que depende e tiver de abandonar o território da União? Para analisar esta situação, há que ter em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, designadamente [o] Acórdão de 8 de maio de 2018, C‑82/16, K.A. e outros contra Belgische Staat.»

IV. Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

34.

A decisão de reenvio no processo C‑451/19, datada de 29 de abril de 2019, deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 12 de junho de 2019.

35.

A decisão de reenvio no processo C‑532/19, datada de 17 de junho de 2019, deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 11 de julho de 2019.

36.

Por Decisão do Tribunal de Justiça de 16 de abril de 2020, os processos em causa foram apensados para efeitos das fases escrita e oral e do acórdão.

37.

O Governo espanhol e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas no prazo fixado pelo artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

38.

Em aplicação do artigo 76.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça decidiu não realizar audiência de alegações.

V. Análise jurídica

A. Observações preliminares

39.

Como foi referido na introdução, os presentes processos têm por objeto, em substância, a interpretação do artigo 20.o TFUE no que respeita ao reconhecimento do direito de residência de nacionais de países terceiros que são membros da família (o filho do cônjuge e o cônjuge, respetivamente) de um cidadão da União que não exerceu o seu direito de liberdade de circulação, bem como a eventual obrigação que incumbe às autoridades competentes de proceder ao exame concreto e individual da questão de saber se existe uma relação de dependência entre os membros do núcleo familiar.

40.

Por razões de clareza e de racionalidade, estes dois eixos temáticos, que correspondem, respetivamente, às primeiras e segundas questões prejudiciais, serão examinados por esta mesma ordem. Por conseguinte, estabelecerei, antes de mais, se um nacional de um país terceiro beneficia de um direito derivado baseado no artigo 20.o TFUE, em circunstâncias como as dos presentes processos ( 5 ). Debruçar‑me‑ei em seguida sobre os requisitos que a jurisprudência do Tribunal de Justiça impõe ao exame de uma relação de dependência ( 6 ). No âmbito da minha análise, tomarei posição sobre diversas questões jurídicas suscitadas pelo órgão jurisdicional de reenvio nos seus pedidos de decisão prejudicial. As conclusões a retirar desta análise, resumidas numa síntese do exame de cada eixo temático ( 7 ), darão finalmente as respostas às questões submetidas.

B. Primeiro eixo temático: análise da existência de um direito derivado dos nacionais de países terceiros nas circunstâncias dos presentes processos

1.   Aspetos a ter em conta no âmbito da análise

41.

A necessidade de uma análise aprofundada do primeiro eixo temático sobre a eventual existência de um direito de residência nas circunstâncias dos presentes processos resulta do facto de não se poder excluir que o artigo 20.o TFUE se opõe à prática das autoridades espanholas que consiste em recusar conceder uma autorização de residência a um nacional de um país terceiro, membro da família de um cidadão da União, pelo simples facto de este último não dispor de recursos suficientes para ele e para esse nacional (nem de um seguro de doença).

42.

Com efeito, importa recordar neste contexto que é precisamente essa a conclusão a que o Tribunal de Justiça chegou no Acórdão de 27 de fevereiro de 2020, Subdelegación del Gobierno en Ciudad Real (Cônjuge de um cidadão da União) (C‑836/18, a seguir Acórdão Subdelegación del Gobierno en Ciudad Real, EU:C:2020:119). Mais concretamente, o Tribunal de Justiça criticou nesse acórdão a decisão das autoridades espanholas de indeferir um pedido de reagrupamento familiar, apresentado pelo cônjuge, nacional de um país terceiro, de um cidadão da União, pelo simples facto de que esse cidadão da União não dispunha para ele e para o seu cônjuge, de recursos suficientes para não se tornar um encargo para o sistema nacional de assistência social, sem ter examinado se existia uma relação de dependência entre o referido cidadão da União e o seu cônjuge de natureza tal que, em caso de recusa da concessão de um direito derivado de residência a este último, esse mesmo cidadão da União seria obrigado a abandonar o território da União para poder permanecer com o seu cônjuge e assim assegurar o apoio efetivo da pessoa que dele depende. Em seguida, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 20.o TFUE se opunha à prática administrativa das autoridades espanholas que mais não faziam do que aplicar a legislação nacional em vigor ( 8 ).

43.

As circunstâncias dos processos principais apresentam várias semelhanças com as do processo que deu origem ao referido acórdão, na medida em que, em primeiro lugar, os cidadãos da União em causa não exerceram a sua liberdade de circulação e, em segundo lugar, dizem respeito exatamente à mesma legislação nacional de transposição do artigo 7.o da Diretiva 2004/38, que também prevê uma aplicação análoga desta disposição a essa situação específica ( 9 ), indo, assim, além do que exige o direito da União. No entanto, importa salientar que existem também diferenças significativas ao nível dos factos, que merecem uma apreciação específica à luz dos princípios desenvolvidos na jurisprudência em matéria de cidadania da União. Com efeito, enquanto, no processo acima referido, se tratava de examinar a possível dependência entre cônjuges sem filhos a cargo, os processos principais caracterizam‑se pela presença no núcleo familiar de filhos a cargo que são cidadãos da União. A este respeito, devo sublinhar que os menores requerem, devido à sua vulnerabilidade, uma proteção acrescida por parte das autoridades nacionais, o que deveria, na minha opinião, refletir‑se na aplicação do artigo 20.o TFUE ao caso em apreço. Nesta ótica, e tendo em conta as diferenças mencionadas, é evidente que o Tribunal de Justiça deverá fornecer algumas precisões importantes quanto ao alcance do âmbito de aplicação desta disposição.

44.

Todavia, antes de examinar a questão de saber se os nacionais de países terceiros, em circunstâncias como as dos presentes processos, podem efetivamente invocar um direito derivado, baseado no artigo 20.o TFUE, em razão do seu estatuto de membros da família de um cidadão da União, parece‑me necessário recordar brevemente os princípios aplicáveis à cidadania da União, tal como foram desenvolvidos na jurisprudência do Tribunal de Justiça ( 10 ). Só depois desta exposição do estado atual da jurisprudência neste domínio do direito da União será possível verificar se os referidos princípios são aplicáveis no caso em apreço ( 11 ).

2.   Exposição sobre o estado atual da jurisprudência em matéria de cidadania da União

a)   Jurisprudência relativa ao direito de residência derivado dos nacionais de países terceiros baseado no seu estatuto de membros da família de um cidadão da União

45.

Segundo jurisprudência constante, reiterada no Acórdão Subdelegación del Gobierno en Ciudad Real, o artigo 20.o TFUE confere a qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado‑Membro o estatuto de cidadão da União, o qual está vocacionado para ser o estatuto fundamental dos nacionais dos Estados‑Membros. A cidadania da União confere a cada cidadão da União um direito fundamental e individual de circular e residir livremente no território dos Estados‑Membros, sem prejuízo das limitações e das restrições fixadas no Tratado e das medidas adotadas com vista à sua aplicação ( 12 ).

46.

Neste contexto, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 20.o TFUE se opõe a medidas nacionais, incluindo a decisões de recusa do direito de residência a membros da família de um cidadão da União, que tenham por efeito privar os cidadãos da União do gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos pelo seu estatuto. Em contrapartida, as disposições do Tratado relativas à cidadania da União não conferem nenhum direito autónomo aos nacionais de país terceiro. Com efeito, os eventuais direitos conferidos a esses nacionais não são direitos próprios a esses nacionais, mas direitos derivados dos do cidadão da União. A finalidade e a justificação desses direitos derivados têm por base a constatação de que não os reconhecer pode, nomeadamente, afetar a liberdade de circulação dos cidadãos da União ( 13 ).

47.

A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que existem situações muito específicas em que, apesar de o direito secundário relativo ao direito de residência dos nacionais de países terceiros não ser aplicável e de o cidadão da União em causa não ter feito uso da sua liberdade de circulação, o direito de residência deve, no entanto, ser atribuído ao nacional de país terceiro, membro da família desse cidadão, sob pena de o efeito útil da cidadania da União ser posto em causa, se, como consequência da recusa desse direito, o referido cidadão fosse, na prática, obrigado a abandonar o território da União, considerado no seu todo, sendo desse modo privado do gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos por esse estatuto ( 14 ).

48.

Todavia, a recusa de conceder um direito de residência a um nacional de um país terceiro só é suscetível de pôr em causa o efeito útil da cidadania da União se existir, entre esse nacional de um país terceiro e o cidadão da União, membro da sua família, uma relação de dependência tal que leve a que este último seja obrigado a acompanhar o nacional de um país terceiro em causa e a abandonar o território da União, considerado no seu todo. Daqui resulta que o nacional de um país terceiro só pode requerer a concessão de um direito de residência derivado, ao abrigo do artigo 20.o TFUE, se, caso não seja concedido esse direito de residência, tanto este último como o cidadão da União, membro da sua família, se vissem obrigados a abandonar o território da União. Por conseguinte, só é possível conceder esse direito de residência derivado quando o nacional de um país terceiro, membro da família de um cidadão da União, não preencha os requisitos impostos para obter, com base noutras disposições e, nomeadamente, ao abrigo da legislação nacional aplicável ao reagrupamento familiar, um direito de residência no Estado‑Membro de que esse cidadão é nacional ( 15 ).

49.

No entanto, uma vez determinado que nenhum direito de residência, ao abrigo do direito nacional ou do direito derivado da União, pode ser concedido ao nacional de um país terceiro, membro da família de um cidadão da União, o facto de existir entre esse nacional e esse cidadão da União uma relação de dependência tal que conduza a obrigar o referido cidadão da União a abandonar o território da União, considerado no seu todo, no caso de ser ordenada a saída desse território do membro da sua família em causa, nacional de país terceiro, tem como consequência que o artigo 20.o TFUE obrigue, em princípio, o Estado‑Membro em causa a reconhecer a este último um direito de residência derivado ( 16 ).

50.

