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Document 62019CC0120

Conclusões do advogado-geral E. Tanchev apresentadas em 28 de janeiro de 2021.
X contra College van burgemeester en wethouders van de gemeente Purmerend.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Raad van State (Países Baixos).
Reenvio prejudicial — Transporte terrestre de mercadorias perigosas — Diretiva 2008/68/CE — Artigo 5.o, n.o 1 — Conceito de “requisito de construção” — Proibição de prever requisitos de construção mais severos — Autoridade de um Estado‑Membro que impõe a uma estação de serviço a obrigação de se abastecer em gás de petróleo liquefeito (GPL) apenas por veículos‑cisterna que disponham de um revestimento térmico específico não previsto pelo Acordo Europeu relativo ao transporte internacional de mercadorias perigosas por estrada (ADR) — Ilicitude — Decisão inimpugnável por uma categoria de particulares — Possibilidade estritamente enquadrada de obter a anulação dessa decisão em caso de contradição manifesta com o direito da União — Princípio da segurança jurídica — Princípio da efetividade.
Processo C-120/19.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:78

 CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

EVGENI TANCHEV

apresentadas em 28 de janeiro de 2021 ( 1 )

Processo C‑120/19

X

sendo intervenientes:

College van burgemeester en wethouders van de gemeente Purmerend,

Tamoil Nederland BV

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos)]

«Reenvio prejudicial — Transporte de mercadorias perigosas — Conceito de “requisito de construção” — Requisito segundo o qual uma estação de serviço de GPL apenas pode receber GPL de veículos‑cisterna equipados com revestimento térmico — Acordos relativos ao referido revestimento térmico — Presunção de legalidade relativa ao referido requisito»

1.

O presente processo, conforme submetido ao Tribunal de Justiça, suscita duas questões distintas, uma que diz respeito à correta interpretação da Diretiva 2008/68/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 24 de setembro de 2008, relativa ao transporte terrestre de mercadorias perigosas ( 2 ), e, mais especificamente, dos seus artigos 1.o, n.o 5, e 5.o, n.o 1, e outra que se refere ao princípio da efetividade e aos limites que tal princípio estabelece às regras processuais dos Estados‑Membros. Estas questões surgiram no âmbito da impugnação de determinados requisitos impostos a uma estação de serviço de GPL no quadro de uma licença ambiental que exige que a estação de serviço de GPL apenas receba gás de petróleo liquefeito (a seguir «GPL») de veículos‑cisterna que cumprem determinados requisitos de segurança especiais. A primeira questão visa saber se estes requisitos são compatíveis com o direito da União e, em particular, com a Diretiva 2008/68. A segunda questão é relativa ao caráter executório de tais requisitos caso se conclua que os mesmos são incompatíveis com o direito da União.

I. Quadro jurídico

A.   Diretiva 2008/68

2.

O considerando 5 da Diretiva 2008/68 dispõe que o Acordo Europeu relativo ao Transporte Internacional de Mercadorias Perigosas por Estrada ( 3 ), o Regulamento relativo ao transporte internacional ferroviário de mercadorias perigosas e o Acordo Europeu relativo ao Transporte Internacional de Mercadorias Perigosas por Via Navegável Interior estabelecem regras uniformes para que o transporte internacional de mercadorias perigosas se efetue em segurança. Para harmonizar as condições de transporte de mercadorias perigosas na União e garantir o funcionamento do mercado comum de transportes, essas regras deverão ser aplicáveis ao transporte nacional.

3.

Além disso, o considerando 13 da Diretiva 2008/68 dispõe que os Estados‑Membros deverão ter o direito de aplicar regras mais severas às operações de transporte nacional efetuadas por meios de transporte matriculados ou colocados em circulação no seu território.

4.

O considerando 22 da Diretiva 2008/68 prevê que os objetivos da diretiva são garantir a aplicação uniforme de normas de segurança harmonizadas na União e um nível elevado de segurança nas operações de transporte nacional e internacional.

5.

O artigo 1.o da Diretiva 2008/68, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», estabelece:

«1.   A presente diretiva é aplicável ao transporte rodoviário […] num Estado‑Membro ou entre Estados‑Membros, incluindo as operações de carga e descarga […]

[…]

5.   Os Estados‑Membros podem regulamentar ou proibir, exclusivamente por motivos que não se prendam com a segurança durante o transporte, o transporte de mercadorias perigosas no seu território.»

6.

O artigo 3.o da Diretiva 2008/68, sob a epígrafe «Disposições gerais», estabelece:

«1.   Sem prejuízo do disposto no artigo 6.o, não é permitido transportar mercadorias perigosas cujo transporte seja proibido pela secção I.1 do anexo I […]

2.   Sem prejuízo das regras gerais de acesso ao mercado ou das disposições geralmente aplicáveis ao transporte de mercadorias, é autorizado o transporte de mercadorias perigosas nas condições estabelecidas na secção I.1 do anexo I […]».

7.

O artigo 5.o, intitulado «Restrições por razões de segurança do transporte», dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros podem, por razões de segurança do transporte, aplicar disposições mais severas, à exceção de requisitos de construção, ao transporte nacional de mercadorias perigosas em veículos, vagões e embarcações de navegação interior, matriculados ou colocados em circulação no seu território.»

8.

O ponto I.1 (ADR) do anexo I, intitulado «Transporte rodoviário», estabelece:

«Anexos A e B do ADR […] subentendendo‑se que o termo “parte contratante” é substituído por “Estado‑Membro”, conforme aplicável.»

B.   Acordo Europeu relativo ao Transporte Internacional de Mercadorias Perigosas por Estrada (ADR)

9.

Nos termos do ponto 1.2.1, intitulado «Definições», do anexo A do ADR, entende‑se por:

«“Gás de petróleo liquefeito (GPL)”, um gás liquefeito a baixa pressão composto por um ou mais hidrocarbonetos leves a que apenas são afetos os números ONU 1011, 1075, 1965, 1969 ou 1978, e que são constituídos maioritariamente por propano, propeno, butano, isómeros de butano, butano com traços de outros gases de hidrocarboneto;

[…]

“Revestimento protetor” (para cisternas), um revestimento ou uma cobertura que protege os materiais metálicos da cisterna contra as substâncias a transportar,

NOTA: Esta definição não é aplicável aos revestimentos ou às coberturas utilizados exclusivamente para proteger a substância a transportar.

