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Document 62018TO0125

Despacho do Tribunal Geral (Primeira Secção) de 14 de fevereiro de 2019.
Associazione Nazionale GranoSalus - Liberi Cerealicoltori & Consumatori (Associazione GranoSalus) contra Comissão Europeia.
Recurso de anulação — Produtos fitofarmacêuticos — Substância ativa glifosato — Renovação da inclusão no anexo do Regulamento de Execução (UE) n.o 540/2011 — Falta de afetação individual — Ato regulamentar que inclui medidas de execução — Inadmissibilidade.
Processo T-125/18.

ECLI identifier: ECLI:EU:T:2019:92

DESPACHO DO TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

14 de fevereiro de 2019 ( *1 )

«Recurso de anulação — Produtos fitofarmacêuticos — Substância ativa glifosato — Renovação da inclusão no anexo do Regulamento de Execução (UE) n.o 540/2011 — Falta de afetação individual — Ato regulamentar que inclui medidas de execução — Inadmissibilidade»

No processo T‑125/18,

Associazione Nazionale Granosalus — Liberi Cerealicoltori & Consumatori (Associazione GranoSalus), com sede em Foggia (Itália), representada por G. Dalfino, advogado,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por F. Castillo de la Torre, D. Bianchi, G. Koleva e I. Naglis, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido nos termos do artigo 263.o TFUE, destinado a obter a anulação do Regulamento de Execução (UE) 2017/2324 da Comissão, de 12 de dezembro de 2017, que renova a aprovação da substância ativa glifosato em conformidade com o Regulamento (CE) n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado e que altera o anexo do Regulamento de Execução (UE) n.o 540/2011 da Comissão (JO 2017, L 333, p. 10),

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção),

composto por: I. Pelikánová, presidente, P. Nihoul (relator) e J. Svenningsen, juízes,

secretário: E. Coulon,

profere o seguinte

Despacho

Antecedentes do litígio

1

O glifosato é uma substância ativa utilizada nomeadamente como herbicida.

2

O glifosato foi «autorizado» para a utilização referida no n.o 1, supra, pela primeira vez, na União Europeia, com a sua inclusão na lista de substâncias ativas do anexo I da Diretiva 91/414/CEE do Conselho, de 15 de julho de 1991, relativa à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado (JO 1991, L 230, p. 1).

3

O aditamento do glifosato no fim do quadro do anexo I da Diretiva 91/414 foi efetuado pela Diretiva 2001/99/CE da Comissão, de 20 de novembro de 2001, que altera o anexo I da Diretiva 91/414 com o objetivo de incluir as substâncias ativas glifosato e tifensulfurão‑metilo (JO 2001, L 304, p. 14).

4

Nos termos da Diretiva 2001/99, o glifosato foi «autorizado», como substância ativa, de 1 de julho de 2002 a 30 de junho de 2012.

5

O artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 91/414 previa que a inclusão de uma substância ativa podia ser renovada, a pedido, desde que esse pedido fosse feito o mais tardar dois anos antes do termo do período de inscrição.

6

A Comissão Europeia recebeu um pedido de renovação relativo ao glifosato no prazo fixado.

7

No entanto, verificou‑se que deviam ainda ser adotadas normas pormenorizadas referentes à submissão e à avaliação das informações complementares necessárias à renovação das substâncias ativas.

8

Por conseguinte, a inclusão do glifosato prorrogada até 31 de dezembro de 2015 pela Diretiva 2010/77/UE da Comissão, de 10 de novembro de 2010, que altera a Diretiva 91/414 no que diz respeito à data de termo da inclusão de determinadas substâncias ativas no anexo I (JO 2010, L 293, p. 48).

9

Em seguida, a Diretiva 91/414 foi substituída, com efeitos a 14 de junho de 2011, pelo Regulamento (CE) n.o 1107/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de outubro de 2009, relativo à colocação dos produtos fitofarmacêuticos no mercado e que revoga as Diretivas 79/117/CEE e 91/414 do Conselho (JO 2009, L 309, p. 1).

10

As substâncias ativas consideradas aprovadas nos termos do Regulamento n.o 1107/2009 encontram‑se enumeradas no anexo do Regulamento de Execução (UE) n.o 540/2011 da Comissão, de 25 de maio de 2011, que dá execução ao Regulamento (CE) n.o 1107/2009 no que diz respeito à lista de substâncias ativas aprovadas (JO 2011, L 153, p. 1).