Nesta fase da análise, há que considerar que o recurso ao artigo 20.o TFUE exige que, entre o nacional de um país terceiro e o cidadão da União, exista uma relação de dependência tão forte como a descrita no número anterior das presentes conclusões. Assim sendo, importa observar que o Tribunal de Justiça tem tendência a estabelecer uma distinção importante entre duas categorias de relações no seio de uma família: por um lado, as relações entre cônjuges adultos e, por outro, as relações entre os pais e os seus filhos menores.

51.

No Acórdão de 8 de maio de 2018, K.A. e o. (Reagrupamento familiar na Bélgica) (C‑82/16, a seguir «Acórdão K.A. e o., EU:C:2018:308), o Tribunal de Justiça esclareceu que um adulto tem, em princípio, condições para levar uma existência independente dos membros da sua família. Segundo o Tribunal de Justiça, daqui decorre que o reconhecimento de uma relação de dependência entre dois adultos, membros de uma mesma família, suscetível de criar um direito de residência derivado ao abrigo do artigo 20.o TFUE, só é possível em casos excecionais em que, tendo em conta todas as circunstâncias pertinentes, a pessoa em causa não poderia, de modo nenhum, ser separada do membro da sua família de que depende ( 17 ).

b)   Jurisprudência relativa à relação de dependência existente entre o nacional de um país terceiro e o cidadão da União quando uma das pessoas em causa é um menor

52.

A situação é diferente em relação aos filhos menores, sobretudo se estes forem crianças de tenra idade ( 18 ), dado que dependem amplamente do apoio e da proteção dos progenitores. O Tribunal de Justiça parece estar perfeitamente consciente da proteção específica de que os menores carecem no contexto especialmente sensível de uma decisão administrativa que se enquadra na competência das autoridades nacionais em matéria de imigração e que pode ter o efeito de pôr termo à unidade familiar ( 19 ). Com efeito, importa observar que, segundo o Tribunal de Justiça, a recusa em conceder um direito de residência a um parente, nacional de um país terceiro, de um cidadão da União é, em princípio, suscetível de não deixar a este último nenhuma outra opção que não seja abandonar o território da União para acompanhar o parente de que depende ( 20 ).

53.

No entanto, há que precisar que o Tribunal de Justiça não atribui o mesmo valor ao papel de cada progenitor quando se trata de determinar o grau decisivo de dependência das crianças. É necessária uma apreciação casuística da situação familiar, nomeadamente no que respeita à responsabilidade assumida por cada progenitor no sustento da família. Na sua jurisprudência, o Tribunal de Justiça considerou como sendo elementos pertinentes, a fim de determinar se a recusa em reconhecer o direito de residência derivado ao progenitor, nacional de país terceiro, de um menor, cidadão da União, implica para este a privação do gozo efetivo do essencial dos direitos que lhe são conferidos pelo seu estatuto ao obrigar este menor, de facto, a acompanhar o seu progenitor e, portanto, a abandonar o território da União, considerado no seu todo, a questão da guarda do menor e a questão de saber se o encargo legal, financeiro ou afetivo deste menor é assumido pelo progenitor nacional de um país terceiro ( 21 ).

54.

Mais especificamente, para apreciar o risco da criança em causa, cidadã da União, ser obrigado a abandonar o território da União se for recusada ao seu progenitor, nacional de um país terceiro, a concessão de um direito de residência derivado no Estado‑Membro em causa, cabe às autoridades nacionais determinar qual é o progenitor que assume a guarda efetiva da criança e se existe uma relação de dependência efetiva entre este e o progenitor nacional de um país terceiro. O Tribunal de Justiça declarou que, no âmbito desta apreciação, as autoridades competentes devem ter em conta o direito ao respeito da vida familiar, como enunciado no artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), devendo este artigo ser conjugado com a obrigação de tomar em consideração o interesse superior do menor, reconhecido no artigo 24.o, n.o 2, da referida Carta ( 22 ).

55.

Segundo o Tribunal de Justiça, a circunstância de o outro progenitor, cidadão da União, ser realmente capaz de — e estar pronto a — assumir sozinho a guarda efetiva e quotidiana do filho constitui um elemento pertinente, mas não é, por si só, suficiente para se poder concluir que não existe, entre o progenitor nacional de um país terceiro e o menor, uma tal relação de dependência que este último seria constrangido a abandonar o território da União se fosse recusado um direito de residência a esse nacional de um país terceiro. Com efeito, essa conclusão deve assentar na tomada em conta, no interesse superior do menor em causa, de todas as circunstâncias do caso em apreço, nomeadamente, da sua idade, do seu desenvolvimento físico e emocional, do grau da sua relação afetiva tanto com o progenitor cidadão da União como com o progenitor nacional de um país terceiro e do risco que a separação deste último acarretaria para o equilíbrio dessa criança ( 23 ).

56.

Por outro lado, segundo o Tribunal de Justiça, o facto de o progenitor, nacional de país terceiro, coabitar com o menor, cidadão da União, é um dos elementos pertinentes a tomar em consideração para determinar a existência de uma relação de dependência entre eles, sem, no entanto, ser uma condição necessária da mesma. Em contrapartida, o simples facto de a um nacional de um Estado‑Membro poder parecer desejável, por razões de ordem económica ou a fim de manter a unidade familiar no território da União, que membros da sua família que não têm a nacionalidade de um Estado‑Membro possam residir com ele no território da União não basta, por si só, para considerar que o cidadão da União seria obrigado a abandonar o território da União se esse direito não for concedido. Assim, a existência de uma relação familiar, quer seja de natureza biológica ou jurídica, entre o cidadão da União menor e o seu progenitor, nacional de país terceiro, não é suficiente para justificar que seja reconhecido ao referido progenitor, ao abrigo do artigo 20.o TFUE, um direito de residência derivado no território do Estado‑Membro do qual o menor é nacional ( 24 ).

3.   Aplicação dos princípios jurisprudenciais desenvolvidos pelo Tribunal de Justiça aos presentes processos

a)   Elementos comuns a todos os processos tratados na jurisprudência

57.

Após esta exposição sucinta da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao direito de residência derivado dos nacionais de países terceiros baseada no seu estatuto de membros da família de um cidadão da União, bem como na relação de dependência que existe especificamente entre um nacional de um país terceiro e um cidadão da União quando uma das pessoas em causa é um menor, há que determinar se os princípios decorrentes dessa jurisprudência, evocados nos números anteriores das presentes conclusões, são aplicáveis aos presentes processos apensos. Como explicarei a seguir em detalhe, várias razões levam‑me a responder afirmativamente a esta questão.

58.

Antes de mais, existem paralelismos com o processo Subdelegación del Gobierno en Ciudad Real, a que já fiz referência nas presentes conclusões ( 25 ). Com efeito, como no processo já referido, o Tribunal de Justiça é chamado, uma vez mais, a pronunciar‑se, ainda que indiretamente, sobre a compatibilidade com o direito da União da legislação espanhola em vigor que condiciona o reagrupamento familiar de um nacional de um país terceiro com um membro da sua família, nacional de um Estado‑Membro que nunca exerceu a sua liberdade de circulação, à exigência de que este disponha de recursos suficientes para não se tornar um encargo para o sistema nacional de assistência social.

59.

A este propósito, o Tribunal de Justiça declarou que o direito da União não se aplica, em princípio, a um pedido de reagrupamento familiar apresentado nestas circunstâncias e, consequentemente, não se opõe, em princípio, a uma regulamentação nacional como a descrita no número anterior ( 26 ). Contudo, o Tribunal de Justiça esclareceu que a imposição sistemática, sem nenhuma exceção, desse requisito é suscetível de violar o direito de residência derivado que deve ser reconhecido, em situações muito particulares, por força do artigo 20.o TFUE, ao nacional de um país terceiro, membro da família de um cidadão da. União ( 27 ). Esta precisão por parte do Tribunal de Justiça afigura‑se‑me especialmente importante, uma vez que tem o efeito de definir os limites do âmbito de aplicação desta disposição e, consequentemente, as competências dos Estados‑Membros em matéria de imigração.

60.

O Tribunal de Justiça explicou quais eram as medidas nacionais consideradas incompatíveis com o estatuto de cidadão da União, instituído pelo artigo 20.o TFUE, a saber, aquelas que privam os cidadãos da União do gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos pelo referido estatuto. Como já referi na minha exposição da jurisprudência pertinente, é esse o caso, nomeadamente, numa situação em que o cidadão da União seria obrigado a abandonar o território da União pelo facto de ser recusado o reconhecimento de um direito de residência a um membro da sua família, nacional de um país terceiro. Tal situação, em que é feita prova de especial rigor, só pode ocorrer se existir uma relação que se caracterize por um elevado grau de dependência entre o nacional de um país terceiro, membro da família de um cidadão da União, e este último. Por conseguinte, para determinar se as pessoas em causa no caso em apreço podem invocar o artigo 20.o TFUE para beneficiar de um direito de residência, há que examinar a situação familiar de cada uma delas.

61.

Por conseguinte, há que considerar que, não obstante as diferenças dos quadros factuais entre o processo Subdelegación del Gobierno en Ciudad Real e os processos principais, um dos aspetos centrais da análise consiste em determinar se existe, no caso em apreço, uma relação caracterizada por uma dependência suficientemente marcada, suscetível de satisfazer os requisitos que a jurisprudência impõe para efeitos da aplicação desta disposição. O facto de as relações familiares em causa implicarem filhos menores exige uma atenção especial para as necessidades da análise. É por esta razão que os princípios jurisprudenciais enunciados no Acórdão K.A. e o. e evocados nas presentes conclusões ( 28 ) poderiam revelar‑se pertinentes e aplicáveis. No interesse de uma abordagem metódica, destinada a ter devidamente em conta os factos específicos de cada processo, proponho que sejam examinadas individualmente tendo em conta os elementos que a jurisprudência nos fornece.

62.