[…]

“Reservatório” (para cisternas), a parte da cisterna que contém a matéria destinada ao transporte, incluindo as aberturas e os seus fechos, mas não inclui o equipamento de serviço e o equipamento de estrutura exterior;

[…]

“Cisterna”, um reservatório, munido dos seus equipamentos de serviço e de estrutura. […]

[…]

“Veículo‑cisterna”, um veículo construído para transportar líquidos, gases ou substâncias pulverulentas e que inclui uma ou mais cisternas fixas. Além do veículo propriamente dito ou dos elementos de trem móvel que façam as vezes dele, um veículo‑cisterna compreende um ou vários reservatórios, os seus equipamentos e os elementos de ligação ao veículo ou aos elementos do trem móvel;

[…]»

C.   Direito neerlandês

10.

O artigo 8:69a do Algemene wet bestuursrecht (Código Administrativo dos Países Baixos) tem a seguinte redação:

«Os tribunais administrativos não devem anular uma decisão com o fundamento de que é contrária a regras jurídicas escritas ou não escritas ou a princípios jurídicos gerais, sempre que estes não tenham manifestamente por objetivo a proteção dos interesses de quem os invoca.»

II. Matéria de facto, processo principal e questões prejudiciais

11.

O litígio no processo principal tem por objeto o recurso interposto por um residente (a seguir «X») da cidade neerlandesa Purmerend, tendo em vista impugnar determinados requisitos associados a uma licença ambiental concedida ao operador de uma estação de serviço de GPL. Segundo o despacho de reenvio, o objetivo final do processo judicial instaurado por X não é a eliminação de tais requisitos, mas antes a proibição da comercialização de GPL na estação de serviço de GPL. X está preocupado com as questões de segurança relacionadas com a comercialização de GPL num bairro residencial.

12.

A estação de serviço de GPL está autorizada a vender GPL desde 8 de novembro de 1977. Em 30 de março de 1998, o College van burgemeester en wethouders van de gemeente Purmerend (Câmara Municipal de Purmerend, Países Baixos) (a seguir «College») concedeu às instalações uma licença ao abrigo da Wet milieubeheer (Lei da Gestão do Ambiente dos Países Baixos). Esta licença foi depois disso várias vezes alterada. Em 18 de janeiro de 2016, foram acrescentados dois requisitos à licença ambiental relativos aos veículos utilizados para abastecer a estação de serviço de GPL com GPL. Um dos requisitos exigia que estes veículos estivessem equipados com revestimento térmico ( 4 ) e outro exigia que os veículos incluíssem um tubo de enchimento melhorado (e mais seguro). Segundo as observações apresentadas ao Tribunal de Justiça pelo College, estes requisitos adicionais foram acrescentados aos requisitos associados à licença ambiental a pedido do operador da estação de serviço de GPL, tendo em vista aumentar o nível de segurança da estação de serviço de GPL de modo a que pudesse manter a sua licença ambiental, cumprindo regras novas e mais rigorosas do que as que lhe eram anteriormente aplicáveis.

13.

Os requisitos adicionais foram impostos praticamente ao mesmo tempo em que o College analisou uma queixa apresentada por X contra a licença ambiental da estação de serviço de GPL. Segundo o College, a estação de serviço de GPL está legalmente obrigada a cumprir os requisitos adicionais, que reduzem o risco de catástrofe a um nível considerado aceitável.

14.

X pretende obter a anulação de dois requisitos incluídos na licença ambiental, nomeadamente, o requisito que exige que a estação de serviço de GPL só possa ser abastecida por veículos‑cisterna de GPL equipados com revestimento térmico e o requisito relativo ao tubo de enchimento do veículo‑cisterna de GPL. X não discorda dos requisitos em si mesmos, mas pede a sua anulação com o fundamento de que são inexecutáveis, por serem incompatíveis com o direito da União. O objetivo final da impugnação de X é a revogação da licença ambiental concedida à estação de serviço de GPL. Sem a segurança adicional proporcionada pelos requisitos, as distâncias de segurança necessárias face a objetos relativamente vulneráveis seriam maiores e a estação de serviço de GPL, devido à sua localização, não poderia cumpri‑las.

15.

Mais especificamente, X alegou, no processo perante o órgão jurisdicional de reenvio, que os dois requisitos são incompatíveis com a Diretiva 2008/68 e/ou com o artigo 34.o TFUE sendo, por conseguinte, inexecutáveis.

16.

O órgão jurisdicional de reenvio concluiu que, nos termos do direito neerlandês, o College não tem o direito de impor requisitos inexecutáveis à licença ambiental, e que X, enquanto vizinho da estação de serviço de GPL, tem interesse na exequibilidade dos requisitos. Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio considera que deve pronunciar‑se sobre o mérito da alegação de X segundo a qual os requisitos são inexecutáveis e, assim, proporcionam apenas a aparência de segurança.

17.

O órgão jurisdicional de reenvio considerou que o requisito relativo ao tubo de enchimento não viola as disposições da Diretiva 2008/68 e que, consequentemente, pode ser mantido. As questões prejudiciais não dizem respeito ao requisito do tubo de enchimento, mas o despacho de reenvio inclui, ainda assim, uma descrição detalhada do referido requisito.

18.

Nestas circunstâncias, o Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos) decidiu suspender a instância e submeter as seguintes questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça:

«1)

a)

Deve o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva [2008/68] ser interpretado no sentido de que se opõe a um requisito de segurança, incluído na licença da estação de serviço de GPL, que determina que a estação de serviço de GPL individual em causa só pode ser abastecida por veículos‑cisterna de GPL com um revestimento anticalor, quando esta obrigação não é diretamente imposta a um ou mais operadores de veículos‑cisterna de GPL?

b)

É relevante para a resposta à primeira questão o facto de o Estado‑Membro ter celebrado um acordo como o denominado “Acordo de Segurança sobre o [R]evestimento [A]nticalor dos [V]eículos‑[C]isterna de GPL” [Safety Deal hittewerende bekleding op LPG‑autogastankwagens] com empresas de operadores do mercado do setor do GPL (incluindo operadores de estações de serviço de GPL, produtores, vendedores e transportadores de GPL), no âmbito do qual as partes se comprometeram a aplicar o revestimento anticalor e, na sequência desse acordo, ter emitido uma circular como a “Circular relativa às distâncias dos efeitos em termos de segurança externa das estações de serviço de GPL para efeitos das decisões com consequências para os efeitos de um acidente” [Circulaire effectafstanden externe veiligheid LPG‑tankstations voor besluiten met gevolgen voor de effecten van een ongeval], que estabelece uma política de riscos complementar que parte do pressuposto de que as estações de serviço de GPL são abastecidas por veículos‑cisterna equipados com revestimento anticalor?

