Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62018CJ0606

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 16 de julho de 2020.
    Nexans France SAS e Nexans SA contra Comissão Europeia.
    Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado europeu dos cabos elétricos subterrâneos e submarinos — Repartição do mercado no âmbito de projetos — Regulamento (CE) n.o 1/2003 — Artigo 20.o — Poderes de inspeção da Comissão Europeia em matéria de cartéis — Poder de copiar dados sem exame prévio e de os examinar em seguida nas instalações da Comissão — Coimas — Competência de plena jurisdição.
    Processo C-606/18 P.

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2020:571

     ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

    16 de julho de 2020 ( *1 )

    «Recurso de decisão do Tribunal Geral — Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado europeu dos cabos elétricos subterrâneos e submarinos — Repartição do mercado no âmbito de projetos — Regulamento (CE) n.o 1/2003 — Artigo 20.o — Poderes de inspeção da Comissão Europeia em matéria de cartéis — Poder de copiar dados sem exame prévio e de os examinar em seguida nas instalações da Comissão — Coimas — Competência de plena jurisdição»

    No processo C‑606/18 P,

    que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 24 de setembro de 2018,

    Nexans France SAS, com sede em Courbevoie (França),

    Nexans SA, com sede em Courbevoie,

    representadas por G. Forwood, avocate, M. Powell e A. Rogers, solicitors,

    recorrentes,

    sendo a outra parte no processo:

    Comissão Europeia, representada por C. Giolito, P. Rossi, C. Sjödin e F. Castilla Contreras, na qualidade de agentes,

    recorrida em primeira instância,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

    composto por: A. Arabadjiev, presidente de secção, K. Lenaerts, presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Segunda Secção, P. G. Xuereb (relator), T. von Danwitz e A. Kumin, juízes,

    advogado‑geral: J. Kokott,

    secretário: M. Longar, administrador,

    vistos os autos e após a audiência de 16 de outubro de 2019,

    ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 12 de março de 2020,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Com o seu recurso, a Nexans France SAS e a Nexans SA pedem a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 12 de julho de 2018, Nexans France e Nexans/Comissão (T‑449/14, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2018:456), através do qual foi negado provimento ao recurso que haviam interposto e em que era pedida, por um lado, a anulação da Decisão C(2014) 2139 final da Comissão, de 2 de abril de 2014, relativa a um processo nos termos do artigo 101.o [TFUE] e do artigo 53.o do Acordo EEE (Processo AT.39610 — Cabos elétricos) (a seguir «decisão controvertida»), na parte em que lhes diz respeito, e, por outro, a redução do montante das coimas que lhes foram aplicadas através da decisão controvertida.

    Quadro jurídico

    Regulamento (CE) n.o 1/2003

    2

    O artigo 20.o, intitulado «Poderes da Comissão em matéria de inspeção», do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o e 102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1), prevê:

    «1.   No cumprimento das funções que lhe são atribuídas pelo presente regulamento, a Comissão pode efetuar todas as inspeções necessárias junto das empresas e associações de empresas.

    2.   Os funcionários e outros acompanhantes mandatados pela Comissão para efetuar uma inspeção podem:

    a)

    Aceder a todas as instalações, terrenos e meios de transporte das empresas e associações de empresas;

    b)

    Inspecionar os livros e outros registos relativos à empresa, independentemente do seu suporte;

    c)

    Tirar ou obter sob qualquer forma cópias ou extratos dos documentos controlados;

    d)

    Apor selos em quaisquer instalações, livros ou registos relativos à empresa por período e na medida necessária à inspeção;

    e)

    Solicitar a qualquer representante ou membro do pessoal da empresa ou da associação de empresas explicações sobre factos ou documentos relacionados com o objeto e a finalidade da inspeção e registar as suas respostas.

    […]

    4.   As empresas e as associações de empresas são obrigadas a sujeitar‑se às inspeções que a Comissão tenha ordenado mediante decisão. A decisão deve indicar o objeto e a finalidade da inspeção, fixar a data em que esta tem início e indicar as sanções previstas nos artigos 23.o e 24.o, bem como a possibilidade de impugnação da decisão perante o Tribunal de Justiça. A Comissão toma essas decisões após consultar a autoridade responsável em matéria de concorrência do Estado‑Membro em cujo território se deve efetuar a inspeção.

    […]»

    3

    O artigo 21.o deste regulamento, intitulado «Inspeção de outras instalações», enuncia:

    «1.   Existindo suspeita razoável de que os livros ou outros registos relativos à empresa relacionados com o objeto da inspeção, os quais podem ser pertinentes para provar uma violação grave dos artigos [101.o] ou [102.o TFUE,] se encontram noutras instalações, terrenos ou meios de transporte, incluindo o domicílio dos dirigentes, dos administradores e de outros colaboradores das empresas ou associações de empresas em causa, a Comissão pode, mediante decisão, ordenar uma inspeção dessas outras instalações, terrenos ou meios de transporte.

    […]

    4.   Os funcionários e outros acompanhantes mandatados pela Comissão para efetuar uma inspeção ordenada em conformidade com o n.o 1 dispõem dos poderes definidos nas alíneas a), b) e c) do n.o 2 do artigo 20.o […]»

    4

    Nos termos do artigo 23.o, n.os 2 e 3, do referido regulamento:

    «2.   A Comissão pode, mediante decisão, aplicar coimas às empresas e associações de empresas sempre que, deliberadamente ou por negligência:

    a)

    Cometam uma infração ao disposto nos artigos [101.o] ou [102.o TFUE] […]

    […]

    3.   Quando se determinar o montante da coima, deve tomar‑se em consideração a gravidade e a duração da infração.»

    5

    O artigo 31.o do mesmo regulamento dispõe:

    «O Tribunal de Justiça conhece com plena jurisdição dos recursos interpostos das decisões em que tenha sido fixada pela Comissão uma coima ou uma sanção pecuniária compulsória. O Tribunal de Justiça pode suprimir, reduzir ou aumentar a coima ou a sanção pecuniária compulsória aplicada.»

    Orientações de 2006

    6

    As Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.o 2, alínea a), do artigo 23.o do Regulamento n.o 1/2003 (JO 2006, C 210, p. 2, a seguir «Orientações de 2006») precisam, nos seus pontos 2 e 4, que, no que respeita à determinação das coimas, «a Comissão deve tomar em consideração a duração e a gravidade da infração» e que «[a]s coimas devem ser fixadas segundo um nível suficientemente dissuasivo».

    7

    Resulta dos pontos 9 a 11 destas orientações que, sem prejuízo do seu ponto 37, o método utilizado pela Comissão para a fixação das coimas comporta duas etapas, a saber, em primeiro lugar, a determinação de um montante de base e, em segundo lugar, eventuais ajustamentos deste montante, para cima ou para baixo. No âmbito da determinação do montante de base da coima, a Comissão começa por determinar, em conformidade com os pontos 13 a 18 das referidas orientações, o valor das vendas a ter em conta. Nos termos do ponto 19 das mesmas orientações, o montante de base da coima está ligado a uma proporção do valor destas vendas, determinado em função do grau de gravidade da infração, multiplicado pelo número de anos de infração.