Neste contexto, é necessário recordar que não incumbe ao Tribunal de Justiça apreciar ele próprio a situação das famílias em causa nos processos principais, nem decidir por sua própria iniciativa se é oportuno conceder um direito de residência às pessoas em causa. Isto é válido, por maioria de razão, para a apreciação da sua situação financeira, apesar da incidência que a interpretação do artigo 20.o TFUE pode ter na aplicação da disposição nacional de transposição do artigo 7.o da Diretiva 2004/38, que é aplicável à situação dos nacionais espanhóis que não exerceram a sua liberdade de circulação. As tarefas mencionadas são abrangidas pela competência exclusiva das autoridades nacionais ( 29 ). Em contrapartida, o Tribunal de Justiça é competente para fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio todos os elementos de interpretação do direito da União que lhe permitirão realizar ele próprio um exame aprofundado dos factos.

b)   Identificação de uma relação de dependência no núcleo familiar como elemento principal da análise

1) Exame do Processo C‑532/19

i) Quanto às circunstâncias que justificam a existência de um direito de residência

63.

Neste processo, QP, nacional de um país terceiro, casado com uma nacional espanhola que nunca exerceu a sua liberdade de circulação na União, procura obter uma autorização de residência em Espanha. Da sua união nasceu uma filha, de nacionalidade espanhola. Esta, que, atualmente ainda é menor, também não exerceu a sua liberdade de circulação.

64.

Antes de mais, devo observar que o órgão jurisdicional de reenvio refere que, se fosse recusada a QP uma autorização de residência em Espanha, ele e a sua esposa ficariam na alegada impossibilidade de respeitar a obrigação de coabitação a que estão vinculados por força do direito espanhol. No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio não menciona nenhuma circunstância suscetível de demonstrar a existência de uma relação de dependência entre estas duas pessoas maiores, que não seja a dessa simples obrigação legal de coabitação.

65.

Ora, decorre claramente da jurisprudência, evocada nas presentes conclusões, que o reconhecimento de uma relação de dependência entre dois adultos, membros de uma mesma família, suscetível de criar um direito de residência derivado, ao abrigo do artigo 20.o TFUE, só é possível em casos excecionais ( 30 ). No Acórdão Subdelegación del Gobierno en Ciudad Real, o Tribunal de Justiça declarou que tal relação de dependência não existe apenas pelo facto de o nacional de um Estado‑Membro, maior de idade e que nunca exerceu a sua liberdade de circulação, e o seu cônjuge, maior e nacional de um país terceiro, terem de viver juntos, por força das obrigações que decorrem do casamento segundo o direito do Estado‑Membro de que o cidadão da União Europeia é nacional. Por conseguinte, poderia parecer que, em princípio, a resposta à primeira questão prejudicial decorre claramente desse acórdão.

66.

Dito isto, considero, no entanto, que, para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal de Justiça deve igualmente examinar a incidência que pode ter, tendo em conta o artigo 20.o TFUE, o facto de QP ser pai de uma menor, cidadã da União, cuja guarda conjunta assegura com a sua mulher, nacional espanhola e mãe desta criança. Mais concretamente, há que determinar se a obrigação que seria imposta a QP de abandonar o território da União impõe, de facto, à sua filha que o acompanhe, quando tanto esta criança como a sua mãe podem permanecer legalmente em Espanha.

67.

Como resulta da minha exposição da jurisprudência pertinente ( 31 ), a questão da guarda da criança e a de saber se o encargo legal, financeiro ou afetivo dessa criança é assumido pelo progenitor nacional de um país terceiro constituem elementos pertinentes para determinar se existe uma relação de dependência entre esse progenitor e a sua filha menor, cidadã da União. A constatação de tal relação de dependência na aceção do artigo 20.o TFUE, que o menor seria obrigado a abandonar o território da União se fosse recusado um direito de residência ao progenitor, deve basear‑se na tomada em conta, no interesse superior da criança em causa, de todos os factos do caso concreto, nomeadamente da sua idade, do seu desenvolvimento físico e emocional, do grau da sua relação afetiva tanto com o progenitor cidadão da União como com o progenitor nacional de um país terceiro, bem como do risco que a separação deste causaria no equilíbrio desta criança ( 32 ).

68.

Parece‑me decorrer desta jurisprudência que, para apreciar, no caso em apreço, a existência de uma relação de dependência, na aceção do artigo 20.o TFUE, há que tomar em conta não só a eventual dependência material desta criança em relação ao seu progenitor, nacional de um país terceiro, mas também a importância da relação afetiva com este último e as consequências que a sua partida poderia provocar no equilíbrio psicológico dessa criança.

69.

É certo que resulta igualmente da jurisprudência do Tribunal de Justiça ( 33 ) que o simples facto de que a um nacional de um Estado‑Membro possa parecer desejável, por razões económicas ou para manter a unidade familiar no território da União, que os membros da sua família, que não dispõem da nacionalidade de um Estado‑Membro, possam residir com ele no território da União não basta, por si só, para considerar que o cidadão da União seria obrigado a abandonar o território da União se esse direito não fosse concedido.

70.

No entanto, importa não esquecer, no âmbito da presente análise, que o Tribunal de Justiça recordou diversas vezes a importância primordial que o direito da União atribui ao respeito da vida familiar, tal como é enunciado no artigo 7.o da Carta. O mesmo se diga da proteção da criança, cujo interesse superior deve ser tomado em conta pelas autoridades competentes, em conformidade com o artigo 24.o, n.o 2, da Carta. Estas considerações implicam, nomeadamente, que se tenha em conta a necessidade de uma criança «manter regularmente relações pessoais e contactos diretos com ambos os progenitores», expressa no n.o 3 do mesmo artigo. Este último aspeto parece‑me decisivo para efeitos da presente análise.

71.

Na minha opinião, não é sem razão que o Tribunal de Justiça recordou a natureza constitucional dos direitos acima mencionados, na ordem jurídica da União, quando incluiu no seu raciocínio, além do artigo 20.o TFUE, as disposições da Carta ( 34 ). Parece‑me evidente que o Tribunal de Justiça entendeu assegurar a preservação do vínculo familiar entre o filho menor, cidadão da União, e o seu progenitor, nacional de um país terceiro, no território da União quando isso corresponda ao interesse superior da criança ( 35 ). Daqui decorre que considerações de ordem geral, invocadas pelas autoridades nacionais, como as que estão ligadas a uma pretensa necessidade de proteger os sistemas nacionais de assistência social, devem ceder quando se estabelece, com fundamento numa apreciação da situação familiar, que existe uma verdadeira relação de dependência de natureza material ou afetiva entre as pessoas envolvidas, suscetível de tornar indispensável a manutenção da unidade familiar no território da União. Por outras palavras, o respeito dos direitos fundamentais que os Tratados garantem aos cidadãos da União em razão do seu estatuto deve prevalecer sobre os interesses meramente económicos dos Estados‑Membros ( 36 ).

72.

À luz da jurisprudência suprarreferida, parece‑me que a obtenção de uma autorização de residência com fundamento no artigo 20.o TFUE não deve ser recusada a QP pela única razão de que a guarda da sua filha poderia ser assumida integralmente pela sua mãe, cidadã da União, em território espanhol. Com efeito, uma abordagem que se focalizasse unicamente nas capacidades financeiras da mãe em aplicação do direito nacional da família e ignorasse o papel eventualmente exercido pelo pai na educação, na tomada a cargo e no sustento da criança, não teria suficientemente em conta o interesse superior dessa criança em manter uma relação duradoura e benéfica com o pai. Por conseguinte, tal abordagem não responderia às exigências estabelecidas pela jurisprudência quanto ao exame individual a efetuar.

73.

Na mesma ordem de ideias, haveria que considerar que as exigências da jurisprudência não são respeitadas quando o pai não pôde apresentar os elementos que permitem apreciar se estão preenchidas as condições de aplicação do artigo 20.o TFUE, como o facto de que aquele se ocupa quotidianamente e efetivamente do filho menor. A referência expressa do Tribunal de Justiça a esta exigência no Acórdão Chavez‑Vilchez e o. demonstra que a circunstância de o progenitor assumir seriamente as suas obrigações legais para com o filho constitui uma prova, entre outros indícios pertinentes, da existência de uma relação de dependência na aceção da disposição suprarreferida.

74.

No que respeita ao caso em apreço, há que constatar que a decisão de reenvio não faz referência a nenhum elemento que permita tirar conclusões precisas quanto ao papel do pai para com a sua filha. Todavia, parece‑me que esta falta de informação está ligada a dois fatores que importa esclarecer para melhor compreender o contexto factual em que as questões prejudiciais foram submetidas. Por um lado, as constatações do órgão jurisdicional de reenvio apoiam‑se nas informações obtidas pelas autoridades espanholas que, como este indica, não analisam as circunstâncias que poderiam revelar‑se pertinentes para determinar a existência de uma relação de dependência suscetível de coagir o cidadão da União a abandonar o território da União. Por outro lado, a atenção do órgão jurisdicional de reenvio focaliza‑se exclusivamente na relação entre os cônjuges, sem entrar nos detalhes da relação entre a criança e os seus pais.

75.

Por estes motivos, entendo que esta falta de informação não pode ser considerada como sendo o indício da falta de colaboração por parte de um dos progenitores. Por conseguinte, é essencial que o órgão jurisdicional de reenvio dê atenção para o papel que cada progenitor exerce no núcleo familiar segundo as suas capacidades e aplique os elementos de interpretação que o Tribunal de Justiça fornecerá no acórdão a proferir nos presentes processos.

76.

O órgão jurisdicional de reenvio deverá igualmente determinar se os membros da família coabitam e, se for caso disso, em que circunstâncias. O Tribunal de Justiça considerou, na sua jurisprudência, que o facto de o progenitor, nacional de um país terceiro, coabitar com o filho menor, cidadão da União, é um dos elementos pertinentes a tomar em consideração para determinar a existência de uma relação de dependência. Embora o órgão jurisdicional de reenvio se limite a fazer referência, de modo geral, à obrigação de os cônjuges, em direito espanhol, viverem juntos e de estabelecerem de comum acordo o local do domicílio conjugal, não deixa de ser possível pressupor a existência de um lar familiar. Nesta hipótese, uma das questões que o órgão jurisdicional de reenvio deveria esclarecer é a de saber se a coabitação se caracteriza por uma continuidade e uma estabilidade que evidenciam laços de afeição e de dedicação que demonstrem a existência de assistência mútua entre as pessoas em causa.