11

O glifosato surge na lista que consta do anexo do Regulamento de Execução n.o 540/2011. A data de termo do período de aprovação desta substância ativa foi fixada em 31 de dezembro de 2015.

12

Em 20 de dezembro de 2013, a República Federal da Alemanha, na qualidade de Estado‑Membro relator, apresentou, em colaboração com a República Eslovaca, na qualidade de Estado‑Membro correlator, o projeto de relatório de avaliação da renovação da aprovação do glifosato.

13

A Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) transmitiu o projeto de relatório de avaliação em causa ao requerente e aos Estados‑Membros para que apresentassem as suas observações. Enviou à Comissão as observações recebidas e disponibilizou ao público o processo complementar sucinto.

14

Em 20 de março de 2015, o Centro Internacional de Investigação do Cancro (CIIC) publicou as suas constatações sobre o potencial cancerígeno do glifosato. Com base nestas constatações, classificou‑o na lista dos produtos possivelmente cancerígenos para o ser humano.

15

Em 29 de abril de 2015, a Comissão incumbiu a EFSA de examinar as informações constantes das constatações do CIIC sobre o potencial cancerígeno do glifosato e de as incluir, até 30 de outubro de 2015, nas suas análises e conclusões.

16

Entretanto, a Comissão prorrogou o período de validade da aprovação do glifosato até 30 de junho de 2016, através do seu Regulamento de Execução (UE) 2015/1885, de 20 de outubro de 2015, que altera o Regulamento de Execução n.o 540/2011 no que se refere à prorrogação dos períodos de aprovação das substâncias ativas 2,4‑D, acibenzolar‑S‑metilo, amitrol, bentazona, cihalofope‑butilo, diquato, esfenvalerato, famoxadona, flumioxazina, DPX KE 459 (flupirsulfurão‑metilo), glifosato, iprovalicarbe, isoproturão, lambda‑cialotrina, metalaxil‑M, metsulfurão‑metilo, picolinafena, prossulfurão, pimetrozina, piraflufena‑etilo, tiabendazol, tifensulfurão‑metilo e triassulfurão (JO 2015, L 276, p. 48).

17

O Regulamento de Execução 2015/1885 foi adotado com base no artigo 17.o, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1107/2009, que prevê que a Comissão pode prorrogar o prazo de validade da aprovação de uma substância ativa caso se mostre provável que essa aprovação caducará antes de ser tomada uma decisão sobre a sua renovação, por razões independentes da vontade do requerente.

18

Em 30 de outubro de 2015, a EFSA transmitiu à Comissão as suas conclusões quanto à possibilidade de o glifosato cumprir os critérios de aprovação estabelecidos no artigo 4.o do Regulamento n.o 1107/2009.

19

Nas suas conclusões, a EFSA referiu que «o glifosato não apresentava provavelmente risco cancerígeno para o ser humano e que as provas não sustentavam a classificação desta substância [ativa] em razão do seu potencial cancerígeno em aplicação do Regulamento (CE) n.o 1272/2008 [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativo à classificação, rotulagem e embalagem de substâncias e misturas, que altera e revoga as Diretivas 67/548/CEE e 1999/45/CE, e altera o Regulamento (CE) n.o 1907/2006 (JO 2008, L 353, p. 1)]».

20

Em 28 de janeiro de 2016, a Comissão apresentou ao Comité Permanente dos Vegetais, Animais e Alimentos para Consumo Humano e Animal o projeto de relatório de revisão. Foi concedida ao requerente a possibilidade de apresentar comentários.

21

No quadro do Comité Permanente dos Vegetais, Animais e Alimentos para Consumo Humano e Animal, vários Estados‑Membros consideraram adequado obter um parecer de outra instância, a saber, o Comité de Avaliação dos Riscos da Agência Europeia dos Produtos Químicos (ECHA) sobre a classificação harmonizada do glifosato no que se refere à sua carcinogenicidade, antes de tomar uma decisão sobre a renovação da aprovação.

22

Tendo em conta o tempo necessário para o Comité de Avaliação dos Riscos da ECHA emitir um parecer, o período de aprovação da substância ativa foi prorrogado, uma terceira vez, desta feita até 15 de dezembro de 2017, pelo Regulamento de Execução (UE) 2016/1056 da Comissão, de 29 de junho de 2016, que altera o Regulamento de Execução n.o 540/2011 no que se refere à prorrogação do período de aprovação da substância ativa glifosato (JO 2016, L 173, p. 52).