2)

a)

Se um órgão jurisdicional nacional […] apreciar a legalidade de uma decisão de execução que visa impor o cumprimento de um requisito de segurança que se tornou definitivo e que é incompatível com o direito da União:

permite o direito da União, e mais especificamente a jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre a autonomia processual nacional, que o órgão jurisdicional nacional presuma a legalidade de um tal requisito de segurança, salvo se este violar de forma evidente normas jurídicas de grau superior, como o direito da União? Em caso de resposta afirmativa, o direito da União sujeita esta exceção a condições (adicionais)?

ou resulta do direito da União, também tendo em conta os Acórdãos [de 29 de abril de 1999, Ciola (C‑224/97, EU:C:1999:212), e de 6 de abril de 2006, ED & F Man Sugar (C‑274/04, EU:C:2006:233)], que o órgão jurisdicional nacional deve deixar de aplicar tal requisito de segurança por violar o direito da União?

b)

É relevante para a resposta à [segunda questão, alínea a),] a questão de saber se a decisão de execução constitui uma medida corretiva (remedy) ou uma sanção punitiva (criminal charge)?»

19.

O College, os Governos alemão e neerlandês, bem como a Comissão Europeia, apresentaram observações escritas.

20.

Inicialmente, o Tribunal de Justiça colocou duas questões para resposta oral às partes que pretendiam participar na audiência prevista. Devido à pandemia da COVID‑19, a audiência foi cancelada e as duas questões colocadas às partes interessadas, nos termos do artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, passaram a ser para resposta escrita.

21.

As questões eram as seguintes:

«Nos termos do artigo 1.o, n.o 5, da Diretiva 2008/68, lido em conjugação com o artigo 5.o, n.o 1, da mesma diretiva, os Estados‑Membros são livres de impor requisitos mais rigorosos se a sua imposição for fundamentada por razões distintas da segurança dos transportes, como, por exemplo, a proteção do ambiente?

Em caso de resposta afirmativa, que consequências devem ser daí extraídas para efeitos da resposta à primeira questão prejudicial?»

22.

O College, os Governos alemão e neerlandês e a Comissão Europeia apresentaram respostas escritas às referidas questões.

III. Análise

A.   Primeira questão

1. Observações prévias sobre a primeira questão

23.

Com a primeira questão, alínea a), o órgão jurisdicional de reenvio pretende apenas obter esclarecimentos do Tribunal de Justiça relativamente à aplicação do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2008/68. No entanto, o que realmente preocupa o órgão jurisdicional de reenvio é a questão de saber se os requisitos impostos à licença ambiental relativos aos veículos‑cisterna de GPL através dos quais a estação de serviço de GPL em Purmerend pode ser abastecida, nomeadamente, os requisitos do revestimento térmico e do tubo de enchimento, são inexecutáveis por serem incompatíveis com o direito da União (e, mais especificamente, com as disposições da Diretiva 2008/68). Se estes requisitos forem inexecutáveis e a estação de serviço de GPL for efetivamente livre de aceitar entregas a partir de qualquer veículo‑cisterna de GPL que cumpra os requisitos de segurança previstos na Diretiva 2008/68, é possível que a estação de serviço de GPL em Purmerend não cumpra as normas de segurança exigidas pela legislação neerlandesa. Se os requisitos forem juridicamente vinculativos, afigura‑se — de acordo com o despacho de reenvio — que as normas de segurança exigidas para a estação de serviço de GPL podem ser respeitadas.

24.

O órgão jurisdicional de reenvio considerou que o requisito do tubo de enchimento não viola o direito da União e, por conseguinte, não pediu esclarecimentos sobre o mesmo. Não estou convencido de que esta conclusão seja correta, pelo que, a fim de fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio respostas úteis para a resolução das questões em causa no processo principal, darei ao Tribunal de Justiça a minha opinião sobre as orientações que poderão ser fornecidas ao órgão jurisdicional de reenvio também em relação a esse requisito.

25.

O órgão jurisdicional de reenvio, de forma bastante lógica, dividiu as suas questões em duas partes, designadamente, a primeira questão, alíneas a) e b), através da qual pretende saber se os requisitos são incompatíveis com o direito da União, e a segunda questão, alíneas a) e b), através da qual pretende saber se os requisitos podem ser exequíveis mesmo que, em substância, sejam incompatíveis com o direito da União, uma vez que a decisão que os impõe se tornou definitiva ao abrigo do direito processual neerlandês.

26.

Nas suas observações escritas, a Comissão sugeriu que o artigo 1.o, n.o 5, da Diretiva 2008/68 pode ser relevante no que diz respeito à questão de saber se os requisitos são admissíveis e o Tribunal de Justiça colocou às partes interessadas as duas questões referidas no n.o 21 das presentes conclusões, proporcionando‑lhes, assim, a possibilidade de se pronunciarem sobre essa matéria.

27.

De acordo com a estrutura e lógica da diretiva, abordarei, em primeiro lugar, os argumentos relativos ao artigo 1.o, n.o 5, tanto no que diz respeito ao requisito do revestimento térmico como no que diz respeito ao requisito do tubo de enchimento, procedendo, em seguida, à análise do artigo 5.o, n.o 1.

28.

A primeira questão, alínea b), é relativa ao eventual impacto do Acordo de Segurança ( 5 ) e da Circular ( 6 ) na resposta à primeira questão, alínea a). Irei abordar esta subquestão conjuntamente com a primeira questão, alínea a).

2. Objetivo da Diretiva 2008/68

29.