77.

À luz das considerações precedentes, e sem prejuízo da apreciação dos factos, que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, parece‑me que uma «relação de dependência» na aceção do artigo 20.o TFUE deveria ser reconhecida entre o cidadão da União, menor, e o seu progenitor, nacional de um país terceiro, quando este último coabita com a sua mãe e a guarda e o encargo legal, afetivo e financeiro dessa criança são, por conseguinte, partilhados quotidianamente pelos seus dois progenitores, e isto mesmo que o outro progenitor seja um cidadão da União e disponha, consequentemente, de um direito incondicional de permanecer no território do Estado‑Membro do qual é nacional. Parece‑me que tal conclusão se impõe tanto mais que há que interpretar esta relação de dependência à luz, nomeadamente, da obrigação de ter em conta o interesse superior da criança.

ii) Quanto à exceção ligada à manutenção da ordem pública e a salvaguarda da segurança pública

78.

É certo que a existência de uma relação de dependência na aceção do artigo 20.o TFUE não significa que deva ser concedido um direito de residência em todos os casos. Esta constatação é particularmente verdadeira quando razões ligadas à manutenção da ordem pública ou à salvaguarda da segurança pública se opõem a tal decisão. A recusa das autoridades competentes a reconhecer tal direito pelo facto de o nacional de um país terceiro ter cometido crimes graves poderia constituir um obstáculo.

79.

Parece‑me que tal situação se verifica no caso em apreço, em que é pacífico que foi recusado ao progenitor nacional de um país terceiro o reconhecimento de um direito de residência pelo facto de ter sido condenado por infrações de trânsito no seu Estado‑Membro de residência. Segundo as informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, o registo criminal de QP contém duas condenações por condução sem carta e outra por condução sob efeito de álcool.

80.

A este respeito, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que o artigo 20.o TFUE não afeta a possibilidade de os Estados‑Membros invocarem uma exceção relacionada, nomeadamente, com a manutenção da ordem pública e a salvaguarda da segurança pública. No entanto, o Tribunal de Justiça precisou que, na medida em que a situação do nacional de um país terceiro que invoca um direito de residência com fundamento nesta disposição está abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União, a sua apreciação deve ter em conta o direito ao respeito da vida privada e familiar, como enunciado no artigo 7.o da Carta, devendo este artigo ser lido, sendo caso disso, em correlação com a obrigação de tomar em consideração o interesse superior da criança, reconhecido no artigo 24.o, n.o 2, da Carta ( 37 ).

81.

Dito de outra forma, as autoridades competentes são obrigadas a proceder a uma apreciação concreta de todas as circunstâncias pertinentes do caso em apreço antes de tomarem uma decisão sobre a necessidade de recusar um direito de residência ao nacional de um país terceiro pelas razões mencionadas. No âmbito dessa apreciação individual, as autoridades competentes devem ter em conta determinados critérios que evocarei a seguir.

82.

Importa, desde já, observar que, enquanto justificação de uma derrogação ao direito de residência dos cidadãos da União ou dos membros das suas famílias, os conceitos de «ordem pública» e de «segurança pública» devem ser entendidos em sentido estrito. Assim, de qualquer modo, o conceito de «ordem pública» pressupõe, além da perturbação da ordem social que qualquer infração à lei constitui, a existência de uma ameaça real, atual e suficientemente grave para um interesse fundamental da sociedade. Quanto ao conceito de «segurança pública», decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o mesmo compreende quer a segurança interna de um Estado‑Membro quer a sua segurança externa e que, por conseguinte, uma ameaça ao funcionamento das instituições e dos serviços públicos essenciais, assim como a sobrevivência da população, tal como o risco de uma perturbação grave das relações externas ou da coexistência pacífica dos povos, ou ainda uma ofensa aos interesses militares podem afetar a segurança pública ( 38 ).

83.

O Tribunal de Justiça declarou sem ambiguidade que, se a recusa do direito de residência se basear na existência de uma ameaça real, atual e suficientemente grave para a ordem pública ou a segurança pública, tendo em conta, designadamente, as infrações penais cometidas por um nacional de um Estado terceiro, essa recusa pode ser conforme com o direito da União mesmo quando implique a obrigação do cidadão da União, membro da família desse nacional, de abandonar o território da União ( 39 ). Em contrapartida, essa conclusão não pode ser extraída automaticamente com fundamento exclusivamente nos antecedentes penais do interessado. Apenas pode resultar, se for o caso, de uma apreciação concreta de todas as circunstâncias atuais e pertinentes do caso em apreço, à luz do princípio da proporcionalidade, do interesse superior da criança e dos direitos fundamentais cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça ( 40 ).

84.

Entre os critérios que devem ser tomados em consideração no âmbito desta apreciação figuram o comportamento pessoal do indivíduo visado, a duração e o caráter legal da residência do interessado no território do Estado‑Membro em causa, a natureza e a gravidade da infração cometida, o grau de perigosidade atual do interessado para a sociedade, a idade das crianças eventualmente em causa e o seu estado de saúde, bem como a respetiva situação familiar e económica ( 41 ).

85.

A questão que se coloca nesta fase da análise é, portanto, a de saber se, em circunstâncias como as do caso em apreço, o reconhecimento de um direito de residência baseado no artigo 20.o TFUE pode ser recusado pelo facto de o progenitor, nacional de um país terceiro, de um menor, cidadão da União, ter sido condenado pelas infrações de trânsito cometidas.

86.

A segurança rodoviária constitui uma preocupação importante para a União e para os seus Estados‑Membros nos seus respetivos domínios de competência, tanto mais que está intrinsecamente ligada à proteção da saúde e da vida humana ( 42 ). Nunca se dará suficiente ênfase à importância de uma política eficaz e coerente, destinada a implementar em todo o território da União medidas destinadas a evitar que os utentes da estrada faleçam ou fiquem feridos gravemente em acidentes de trânsito, ou a atenuar as consequências destes.

87.

Ora, tenho sérias dúvidas de que a medida em causa, a saber, a recusa de reconhecimento de um direito de residência, seja justificada tendo em atenção as condições particularmente estritas que a jurisprudência estabeleceu e que acabo de evocar nos números precedentes das presentes conclusões. De qualquer modo, parece‑me que tal medida é manifestamente desproporcionada em relação ao objetivo de garantir a segurança rodoviária, sobretudo se se tiverem em conta os interesses em jogo.

88.

Em primeiro lugar, é evidente que as infrações cometidas por QP não são suscetíveis de pôr em perigo o funcionamento das instituições ou dos serviços públicos essenciais ou a sobrevivência da população. Por conseguinte, o risco que QP acarreta para a segurança rodoviária em geral não é de tal modo grave que se possa razoavelmente presumir que estão preenchidos os critérios do conceito de «segurança pública», conforme definido pelo Tribunal de Justiça ( 43 ).

89.

No que respeita a uma eventual qualificação de violação da ordem pública, parece‑me que as infrações em causa não vão além da perturbação da ordem social que qualquer infração à lei constitui. Embora seja verdade que as três condenações por infrações rodoviárias podem revelar, devido ao seu número e à sua frequência, uma certa reticência da pessoa em causa em respeitar a lei, importa, todavia, salientar que as condenações remontam a 2010 e que, desde então, decorreu um lapso de tempo considerável. Por conseguinte, na falta de indicações em contrário, e sem prejuízo da apreciação dos factos, que compete ao órgão jurisdicional de reenvio, esta circunstância pode ser antes interpretada como o sinal de uma reinserção social bem‑sucedida.

90.

Com efeito, o facto de não ter sido cometida nenhuma infração desde então demonstra que QP não representa nenhuma «ameaça real, atual e suficientemente grave que afete um interesse fundamental da sociedade». Por conseguinte, na falta de indícios concretos e tendo em conta a necessidade de interpretar estritamente as exceções ao artigo 20.o TFUE, inclino‑me a pensar, com fundamento em informações disponíveis, que QP não representa nenhum risco evidente para a ordem pública. Por conseguinte, o direito ao respeito pela vida privada e familiar, conforme interpretado tendo em atenção o interesse superior da criança, deve necessariamente prevalecer no caso em apreço.

91.

Em segundo lugar, observe‑se que, mesmo que se admita que as autoridades competentes possam legitimamente concluir, no âmbito da sua apreciação dos factos, que não se pode excluir que QP ainda representa um risco evidente para a segurança rodoviária, existem meios eficazes e certamente menos radicais, para prevenir este tipo de riscos, que a recusa de um direito de residência, eventualmente seguida de medidas de expulsão e de condução à fronteira. Esta opção só devia ser considerada como uma medida de último recurso, tendo em conta as graves consequências que pode implicar para a manutenção da unidade familiar e o interesse superior da criança. Acresce que, neste contexto, não se pode perder de vista que se viesse a ser confirmada no caso em apreço uma relação de dependência entre o pai e a sua filha, um regresso forçado teria muito provavelmente como consequência que esta última deveria seguir o seu pai fora do território da União, o que a privaria do gozo efetivo dos seus direitos enquanto cidadã da União. As medidas em causa têm, assim, repercussões que vão muito além da situação individual de QP.

92.

Por último, uma separação forçada da família nas circunstâncias do caso em apreço assemelhar‑se‑ia, em certa medida, a uma sanção, quando é pacífico que QP já foi condenado pelas infrações cometidas. Por esta razão, não vejo justificação para que QP deve ser sujeito a uma sanção suplementar, tanto mais que os factos em causa já são antigos. Impondo‑se o princípio da proporcionalidade no caso em apreço, considero que as autoridades competentes deviam privilegiar medidas que não comprometam a unidade familiar, assegurando simultaneamente a prevenção dos riscos e a reinserção social do indivíduo.