23

O Comité de Avaliação dos Riscos da ECHA transmitiu o seu parecer à Comissão em 15 de junho de 2017. No seu parecer, concluiu por consenso que, com base nas informações atualmente disponíveis, não se justificava a classificação de perigo de carcinogenicidade para o glifosato.

24

Em 6 de outubro de 2017, a Comissão Europeia recebeu oficialmente uma Iniciativa de Cidadania Europeia que referia o glifosato num dos seus três objetivos, com assinaturas validadas de, pelo menos, um milhão de cidadãos europeus de, pelo menos, sete Estados‑Membros.

25

Em 23 de outubro de 2017, a Comissão respondeu à Iniciativa de Cidadania Europeia, indicando que «[n]o que respeita[va] o primeiro objetivo de proibir os herbicidas à base de glifosato, [ela] considera[va] que não exist[ia] nenhuma razão científica nem jurídica que justificasse uma proibição do glifosato e não cont[ava] apresentar uma proposta legislativa neste sentido». Acrescentou que, «[e]m especial, os elementos de prova científicos não permit[iam] concluir que o glifosato [era] suscetível de provocar cancro» e que, «[p]or conseguinte, a decisão de renovar a aprovação do glifosato (durante um período de cinco anos) [era] plenamente justificada».

26

O Comité Permanente dos Vegetais, Animais e Alimentos para Consumo Humano e Animal não emitiu parecer no prazo fixado pelo seu presidente. O comité de recurso foi convocado para nova deliberação e emitiu um parecer.

27

Em 12 de dezembro de 2017, a Comissão adotou o Regulamento de Execução (UE) 2017/2324 que renova a aprovação da substância ativa glifosato em conformidade com o Regulamento n.o 1107/2009 e que altera o anexo do Regulamento de Execução n.o 540/2011 (JO 2017, L 333, p. 10, a seguir «ato recorrido»).

28

Através do ato recorrido, a aprovação do glifosato foi renovada, em certas condições, até 15 de dezembro de 2022.

29

O considerando 25 do ato recorrido refere que as medidas nele previstas estão em conformidade com o parecer do comité de recurso referido no n.o 26, supra.

Tramitação processual e pedidos das partes

30

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 28 de fevereiro de 2018, a recorrente, a Associazione Nazionale GranoSalus —Liberi Cerealicoltori & Consumatori, uma associação italiana de produtores de trigo e de consumidores e suas associações de proteção, interpôs o presente recurso.

31

Por requerimento separado de 30 de maio de 2018, a Comissão suscitou uma exceção de inadmissibilidade ao abrigo do artigo 130.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

32

A recorrente apresentou as suas observações sobre a exceção de inadmissibilidade, em 9 de julho de 2018.

33

Por requerimentos datados, respetivamente, de 8, 11 e 12 de junho de 2018, a Helm AG, a Monsanto Europe NV/SA e a Monsanto Company, a Nufarm GmbH & Co. KG, a Nufarm, a Albaugh Europe Sàrl, a Albaugh UK Ltd, a TKI d.o.o. e a Barclay Chemicals Manufacturing Ltd pediram para intervir em apoio dos pedidos da Comissão.

34

Na petição, a recorrente pede que o Tribunal Geral se digne anular o ato recorrido.

35

A Comissão pede que o Tribunal Geral se digne:

julgar o recurso manifestamente inadmissível;

condenar a recorrente nas despesas;

subsidiariamente, fixar um novo prazo para os trâmites processuais ulteriores, nos termos do artigo 130.o, n.o 8, do Regulamento de Processo.

36

Nas suas observações sobre a exceção de inadmissibilidade, a recorrente pede que o Tribunal Geral se digne julgá‑la improcedente.

37

Por outro lado, a recorrente pede ao Tribunal Geral que ordene uma diligência instrutória destinada à apresentação dos excertos do relatório da EFSA em que são reexaminados os estudos sobre os potenciais efeitos do glifosato na saúde humana, com vista a compará‑los com o processo dito «Monsanto papers» que contém documentos internos do grupo Monsanto tornados públicos por tribunais dos Estados Unidos em 2017.

Questão de direito

38

Nos termos do artigo 130.o, n.os 1 e 7, do Regulamento de Processo, o Tribunal Geral pode, se o demandado o pedir, pronunciar‑se sobre a inadmissibilidade sem dar início à discussão do mérito da causa.

39

No caso vertente, o Tribunal Geral considera‑se suficientemente esclarecido pelos elementos dos autos e decide pronunciar‑se pondo termo à instância.