A Diretiva 2008/68 foi adotada para substituir as Diretivas 94/55/CE ( 7 ) e 96/49/CE ( 8 ) e criar um regime comum que abranja todos os modos de transporte terrestre de mercadorias perigosas (por estrada, caminho de ferro ou via navegável interior) ( 9 ). Para alcançar este objetivo, a Diretiva 2008/68 alarga as regras relativas ao transporte internacional de mercadorias perigosas previstas em três acordos internacionais ao transporte dentro e entre os Estados‑Membros, de modo a harmonizar as condições de transporte de mercadorias perigosas e «garantir o funcionamento do mercado comum de transportes» ( 10 ). Os objetivos da Diretiva 2008/68 são «garantir a aplicação uniforme de normas de segurança harmonizadas na [União]» e um «nível elevado de segurança nas operações de transporte nacional e internacional» ( 11 ).

3. Os requisitos (revestimento térmico e tubo de enchimento) vão além do que está previsto na diretiva e no ADR?

30.

As questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio pressupõem que a exigência de revestimento térmico prevista nos requisitos associados à licença ambiental para a estação de serviço de GPL em Purmerend vai além do que é geralmente exigido para os veículos‑cisterna de GPL ao abrigo da Diretiva 2008/68 e do ADR. A análise adicional que figura no despacho de reenvio relativamente ao tubo de enchimento pressupõe o mesmo. Se estes requisitos não fossem além do que é exigido pela diretiva, as questões prejudiciais seriam irrelevantes. Nenhuma das partes que apresentou observações defendeu o contrário. Decorre igualmente do despacho de reenvio que o Governo neerlandês não impôs o requisito do revestimento térmico equivalente previsto no Acordo de Segurança sob a forma de regras vinculativas e gerais aplicáveis a nível nacional, por receio de poder violar o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2008/68 ( 12 ).

31.

Por conseguinte, baseei a minha análise na premissa de que tanto o requisito do revestimento térmico como o requisito do tubo de enchimento vão além dos requisitos que um operador de um veículo‑cisterna de GPL deve cumprir para respeitar os requisitos da Diretiva 2008/68.

4. A Diretiva 2008/68 é aplicável aos requisitos de uma licença ambiental como a licença ambiental para a estação de serviço de GPL em Purmerend?

32.

Nas suas observações escritas, o Governo neerlandês e o College alegaram que os requisitos associados à licença ambiental para a estação de serviço em GPL em Purmerend não estão abrangidos pelo âmbito material da Diretiva 2008/68. Neste contexto, o College sublinhou que os requisitos associados à licença ambiental visam o operador da estação de serviço de GPL e não o transportador ou o operador dos veículos‑cisterna de GPL.

33.

O College sublinhou também que os requisitos associados a uma licença ambiental dizem respeito às atividades de uma «instalação» e que resulta da própria natureza desta licença a impossibilidade de serem impostos quaisquer requisitos de construção ou outros requisitos aplicáveis aos veículos‑cisterna de GPL.

34.

O College salientou igualmente que os requisitos associados à licença não são requisitos de caráter geral relativos à construção. Não dizem respeito a todos os veículos‑cisterna de GPL (independentemente do local onde foram matriculados ou colocados em circulação), nem a todas as estações de serviço de GPL dos Países Baixos. Apenas proíbem que o operador da estação de serviço de GPL em Purmerend seja abastecido por um veículo‑cisterna de GPL que não esteja equipado com o revestimento térmico exigido (e, importa acrescentar, com o tubo de enchimento exigido).

35.

O College observou igualmente que os dois requisitos relativos ao revestimento térmico e ao tubo de enchimento foram impostos a pedido do operador da estação de serviço de GPL.

36.

Em meu entender, nenhum destes argumentos é convincente.

37.

Nos termos do considerando 22 do preâmbulo, a Diretiva 2008/68 prossegue dois objetivos, designadamente «garantir a aplicação uniforme de normas de segurança harmonizadas na [União]» e garantir um «nível elevado de segurança nas operações de transporte nacional e internacional». Para o efeito, recorre, no essencial, às regras de três acordos internacionais sobre o transporte internacional de mercadorias perigosas e alarga‑as de modo a abrangerem o transporte terrestre de tais mercadorias na União ( 13 ), embora com determinadas exceções limitadas. No caso em apreço, dos três acordos internacionais, apenas o ADR é relevante.

38.

No artigo 3.o, n.o 2, a Diretiva 2008/68 impõe aos Estados‑Membros o dever de autorizarem o transporte de mercadorias perigosas segundo as condições estabelecidas na diretiva.

39.

A licença ambiental concedida pelo College à estação de serviço de GPL em Purmerend e os requisitos associados à mesma são manifestamente atos jurídicos de uma autoridade pública descentralizada. Os requisitos associados à licença ambiental têm por efeito limitar os veículos que de facto podem prestar serviços à estação de serviço de GPL, obrigando o operador da estação de serviço de GPL a não receber entregas efetuadas por veículos‑cisterna que — apesar de serem totalmente conformes aos requisitos da Diretiva 2008/68 — não cumprem estes requisitos adicionais. Neste contexto, o facto de a licença ambiental ser uma decisão administrativa específica e individual é irrelevante ( 14 ).

40.

Por conseguinte, os requisitos da licença ambiental, na medida em que vão além das exigências previstas na Diretiva 2008/68, são incompatíveis com a diretiva, a menos que sejam justificáveis por alguma das disposições da Diretiva 2008/68 que confere aos Estados‑Membros o poder discricionário de adotar medidas mais rigorosas. Por conseguinte, se isto não suceder, estes requisitos não devem, à partida, poder ser aplicados pelas autoridades neerlandesas.

5. O artigo 34.o TFUE é relevante para a resposta à primeira questão?

41.

Conforme o Governo alemão observou no n.o 34 das suas observações, a Diretiva 2008/68 deve, no que diz respeito aos requisitos de segurança aplicáveis a veículos‑cisterna de GPL, ser entendida no sentido de que prevê uma harmonização exaustiva a nível da União. Assim, há que apreciar a questão da compatibilidade dos dois requisitos da licença ambiental à luz das disposições da diretiva e não à luz do direito primário ( 15 ). Por conseguinte, não é necessário analisar os requisitos nem as exigências que os mesmos impõem à luz do artigo 34.o TFUE. Em todo o caso, nas questões prejudiciais não são pedidos esclarecimentos a este respeito.