93.

Uma vez que as autoridades competentes não têm fundamento para invocar a exceção relativa à manutenção da ordem pública ou à salvaguarda da segurança pública, parece‑me que não se podem opor validamente ao reconhecimento de um direito de residência com base no artigo 20.o TFUE.

iii) Conclusão intercalar

94.

À luz das considerações que precedem, importa concluir que não se pode excluir a priori, no caso em apreço, que QP dispõe de um direito de residência derivado com base no artigo 20.o TFUE. Esta constatação é válida sob reserva da apreciação que compete ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, quanto à existência de uma relação de dependência entre QP e a sua filha menor, cidadã da União, de natureza tal que, em caso de recusa do direito de residência a QP, a cidadã da União dependente seria obrigada a abandonar o território da União e ficaria assim privada do gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos por esse estatuto.

2) Exame do processo C‑451/19

95.

À semelhança do processo C‑532/19, o processo C‑451/19 diz respeito a uma família composta, nomeadamente, por uma nacional de um país terceiro, pelo seu cônjuge, nacional espanhol que nunca exerceu a sua liberdade de circulação na União, e pelo seu filho menor, também de nacionalidade espanhola e que nunca exerceu a sua liberdade de circulação. Todavia, neste processo C‑451/19, e ao contrário do processo C‑532/19, o pedido de autorização de residência não foi apresentado em benefício do progenitor, nacional de um país terceiro, mas do filho menor, cidadão da União.

96.

Com efeito, segundo as informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, a nacional de um país terceiro, cônjuge e mãe de cidadãos da União, dispõe já do direito de residência em território espanhol ( 44 ). A recusa das autoridades espanholas de conceder um direito de residência diz, na realidade, respeito ao seu primeiro filho, XU, que, nascido de uma união anterior da referida nacional, não é cidadão da União e que ainda era menor na data em que a decisão de indeferimento foi adotada ( 45 ). Daqui decorre que XU é, por um lado, filho de uma nacional de um país terceiro, que dispõe de um direito de residência em Espanha, e, por outro, enteado e meio‑irmão de dois cidadãos da União.

97.

Em tais circunstâncias, e tendo em conta a aplicação subsidiária do direito de residência derivado decorrente do artigo 20.o TFUE ( 46 ), considero oportuno examinar, antes de mais, se XU pode beneficiar de um direito de residência nos termos da Diretiva 2003/86 antes de apreciar, em seguida, se tem condições para beneficiar desse direito de residência com fundamento no artigo 20.o TFUE. Embora o órgão jurisdicional de reenvio tenha limitado o seu pedido de decisão prejudicial à interpretação desta última disposição, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, com vista a fornecer uma resposta útil ao órgão jurisdicional que lhe submeteu uma questão prejudicial, o Tribunal de Justiça pode entender que é necessário levar em consideração normas de direito da União às quais o juiz nacional não fez referência no enunciado da sua questão ( 47 ).

i) Quanto à aplicabilidade da Diretiva 2003/86

98.

Segundo o seu artigo 1.o, a Diretiva 2003/86 tem por objetivo estabelecer as condições em que o direito ao reagrupamento familiar pode ser exercido por nacionais de países terceiros que residam legalmente no território dos Estados‑Membros. O considerando 4 desta diretiva enuncia que o reagrupamento familiar é um meio necessário para permitir a vida em família. Acresce que contribui para a criação de uma estabilidade sociocultural favorável à integração dos nacionais de países terceiros nos Estados‑Membros, o que permite, por outro lado, promover a coesão económica e social, que é um objetivo fundamental da União. O considerando 9 desta diretiva parece‑me pertinente no presente contexto, uma vez que resulta daí que o reagrupamento familiar abrangerá de toda a maneira, os membros da família nuclear, ou seja, o cônjuge e os filhos menores. Tendo em conta o que precede, considero que alguns indícios sugerem que os factos do presente processo podem efetivamente estar abrangidos no âmbito de aplicação da Diretiva 2003/86.

99.

Dado que a mãe de XU, que reside legalmente em território espanhol, podia ser considerada sendo uma «requerente de reagrupamento», na aceção do artigo 2.o, alínea), da Diretiva 2003/86. Por conseguinte, não se pode excluir que a sua residência legal tenha sido de natureza tal que pudesse conferir o direito a um reagrupamento familiar ao abrigo do artigo 3.o, n.o 1, desta diretiva.

100.

Nas suas observações escritas, o Governo espanhol opõe‑se a uma interpretação neste sentido, alegando que o artigo 3.o, n.o 3, da Diretiva 2003/86 não é aplicável aos membros da família de um cidadão da União. O Governo espanhol invoca, para este efeito, o acórdão proferido no processo C‑256/11, Dereci e o. ( 48 ), no qual o Tribunal de Justiça declarou, apoiando‑se, designadamente, numa interpretação baseada na génese desta diretiva, que esta não se aplica ao caso de nacionais de países terceiros, membros da família de um cidadão da União que reside num Estado‑Membro, que pretendem entrar e residir nesse Estado‑Membro a fim de manter a unidade familiar ( 49 ).

101.

Este argumento não me parece convincente, uma vez que se refere a uma situação muito diferente da que se apresenta no caso em apreço. É certo que não se contesta que, por força da disposição acima mencionada, a Diretiva 2003/86 não é aplicável aos membros da família de um cidadão da União. Todavia, devo observar que o Tribunal de Justiça se referiu a esta disposição num contexto específico em que os recorrentes eram nacionais de Estados terceiros que desejavam viver com membros da sua família, cidadãos da União, residentes num Estado‑Membro do qual estes últimos eram nacionais. Tendo em conta a redação clara do artigo 3.o, n.o 3, da Diretiva 2003/86, é evidente que, em tais condições, um pedido de reagrupamento não se podia basear nesta diretiva. Ora, a situação no presente processo é diferente, dado que o reagrupamento familiar só diz respeito a dois nacionais de países terceiros, a saber, XU e sua mãe.

102.

Poderia retorquir‑se que a situação é algo mais complexa no caso em apreço, uma vez que XU é, em de contas, o enteado e o meio‑irmão de dois cidadãos da União. No entanto, não estou convencido de que esta circunstância seja, por si só, suscetível de obstar a uma aplicação da Diretiva 2003/86 ao presente processo. Pelo contrário, parece‑me que uma interpretação excessivamente ampla desta disposição teria antes o efeito de privar esta diretiva do seu efeito útil em todos os casos em que um pedido de reagrupamento fosse apresentado por um nacional de um país terceiro que, de uma forma ou de outra, mantenha uma relação familiar com um cidadão da União. No pior dos casos, essa interpretação poderia conduzir a resultados imprevisíveis em função da composição da família em causa. A prática administrativa daí resultante poderia, assim, parecer arbitrária. Uma abordagem coerente revela‑se necessária a fim de evitar esse cenário. Importa, aliás, observar que o Governo espanhol não apresentou nenhum argumento em apoio da sua posição, além da referência ao Acórdão de 15 de novembro de 2011, Dereci e o. (C‑256/11, EU:C:2011:734), que, como já foi referido no número anterior das presentes conclusões, não visa, todavia, a presente situação.

103.

Para ir no sentido da aplicação da Diretiva 2003/86 aos factos do presente processo, gostaria de citar o acórdão proferido nos processos C‑356/11 e C‑357/11, O e o., ( 50 ), que, na minha opinião, nos pode dar alguns pontos de referência úteis. Cada um dos dois processos que deram origem a esse acórdão dizia respeito à recusa de concessão de uma autorização de residência a um nacional de um país terceiro, casado com uma nacional de um país terceiro, que residia legalmente no território do Estado‑Membro em causa, tendo deste casamento nascido um filho, também nacional de um país terceiro e que vivia com a mãe nesse Estado‑Membro. Por outro lado, num anterior casamento com um cidadão da União, essa nacional de um país terceiro tinha também dado à luz um filho, cidadão da União, cuja guarda exclusiva tinha obtido.

104.

O Tribunal de Justiça observou que a nacional de um país terceiro, cujo marido solicitava então um direito ao reagrupamento familiar, residia legalmente no território do Estado‑Membro em causa e que o seu filho comum era também nacional de um país terceiro, não gozando, portanto, do estatuto de cidadão da União. Nestas condições, declarou que, «tendo em conta o objetivo prosseguido pela Diretiva 2003/86, que é favorecer o reagrupamento familiar […] e a proteção que visa conceder aos nacionais de países terceiros, nomeadamente aos menores, a aplicabilidade desta diretiva não pode ser excluída pelo simples facto de um dos progenitores [do] menor, nacional de um país terceiro, ser também o progenitor de um cidadão da União, nascido de um primeiro casamento» ( 51 ).

105.

Por um lado, importa reconhecer que a estrutura familiar em causa no processo C‑451/19 não é totalmente idêntica às que deram lugar ao Acórdão de 6 de dezembro de 2012, O e o. (C‑356/11 e C‑357/11, EU:C:2012:776). Com efeito, o filho, cidadão da União, da nacional de um país terceiro não é fruto de um casamento dissolvido com um cidadão da União. Por outro lado, a recusa a conceder uma autorização de casamento é oposta, no caso em apreço, a XU, isto é, ao filho da nacional de um país terceiro que reside legalmente em território espanhol, e não ao seu cônjuge.

106.

Por outro lado, não estou convencido de que tais diferenças possam impedir XU de invocar utilmente o direito ao reagrupamento familiar que decorre da Diretiva 2003/86. Em primeiro lugar, há que ter em conta o facto de que, quando as autoridades espanholas lhe recusaram o direito de residência, XU era menor e podia, portanto, ser considerado como sendo «beneficiário» desse direito ao reagrupamento familiar, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, alínea c), desta diretiva. Em segundo lugar, já se explicou nestas conclusões que a mãe de XU preenche, por si própria, os critérios de «requerente do reagrupamento» na aceção do artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 2003/86 ( 52 ). Em terceiro lugar, é incompreensível que um evento fortuito, como é o facto de ser com um cidadão da União, impeça a mãe de XU de invocar as disposições desta diretiva a fim de obter o reagrupamento familiar com o seu filho.