Quanto à exceção de inadmissibilidade

40

Em apoio da exceção de inadmissibilidade, a Comissão alega que a recorrente não tem legitimidade. Por um lado, o ato recorrido não diz direta e individualmente respeito à recorrente. Por outro lado, o ato recorrido é um ato regulamentar que contém medidas de execução.

41

A recorrente contesta a argumentação da Comissão e sustenta, em especial, que o ato recorrido lhe diz diretamente respeito e não contém medidas de execução.

42

A título preliminar, há que salientar que a recorrente é uma associação criada com o objetivo de preservar e valorizar a cerealicultura de qualidade, a fim de proteger os consumidores. Neste contexto, esta associação tem nomeadamente por missão a representação, a proteção e a defesa dos seus membros, que são produtores de trigo e consumidores que residem no sul de Itália, assim como cidadãos da União.

43

Ora, segundo o Tribunal de Justiça, uma associação não tem em princípio legitimidade para interpor um recurso de anulação a não ser que invoque um interesse próprio ou se os seus membros, ou alguns deles, tiverem legitimidade a título individual (v., neste sentido, Acórdão de 13 de março de 2018, European Union Copper Task Force/Comissão, C‑384/16 P, EU:C:2018:176, n.o 87 e jurisprudência referida). Importa, portanto, determinar se, no caso em apreço, a recorrente invoca uma ou outra dessas hipóteses.

Quanto à existência de um interesse próprio da recorrente

44

No que respeita à questão de saber se a recorrente pode invocar um interesse próprio, importa recordar que, segundo o Tribunal de Justiça, a existência de circunstâncias particulares, como o papel desempenhado por uma associação no quadro de um procedimento que levou à adoção de um ato na aceção do artigo 263.o TFUE, pode justificar a admissibilidade de um recurso por ela interposto, nomeadamente quando a sua posição de negociadora tiver sido afetada por esse ato ou quando a regulamentação em causa lhe reconheça um direito de natureza processual (v. Acórdão de 13 de março de 2018, European Union Copper Task Force/Comissão, C‑384/16 P, EU:C:2018:176, n.o 88 e jurisprudência referida).

45

No caso em apreço, a recorrente sustenta que o ato recorrido afeta os interesses por ela defendidos, nomeadamente a luta contra toda e qualquer forma de especulação ou de abuso no mercado em prejuízo dos agricultores. No entanto, nas observações por ela apresentadas, a recorrente não alegou ter desempenhado um papel na elaboração do ato recorrido ou dispor de direitos específicos no âmbito do procedimento que levou à adoção desse ato.

46

Daqui resulta que, à luz da jurisprudência desenvolvida pelo Tribunal de Justiça, a recorrente não apresenta um interesse próprio que permitisse apresentar em seu nome um recurso de anulação no Tribunal Geral, e, consequentemente, o presente recurso só pode, em princípio, ser declarado admissível se se demonstrar que os membros da recorrente, ou alguns deles, têm por si próprios legitimidade.

Quanto à legitimidade a título individual dos membros da recorrente

47

Segundo o artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, qualquer pessoa singular ou coletiva pode interpor recursos contra os atos de que seja destinatária ou que lhe digam direta e individualmente respeito, bem como contra os atos regulamentares que lhe digam diretamente respeito e não necessitem de medidas de execução.

48

O artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE distingue três situações em que um recurso de anulação interposto por uma pessoa singular ou coletiva pode ser declarado admissível.

– Quanto à qualidade de destinatários do ato

49

Na primeira situação, que diz respeito aos destinatários do ato, importa recordar que este conceito de destinatário deve ser entendido em sentido formal, no sentido de que se refere à pessoa designada nesse ato como destinatário do mesmo (Acórdão de 21 de janeiro de 2016, SACBO/Comissão e INEA, C‑281/14 P, não publicado, EU:C:2016:46, n.o 34).

50

No caso em apreço, os membros da recorrente não podem ser considerados destinatários do ato recorrido, uma vez que não são designados nesse ato como destinatários do mesmo.

– Quanto à afetação direta e individual

51

Na segunda situação, é conveniente determinar se os membros da recorrente, ou alguns deles, são afetados, nomeadamente, de forma individual, pelo ato recorrido.

52

Segundo o Tribunal de Justiça, os sujeitos que não sejam os destinatários de um ato só podem alegar que este lhes diz individualmente respeito, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, se este os afetar devido a certas qualidades que lhes são específicas ou a uma situação de facto que os caracterize em relação a qualquer outra pessoa, individualizando‑os, por isso, de maneira análoga à do seu destinatário (Acórdão de 15 de julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, EU:C:1963:17, p. 223).