    8

    Nos termos do ponto 21 das Orientações de 2006:

    «Regra geral, a proporção do valor das vendas tomada em conta será fixada num nível que pode ir até 30 %.»

    9

    O ponto 22 destas orientações prevê:

    «A fim de decidir se a proporção do valor das vendas a tomar em consideração num determinado caso se deverá situar num nível inferior ou superior desta escala, a Comissão terá em conta certos fatores, como a natureza da infração, a quota de mercado agregada de todas as partes em causa, o âmbito geográfico da infração e se a infração foi ou não posta em prática.»

    Antecedentes do litígio e decisão controvertida

    10

    Os antecedentes do litígio, que figuram nos n.os 1 a 20 e 42 a 47 do acórdão recorrido, podem, para as necessidades do presente processo, ser resumidos da seguinte forma.

    11

    As recorrentes, a Nexans France e a sua sociedade‑mãe, a Nexans, são sociedades francesas que exercem a sua atividade no setor da produção e do fornecimento de cabos elétricos subterrâneos e submarinos.

    12

    Por carta de 17 de outubro de 2008, a ABB AB, uma sociedade estabelecida na Suécia, apresentou à Comissão, no âmbito de um pedido de imunidade na aceção da Comunicação da Comissão relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis (JO 2006, C 298, p. 17), uma série de declarações e de documentos relativos a práticas comerciais restritivas neste setor.

    13

    A Comissão procedeu posteriormente a um inquérito.

    14

    Na quarta‑feira 28 de janeiro de 2009, os inspetores da Comissão, acompanhados de representantes da Autoridade da Concorrência francesa, deslocaram‑se às instalações da Nexans France em Clichy (França) para procederem a uma inspeção ao abrigo do artigo 20.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1/2003 (a seguir «inspeção em causa»), ao abrigo de uma Decisão de 9 de janeiro de 2009 que ordenava à Nexans e a todas as empresas controladas por esta última que se submetessem a tal inspeção (a seguir «decisão de inspeção»). Nos termos do artigo 1.o, segundo parágrafo, desta decisão, «[a] inspeção [em causa podia] decorrer em quaisquer instalações controladas pela empresa e, em especial, nos escritórios situados no seguinte endereço: 4‑10 Rue Mozart, 92110 Clichy, França».

    15

    Depois de terem notificado a decisão de inspeção às recorrentes, os inspetores da Comissão (a seguir «inspetores») expressaram o seu desejo de analisar os documentos, bem como os computadores de determinados empregados da Nexans France, a saber, os Srs. B., J. e R. Tendo sido informados de que o Sr. J. estava em viagem, tinha levado o seu computador e que só regressaria na sexta‑feira 30 de janeiro de 2009, os inspetores efetuaram cópias‑imagens dos discos rígidos dos computadores dos Srs. B. e R., bem como do Sr. D., outro empregado da Nexans France. Para poderem efetuar uma pesquisa por palavras‑chave dos dados contidos nestes computadores, utilizaram um programa de investigação informática que tratou estes dados durante a noite de 28 para 29 de janeiro de 2009.

    16

    No segundo dia da inspeção em causa, a saber, na quinta‑feira 29 de janeiro de 2009, os inspetores examinaram as cópias‑imagens dos discos rígidos dos computadores dos Srs. B., D. e R.

    17

    No terceiro dia da inspeção em causa, a saber, na sexta‑feira 30 de janeiro de 2009, os inspetores puderam analisar o computador portátil do Sr. J., que regressara às instalações da empresa. A execução do programa de investigação informática permitiu‑lhes recuperar vários ficheiros, documentos e mensagens de correio eletrónico que tinham sido apagados do disco rígido deste computador e constatar que estes documentos eram relevantes para a investigação. Os inspetores decidiram efetuar uma cópia‑imagem deste disco rígido. No entanto, constatando que já não dispunham de tempo suficiente para realizar essa cópia, decidiram realizar uma cópia de dados escolhidos e colocá‑los em suportes informáticos de registo de dados (a seguir «SIRD») que foram colocados em envelopes selados e levados para as instalações da Comissão em Bruxelas (Bélgica). Tratava‑se de dois conjuntos de mensagens de correio eletrónico encontrados no computador portátil do Sr. J. e de um conjunto de mensagens de correio eletrónico encontrados no computador do Sr. R. O computador do Sr. J. e um SIRD encontrado no seu gabinete e que continha documentos protegidos por uma palavra‑passe foram colocados num armário, o qual foi selado pelos inspetores.

    18

    Os inspetores regressaram às instalações da Nexans France na terça‑feira 3 de fevereiro de 2009. Abriram o armário selado que continha o SIRD encontrado no gabinete do Sr. J., bem como o computador deste. Inspecionaram o SIRD no local, imprimiram e guardaram dois documentos extraídos desse SIRD e entregaram‑no aos representantes das recorrentes. Em seguida, efetuaram três cópias‑imagens do disco rígido do computador do Sr. J., que foram guardadas em três SIRD diferentes. Os inspetores entregaram um dos três SIRD aos representantes das recorrentes e colocaram os outros dois em envelopes selados que levaram para Bruxelas, depois de terem tomado nota de que as recorrentes contestavam a legitimidade desse procedimento. Referiram que os envelopes selados só seriam abertos nas instalações da Comissão na presença dos representantes das recorrentes.

    19

    Os envelopes selados que continham os SIRD, levados pelos inspetores, foram abertos nas instalações da Comissão em Bruxelas em 2 de março de 2009, na presença dos advogados das recorrentes. Os documentos guardados nestes SIRD foram examinados e os inspetores imprimiram em papel aqueles que consideraram serem relevantes para a investigação. Uma segunda cópia em papel destes documentos e uma lista destes foram entregues aos advogados das recorrentes. A análise de todos os dados registados nos SIRD em causa demorou oito dias úteis e terminou em 11 de março de 2009. O gabinete onde os documentos e os SIRD foram analisados foi selado no final de cada dia de trabalho, na presença dos advogados das recorrentes, e reaberto no dia seguinte, sempre na presença destes. Findas estas operações, os discos rígidos dos computadores nos quais os inspetores da Comissão trabalharam foram apagados.

    20

    Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 7 de abril de 2009 e registada sob o número T‑135/09, as recorrentes interpuseram um recurso em que pediram nomeadamente ao Tribunal Geral que anulasse a decisão de inspeção e declarasse ilegal a decisão da Comissão de apreender cópias de determinados ficheiros informáticos e do disco rígido do computador do Sr. J. para os analisar posteriormente nas suas instalações em Bruxelas.

    21

    Por Acórdão de 14 de novembro de 2012, Nexans France e Nexans/Comissão (T‑135/09, EU:T:2012:596), o Tribunal Geral anulou parcialmente a decisão de inspeção, na parte em que dizia respeito a cabos elétricos que não os cabos elétricos submarinos e subterrâneos de alta tensão e ao material a estes associado, e negou provimento ao recurso quanto ao restante. Por Acórdão de 25 de junho de 2014, Nexans e Nexans France/Comissão (C‑37/13 P, EU:C:2014:2030), o Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso que as recorrentes interpuseram desse acórdão do Tribunal Geral.