107.

Como já expus no âmbito da minha análise ( 53 ), uma prática administrativa que tem por efeito excluir o recurso à referida diretiva quando o requerente do reagrupamento, nacional de um país terceiro, mantém, de uma forma ou de outra, um laço familiar com um cidadão da União, apesar de o requerente do reagrupamento preencher, por si próprio, os critérios para obter o reagrupamento familiar, pode comprometer a segurança jurídica. Por último, parece‑me totalmente ilógico que seja precisamente a qualidade de «cidadão da União» do cônjuge que implica graves desvantagens para o nacional de um país terceiro que pretenda o reagrupamento familiar com o seu filho, nascido de uma relação anterior. Um dos meios para evitar esse resultado consiste em interpretar o artigo 3.o, n.o 3, da Diretiva 2003/86 de maneira bastante estrita.

108.

Os argumentos expostos nos números anteriores levam‑me, assim, a pensar que, como o Tribunal de Justiça declarou no Acórdão de 6 de dezembro de 2012, O e o. (C‑356/11 e C‑357/11, EU:C:2012:776), a aplicação da Diretiva 2003/86 não pode ser excluída pelo simples facto de o requerente do reagrupamento ser nacional de um país terceiro e progenitor de um cidadão da União. A jurisprudência devia reconhecer que o facto de ser o cônjuge de um cidadão da União não exclui a possibilidade de requerer um reagrupamento familiar com fundamento nas disposições desta diretiva.

109.

Tendo em conta o facto de o pedido de reagrupamento familiar não ter sido apresentado nem por XU nem pela sua mãe, mas pelo cônjuge da sua mãe, cidadão da União, parece‑me oportuno que o Tribunal de Justiça chame a atenção do órgão jurisdicional de reenvio para o eventual direito ao reagrupamento familiar de XU com a mãe, nos termos da Diretiva 2003/86.

110.

A este respeito, importa observar que o tratamento desse pedido exigirá que se verifique se todas as outras condições legais estão preenchidas no caso em apreço, entre as quais a relativa aos recursos suficientes, prevista no artigo 7.o da Diretiva 2003/86 ( 54 ). Ora, como já referi nas presentes conclusões ( 55 ), este tipo de apreciação é da competência das autoridades nacionais. Além disso, na falta de informações mais detalhadas, não é possível fornecer mais indicações quanto à interpretação desta diretiva.

ii) Quanto à aplicabilidade do artigo 20.o TFUE

111.

Se o órgão jurisdicional de reenvio concluir que, na data em que o pedido de autorização de residência foi indeferido, XU não podia beneficiar de um direito ao reagrupamento familiar com fundamento na Diretiva 2003/86, incumbir‑lhe‑á examinar se esse nacional de um país terceiro podia, não obstante, beneficiar, nessa data, de um direito de residência derivado, ao abrigo do artigo 20.o TFUE.

112.

Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça já evocada nas presentes conclusões, só podia ser esse o caso se, entre XU e um cidadão da União, membro da sua família, existisse uma relação de dependência tal que a partida forçada de XU do território da União implicaria que esse cidadão da União fosse obrigado, de facto, a deixar também ele, esse território ( 56 ). Para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, proponho examinar a estrutura familiar em causa do ponto de vista da eventual incidência que a recusa a reconhecer um direito de residência a XU poderia ter para o seu meio‑irmão e para o seu padrasto, ambos cidadãos da União.

113.

A este respeito, há que concluir que esta incidência seria sobretudo indireta, devido ao papel proeminente que a mãe desempenha no núcleo familiar. Aliás, como sublinha o órgão jurisdicional de reenvio, a partida forçada de XU teria muito provavelmente como consequência que a sua mãe a deveria acompanhar no seu país de origem. O órgão jurisdicional de reenvio baseia esta apreciação em determinados indícios concretos, a saber, o direito de guarda exclusivo da mãe e o facto de, nessa data, XU ainda ser menor. Com efeito, não é difícil imaginar que o facto de a mãe de XU ter de, na prática, deixar o território da União para poder continuar a cumprir as suas obrigações parentais para com o seu filho menor teria repercussões certas e graves na vida de todas as pessoas em causa.

114.

Este aspeto suscita algumas observações da minha parte que me permitirão ilustrar melhor as implicações do presente processo. No âmbito da minha análise chamei a atenção para o contexto particularmente sensível de uma decisão administrativa adotada pelas autoridades competentes em matéria de emigração e suscetível de ter o efeito de pôr termo à unidade familiar ( 57 ). Neste contexto, há que ter em conta que tal decisão administrativa tem geralmente a consequência de colocar os membros de uma família perante uma opção extremamente difícil, a saber, aceitarem a sua separação física ou partirem juntos para o estrangeiro. Qualquer que seja a decisão da família em tal situação, o seu futuro será marcado por múltiplas incertezas. A família será levada a abordar questões existenciais, uma vez que, em função da sua situação económica e do local de origem dos seus membros, essa separação pode ser apenas provisória, mas também se pode tornar definitiva. Tendo em conta estas considerações, afigura‑se‑me que uma interpretação do direito da União que tolere a separação dos membros de uma família nas circunstâncias descritas seria dificilmente conciliável com a obrigação de respeitar a vida familiar, tal como é enunciada no artigo 7.o da Carta.

115.

Se o meio‑irmão e o padrasto de XU fossem obrigados a seguir a mãe (e o seu filho) com o objetivo de manter a unidade familiar fora do território da União, é evidente que estes últimos ficariam privados do gozo efetivo dos direitos que lhes são reconhecidos, na sua qualidade de cidadãos da União. Além do mais, importa observar neste contexto que a partida forçada de XU e da sua mãe teria, no gozo efetivo dos direitos que o seu meio‑irmão ou filho e o seu padrasto ou marido retiram do seu estatuto de cidadãos da União, uma incidência provavelmente idêntica à observada no processo C‑532/19, na medida em que o órgão jurisdicional de reenvio, depois de ter apreciado os factos, conclua pela existência de uma relação de dependência na aceção do artigo 20.o TFUE ( 58 ).

116.

O facto de o órgão jurisdicional de reenvio mencionar explicitamente a possibilidade de o meio‑irmão e o padrasto de XU serem obrigados a seguir a mãe (e o seu filho) constitui, na minha opinião, um indício de que não se trata de um cenário puramente hipotético. Dito isto, o órgão jurisdicional nacional será certamente obrigado a proceder a uma apreciação dos factos para determinar se existe entre os diferentes membros da família relações que, por se caracterizarem por um elevado grau de dependência, são suscetíveis de criar um direito de residência para XU com base no artigo 20.o TFUE.

117.

No que respeita, mais especificamente, à constatação de uma relação de dependência nas circunstâncias do caso em apreço, as observações que precedem evidenciam que o presente processo é muito mais complexo do que a maior parte dos outros processos já tratados pelo Tribunal de Justiça, que se caracterizavam — à semelhança do processo C‑34/09, Ruiz Zambrano ( 59 ), que está na origem da jurisprudência relativa ao direito de residência baseada no artigo 20.o TFUE — pela existência de uma relação de dependência entre apenas duas pessoas, a saber, um nacional de um país terceiro e um cidadão da União. Como já referi nos números precedentes ( 60 ), no presente caso, o risco para o gozo efetivo dos direitos conferidos aos cidadãos da União não ocorre diretamente da partida forçada de XU. O risco é sobretudo indireto, pois a mãe seria, de facto, obrigada a deixar o território da União para acompanhar o seu filho XU, quando dispõe de um direito de residência. Assim, a relação entre a mãe (e não necessariamente XU) e o filho menor, cidadão da União, está no centro da análise do processo, devido ao papel proeminente desempenhado pela mãe no núcleo familiar e, nomeadamente, ao facto de exercer a guarda (exclusiva para um e conjunta para o outro) dos seus dois filhos.

118.

Por conseguinte, considero que importa privilegiar uma abordagem mais analítica e flexível que permita ter devidamente em conta incidências indiretas no núcleo familiar. Assim, a jurisprudência do Tribunal de Justiça deve ser precisa a fim de alargar o âmbito de aplicação do artigo 20.o TFUE e englobar também esses casos. No que respeita ao presente processo, sugiro convidar o órgão jurisdicional de reenvio a centrar a sua apreciação dos factos na relação de dependência que existe entre a mãe e o seu filho cidadão da União (meio‑irmão de XU), mesmo que seja efetivamente XU que é diretamente afetado pela recusa das autoridades nacionais de lhe reconhecerem um direito de residência. Por força desta abordagem, XU devia poder retirar um direito de residência da disposição suprarreferida.

119.

Por uma questão de exaustividade, faço questão de sublinhar que tal abordagem não implica nenhuma extensão desmedida do âmbito de aplicação do artigo 20.o TFUE a situações que não merecem seguramente a proteção do direito da União. Para demonstrar a coerência da abordagem proposta, considero necessário evocar uma vez mais o processo O e o., com o qual o processo principal apresenta algumas semelhanças, como o facto de ambas dizerem respeito à tomada a cargo de filhos em famílias recompostas.

120.

Importa recordar que, no acórdão proferido nesse processo, o Tribunal de Justiça teve o cuidado de esclarecer que o órgão jurisdicional de reenvio tinha tido a possibilidade de concluir que não existia relação de dependência, na aceção do artigo 20.o TFUE, entre o nacional de um país terceiro, que requereu um direito de residência ao abrigo deste artigo, e o filho, cidadão da União, da sua mulher, nacional de um país terceiro que reside legalmente no território do Estado‑Membro em causa. Para este efeito, o Tribunal de Justiça invocou, por um lado, o direito de residência permanente no território do Estado‑Membro em causa, de que dispunha a mãe do cidadão da União, e, por outro, o facto de o seu marido não assumir o encargo legal, financeiro ou afetivo do cidadão da União, do qual não era o pai, cabendo tal encargo exclusivamente à sua mulher, mãe desse cidadão. No seu acórdão, o Tribunal de Justiça parece basear‑se na premissa de que o filho, nacional de um país terceiro, nascido da união entre o requerente da autorização de residência e a sua mulher, podia permanecer com a mãe no território do Estado‑Membro em causa. Assim, esta última estava em condições de viver com os seus dois filhos no território da União ( 61 ).