53

Em contrapartida, quando um ato afeta sujeitos por se inserirem numa categoria abstrata ou num grupo não individualizado de pessoas, as condições exigidas pela jurisprudência referida no n.o 52, supra, não estão satisfeitas.

54

No caso em apreço, há que constatar que, nos termos do artigo 1.o do ato recorrido, a medida que consiste em renovar a aprovação do glifosato nas condições previstas no anexo I desse ato diz respeito, de forma abstrata e geral, a qualquer pessoa com a intenção de produzir, comercializar ou utilizar tal substância ou produtos fitofarmacêuticos que contêm essa substância, bem como a quaisquer pessoas que disponham de autorizações de colocação no mercado desses produtos fitofarmacêuticos.

55

Por conseguinte, o ato recorrido aplica‑se a situações objetivamente determinadas e produz os seus efeitos jurídicos em relação a categorias de pessoas visadas de forma geral e abstrata. Daí resulta que este ato apresenta um alcance geral.

56

A recorrente alega que o ato recorrido afeta alguns dos seus membros, uma vez que a utilização do glifosato prejudica a saúde destes, na sua qualidade de cidadãos da União e na sua qualidade de consumidores.

57

A este respeito, há que observar que é na sua qualidade de consumidores e de cidadãos da União que alguns dos membros da recorrente são alegadamente afetados pelo ato recorrido.

58

Com efeito, como reconhece a própria recorrente, a renovação da aprovação do glifosato seria fonte de atentado à saúde de alguns membros da recorrente devido à sua perigosidade e à sua presença em produtos e bens de consumo corrente, principalmente na água, encontrando‑se estes Estados‑Membros afetados na sua qualidade de consumidores e de cidadãos da União.

59

A recorrente sustenta ainda que a manutenção da utilização de glifosato é fonte de prejuízos patrimoniais para alguns dos seus membros que são produtores de trigo, dado que, pelas suas convicções éticas ou científicas refletidas nos seus estatutos, estes últimos não utilizam esta substância ativa, de modo que são economicamente prejudicados em relação aos produtores que utilizam esta substância ativa, em virtude de custos superiores, de uma produção inferior em termos de volume e de preços de venda mais elevados.

60

A este respeito, importa salientar que a afetação que a recorrente invoca em relação a alguns dos seus membros que são produtores de trigo não é diferente da afetação que pode invocar um agricultor que, por razões que lhe são próprias, se abstenha de utilizar o glifosato em prol de outras soluções que lhe acarretem determinados custos.

61

Daqui resulta que o ato recorrido afeta os membros da recorrente em razão da sua qualidade objetiva de consumidores, de cidadãos da União ou de produtores de trigo da mesma forma que afeta qualquer outro consumidor, cidadão da União ou produtor de trigo que se encontre, atual ou potencialmente, numa situação idêntica.

62

Assim, a recorrente não demonstrou que os seus membros ou alguns deles fossem individualmente afetados pelo ato recorrido.

63

As condições em que uma pessoa deve ser direta e individualmente afetada pelo ato cuja anulação é pedida são cumulativas, não é necessário determinar se os membros da recorrente, ou alguns deles, são, além disso, diretamente afetados pelo ato recorrido.

64

Por conseguinte, a legitimidade para agir a título individual dos membros da recorrente, ou de alguns deles, não pode basear‑se na segunda situação prevista no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

– Quanto à qualificação do ato recorrido como ato regulamentar que não necessita de medidas de execução

65

A terceira situação em que é admissível um recurso de anulação interposto por uma pessoa singular ou coletiva é aquela em que esse ato constitui um ato normativo que diz diretamente respeito a essa pessoa e não necessita de medidas de execução.

66

A este respeito, importa salientar que, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, o conceito de ato regulamentar abrange os atos de alcance geral, com exceção dos atos legislativos (Acórdão de 3 de outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho, C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.o 60).

67

No caso em apreço, o ato recorrido constitui um ato regulamentar, dado que, por um lado, trata‑se de um ato de alcance geral, como referido no ponto 55 supra, e que, por outro, não foi adotado segundo o processo legislativo ordinário descrito no artigo 294.o do TFUE ou segundo um processo legislativo especial, conforme definido no artigo 289.o, n.o 2, TFUE, que envolve o Parlamento Europeu com a participação do Conselho da União Europeia ou vice‑versa. Este ponto não é, aliás, contestado pelas partes.