6. Artigo 1.o, n.o 5, da Diretiva 2008/68

42.

Nas suas observações escritas, a Comissão alegou que os requisitos previstos poderiam ser admissíveis ao abrigo do artigo 1.o, n.o 5, da Diretiva 2008/68, desde que tivessem sido estabelecidos por razões distintas da segurança do transporte. Na sua resposta escrita às questões colocadas pelo Tribunal de Justiça, o Governo alemão afirmou que discordava desse entendimento, ao passo que, nas suas respostas, o College e o Governo neerlandês afirmaram estar a seu favor.

43.

Na sua resposta, o Governo alemão alegou que o objetivo da exceção prevista no artigo 1.o, n.o 5, consiste em permitir que as autoridades nacionais imponham limitações à passagem, como limitações à passagem através de áreas protegidas, por razões como a segurança nacional ou a proteção ambiental. Fê‑lo com base numa interpretação literal do texto da disposição, que permite aos Estados‑Membros regular ou proibir o «transporte» ( 16 ) (enquanto ato de transporte das mercadorias em causa) no seu território nacional, e salientou que, em seu entender, esta disposição não é suscetível de justificar requisitos de construção na aceção do artigo 5.o, n.o 1.

44.

Na sua resposta, o College alegou que as razões da inclusão dos referidos requisitos eram proteger o ambiente e salvaguardar a segurança no exterior da estação de serviço de GPL, que se situa numa zona residencial, e que, em seu entender, estes motivos eram distintos da segurança dos transportes.

45.

Em primeiro lugar, importa salientar que o artigo 1.o, n.o 5, e o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2008/68, em conjugação, preveem as circunstâncias em que os Estados‑Membros podem, respetivamente, «regulamentar ou proibir» o transporte de mercadorias perigosas no seu território por «motivos que não se prendam com a segurança durante o transporte», ou aplicar «restrições por razões de segurança do transporte». Assim, o artigo 1.o, n.o 5, prevê o que os Estados‑Membros podem fazer no âmbito da diretiva por «motivos que não se prendam com a segurança durante o transporte» e o artigo 5.o, n.o 1, faz o mesmo em relação às restrições que os Estados‑Membros podem impor «por razões de segurança do transporte».

46.

A discricionariedade dos Estados‑Membros para regulamentarem ou proibirem o transporte de mercadorias perigosas nos termos do artigo 1.o, n.o 5, da Diretiva 2008/68 constitui uma exceção à regra geral prevista no artigo 3.o, n.os 1 e 2, nos termos do qual não é permitido transportar mercadorias perigosas cujo transporte seja proibido pelos anexos relevantes da diretiva e o transporte de tais mercadorias é autorizado se as condições estabelecidas nos referidos anexos forem respeitadas. Enquanto exceção à regra geral, a discricionariedade dos Estados‑Membros ao abrigo do artigo 1.o, n.o 5, deve ser interpretada de forma restritiva. Esta conclusão é claramente apoiada pela redação do artigo 1.o, n.o 5, segundo a qual, para serem admitidas ao abrigo desta disposição, as regulamentações ou proibições têm de ter sido estabelecidas exclusivamente por motivos que não se prendam com a segurança durante o transporte. De acordo com a linguagem clara utilizada no artigo 1.o, n.o 5, as regulamentações ou proibições parcialmente previstas por motivos que se prendam com a segurança durante o transporte não podem ser abrangidas pela exceção prevista nesta disposição.

47.

Este raciocínio é apoiado pelos argumentos referidos no n.o 43 das presentes conclusões. Se o artigo 1.o, n.o 5, visa, no essencial, conferir aos Estados‑Membros a discricionariedade de proibirem ou regulamentarem o transporte de mercadorias perigosas através de áreas particularmente sensíveis, conforme é possível alegar com base no considerando 11 da Diretiva 2008/68 ( 17 ), então o modificador «exclusivamente» parece estar bem colocado. Quando um Estado‑Membro decide restringir a utilização de um determinado itinerário, por exemplo, através de uma área ambientalmente protegida ou de uma área densamente povoada, trata‑se de uma proibição que assenta «exclusivamente» em motivos que não se prendem com a segurança durante o transporte. A segurança do transporte, por si só, não seria afetada pelo simples facto de ser obrigatório seguir outro itinerário, mas o ambiente pode ser protegido do risco inerente a qualquer transporte de mercadorias perigosas. Estes tipos de medidas também não distorcem nem dividem o mercado interno no que diz respeito ao transporte de mercadorias perigosas.

48.

Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se os requisitos relativos à licença ambiental para a estação de serviço de GPL em Purmerend foram estabelecidos «exclusivamente por motivos que não se prendam com a segurança durante o transporte». No entanto, é difícil imaginar um caso mais emblemático de regulamentações de segurança de transporte do que os requisitos de construção de veículos‑cisterna de GPL destinados a retardar ou evitar a explosão do vapor de expansão de um líquido sob pressão em caso de acidente relacionado com um incêndio.

49.

De igual modo, é difícil imaginar como é que se pode entender que o requisito segundo o qual deve ser utilizado um tubo de enchimento mais seguro poderia ser estabelecido exclusivamente por motivos que não se prendem com a segurança durante o transporte, quando o «transporte» inclui especificamente as «operações de carga e descarga» da mercadoria ( 18 ). O objetivo declarado da inclusão dos dois requisitos era reduzir o risco de catástrofe no contexto de operações — entrega de GPL — que consistem em conduzir os veículos‑cisterna até ao local em causa, descarregar o GPL e seguir viagem, operações que estão plenamente abrangidas pelo âmbito do «transporte», na aceção em que este termo é utilizado para efeitos da Diretiva 2008/68.

50.

O simples facto de os requisitos em causa terem sido impostos no contexto de uma licença ambiental destinada a proteger os arredores da estação de serviço de GPL em Purmerend não pode, em meu entender, alterar a substância daquilo que os requisitos exigem. Estes são unicamente aplicáveis ao transporte rodoviário para a estação de serviço de GPL e à descarga de GPL efetuada por veículos‑cisterna e têm manifestamente por objetivo evitar acidentes ou limitar as consequências dos mesmos, durante o transporte, incluindo durante a descarga da mercadoria. Esta operação está claramente abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/68 e a identificação ou introdução de restrições não é suscetível, em meu entender, de alterar a sua natureza.