121.

Em contrapartida, no presente processo, é ao filho da nacional de um país terceiro, que reside legalmente em Espanha, que foi recusada uma autorização de residência. Por conseguinte, esta última não pode continuar a viver no território deste Estado‑Membro com os seus dois filhos. Por outro lado, se decidisse acompanhar XU para fora do território da União, o seu segundo filho, cidadão da União, só poderia permanecer na União estando privado da guarda conjunta dos seus progenitores. Na prática, o único meio de preservar esta guarda conjunta seria, pelo contrário, que tanto esta criança como o seu pai, igualmente cidadão da União, abandonassem o território da União.

122.

Na medida em que estes dois processos apresentam diferenças determinantes, parece‑me justificado concluir pela inexistência de uma «relação de dependência» na aceção do artigo 20.o TFUE no processo O e o., como fez o Tribunal de Justiça, e pela existência dessa relação no presente processo. O reconhecimento de tal relação de dependência só é legítimo quando os critérios estabelecidos pela jurisprudência estão preenchidos, o que, como acabo de demonstrar, não era manifestamente o caso do processo O e o. Não obstante a complexidade dos dois processos, não há nenhuma dúvida de que os membros da família no presente processo merecem uma proteção efetiva, nomeadamente para não privar os dois cidadãos da União do gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos por esse estatuto. A abordagem proposta é, portanto, perfeitamente compatível com a jurisprudência do Tribunal de Justiça.

iii) Conclusão intercalar

123.

Tendo em conta as considerações que precedem, há que concluir que não pode ser a priori excluído no caso em apreço, que XU dispõe de um direito de residência derivado com fundamento no artigo 20.o TFUE. Esta constatação é válida sob reserva da apreciação que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar quanto à existência de uma relação de dependência entre a mãe de XU, nacional de um país terceiro, e o seu filho menor, cidadão da União, de natureza tal que, em caso de recusa do direito de residência a XU, o cidadão da União dependente seria obrigado a abandonar o território da União e assim, seria privado do gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos por esse estatuto.

4.   Síntese da análise do primeiro eixo temático

124.

Resulta da análise do primeiro eixo temático que não pode ser a priori excluído, nas circunstâncias dos presentes processos, que o nacional de um país terceiro dispõe de um direito de residência derivado com fundamento no artigo 20.o TFUE ( 62 ). Sob reserva da apreciação que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar à luz do direito ao respeito da vida privada e familiar, bem como da obrigação de ter em conta o interesse superior da criança, há que concluir que, em cada um dos processos principais, afigura‑se que os cidadãos da União se encontram numa relação de dependência de natureza tal que, em caso de recusa do direito de residência ao nacional do país terceiro, o cidadão da União dependente seria obrigado a abandonar o território da União e desse modo privado do gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos por esse estatuto.

C. Segundo eixo temático: as exigências da jurisprudência aplicáveis o exame de uma relação de dependência

1.   Incompatibilidade da prática administrativa espanhola com a abordagem desenvolvida pelo Tribunal de Justiça

125.

O segundo eixo temático diz respeito, em substância, à eventual conformidade da prática administrativa espanhola com as exigências da jurisprudência aplicáveis ao exame de uma relação de dependência na aceção do artigo 20.o TFUE.

126.

Segundo as informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, esta prática caracteriza‑se pela recusa de conceder uma autorização de residência a um nacional de um país terceiro, membro da família de um cidadão da União, pelo simples facto de este último não dispor de recursos suficientes para ele próprio e para esse membro da sua família (nem de um seguro de doença), sem examinar se existe, entre eles, uma relação de dependência na aceção do artigo 20.o TFUE, a saber, uma relação tal que obrigasse, de facto, o cidadão da União a abandonar o território da União no seu conjunto, se esse membro da família fosse privado de uma autorização de residência em território espanhol.

127.

Como já referi na minha análise do primeiro eixo temático ( 63 ), o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de precisar, nos n.os 34 a 54 do Acórdão Subdelegación del Gobierno en Ciudad Real, que tal prática não é compatível com o artigo 20.o TFUE.

128.

Os critérios pertinentes que permitem determinar se o nacional de um país terceiro pode extrair do artigo 20.o TFUE um direito de residência derivado foram igualmente apresentados no âmbito dessa análise. Expliquei em detalhe que um dos aspetos centrais da apreciação a realizar pelas autoridades competentes consiste em determinar se existe uma relação que se caracteriza por um elevado grau de dependência entre o nacional do país terceiro, membro da família de um cidadão da União, e este último ( 64 ). Ao mesmo tempo que insisto na importância da proteção das crianças de tenra idade e da preservação, tanto quanto possível, da unidade familiar, recordei que não basta que as autoridades nacionais tenham em conta a eventual dependência material de uma criança, cidadã da União, do seu progenitor, nacional de um país terceiro, mas que se impõe igualmente determinar a importância da relação afetiva com este último e as consequências que a sua partida poderia provocar no equilíbrio psicológico dessa criança ( 65 ).

129.

Dito isto, há que sublinhar que, mesmo perante uma tal relação de dependência, um título de residência pode ser recusado ao nacional de um país terceiro, membro da família de um cidadão da União, quando esse nacional constitui uma ameaça real, atual e suficientemente grave para a ordem pública ou a segurança pública, tendo nomeadamente em conta infrações penais que tenha cometido ( 66 ). No âmbito da minha análise do primeiro eixo temático e, mais concretamente, do processo C‑532/19, dei, relativamente ao registo criminal de QP, alguns elementos úteis de interpretação dos conceitos de «ordem pública» e de «segurança pública» ( 67 ). Por último, recordei que tal qualificação de «ameaça» para esses interesses públicos não pode ser estabelecida automaticamente, mas deve decorrer de uma apreciação concreta de todas as circunstâncias atuais e relevantes do caso tendo em conta o princípio da proporcionalidade, do interesse superior da criança e dos direitos fundamentais ( 68 ).

2.   Síntese da análise do segundo eixo temático

130.

Há que observar que, na medida em que a prática administrativa espanhola não prevê essa análise para demonstrar a existência de um direito de residência derivado ao abrigo do artigo 20.o TFUE, esta não cumpre os requisitos impostos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça. Por conseguinte, esta prática administrativa não pode ser considerada como sendo conforme com o direito da União.

131.

Tendo em conta o que precede, há que concluir a análise do segundo eixo temático pela constatação de que o artigo 20.o TFUE, tal como interpretado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, se opõe à prática administrativa acima descrita.

VI. Conclusão

132.

Atendendo às considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo às questões submetidas pelo Tribunal Superior de Justicia de Castilla‑La Mancha (Tribunal Superior de Justiça de Castela‑Mancha, Espanha):

1)

O artigo 20.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um Estado‑Membro recuse o direito de residência de um nacional de um país terceiro que é membro da família de um cidadão adulto da União, nacional desse Estado‑Membro e que nunca exerceu a sua liberdade de circulação, pelo simples facto de esse cidadão da União não dispor, para os membros da unidade familiar, de recursos económicos suficientes para não se tornarem um encargo para o sistema nacional de assistência social, quando existe, no seio da família, uma relação de dependência de um cidadão da União, e, em particular de um menor, de tal natureza que, em caso de recusa de concessão do direito de residência ao nacional do país terceiro, o cidadão dependente da União seria obrigado a abandonar o território da União Europeia considerado no seu todo e ficaria, assim, privado do gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos por esse estatuto.

2)

O artigo 20.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que não existe uma relação de dependência suscetível de justificar a concessão de um direito de residência derivado ao abrigo desta disposição pelo simples facto de o nacional de um Estado‑Membro, maior e que nunca exerceu a sua liberdade de circulação, e o seu cônjuge, maior e nacional de um país terceiro, terem de viver juntos, por força das obrigações decorrentes do casamento, segundo o direito do Estado‑Membro de que o cidadão da União Europeia é nacional.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO 2004, L 158, p. 77).

( 3 ) JO 2003, L 251, p. 12.

( 4 ) BOE n.o 51, de 28 de fevereiro de 2007, p. 8558; a seguir «Decreto Real 240/2007».

( 5 ) V. n.os 41 e segs. das presentes conclusões.

( 6 ) V. n.os 125 e segs. das presentes conclusões.

( 7 ) V. n.os 124 e 130 das presentes conclusões.

( 8 ) Acórdão Subdelegación del Gobierno en Ciudad Real, n.os 48 e 49.

( 9 ) Acórdão Subdelegación del Gobierno en Ciudad Real, n.o 30.

( 10 ) V. n.os 45 e segs. das presentes conclusões.

( 11 ) V. n.os 57 e segs. das presentes conclusões.

( 12 ) Acórdãos de 13 de setembro de 2016, Rendón Marín (C‑165/14, EU:C:2016:675, n.os 69 e 70), e Subdelegación del Gobierno en Ciudad Real, n.os 35 e 36.

( 13 ) Acórdão Subdelegación del Gobierno en Ciudad Real, n.os 37 e 38.

( 14 ) Acórdão Subdelegación del Gobierno en Ciudad Real, n.o 39.

( 15 ) Acórdão Subdelegación del Gobierno en Ciudad Real, n.os 40 e 41.

( 16 ) Acórdão Subdelegación del Gobierno en Ciudad Real, n.o 42.

( 17 ) Acórdão K.A. e o., n.o 65.

( 18 ) Acórdão K.A. e o., n.o 65.