68

Por outro lado, o conceito de «atos regulamentares que […] não necessitem de medidas de execução», na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, deve ser interpretado à luz do objetivo prosseguido por esta disposição, a saber, o de evitar que um particular seja obrigado a violar as regras de direito para poder aceder ao juiz (Acórdão de 19 de dezembro de 2013, Telefónica/Comissão, C‑274/12 P, EU:C:2013:852, n.o 27).

69

Quando um ato regulamentar produz diretamente efeitos sobre a situação jurídica de uma pessoa singular ou coletiva sem exigir medidas de execução, esta última arriscar‑se‑ia a ficar desprovida de proteção jurisdicional efetiva caso não dispusesse de uma via direta de recurso para o juiz da União para pôr em causa a legalidade desse ato regulamentar (Acórdão de 19 de dezembro de 2013, Telefónica/Comissão, C‑274/12 P, EU:C:2013:852, n.o 27).

70

Em contrapartida, quando um ato regulamentar necessita de medidas de execução, a fiscalização jurisdicional do respeito da ordem jurídica da União é assegurada, como resulta do artigo 19.o, n.o 1, TUE, não só pelo Tribunal de Justiça, mas também pelos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros.

71

Com efeito, por um lado, quando a execução de um ato regulamentar compete às instituições, aos órgãos ou aos organismos da União, as pessoas singulares ou coletivas podem interpor recurso direto, perante os órgãos jurisdicionais da União, dos atos de aplicação, nas condições referidas no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, e invocar, em apoio desse recurso, em aplicação do artigo 277.o TFUE, a ilegalidade do ato de base em causa (Acórdão de 23 de abril de 1986, Les Verts/Parlamento, 294/83, EU:C:1986:166, n.o 23).

72

Por outro lado, quando a execução de um ato regulamentar incumbe aos Estados‑Membros, as pessoas singulares ou coletivas podem colocar em causa a validade da medida nacional de execução perante um órgão jurisdicional nacional e, no âmbito desse processo, alegar a invalidade do ato de base, levando tal órgão, sendo caso disso, a interrogar o Tribunal de Justiça por meio de questões prejudiciais, ao abrigo do artigo 267.o TFUE (Acórdão de 23 de abril de 1986, Les Verts/Parlamento, 294/83, EU:C:1986:166, n.o 23).

73

Para apreciar se um ato regulamentar necessita de medidas de execução, há que considerar a posição da pessoa que invoca o direito de recurso, sendo irrelevante saber se o ato em causa necessita de medidas de execução em relação a terceiros (Acórdão de 19 de dezembro de 2013, Telefónica/Comissão, C‑274/12 P, EU:C:2013:852, n.o 30, e de 28 de abril de 2015, T & L Sugars e Sidul Açúcares/Comissão, C‑456/13 P, EU:C:2015:284, n.o 32).

74

No caso em apreço, importa, por isso, determinar se o ato recorrido, relativo à renovação da aprovação do glifosato por um período de cinco anos, necessita de medidas de execução, relativamente aos membros da recorrente.

75

Para tal, há que ter em conta o mecanismo instituído pelo quadro regulamentar aplicável no caso em apreço.

76

Em conformidade com o Regulamento n.o 1107/2009, o glifosato é, como qualquer substância ativa, objeto de uma avaliação em duas fases.

77

Numa primeira fase, a substância ativa deve ser avaliada, enquanto tal, à escala da União, e aprovada pela Comissão, de acordo com o procedimento previsto nos artigos 7.o a 13.o do Regulamento n.o 1107/2009, se se comprovar que cumpre os critérios de aprovação previstos no artigo 4.o do mesmo regulamento.

78

Numa segunda fase, o produto fitofarmacêutico que contém a substância ativa aprovada pela União é avaliado pelos Estados‑Membros, que emitem, se for caso disso, uma autorização de colocação no mercado desse produto, de acordo com o procedimento e as condições de autorização previstas nos artigos 28.o a 39.o do Regulamento n.o 1107/2009.

79

Assim, por aplicação da regulamentação, um produto fitofarmacêutico que contenha a substância ativa glifosato aprovada pela Comissão não pode ser colocado no mercado nem utilizado, sem autorização concedida, no Estado‑Membro em causa, pelas autoridades deste Estado.

80

Na verdade, os artigos 14.o a 20.o do Regulamento n.o 1107/2009 preveem que a renovação da aprovação de uma substância ativa é concedida pela Comissão, a pedido de um produtor da referida substância ativa, se estiverem satisfeitos os critérios de aprovação previstos no artigo 4.o do referido regulamento.