51.

O órgão jurisdicional de reenvio perguntou especificamente se o Acordo de Segurança, que o Governo neerlandês celebrou com os participantes no mercado da indústria de GPL, influencia a resposta à primeira questão, alínea a).

52.

Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a existência paralela de compromissos que produzem efeitos iguais ou semelhantes aos dos requisitos associados à licença ambiental para a estação de serviço de GPL em Purmerend, assumidos pelos operadores no mercado de GPL nos Países Baixos sob a forma de um acordo de direito privado, pode alterar de alguma forma a natureza dos requisitos impostos pela licença ambiental. Em meu entender, a existência paralela de deveres de direito privado não é suscetível de alterar a natureza de direito público dos requisitos associados à licença ambiental para a estação de serviço de GPL, nem a obrigação de as autoridades neerlandesas respeitarem a Diretiva 2008/68.

53.

Por estas razões, considero que o artigo 1.o, n.o 5, da Diretiva 2008/68 não confere qualquer poder discricionário aos Estados‑Membros para imporem exigências de segurança, tais como as exigências relativas ao revestimento térmico e ao tubo de enchimento que figuram nos requisitos adicionais associados à licença ambiental, que vão além do exigido pela Diretiva 2008/68.

7. Artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2008/68

54.

O artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2008/68 permite aos Estados‑Membros «aplicar disposições mais severas» por razões de segurança do transporte em determinadas circunstâncias limitadas. As disposições mais severas têm de dizer respeito ao «transporte nacional» de mercadorias perigosas efetuado por veículos «matriculados ou colocados em circulação no seu território», sendo que estas disposições não devem ser «requisitos de construção».

55.

É evidente que os requisitos associados à licença ambiental para a estação de serviço de GPL em Purmerend, tal como são descritos no despacho de reenvio, impõem exigências não apenas aos veículos utilizados no transporte nacional mas também aos veículos utilizados no transporte transfronteiriço que entregam GPL à estação de serviço de GPL. Os requisitos são igualmente aplicáveis a ambos. De igual modo, estes requisitos são aplicáveis não só aos veículos «matriculados ou colocados em circulação» nos Países Baixos mas também independentemente do país onde o veículo se encontra matriculado. Desde já por estas razões, os requisitos associados à licença ambiental referentes tanto ao revestimento térmico como ao tubo de enchimento não se afiguram admissíveis à luz do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 2008/68.

56.

No entanto, na sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio centrou‑se numa questão distinta que consistia em saber se os requisitos da licença ambiental para a estação de serviço de GPL em Purmerend violam a Diretiva 2008/68, uma vez que são «requisitos de construção» e não, consequentemente, «disposições mais severas» que os Países Baixos poderiam legitimamente impor ao abrigo da exceção prevista no artigo 5.o, n.o 1, caso a sua aplicação se limitasse ao transporte nacional efetuado por veículos matriculados ou colocados em circulação nos Países Baixos. O órgão jurisdicional de reenvio concluiu que o requisito do tubo de enchimento não era, nesse sentido, um «requisito de construção» e solicitou ao Tribunal de Justiça esclarecimentos quanto à questão saber se o requisito do revestimento térmico deve ser entendido como um «requisito de construção» nos termos dessa disposição.

57.

O artigo 5.o, n.o 1, não especifica o significado de «requisitos de construção». Essa disposição também não especifica nem limita o tipo de objetos a que estes «requisitos de construção» se devem referir. Resulta do considerando 16 da Diretiva 2008/68 que os «requisitos de construção» podem dizer respeito quer a «meios de transporte» quer a «equipamento», não fornecendo qualquer esclarecimento adicional sobre o significado de «equipamento».

58.

No entanto, é lógico que a proibição de requisitos de construção «mais severos» abranja, pelo menos, o tipo de meios de transporte e equipamentos em relação aos quais o ADR impõe «requisitos de construção» ou «requisitos» relativos à sua «construção».

59.

Afigura‑se que um «requisito de construção» é, no que diz respeito ao revestimento térmico e ao tubo de enchimento, um requisito relativo à construção do equipamento, ou seja, um requisito relativo à conceção, produção e especificações que o equipamento deve cumprir ( 19 ). A título de exemplo, o ponto 6.7.2.2 do anexo A do ADR estabelece «[p]rescrições gerais relativas à conceção e à construção» para reservatórios, incluindo prescrições relativas a um eventual «revestimento» de tais reservatórios ( 20 ). Um requisito segundo o qual o reservatório de um veículo‑cisterna de GPL deve estar equipado com revestimento térmico ou revestimento anticalor que cumpra determinados critérios técnicos deve, evidentemente, ser qualificado de «requisito de construção» nesse sentido.

60.

A título de exemplo suplementar, o ponto 6.2.1.3.1 do anexo A do ADR exige que determinado equipamento de serviço, como «válvulas, tubagens e outros equipamentos sujeitos a pressão», seja «concebido e construído» de modo a cumprir determinados requisitos relativos à pressão de rebentamento. Tais requisitos são «requisitos de construção» na aceção natural desta expressão no que diz respeito a esse «equipamento de serviço», pelo que constituem especificações técnicas adicionais relativas tanto ao reservatório de GPL como ao tubo de enchimento de um veículo‑cisterna de GPL.

61.

Por conseguinte, considero que requisitos de construção aplicáveis a veículos‑cisterna de GPL, tais como o requisito do revestimento térmico ou do tubo de enchimento especial, que vão além do exigido pela Diretiva 2008/68 e que são estabelecidos, pelo menos parcialmente, por razões de segurança durante o transporte (incluindo cargas e descargas) são contrários às obrigações que a diretiva impõe aos Estados‑Membros.

B.   Segunda questão

62.

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, no essencial, obter esclarecimentos sobre as consequências resultantes da ilegalidade, com base no direito da União, dos requisitos adicionais relativos à construção de cisternas de GPL que abastecem a estação de serviço de GPL em Purmerend. Uma vez que tanto o requisito do revestimento térmico como o requisito do tubo de enchimento são incompatíveis com o direito da União, a segunda questão aplica‑se igualmente a estes requisitos.