    22

    No artigo 1.o da decisão controvertida, a Comissão constatou que as recorrentes e 24 outras sociedades tinham participado num cartel (a seguir «cartel»), constitutivo de uma infração única e continuada ao artigo 101.o TFUE e ao artigo 53.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3), no setor dos cabos elétricos de (muito) alta tensão subterrâneos e/ou submarinos (a seguir «infração em causa»).

    23

    Na referida decisão, a Comissão considerou que o cartel tinha duas configurações principais que constituíam um conjunto composto, a saber:

    uma configuração que agrupava as empresas europeias, geralmente chamadas «membros R», as empresas japonesas, designadas como «membros A», e as empresas sul‑coreanas, designadas como «membros K», e que permitia realizar o objetivo de atribuição de territórios e clientelas entre produtores europeus, japoneses e sul‑coreanos (a seguir «configuração A/R»). Essa atribuição fazia‑se segundo um acordo sobre o «território nacional», por força do qual os produtores japoneses e sul‑coreanos se abstinham de entrar em concorrência em projetos que se desenvolvessem no «território nacional» dos produtores europeus, ao passo que estes se obrigavam a ficar fora dos mercados do Japão e da Coreia do Sul. A isto acrescia a atribuição de projetos nos «territórios de exportação», ou seja, o resto do mundo, com exceção, nomeadamente, dos Estados Unidos;

    uma configuração que implicava a atribuição de territórios e clientes pelos produtores europeus em projetos a realizar no território «nacional» europeu ou atribuídos a produtores europeus (a seguir «configuração europeia»).

    24

    Segundo a decisão controvertida, a Nexans France participou no cartel entre 13 de novembro de 2000 e 28 de janeiro de 2009. A Nexans foi responsabilizada pela infração em causa como sociedade‑mãe da Nexans France para o período compreendido entre 12 de junho de 2001 e 28 de janeiro de 2009.

    25

    Para efeitos do cálculo do montante das coimas, a Comissão aplicou o artigo 23.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1/2003 e a metodologia exposta nas Orientações de 2006.

    26

    Em primeiro lugar, no que respeita ao montante de base das referidas coimas, a Comissão determinou o valor das vendas a tomar em consideração. Fixou, em seguida, a proporção desse valor das vendas que refletia a gravidade da infração em causa. A este respeito, a Comissão considerou que esta infração, pela sua natureza, constituía uma das restrições mais graves da concorrência, o que justificava um «coeficiente de gravidade» de 15 %. Da mesma forma, aplicou um agravamento de 2 % do coeficiente de gravidade a todos os destinatários da decisão controvertida devido à sua quota de mercado acumulada e ao âmbito geográfico quase mundial do cartel, abrangendo, nomeadamente, todo o território do Espaço Económico Europeu (EEE).

    27

    Por outro lado, a Comissão considerou que o comportamento das empresas europeias era mais prejudicial para a concorrência do que o das outras empresas, na medida em que, para além da sua participação na configuração A/R, as empresas europeias tinham partilhado entre si os projetos de cabos elétricos no âmbito da configuração europeia. Por esta razão, fixou em 19 % a proporção do valor das vendas a ter em consideração a título da gravidade da infração para as empresas europeias e em 17 % para as outras empresas. O montante de base assim determinado ascendia, para a Nexans France, a 70670000 euros.

    28

    Em segundo lugar, no que respeita aos ajustamentos do montante de base das coimas, a Comissão não constatou em relação às recorrentes circunstâncias agravantes nem circunstâncias atenuantes.

    29

    Nos termos do artigo 2.o, alíneas c) e d), da decisão controvertida, a Comissão aplicou, por um lado, uma coima no montante de 4903000 euros à Nexans France, para o período entre 13 de novembro de 2000 e 11 de junho de 2001, e, por outro, uma coima no montante de 65767000 euros à Nexans France, conjunta e solidariamente com a Nexans, para o período entre 12 de junho de 2001 e 28 de janeiro de 2009.

    Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido

    30

    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 17 de junho de 2014, as recorrentes interpuseram um recurso em que pediram a anulação da decisão controvertida, na parte em que lhes dizia respeito, e a redução do montante das coimas que lhes tinham sido aplicadas.

    31

    Em apoio dos seus pedidos de anulação da decisão controvertida, as recorrentes invocaram no Tribunal Geral dois fundamentos, relativos, o primeiro, à violação do artigo 20.o, n.os 2 a 4, do Regulamento n.o 1/2003, da decisão de inspeção, dos direitos de defesa, bem como do artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, e, o segundo, a um erro de apreciação quanto à determinação da data do início da participação da Nexans France no cartel. Em apoio dos seus pedidos de redução do montante das coimas que lhes tinham sido aplicadas, as recorrentes invocaram, para além do erro da Comissão relativo à duração da infração em causa, contestada no âmbito do segundo fundamento do recurso, um fundamento específico, relativo a um erro manifesto de apreciação e à violação do dever de fundamentação, bem como do princípio da igualdade de tratamento na fixação do coeficiente de gravidade para calcular o montante das coimas.

    32

    No acórdão recorrido, o Tribunal Geral negou integralmente provimento ao recurso.

    33

    Primeiro, a respeito da alegada inexistência de base jurídica das medidas de inspeção adotadas pela Comissão, o Tribunal Geral considerou que, contrariamente ao que as recorrentes sustentavam, não resultava do artigo 20.o, n.o 2, alíneas b) e c), do Regulamento n.o 1/2003 que o poder da Comissão de tirar ou obter cópias ou extratos dos livros e dos registos de uma empresa inspecionada se limitava aos livros e aos registos que já tenha examinado. Tal interpretação poderia aliás prejudicar o efeito útil do artigo 20.o, n.o 2, alínea b), do referido regulamento, na medida em que, em determinadas circunstâncias, o controlo dos livros e registos da empresa inspecionada pode exigir a realização prévia de cópias dos referidos livros ou registos ou ser simplificada, como no caso em apreço, através dessa realização. Segundo o Tribunal Geral, uma vez que a realização da cópia‑imagem do disco rígido do computador do Sr. J. e das cópias dos conjuntos de mensagens de correio eletrónico encontrados no referido computador e no computador do Sr. R. se inscrevia no âmbito da execução de um programa de investigação informática levada a cabo pelos inspetores, que tinha por objetivo pesquisar as informações relevantes para a investigação, a realização dessas cópias inseria‑se nos poderes concedidos à Comissão pelo artigo 20.o, n.o 2, alíneas b) e c), do Regulamento n.o 1/2003.

    34

    O Tribunal Geral constatou que, contrariamente ao que fora alegado pelas recorrentes, os inspetores não tinham juntado diretamente ao processo instrutor os documentos contidos nas cópias dos conjuntos de mensagens de correio eletrónico encontrados no computador do Sr. R. e no computador do Sr. J., bem como na cópia‑imagem do disco rígido deste último computador, sem terem verificado previamente se eram relevantes para o objeto da inspeção em causa.