81

No entanto, a renovação da aprovação de uma substância ativa não implica, em si mesma, a confirmação, prorrogação ou renovação das autorizações de colocação no mercado concedidas pelos Estados‑Membros a um produto fitofarmacêutico que contenha essa substância ativa.

82

Com efeito, nos termos do artigo 32.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1107/2009, as autorizações de colocação no mercado são concedidas por um prazo de validade limitado no tempo. De acordo com o segundo parágrafo do mesmo número, este prazo não pode ir além de um ano a contar da data de expiração da aprovação da substância ativa contida no produto fitofarmacêutico. Posteriormente, a autorização é válida enquanto for válida a aprovação da referida substância ativa.

83

Por outro lado, o artigo 43.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 1107/2009, prevê, por um lado, que a autorização de colocação no mercado de um produto fitofarmacêutico é renovada a pedido do seu titular e, por outro, que esse pedido deve ser apresentado no prazo de três meses a contar da renovação da aprovação da substância ativa contida nesse produto fitofarmacêutico.

84

Daqui decorre que os efeitos do ato recorrido se produzem relativamente aos membros da recorrente, ou seja, aos consumidores, aos cidadãos da União e aos produtores de trigo cujos interesses representa, através da renovação das autorizações de colocação no mercado dos produtos fitofarmacêuticos que contenham a substância ativa glifosato concedida pelos Estados‑Membros.

85

Tais renovações das autorizações de colocação no mercado constituem, segundo a jurisprudência referida nos n.os 68 a 73, supra, medidas de execução do ato recorrido na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, último segmento de frase, TFUE.

86

Esta conclusão não é infirmada pelos argumentos apresentados pela recorrente.

87

Em primeiro lugar, a recorrente sublinha que, em seu entender, o ato recorrido encerra, em si mesmo, a manutenção das autorizações de colocação no mercado dos produtos fitofarmacêuticos que contenham a substância ativa glifosato que tinham sido emitidas, nos termos dos artigos 29.o e 32.o do Regulamento n.o 1107/2009, pelas autoridades italianas, e que estavam em vigor à data da adoção do referido ato.

88

A este respeito, há que salientar que este argumento assenta na premissa de que a renovação da aprovação da substância ativa glifosato pela Comissão implica automaticamente a confirmação, a prorrogação ou a renovação das autorizações de colocação no mercado concedidas pelos Estados‑Membros aos produtos fitofarmacêuticos que contenham essa substância ativa.

89

Ora, como resulta dos n.os 81 a 83, supra, essa premissa é incorreta.

90

Por outro lado, é verdade que, nos termos do artigo 43.o, n.os 5 e 6, do Regulamento n.o 1107/2009, os Estados‑Membros tomam uma decisão sobre o pedido de renovação da autorização de colocação no mercado de um produto fitofarmacêutico no prazo de doze meses a contar da renovação da aprovação da substância ativa contida nesse produto fitofarmacêutico e podem prorrogar a validade da autorização pelo prazo necessário para completar o exame e aprovar uma decisão sobre a renovação da autorização quando, por razões independentes da vontade do titular da autorização, não for tomada qualquer decisão sobre a renovação da autorização antes da sua expiração.

91

Assim, as autoridades italianas decidiram, segundo a recorrente, prorrogar, a título provisório, todas as autorizações de colocação no mercado de produtos fitofarmacêuticos que continham a substância ativa glifosato.

92

Importa, contudo, salientar que essa prorrogação não resulta automaticamente da renovação, pela Comissão, da aprovação da substância ativa glifosato, mas sim de uma intervenção que compete ao Estado‑Membro em causa, entendendo‑se que essa intervenção deve poder dar azo a um processo perante um órgão jurisdicional nacional (v., neste sentido, Despacho de 12 de janeiro de 2017, ACDA e o./Comissão, T‑242/15, EU:T:2017:6, n.os 45 a 47 e jurisprudência referida).

93

Em segundo lugar, a recorrente alega que as medidas tomadas pelos Estados‑Membros a respeito das autorizações de colocação no mercado de produtos fitofarmacêuticos que contenham a substância ativa glifosato não podem ser consideradas medidas de execução, uma vez que o ato recorrido apenas prevê precauções de ordem geral para a sua aplicação, deixando a adoção das medidas de aplicação ao critério dos Estados‑Membros e, sobretudo, não prevê qualquer parâmetro de referência para a sua aplicação concreta.