63.

O órgão jurisdicional de reenvio é confrontado com uma situação em que — nos termos do direito neerlandês — X pode ter fundamento para exigir a supressão dos requisitos da licença ambiental se estes não forem exequíveis, o que, por sua vez, pode significar que a licença ambiental já não se justifica e pode ter de ser revogada ( 21 ).

64.

Por conseguinte, a questão que o órgão jurisdicional de reenvio pretende esclarecer não é se o direito da União exige que as autoridades do referido Estado‑Membro reabram e reapreciem a decisão que impôs os requisitos adicionais à licença ambiental ou a decisão que concedeu a licença ambiental em primeiro lugar. Esta obrigação de reabrir uma decisão administrativa incompatível com o direito da União pode surgir em determinadas circunstâncias, conforme esclarece a jurisprudência do Tribunal de Justiça, nomeadamente, os Acórdãos Kühne & Heitz ( 22 ), i21 Germany e Arcor ( 23 ) e Kempter ( 24 ). No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio, na sua segunda questão, pergunta especificamente como deve proceder quando «apreci[a] a legalidade de uma decisão de execução» ( 25 ), e não como deve proceder quando examina a validade da própria licença ambiental.

65.

Assim, a questão que o órgão jurisdicional de reenvio pretende esclarecer é outra, nomeadamente, saber se os requisitos adicionais podem ser exequíveis, mesmo que sejam incompatíveis com o direito da União, uma vez que a decisão que os impõe deixou de poder ser impugnada ao abrigo do direito processual nacional. Uma medida de execução implica necessariamente, em primeiro lugar, uma violação dos requisitos em causa e, posteriormente, alguma nova forma de ação ou decisão em nome das autoridades competentes, que imponha um qualquer tipo de sanção ou outra consequência de natureza coerciva.

66.

Conforme o Tribunal de Justiça já salientou, nomeadamente, no Acórdão Ciola, estão sujeitos às obrigações decorrentes do primado do direito da União todos os órgãos da administração, incluindo as autoridades descentralizadas e estão abrangidas por estas obrigações as decisões administrativas individuais e concretas ( 26 ). Com base no exposto, o Tribunal de Justiça concluiu, no Acórdão Ciola, que uma proibição imposta por uma decisão administrativa individual e concreta definitiva, mas que era incompatível com o direito da União, tinha de ser afastada aquando da apreciação da validade de uma multa que punia o desrespeito da referida proibição.

67.

No presente processo, tal como no processo Ciola, não é o destino do próprio ato administrativo que está em causa, mas a questão de saber se os requisitos previstos neste ato e que são incompatíveis com o direito da União podem ser invocados em atos administrativos posteriores ou em decisões de execução, ou se os mesmos não devem ser tidos em conta na apreciação da validade de uma sanção — ou, eventualmente, de uma ação de execução sob a forma de uma medida corretiva — imposta por incumprimento de tais requisitos ( 27 ). O Tribunal de Justiça, no seu Acórdão ED & F Man Sugar ( 28 ), recordou que a sanção deve assentar numa base legal clara e inequívoca e declarou, no contexto de restituições à exportação, que os princípios da legalidade e da segurança jurídica exigem que as autoridades e os órgãos jurisdicionais nacionais que fiscalizam a legalidade de uma decisão sancionatória (ou seja, uma decisão de execução) podem examinar a base factual da decisão de recuperação subjacente, mesmo que esta se tenha tornado definitiva ( 29 ).

68.

O órgão jurisdicional de reenvio perguntou especificamente se o caráter da decisão de execução enquanto medida corretiva ou sanção punitiva é relevante. Não considero que seja ou deva ser. Qualquer nova decisão com vista à imposição de requisitos que violem o direito da União deve ser proibida, independentemente de ter caráter punitivo ou objetivos de reparação. A este respeito, considero que os Acórdãos E.B. ( 30 ) e Fallimento Olimpiclub ( 31 ) do Tribunal de Justiça são esclarecedores.

69.

No Acórdão Fallimento Olimpiclub, o Tribunal de Justiça declarou, no âmbito de um litígio em matéria de IVA, que o direito da União «não obriga um órgão jurisdicional nacional a deixar de aplicar as regras processuais internas que conferem autoridade de caso julgado a uma decisão, mesmo que isso permita obviar a uma violação do direito [da União] pela decisão em causa» ( 32 ). No entanto, as regras nacionais que conferiram autoridade de caso julgado à decisão de infração, assim como a outras decisões relativas a outros exercícios fiscais respeitantes a uma matéria regulada de uma forma que viola a legislação da União, foram proibidas pelo direito da União ( 33 ). Por outras palavras, a decisão inicial pode ser mantida, mas não pode ser fundamento de decisões futuras.

70.

No processo E.B., estava em causa a situação de um funcionário da polícia que foi compulsivamente reformado por decisão administrativa disciplinar em 1975, após ter sido condenado por tentativa de atentado ao pudor de caráter homossexual. A decisão também reduziu em 25 % os pagamentos de pensão que, caso contrário, E.B. teria direito a receber. Tendo em conta que a decisão inicial de reduzir os pagamentos de pensões de E.B. seria incompatível com a Diretiva 2000/78/CE ( 34 ), caso tivesse sido aplicada, o Tribunal de Justiça declarou que o órgão jurisdicional nacional não estava obrigado a rever a decisão disciplinar definitiva que estabeleceu a reforma antecipada de E.B, mas tinha de rever a redução do seu direito à pensão, a fim de calcular o montante que teria recebido se os direitos de que é titular ao abrigo do direito da União (nomeadamente, o direito de não ser discriminado em função da orientação sexual) não tivessem sido violados.

71.

Em ambos os processos, a decisão judicial ou administrativa inicial foi mantida, mas não se permitiu que servisse de fundamento a decisões judiciais posteriores (Fallimento Olimpiclub) ou que determinasse os direitos à pensão permanentes de um funcionário público que tenha sido objeto de uma ação disciplinar (E.B.). Assim, o Tribunal de Justiça estabeleceu uma distinção entre a necessidade de segurança jurídica no que diz respeito às decisões iniciais e definitivas que já não podem ser impugnadas e a necessidade de salvaguardar o princípio da legalidade relativamente às decisões posteriores ou às consequências permanentes das decisões iniciais. Por conseguinte, considero que ações ou decisões destinadas a fazer cumprir os requisitos relativos ao revestimento térmico e ao tubo de enchimento são inadmissíveis à luz do direito da União.