    35

    Além disso, o Tribunal Geral declarou que o artigo 20.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1/2003 não estabelece que o controlo dos livros e dos registos das empresas sujeitas à inspeção deve ser efetuado exclusivamente nas instalações destas quando, como no caso em apreço, a referida inspeção não tenha podido ser concluída no prazo inicialmente previsto. Apenas obriga a Comissão a respeitar, quando examine documentos nas suas instalações, as mesmas garantias relativamente às empresas inspecionadas que está obrigada a respeitar num controlo in situ, o que sucedeu no caso em apreço.

    36

    Segundo, a Comissão também não violou o âmbito da decisão de inspeção, uma vez que esta última não excluía a possibilidade de a Comissão prosseguir a inspeção em causa nas suas instalações, em Bruxelas, e que as recorrentes não tinham alegado que a duração desta inspeção excedeu um prazo razoável.

    37

    Terceiro, o Tribunal Geral considerou que a Comissão não tinha violado os direitos de defesa das recorrentes nem o artigo 20.o, n.os 3 e 4, do Regulamento n.o 1/2003 ou o artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais.

    38

    Quarto, o Tribunal Geral considerou que a Comissão não tinha cometido um erro de direito quando considerou que a data de 13 de novembro de 2000 marcava o início da participação da Nexans France na infração em causa.

    39

    Quinto, no que respeita aos pedidos das recorrentes que visavam uma redução do montante das coimas que lhes tinham sido aplicadas, o Tribunal Geral declarou que os argumentos das recorrentes não eram suscetíveis de justificar uma redução deste montante. No que se refere, mais especificamente, à argumentação das recorrentes segundo a qual a distinção efetuada pela Comissão entre, por um lado, as empresas europeias e, por outro, as empresas japonesas no que se refere à proporção do valor das vendas considerada para ter em conta a gravidade da infração é contrária ao princípio da igualdade de tratamento, o Tribunal Geral considerou que a Comissão entendeu com razão que a repartição dos projetos na configuração europeia do cartel, pelas empresas europeias, constituía um elemento suplementar que merecia ser punido com uma percentagem adicional a título da gravidade da infração.

    Pedidos das partes no Tribunal de Justiça

    40

    As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

    anular o acórdão recorrido;

    remeter o processo ao Tribunal Geral para que este se pronuncie sobre o recurso de anulação da decisão controvertida na parte em que esta lhes diz respeito;

    reduzir as coimas que lhes foram aplicadas num montante que corresponda a um coeficiente de gravidade reduzido; e

    condenar a Comissão nas despesas do presente processo e do processo que correu no Tribunal Geral.

    41

    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

    negar integralmente provimento ao recurso por ser parcialmente inadmissível e, seja como for, inoperante e/ou totalmente desprovido de fundamento; e

    condenar as recorrentes nas despesas, incluindo nas despesas suportadas na primeira instância.

    Quanto ao pedido de reabertura da fase oral do processo

    42

    A fase oral foi encerrada em 12 de março de 2020 após a apresentação das conclusões da advogada‑geral.

    43

    Por carta entregue na Secretaria do Tribunal de Justiça em 29 de maio de 2020, as recorrentes solicitaram a reabertura da fase oral do processo. Em apoio deste pedido, invocam que o Tribunal Geral procedeu, por Despacho de 4 de maio de 2020, à retificação do n.o 156 do acórdão recorrido, na sua versão em língua inglesa.

    44

    Segundo as recorrentes, esta retificação constitui um facto novo suscetível de exercer uma influência determinante na decisão do Tribunal de Justiça no que respeita ao quarto fundamento.

    45

    Há que recordar que o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, ouvido o advogado‑geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, em conformidade com o disposto no artigo 83.o do seu Regulamento de Processo, nomeadamente quando uma parte tiver invocado, após o encerramento desta fase, um facto novo que possa ter influência determinante na decisão do Tribunal de Justiça.

    46

    No presente caso, há no entanto que constatar que a retificação do n.o 156 do acórdão recorrido não tem uma influência determinante para a apreciação, pelo Tribunal de Justiça, do quarto fundamento das recorrentes.

    47

    Atendendo às considerações precedentes, o Tribunal de Justiça, ouvida a advogada‑geral, considera que não há que ordenar a reabertura da fase oral do processo.

    Quanto ao presente recurso

    48

    Em apoio do presente recurso, as recorrentes invocam cinco fundamentos. Os primeiros três fundamentos têm por objeto a rejeição, pelo Tribunal Geral, dos seus argumentos relativos ao desenrolar da inspeção em causa e os dois últimos têm por objeto a decisão do Tribunal Geral a respeito do cálculo da coima que lhes foi aplicada na decisão controvertida. Mais precisamente, o quarto fundamento é relativo a um erro de direito nas consequências a tirar da pretensa inexistência de efeitos da infração em causa. O quinto fundamento é relativo a um erro manifesto de apreciação e a uma falta de fundamentação no que se refere ao aumento de 2 % do coeficiente de gravidade aplicado à configuração europeia do cartel.

    Quanto ao primeiro fundamento

    Argumentos das partes

    49

    Com o seu primeiro fundamento, as recorrentes alegam que o acórdão recorrido padece de um erro de direito no que se refere à interpretação do artigo 20.o, n.o 2, alíneas b) e c), do Regulamento n.o 1/2003, na medida em que confirma que a Comissão podia realizar a cópia‑imagem de um disco rígido de cópias de conjuntos de mensagens de correio eletrónico sem ter previamente procedido a um exame sério destes documentos. Este fundamento tem por objeto os n.os 53 a 56 e 97 do acórdão recorrido.

    50

    Primeiro, só podem ser copiados os livros e os registos que tenham sido previamente controlados por um inspetor ao abrigo do artigo 20.o, n.o 2, alínea b), deste regulamento. Nada impede a Comissão de se limitar a copiar os documentos e os dossiês que lhe pareçam pertinentes para a investigação em vez de realizar uma cópia integral de um disco rígido.

    51

    Segundo, o artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003 prevê uma certa cronologia das diferentes etapas descritas nesta disposição. Desde logo, os inspetores da Comissão acedem às instalações da empresa em causa. Em seguida, controlam os livros e outros documentos que lhes pareçam pertinentes para a investigação. Por último, podem fazer cópias destes documentos. O controlo efetuado no âmbito deste processo é essencial, na medida em que permite que nesta fase os inspetores da Comissão verifiquem se os documentos podem apresentar um interesse para a investigação. Ao copiar os dados em massa sem que um dos seus inspetores os examine previamente, a Comissão pode também copiar documentos abrangidos pelo princípio da proteção da confidencialidade das comunicações entre um advogado e o seu cliente.

    52

    Terceiro, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que os poderes de verificação da Comissão devem ser objeto de interpretação estrita, na medida em que afetam o direito de propriedade da empresa que é objeto da inspeção.