94

Admitindo que se deva entender este argumento no sentido de que só se pode considerar que um ato regulamentar necessita de medidas de execução se incluir disposições pormenorizadas e específicas para a sua execução, há que referir que a renovação da aprovação da substância ativa glifosato está sujeita a várias condições que devem ser tidas em conta pelos Estados‑Membros quando estes equacionam a renovação das autorizações de colocação no mercado de produtos fitofarmacêuticos que contenham essa substância ativa.

95

Por outro lado, no que respeita à eventual margem de apreciação de que os Estados‑Membros dispõem no âmbito da execução do ato recorrido, importa recordar que o caráter mecânico ou não das medidas adotadas a nível nacional não é relevante para determinar se um ato regulamentar necessita de medidas de execução na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, último segmento de frase, TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 28 de abril de 2015, T & L Sugars e Sidul Açúcares/Comissão, C‑456/13 P, EU:C:2015:284, n.os 41 e 42).

96

À luz dos elementos que precedem, há que concluir que o ato recorrido não constitui um ato regulamentar que não necessita de medidas de execução, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, último segmento de frase, TFUE.

97

Nessa situação, a via prevista no Tratado e na jurisprudência desenvolvida pelo Tribunal de Justiça para interpretar este último, consiste, quando uma pessoa singular ou coletiva pretenda obter uma fiscalização jurisdicional de um ato de alcance geral da União, em interpor num órgão jurisdicional nacional um recurso contestando uma medida nacional de execução, pedindo a este órgão jurisdicional que questione o Tribunal de Justiça a título prejudicial sobre a validade do ato de base adotado ao nível da União (v. n.o 72, supra, e jurisprudência referida).

98

Destas considerações resulta que o presente recurso deve ser julgado inadmissível na medida em que é interposto no Tribunal Geral.

Quanto ao pedido de diligência instrutória

99

A recorrente insta o Tribunal Geral a ordenar, a título de diligência instrutória, a apresentação dos excertos do relatório da EFSA em que são reexaminados os estudos sobre os potenciais efeitos do glifosato na saúde humana, com vista a compará‑los com o processo dito «Monsanto papers».

100

A este propósito, há que referir que este pedido diz respeito ao mérito do presente recurso e que, por conseguinte, não pode ser tratado dado que o presente recurso é inadmissível.

Quanto aos pedidos de intervenção

101

Em conformidade com o artigo 142.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, a intervenção é acessória do litígio principal e perde o seu objeto quando a petição seja declarada inadmissível.

102

Consequentemente, não há que decidir sobre os pedidos de intervenção da Helm, da Monsanto Europe, da Monsanto, da Nufarm GmbH & Co. KG, da Nufarm, da Albaugh Europe, da Albaugh UK, da Albaugh TKI e da Barclay Chemicals Manufacturing.

Quanto às despesas

103

Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

104

Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas suas próprias despesas e nas despesas da Comissão, em conformidade com os pedidos desta.

105

Nos termos do artigo 144.o, n.o 10, do Regulamento de Processo, a Helm, a Monsanto Europe, a Monsanto, a Nufarm GmbH & Co. KG, a Nufarm, a Albaugh Europe, a Albaugh UK, a Albaugh TKI e a Barclay Chemicals Manufacturing suportarão as suas próprias despesas relativas ao pedido de intervenção.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

decide:

 

1)

O recurso é julgado inadmissível.

 

2)

Não há que decidir sobre os pedidos de intervenção da Helm AG, da Monsanto Europe NV/SA, da Monsanto Company, da Nufarm GmbH & Co. KG, da Nufarm, da Albaugh Europe Sàrl, da Albaugh UK Ltd, da Albaugh TKI d.o.o. e da Barclay Chemicals Manufacturing Ltd.

 

3)

A Associazione Nazionale GranoSalus — Liberi Cerealicoltori & Consumatori (Associazione GranoSalus) é condenada a suportar as suas próprias despesas e as despesas apresentadas pela Comissão Europeia.

 

4)

A Helm, a Monsanto Europe, a Monsanto, a Nufarm GmbH & Co. KG, a Nufarm, a Albaugh Europe, a Albaugh UK, a Albaugh TKI e a Barclay Chemicals Manufacturing suportarão as suas próprias despesas relativas ao pedido de intervenção.

 

Feito no Luxemburgo, em 14 de fevereiro de 2019.

O Secretário

E. Coulon

O Presidente

S. Pelikánová


( *1 ) Língua do processo: italiano.

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