IV. Conclusão

72.

Tendo em consideração o exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda o seguinte às questões do órgão jurisdicional de reenvio:

1)

A Diretiva 2008/68/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de setembro de 2008, relativa ao transporte terrestre de mercadorias perigosas, deve ser interpretada no sentido de que requisitos de construção aplicáveis a veículos‑cisterna de GPL, tais como o requisito do revestimento térmico ou do tubo de enchimento especial, que vão além do exigido pela diretiva e que são estabelecidos, pelo menos parcialmente, por razões de segurança durante o transporte (incluindo cargas e descargas) são contrários às obrigações que a diretiva impõe aos Estados‑Membros.

2)

O direito da União, nomeadamente a jurisprudência do Tribunal de Justiça resultante do Acórdão Ciola, proíbe um órgão jurisdicional ou uma autoridade administrativa nacional de impor requisitos aplicáveis a uma decisão administrativa de concessão de uma licença ambiental, tais como o requisito do revestimento térmico e o requisito do tubo de enchimento, que sejam incompatíveis com o direito da União, mesmo que a decisão, em si mesma, possa ser mantida.


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) JO 2008, L 260, p. 13.

( 3 ) Acordo Europeu relativo ao Transporte Internacional de Mercadorias Perigosas por Estrada (ADR), concluído em Genebra, em 30 de setembro de 1957, no âmbito da Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa.

( 4 ) Em neerlandês: «hittewerende bekleding».

( 5 ) Safety Deal hittewerende bekleding op LPG‑autogastankwagens (Acordo de Segurança sobre o Revestimento Anticalor dos Veículos‑Cisterna de GPL, a seguir «Acordo de Segurança»).

( 6 ) Circulaire effectafstanden externe veiligheid LPG‑tankstations voor besluiten met gevolgen voor de effecten van een ongeval (Circular relativa às Distâncias dos Efeitos em Termos de Segurança Externa das Estações de Serviço de GPL para Efeitos das Decisões com Consequências para os Efeitos de um Acidente, a seguir «Circular»).

( 7 ) Diretiva 94/55/CE do Conselho, de 21 de novembro de 1994, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao transporte rodoviário de mercadorias perigosas (JO 1994, L 319, p. 7).

( 8 ) Diretiva 96/49/CE do Conselho, de 23 de julho de 1996, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao transporte ferroviário de mercadorias perigosas (JO 1996, L 235, p. 25).

( 9 ) V. considerando 3 da Diretiva 2008/68.

( 10 ) V. artigo 1.o, n.o 1, e considerando 5 da Diretiva 2008/68.

( 11 ) V. considerando 22 da Diretiva 2008/68.

( 12 ) V. despacho de reenvio, n.o 44.

( 13 ) V. considerandos 4 e 5 da diretiva.

( 14 ) V. Acórdão de 29 de abril de 1999, Ciola (C‑224/97, EU:C:1999:212, n.os 32 e 33).

( 15 ) V., neste sentido, Acórdãos de 17 de junho de 2007, AGM‑COS.MET (C‑470/03, EU:C:2007:213, n.o 50), e de 1 de julho de 2014, Ålands Vindkraft (C‑573/12, EU:C:2014:2037, n.o 57).

( 16 ) Em alemão: «Beförderung».

( 17 ) O considerando 11 da Diretiva 2008/68 estabelece que «[c]ada Estado‑Membro deverá ter o direito de regulamentar ou proibir o transporte de mercadorias perigosas no seu território, por razões distintas da segurança, como sejam as razões de segurança nacional ou de proteção do ambiente».

( 18 ) Artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2008/68.

( 19 ) V., por exemplo, declaração no anexo A do ADR que figura no ponto 4.3.2.3.2, relativo aos requisitos sobre a espessura da parede do reservatório, segundo a qual os «contentores‑cisterna e CGEM» não precisam de ser protegidos de uma forma especial se, «incluindo os equipamentos de serviço, forem construídos» para resistirem a choques ou a capotamentos.

( 20 ) V., por exemplo, pontos 6.7.2.2.4 e 6.7.2.2.5. Embora o ADR se refira «à conceção e à construção», estes dois aspetos do equipamento em causa são logicamente indissociáveis para o efeito. Não é possível «construir» sem «conceber».

( 21 ) Não me pronuncio sobre nenhuma dessas questões de direito nacional.

( 22 ) Acórdão de 13 de janeiro de 2004, Kühne & Heitz (C‑453/00, EU:C:2004:17).

( 23 ) Acórdão de 19 de setembro de 2006, i‑21 Germany e Arcor (C‑392/04 e C‑422/04, EU:C:2006:586).

( 24 ) Acórdão de 12 de fevereiro de 2008, Kempter (C‑2/06, EU:C:2008:78).

( 25 ) Sublinhado nosso.

( 26 ) Acórdão de 29 de abril de 1999, Ciola (C‑224/97, EU:C:1999:212, n.os 30 a 33).

( 27 ) Acórdão de 29 de abril de 1999, Ciola (C‑224/97, EU:C:1999:212, n.o 25).

( 28 ) Acórdão de 6 de abril de 2006, ED & F Man Sugar (C‑274/04, EU:C:2006:233, n.o 15).

( 29 ) Acórdão de 6 de abril de 2006, ED & F Man Sugar (C‑274/04, EU:C:2006:233, n.o 18).

( 30 ) Acórdão de 15 de janeiro de 2019, E.B. (C‑258/17, EU:C:2019:17).

( 31 ) Acórdão de 3 de setembro de 2009, Fallimento Olimpiclub (C‑2/08, EU:C:2009:506).

( 32 ) Acórdão de 3 de setembro de 2009, Fallimento Olimpiclub (C‑2/08, EU:C:2009:506, n.o 23).

( 33 ) Acórdão de 3 de setembro de 2009, Fallimento Olimpiclub (C‑2/08, EU:C:2009:506, parte decisória).

( 34 ) Diretiva do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional (JO 2000, L 303, p. 16).

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