    53

    A Comissão sustenta que o primeiro fundamento é inadmissível, na medida em que visa, com exceção de um argumento, levar o Tribunal de Justiça a reexaminar os argumentos que as recorrentes submeteram ao Tribunal Geral. O argumento suplementar das recorrentes segundo o qual a abordagem seguida pela Comissão, no presente caso, pode resultar em que esta última faça cópias de documentos abrangidos pelo princípio da proteção da confidencialidade das comunicações entre um advogado e o seu cliente é inadmissível pelo facto de não ter sido suscitado em primeira instância. A título subsidiário, a Comissão alega que este fundamento é inoperante, uma vez que assenta numa leitura parcial do acórdão recorrido, que não toma em consideração as conclusões principais do Tribunal Geral nos n.os 52, 58 e 59 desse acórdão, ou é improcedente.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    54

    No que respeita à admissibilidade do primeiro fundamento, há que salientar que, através deste fundamento, as recorrentes contestam a interpretação do artigo 20.o, n.o 2, alíneas b) e c), do Regulamento n.o 1/2003 feita pelo Tribunal Geral. Ora, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, quando um recorrente contesta a interpretação ou a aplicação do direito da União feita pelo Tribunal Geral, as questões de direito analisadas em primeira instância podem ser novamente discutidas em sede de recurso. Com efeito, se um recorrente não pudesse basear o seu recurso em fundamentos e em argumentos já utilizados no Tribunal Geral, o processo ficaria privado de uma parte do seu sentido (Acórdão de 16 de janeiro de 2019, Comissão/United Parcel Service, C‑265/17 P, EU:C:2019:23, n.o 15 e jurisprudência referida). Daqui resulta que o primeiro fundamento é admissível.

    55

    No que respeita ao argumento das recorrentes que visa o princípio da proteção da confidencialidade das comunicações entre um advogado e o seu cliente, há que recordar que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que um argumento é admissível quando constitua a ampliação de um argumento enunciado anteriormente na petição inicial e apresente um nexo estrito com este (v., neste sentido, Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Roca Sanitario/Comissão, C‑636/13 P, EU:C:2017:56, n.o 35 e jurisprudência referida). Ora, é o que sucede no presente caso, uma vez que se trata de uma consideração apresentada pelas recorrentes em apoio do seu argumento segundo o qual a Comissão só pode fazer cópias dos livros e dos documentos que já controlou.

    56

    Quanto ao mérito, há que começar por salientar que é certo que as recorrentes não contestam as constatações do Tribunal Geral que figuram nos n.os 52, 58 e 59 do acórdão recorrido. Segundo estas constatações, por um lado, a realização de uma cópia‑imagem de um disco rígido de um computador e de uma cópia dos dados armazenados num suporte de dados digitais, no âmbito da utilização do programa de investigação informática da Comissão, constitui, em substância, uma etapa intermédia destinada a permitir que os inspetores procurem documentos pertinentes para a inspeção. Por outro lado, resulta destas constatações que, no presente caso, a Comissão não juntou diretamente ao processo instrutor os documentos contidos nas cópias dos conjuntos de mensagens de correio eletrónico encontrados no computador do Sr. R. e no do Sr. J., bem como na cópia‑imagem do disco rígido deste último computador, sem ter previamente verificado a sua pertinência à luz do objeto da inspeção em causa. No entanto, o facto de as recorrentes não terem contestado estas constatações do Tribunal Geral não implica, contrariamente ao que a Comissão alega, que o primeiro fundamento seja inoperante. Com efeito, as referidas constatações não são suficientes, enquanto tais, para determinar que a Comissão tinha poder para efetuar tais cópias.

    57

    É assim necessário examinar se o Tribunal Geral cometeu um erro de direito quando considerou que tal poder resulta do artigo 20.o, n.o 2, alíneas b) ou c), do Regulamento n.o 1/2003.

    58

    A este respeito, há que salientar que resulta tanto da redação do artigo 20.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento n.o 1/2003 como do seu contexto que, ao autorizar a Comissão, através desta disposição, a «tirar ou obter sob qualquer forma cópias ou extratos» dos livros ou dos registos mencionados no artigo 20.o, n.o 2, alínea b), deste regulamento, o legislador da União visou os elementos de prova que a Comissão pode procurar para os juntar ao processo e, eventualmente, para os utilizar no âmbito de um processo que tenha por objeto punir infrações ao direito da concorrência da União. Tem assim de se tratar de documentos abrangidos pelo objeto da inspeção, o que pressupõe que a Comissão verificou previamente que assim era.

    59

    Daqui resulta que o Tribunal Geral não se podia ter baseado no artigo 20.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento n.o 1/2003 para declarar que a Comissão podia efetuar cópias dos conjuntos de mensagens de correio eletrónico encontrados no computador do Sr. R. e no do Sr. J., bem como a cópia‑imagem do disco rígido deste último computador.

    60

    Contudo, o artigo 20.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1/2003, ao qual o Tribunal Geral também se refere, e que autoriza a Comissão a controlar os livros e quaisquer outros registos, independentemente do seu suporte, relativos à empresa ou à associação de empresas visada pela inspeção, fornece uma base jurídica para a realização de tais cópias.

    61

    Com efeito, há que salientar, em primeiro lugar, que, tendo‑se limitado a este respeito a autorizar a Comissão a proceder a tal controlo, sem ter especificado de forma mais detalhada o poder assim concedido à Comissão, o legislador da União concedeu uma certa margem de apreciação a esta instituição no que respeita às modalidades concretas do controlo que a mesma pode efetuar.

    62

    A Comissão pode assim, consoante as circunstâncias, decidir efetuar o controlo dos dados contidos no suporte de dados digitais da empresa que é objeto da inspeção não ao abrigo do original, mas de uma cópia destes dados. Com efeito, tanto na hipótese de examinar os dados originais como na de analisar a cópia destes dados, são os mesmos dados que são objeto do controlo efetuado pela Comissão. Nestas circunstâncias, não é pertinente o argumento das recorrentes segundo o qual a possibilidade de realizar tais cópias não está expressamente prevista no artigo 20.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1/2003.

    63

    Deste modo, contrariamente ao que as recorrentes alegam, o direito da Comissão de realizar cópias dos conjuntos de mensagens de correio eletrónico e a cópia‑imagem de um disco rígido de um computador, enquanto etapa intermédia no âmbito do exame dos dados que figuram em todos estes conjuntos e neste suporte, não constitui uma prerrogativa suplementar concedida à Comissão, antes fazendo parte, conforme o Tribunal Geral constatou corretamente no n.o 56 do acórdão recorrido, do poder de controlo que o artigo 20.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1/2003 põe à disposição desta instituição.