( 19 ) Peyrl, J., «Kinderbetreuungsgeld für Drittstaatsangehörige, die aus der Kernbestandsdoktrin des EuGH ein Aufenthaltsrecht ableiten können», Das Recht der Arbeit, 3/2018, p. 236, refere que os requisitos impostos pela jurisprudência em matéria de prova do grau de dependência são menos estritos para os filhos menores do que para os adultos, tendo em conta a vulnerabilidade daqueles.

( 20 ) Acórdãos de 10 de maio de 2017, Chavez‑Vilchez e o. (C‑133/15, a seguir «Acórdão Chavez‑Vilchez e o., EU:C:2017:354, n.o 65), e de 11 de março de 2021, État belge (Regresso do progenitor de um menor) (C‑112/20, EU:C:2021:197, n.o 26).

( 21 ) Acórdãos Chavez‑Vilchez e o., n.o 68, e K.A. e o., n.o 70.

( 22 ) Acórdãos e Chavez‑Vilchez e o., n.o 70, e K.A. e o., n.o 71.

( 23 ) Acórdãos Chavez‑Vilchez e o., n.o 71, K.A. e o., n.o 72, e de 11 de março de 2021, État belge (Regresso do progenitor de um menor) (C‑112/20, EU:C:2021:197, n.o 27).

( 24 ) Acórdãos de 8 maio de 2013, Ymeraga e o. (C‑87/12, EU:C:2013:291, n.o 38), e K.A. e o., n.os 73 a 75.

( 25 ) V. n.o 43 das presentes conclusões.

( 26 ) Acórdão Subdelegación del Gobierno en Ciudad Real, n.o 33.

( 27 ) Acórdão Subdelegación del Gobierno en Ciudad Real, n.o 34.

( 28 ) V. n.os 52 a 56 das presentes conclusões.

( 29 ) V., neste sentido, Neier, C., «Residence right under Article 20 TFEU not dependent on sufficient resources: Subdelegación del Gobierno en Ciudad Real», Common Market Law Review, vol. 58 (2021) n.o 2, p. 566.

( 30 ) V. n.o 51 das presentes conclusões.

( 31 ) V. n.o 53 das presentes conclusões.

( 32 ) V. n.o 55 das presentes conclusões.

( 33 ) V. n.o 56 das presentes conclusões.

( 34 ) Van Eijken, H., e Phoa, P., «The scope of Article 20 TFEU clarified in Chavez‑Vilchez: Are the fundamental rights of minor EU citizens coming of age?», European Law Review, European Law Review, vol. 43, n.o 6, 2018, p. 969, referem que o Tribunal de Justiça criou um vínculo entre a cidadania da União e a Carta, o que pode ser interpretado como constituindo uma nova etapa para o desenvolvimento de um estatuto de cidadão mais supranacional e político, além das suas raízes económicas e transnacionais.

( 35 ) Di Comité, V., «Derecho de residencia de los progenitores nacionales de terceros Estados e interés superior del Niño “europeo”», Revista de derecho comunitario europeo, 12/2017, n.o 58, considera que a referência aos direitos fundamentais consagrados na Carta constitui um indício da importância crescente dos direitos da criança no direito da União e nomeadamente na jurisprudência do Tribunal de Justiça.

( 36 ) V., a este respeito, Réveillère, V., «La protection statutaire du citoyen: demeurer sur le territoire de l’Union (dans son État de nationalité)», Revue trimestrielle de droit européen, 11/2020, n.o 3, p. 721, que entende que, ao considerar, no n.o 48 do Acórdão Subdelegación del Gobierno en Ciudad Real, que os direitos do cidadão da União prevalecem sobre o interesse ligado à preservação das finanças públicas do Estado‑Membro em causa, o Tribunal de Justiça fez uma ponderação dos valores segundo o modelo do jurista e filosófico do direito Robert Alexy.

( 37 ) Acórdãos de 13 de setembro de 2016, CS (C‑304/14, EU:C:2016:674, n.o 36); de 13 de setembro de 2016, Rendón Marín (C‑165/14, EU:C:2016:675, n.o 81); e K.A. e o., n.o 90.

( 38 ) Acórdãos de 13 de setembro de 2016, CS (C‑304/14, EU:C:2016:674, n.os 37 a 39); de 13 de setembro de 2016, Rendón Marín (C‑165/14, EU:C:2016:675, n.os 82 a 83); e K.A. e o., n.o 91.

( 39 ) Acórdãos de 13 de setembro de 2016, CS (C‑304/14, EU:C:2016:674, n.o 41); de 13 de setembro de 2016, Rendón Marín (C‑165/14, EU:C:2016:675, n.o 85); e K.A. e o., n.o 92.

( 40 ) Acórdãos de 13 de setembro de 2016, CS (C‑304/14, EU:C:2016:674, n.o 41); de 13 de setembro de 2016, Rendón Marín (C‑165/14, EU:C:2016:675, n.o 85); e K.A. e o., n.o 93.

( 41 ) Acórdãos de 13 de setembro de 2016, CS (C‑304/14, EU:C:2016:674, n.o 42); de 13 de setembro de 2016, Rendón Marín (C‑165/14, EU:C:2016:675, n.o 86).); e K.A. e o., n.o 94.

( 42 ) V. Conclusões da advogada‑geral V. Trstenjak no processo Comissão/Portugal (C‑265/06, EU:C:2007:784, n.os 55 e 56), nas quais a advogada‑geral refere que a saúde e a vida das pessoas constituem «[valores] cuja proteção é o centro da prevenção dos acidentes rodoviários à escala da [União]».

( 43 ) V. Conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no processo Wiener Landesregierung e o. (Revogação da garantia de naturalização) (C‑118/20, EU:C:2021:530, n.os 111 a 113), nas quais o advogado‑geral considera que as infrações de trânsito não constituem uma ameaça real, atual e suficientemente grave para a ordem pública ou a segurança pública. O advogado‑geral considera que, de qualquer modo, seria desproporcionado privar um cidadão da União do gozo dos direitos que lhe confere esse estatuto pelo facto de este ter cometido contravenções ao Código da Estrada. V., também, neste sentido, Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Tjebbes e o. (C‑221/17, EU:C:2018:572, n.o 88).

( 44 ) V. n.o 19 das presentes conclusões.

( 45 ) Para efeitos de uma melhor compreensão do problema, importa precisar que a presente análise assenta na premissa de que a recusa das autoridades espanholas de concederem um direito de residência a XU implica a obrigação de este abandonar o território da União. A decisão de reenvio não contém informações precisas sobre a situação jurídica atual de XU, limitando‑se a referir que este «tinha obtido uma autorização de residência em Espanha» (v. n.o 19 das presentes conclusões) à época dos factos em que tinha emigrado da Venezuela com a mãe, isto é, em 2004. Esta interpretação dos factos é, no entanto, corroborada por vários indícios, nomeadamente pela referência à necessidade de reconhecer a XU um direito de residência a fim de evitar que a sua mãe abandone o território da União, seguida pelo seu filho menor e pelo seu marido, ambos nacionais espanhóis, quando ela própria já dispõe de um direito de residência em Espanha. Por conseguinte, é lógico supor que o estatuto jurídico atual de XU se caracteriza por uma certa precariedade.

( 46 ) Acórdãos Chavez‑Vilchez e o., n.o 63; K.A. e o., n.o 51; e Subdelegación del Gobierno en Ciudad Real, n.o 41.

( 47 ) Acórdãos de 7 de agosto de 2018, Smith (C‑122/17, EU:C:2018:631, n.o 34), e de 5 de dezembro de 2019, Centraal Justitieel Incassobureau (Reconhecimento e execução de sanções pecuniárias) (C‑671/18, EU:C:2019:1054, n.o 26).

( 48 ) Acórdão de 15 de novembro de 2011 (C‑256/11, EU:C:2011:734).

( 49 ) Acórdão de 15 de novembro de 2011, Dereci e o. (C‑256/11, EU:C:2011:734, n.os 48 e 49).

( 50 ) Acórdão de 6 de dezembro de 2012, O e o. (C‑356/11 e C‑357/11, EU:C:2012:776). O sublinhado é meu.

( 51 ) Acórdão de 6 de dezembro de 2012, O e o. (C‑356/11 e C‑357/11, EU:C:2012:776, n.o 69). O sublinhado é meu.

( 52 ) V. n.o 99 das presentes conclusões.

( 53 ) V. n.o 102 das presentes conclusões.

( 54 ) V., nomeadamente, a propósito destas condições e do exame individualizado que requerem, Acórdão de 3 de outubro de 2019, X (Residentes de longa duração — Recursos estáveis, regulares e suficientes) (C‑302/18, EU:C:2019:830, n.os 40 a 44).

( 55 ) V. n.o 62 das presentes conclusões.

( 56 ) À semelhança do processo C‑532/19, a atenção do órgão jurisdicional de reenvio focaliza‑se na relação entre os cônjuges, sem entrar nos detalhes da relação entre os filhos e os seus pais. De qualquer modo, já expliquei, no n.o 65 das presentes conclusões, que uma simples obrigação legal de coabitação, conforme prevista pelo direito espanhol, não é suficiente para daí inferir uma relação de dependência suscetível de dar origem a um direito de residência ao abrigo do artigo 20.o TFUE.

( 57 ) V. n.o 52 das presentes conclusões.

( 58 ) V. n.o 94 das presentes conclusões.

( 59 ) Acórdão de 8 de março de 2011, Ruiz Zambrano (C‑34/09, EU:C:2011:124).

( 60 ) V. n.o 113 das presentes conclusões.

( 61 ) Acórdão de 6 de dezembro de 2012, O e o. (C‑356/11 e C‑357/11, EU:C:2012:776, n.os 51, 56 e 57).

( 62 ) V. n.os 94 e 123 das presentes conclusões.

( 63 ) V. n.o 42 das presentes conclusões.

( 64 ) V. n.os 60 e 61 das presentes conclusões.

( 65 ) V. n.o 68 das presentes conclusões.

( 66 ) V. n.o 83 das presentes conclusões.

( 67 ) V. n.os 87 a 93 das presentes conclusões.

( 68 ) V. n.o 83 das presentes conclusões.

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