    64

    Em segundo lugar, embora, segundo jurisprudência constante, seja certo que os poderes de verificação de que a Comissão dispõe em matéria de concorrência estão bem delimitados (v., neste sentido, Acórdão de 18 de junho de 2015, Deutsche Bahn e o./Comissão, C‑583/13 P, EU:C:2015:404, n.o 31 e jurisprudência referida), tal não significa no entanto, conforme salientou a advogada‑geral, em substância, nos n.os 61 e 62 das suas conclusões, que as disposições que conferem os poderes de verificação à referida instituição devam ser interpretados de forma restritiva, ainda que, nesta perspetiva, seja necessário verificar que os referidos poderes não violam os direitos das empresas em causa. Ora, estes direitos estão garantidos quando, como no presente caso, a Comissão copia dados, é certo que sem exame prévio, mas verifica em seguida, com estrita observância pelos direitos de defesa da empresa em causa, se estes dados são pertinentes para o objeto da inspeção, antes de juntar ao processo os documentos considerados pertinentes a este respeito e de apagar os outros dados copiados.

    65

    Por conseguinte, o direito da Comissão de proceder à realização de tais cópias não afeta as garantias processuais previstas no Regulamento n.o 1/2003 nem os outros direitos da empresa que são objeto da inspeção, na condição de a Comissão, depois de ter terminado o seu exame, só juntar ao processo documentos que sejam pertinentes à luz do objeto da inspeção. Conforme o Tribunal Geral constatou, foi o que sucedeu no caso concreto.

    66

    Em terceiro lugar, conforme resulta das constatações factuais do Tribunal Geral feitas no n.o 52 do acórdão recorrido, a Comissão utiliza um programa de investigação informática que necessita de uma etapa prévia designada «indexação», que em regra demora um tempo considerável. Sucede o mesmo com a etapa seguinte deste processo de tratamento da informação, no decurso da qual a Comissão procede ao exame destes dados, conforme demonstram aliás os factos do presente caso. Assim, não é apenas no interesse da Comissão, mas é também no interesse da empresa em causa, que esta instituição se baseie, para efetuar o seu controlo, numa cópia destes dados, permitindo assim que esta empresa continue a utilizar os dados originais e os suportes nos quais os dados estavam quando a cópia foi realizada e, por conseguinte, reduza assim a ingerência no funcionamento desta empresa causada pela inspeção realizada pela Comissão.

    67

    Nestas condições, os argumentos das recorrentes que se baseiam na redação do artigo 20.o, n.o 2, alínea c), do Regulamento n.o 1/2003 e na economia geral do artigo 20.o, n.o 2, deste regulamento devem ser rejeitados.

    68

    Por conseguinte, há que julgar o primeiro fundamento improcedente.

    Quanto ao segundo e terceiro fundamentos

    Argumentos das partes

    69

    Com o seu segundo fundamento, que tem por objeto os n.os 60 a 64 do acórdão recorrido, as recorrentes alegam que este está viciado de um erro de direito no que respeita à interpretação do artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003, na parte em que confirma que a Comissão tinha direito de continuar a inspeção em causa nas suas instalações em Bruxelas. Segundo as recorrentes, resulta de uma interpretação literal e contextual desta disposição que esta não autoriza a Comissão a efetuar inspeções nas suas próprias instalações e que as inspeções se devem realizar nas instalações da empresa ou da associação de empresas em causa.

    70

    Primeiro, resulta claramente do artigo 20.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003 que estão em causa inspeções junto de «empresas e associações de empresas». O artigo 20.o, n.o 2, deste regulamento precisa que os inspetores estão mandatados para efetuar estas inspeções, incluindo para acederem a todas as instalações, terrenos e meios de transporte «das empresas e associações de empresas», em conformidade com o disposto no artigo 20.o, n.o 2, alínea a), do mesmo regulamento. Os outros poderes, a saber, a inspeção dos livros e doutros documentos, a realização de cópias dos documentos, a aposição de selos nas instalações, nos livros ou nos registos, a audição de funcionários da empresa, fazem parte integrante desta inspeção e devem assim ser exercidos nas instalações da empresa objeto da inspeção.

    71

    Segundo, se o artigo 20.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1/2003 devesse ser interpretado no sentido de que o local da «inspeção» efetuada ao abrigo desta disposição não está assim circunscrito, a Comissão teria também tido o poder, ao abrigo do artigo 20.o, n.o 2, alínea e), deste regulamento, de interrogar os representantes da empresa em causa noutro local que não nas instalações desta última ou, ao abrigo do artigo 20.o, n.o 2, alíneas b) ou c), do referido regulamento, de inspecionar e tirar cópias dos documentos detidos por terceiros, como sejam os prestadores de serviços de armazenamento de dados à distância, sem sequer aceder às instalações da empresa. Contudo, é evidente que, quando adotou o Regulamento n.o 1/2003, o legislador da União não pretendeu conferir à Comissão poderes de verificação tão importantes. Tal interpretação restritiva é confirmada pelo artigo 21.o deste regulamento, segundo o qual é necessária uma decisão específica para inspecionar outras instalações. Se o artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003 permitisse controlar livros e outros documentos fora das instalações da empresa, o artigo 21.o, n.o 4, deste regulamento não teria nenhuma utilidade.

    72

    Terceiro, não é possível considerar que o artigo 20.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1/2003 autoriza a Comissão, de forma implícita, a controlar os documentos fora das instalações da empresa em causa, uma vez que tal poder não é indispensável para permitir à Comissão exercer de forma eficaz as suas funções ao abrigo do Regulamento n.o 1/2003 e que, não sendo realizada, a inspeção das instalações não é, no entanto, impossível, nem sequer passa a ser sensivelmente mais difícil. Com efeito, no presente caso, os inspetores podiam ter prolongado por alguns dias a duração da inspeção em causa, para examinarem todos os documentos no local e para guardarem apenas aqueles que eram pertinentes. Quando muito, a este respeito o Tribunal Geral baseou‑se em razões de comodidade e de oportunidade administrativa.

    73

    Quarto, as aparentes garantias tomadas em consideração pelo Tribunal Geral a respeito do desenrolar do processo em Bruxelas não têm nenhuma relação com a questão de saber se a Comissão tinha poderes para prosseguir a inspeção em causa nas suas instalações.

    74

    Com o seu terceiro fundamento, que visa os n.os 67 e 72 do acórdão recorrido, as recorrentes acusam o Tribunal Geral de ter cometido um erro de direito quanto à delimitação geográfica da decisão de inspeção. Segundo uma interpretação literal e contextual, a referência, nesta decisão, aos locais controlados pelas recorrentes impõe, de forma evidente, um limite às inspeções autorizadas ao abrigo da referida decisão. Daqui resulta que, no presente caso, a decisão da Comissão de proceder a uma inspeção noutros locais que não nas instalações da empresa em causa devia ter sido adotada ao abrigo do artigo 21.o do Regulamento n.o 1/2003 e submetida a autorização judiciária.

    75

    A Comissão contesta esta argumentação.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    76

    Com o segundo e terceiro fundamentos, que há que examinar em conjunto, as recorrentes alegam, em substância, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito quando considerou que era lícito que a Comissão continuasse a inspeção em causa nas suas instalações em Bruxelas.

    77

    A este respeito, há que salientar que é certo que resulta tanto da redação como da economia do artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003 que uma inspeção deve iniciar‑se e deve, em princípio, prosseguir, conforme enuncia o artigo 20.o, n.o 1, deste regulamento, «junto das empresas e das associações de empresas», e que é por esta razão que, por um lado, o artigo 20.o, n.o 2, alínea a), do referido regulamento autoriza a Comissão a «[a]ceder a todas as instalações, terrenos e meios de transporte» destas últimas e que, por outro, o artigo 20.o, n.o 3, do mesmo regulamento obriga a Comissão a avisar, em tempo útil antes da inspeção, a autoridade responsável em matéria de concorrência do Estado‑Membro «em cujo território se deve efetuar a inspeção». Foi também por esta razão que, no presente caso, a decisão de inspeção obrigava as recorrentes a submeterem‑se a uma inspeção «em todos os locais controlados» por estas.

    78

    Contudo, conforme o Tribunal Geral salientou com razão, no n.o 60 do acórdão recorrido, o artigo 20.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1/2003 não estabelece, como as recorrentes alegam, que o controlo dos livros e dos registos das empresas submetidas à inspeção se efetua exclusivamente em todas as suas instalações, independentemente das circunstâncias.

    79

    Sucede o mesmo com a decisão de inspeção, que se limitou a prever que a inspeção em causa se podia realizar em todos os locais controlados pelas recorrentes.

    80

    Conforme salientou a advogada‑geral, em substância, no n.o 76 das suas conclusões, a prossecução de tal controlo nas instalações da Comissão não constitui, enquanto tal, e por comparação com um controlo efetuado nas próprias instalações das empresas que são objeto de uma inspeção, uma violação adicional aos direitos destas últimas, que necessita que tal possibilidade, por parte da Comissão, esteja expressamente prevista, e que não pode ser implicitamente deduzida dos poderes conferidos a esta instituição pelo artigo 20.o, n.os 1 e 2, do Regulamento n.o 1/2003. O facto de, em certas situações, a possibilidade de prosseguir o controlo nas instalações da Comissão não ser indispensável para permitir que a Comissão o efetue não significa que tal possibilidade esteja sempre excluída.

    81

    Com efeito, razões legítimas podem levar a Comissão, também no interesse das empresas em causa, a decidir prosseguir, nas suas instalações em Bruxelas, a inspeção dos dados que recolheu na empresa em causa. A este respeito, há que recordar, conforme resulta do n.o 66 do presente acórdão, que o tempo necessário para proceder ao tratamento dos dados eletrónicos pode ser considerável. Ora, obrigar a Comissão a efetuar o tratamento de tais dados exclusivamente nas instalações da empresa que é objeto da inspeção, quando estejam em causa dados particularmente voluminosos, poderia prolongar de forma significativa a duração da presença dos inspetores nas instalações dessa empresa, o que poderia prejudicar a eficácia da inspeção e aumentar inutilmente a ingerência no funcionamento da referida empresa devido à inspeção.

    82

    Além disso, há que recordar que, conforme resulta do n.o 61 do acórdão recorrido, as recorrentes não acusam a Comissão de, por ocasião do controlo da cópia‑imagem do disco rígido do computador do Sr. J. e das cópias dos conjuntos de mensagens de correio eletrónicos encontrados no referido computador e no do Sr. R., efetuado nas instalações desta última em Bruxelas, ter tido uma atuação diferente da que teria tido se este controlo se tivesse realizado nas instalações das recorrentes. Com efeito, as recorrentes não contestam que o controlo efetuado pela Comissão nas suas instalações em Bruxelas se desenrolou no estrito cumprimento dos seus direitos de defesa, tendo a Comissão garantido, durante toda a inspeção em causa, a proteção dos dados em causa e só tendo juntado ao processo os documentos em relação aos quais se tinha anteriormente certificado de que eram pertinentes para efeitos desta inspeção.

    83

    A interpretação do artigo 20.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1/2003 segundo a qual a Comissão pode, eventualmente, prosseguir, nas suas instalações em Bruxelas, o controlo que iniciou de forma válida nas instalações da empresa ou da associação de empresas que é objeto da inspeção não é posta em causa pelo argumento das recorrentes segundo o qual tal interpretação significaria que o poder, previsto no artigo 20.o, n.o 2, alínea e), deste regulamento, de interrogar os representantes da empresa em causa também poderia ser exercido pela Comissão noutro local que não nas instalações desta empresa. Há que recordar que o presente litígio diz respeito à questão de saber se a Comissão cometeu uma ilegalidade por ter prosseguido o controlo dos livros e dos outros registos de uma empresa, ao abrigo do artigo 20.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1/2003, nas suas instalações em Bruxelas, não dizendo respeito à questão do exercício das prerrogativas da Comissão visadas no artigo 20.o, n.o 2, alínea e), deste regulamento.

    84

    Há igualmente que rejeitar o argumento das recorrentes segundo o qual tal interpretação do artigo 20.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1/2003 dá à Comissão a possibilidade de controlar e de copiar documentos detidos por terceiros, que estejam fora das instalações da empresa que é objeto da inspeção. Com efeito, a possibilidade de a Comissão prosseguir, nas suas instalações em Bruxelas, o controlo que iniciou nas instalações da empresa que são objeto da inspeção não tem nenhuma incidência na questão de saber se essa instituição pode, ao abrigo do artigo 20.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1/2003, controlar e copiar documentos detidos por terceiros. A este respeito, há que salientar que o facto de a Comissão prosseguir uma inspeção nas suas próprias instalações significa que se trata da continuação de uma única e mesma inspeção, iniciada nas instalações de tal empresa, e não de um novo controlo, junto de um terceiro.

    85

    A interpretação do artigo 20.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1/2003 constante do n.o 83 do presente acórdão também não é posta em causa pelo argumento das recorrentes segundo o qual o artigo 21.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1/2003, que remete, no que respeita à inspeção de instalações que não sejam as da empresa que é objeto da inspeção, para as prerrogativas visadas no artigo 20.o, n.o 2, alíneas a) a c), do Regulamento n.o 1/2003, ficaria esvaziado de sentido se se devesse deduzir deste artigo 20.o que a referida instituição está autorizada a inspecionar documentos fora das instalações desta empresa. Com efeito, o artigo 21.o do Regulamento n.o 1/2003 diz respeito a uma situação totalmente diferente da que é visada no artigo 20.o deste regulamento, a saber, a possibilidade de a Comissão efetuar inspeções em instalações que não sejam as instalações profissionais da empresa em causa, tais como o domicílio ou os meios de transporte dos membros do pessoal da empresa, quando exista uma suspeita razoável de que aí são conservados livros ou outros registos relacionados com o domínio que é objeto da inspeção que podem ser pertinentes para provar uma violação grave ao artigo 101.o ou 102.o TFUE.

    86

    No que respeita ao argumento das recorrentes segundo o qual os poderes de verificação de que a Comissão dispõe em matéria de concorrência estão bem delimitados, conforme resulta do n.o 64 do presente acórdão, tal não significa no entanto que estes poderes devem ser interpretados de forma restritiva, o que poderia prejudicar o exercício efetivo destes poderes, em determinadas circunstâncias, e privar assim as disposições do artigo 20.o do Regulamento n.o 1/2003 do seu efeito útil.

    87

    No entanto, há que precisar, à semelhança da advogada‑geral nos n.os 67 e 78 das suas conclusões, que a Comissão só pode recorrer à possibilidade, ao abrigo do artigo 20.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1/2003, de prosseguir, nas suas instalações em Bruxelas, o seu controlo dos livros e dos outros registos da empresa que é objeto da inspeção quando puder legitimamente considerar que se justifica fazê‑lo no interesse da eficácia da inspeção ou para evitar uma ingerência excessiva no funcionamento da empresa em causa.

    88

    No presente caso, conforme resulta da exposição dos factos verificados pelo Tribunal Geral, recordada em substância nos n.os 14 a 19 do presente acórdão, os inspetores da Comissão passaram no total quatro dias nas instalações da Nexans France, ou seja, de 28 a 30 de janeiro de 2009, e em seguida em 3 de fevereiro de 2009. Realizaram uma cópia de certos dados e colocaram‑nos nos SIRD que foram colocados em envelopes selados e levados para as instalações da Comissão em Bruxelas. Em seguida, a análise de todos os dados registados nos SIRD levados para Bruxelas, na presença dos representantes da Nexans, durou oito dias úteis, de 2 a 11 de março de 2009, o que implica que, no momento em que a Comissão decidiu prosseguir a inspeção em causa nas suas instalações em Bruxelas, ainda era necessário examinar um volume especialmente importante de dados digitais.

    89

    Nestas condições, há que considerar que a Comissão não cometeu uma ilegalidade quando decidiu prosseguir a inspeção em causa nas suas instalações em Bruxelas. Com efeito, atendendo aos elementos factuais constatados pelo Tribunal Geral, a Comissão podia legitimamente considerar que se justificava prosseguir esta inspeção nas suas instalações em Bruxelas, evitando assim prolongar a duração da presença dos inspetores nas instalações da Nexans, à luz de um objetivo de eficácia da inspeção e para evitar uma ingerência excessiva no funcionamento desta empresa.

    90

    Por último, conforme resulta do no n.o 80 do presente acórdão, a possibilidade, para a Comissão, de continuar o seu controlo dos livros e dos outros registos de uma empresa, ao abrigo do artigo 20.o, n.o 2, alínea b), do Regulamento n.o 1/2003, nas suas instalações em Bruxelas está subordinada à constatação de que de tal continuação não resulta nenhuma violação dos direitos de defesa e que tal continuação não constitui uma violação suplementar aos direitos das empresas em causa, relativamente à que é inerente à realização de uma inspeção nos locais desta. Ora, tal violação deveria ser constatada se da prossecução deste controlo nas instalações da Comissão em Bruxelas decorressem para a empresa objeto da inspeção custos suplementares apenas devido a esta prossecução. Daqui resulta que, quando esta última seja suscetível de dar origem a tais custos suplementares, a Comissão só pode realizar essas inspeções na condição de aceitar reembolsar esses custos quando um pedido devidamente fundamentado lhe for apresentado nesse sentido pela empresa em causa.

    91

    À luz do que precede, há que julgar o segundo e terceiro fundamentos improcedentes.

    Quanto ao quarto fundamento

    Argumentos das partes

    92

    Com o seu quarto fundamento, que visa os n.os 156 e 157 do acórdão recorrido, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito no que se refere às consequências a retirar da inexistência de efeitos da infração em causa. As recorrentes alegam que, na petição inicial, explicaram, detalhadamente, a razão pela qual consideram que a maioria das vendas visadas pela infração em causa não foi afetada por esta infração. Embora o Tribunal Geral não tenha contestado estas explicações, recusou considerar que a inexistência de efeitos é um fator determinante para a fixação do coeficiente de gravidade da infração em causa, e isto pelo mero facto de o ponto 22 das Orientações de 2006 não exigir que a Comissão tome em consideração o impacto concreto da infração no mercado. Ora, o Tribunal Geral não está vinculado por estas orientações quando se pronuncia ao abrigo da sua competência de plena jurisdição, em cujo âmbito deve efetuar a sua própria apreciação, tomando em consideração todas as circunstâncias do presente caso. A decisão do Tribunal Geral a este respeito está assim viciada pela recusa deste em exercer a sua competência de plena jurisdição para apreciar o nível da coima fixada pela Comissão ao abrigo das disposições conjugadas do artigo 261.o TFUE e do artigo 31.o do Regulamento n.o 1/2003.

    93

    Na sua réplica, as recorrentes alegam que o raciocínio do Tribunal de Justiça no Acórdão de 26 de setembro de 2018, Infineon Technologies/Comissão (C‑99/17 P, EU:C:2018:773), que o levou a anular o acórdão que deu origem ao recurso nesse processo, é transponível para o presente caso.

    94

    A Comissão refuta esta argumentação.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    95

    Há que recordar, em primeiro lugar, que só o Tribunal Geral tem competência para fiscalizar a forma como a Comissão apreciou, em cada caso concreto, a gravidade dos comportamentos ilícitos. No âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, a fiscalização do Tribunal de Justiça destina‑se, por um lado, a examinar em que medida o Tribunal Geral tomou em consideração, de modo juridicamente correto, todos os fatores essenciais para apreciar a gravidade de um determinado comportamento à luz do artigo 101.o TFUE e do artigo 23.o do Regulamento n.o 1/2003 e, por outro, a verificar se o Tribunal Geral respondeu de forma juridicamente bastante a todos os argumentos invocados em apoio do pedido de supressão da coima ou de redução do montante desta (Acórdãos de 17 de dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão, C‑185/95 P, EU:C:1998:608, n.o 128, e de 26 de setembro de 2018, Infineon Technologies/Comissão, C‑99/17 P, EU:C:2018:773, n.o 192).

    96

    Em segundo lugar, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a competência de plena jurisdição, reconhecida ao juiz da União no artigo 31.o do Regulamento n.o 1/2003, em conformidade com o disposto no artigo 261.o TFUE, habilita o juiz, para além da simples fiscalização da legalidade da sanção, a substituir a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação e, consequentemente, a suprimir, a reduzir ou a aumentar a coima ou a sanção pecuniária compulsória aplicada (Acórdão de 26 de setembro de 2018, Infineon Technologies/Comissão, C‑99/17 P, EU:C:2018:773, n.o 193 e jurisprudência referida).

    97

    Em terceiro lugar, embora o exercício desta competência de plena jurisdição não equivalha a uma fiscalização oficiosa e o processo seja contraditório, o juiz da União é obrigado, no exercício das competências previstas nos artigos 261.o e 263.o TFUE, a examinar qualquer acusação, de direito ou de facto, que vise demonstrar que o montante da coima não se adequa com a gravidade e com a duração da infração (v., neste sentido, Acórdão de 26 de setembro de 2018, Infineon Technologies/Comissão, C‑99/17 P, EU:C:2018:773, n.os 194, 195 e jurisprudência referida).

    98

    Ora, ao contrário do que as recorrentes alegam, resulta do acórdão recorrido que o Tribunal Geral cumpriu corretamente esta obrigação.

    99

    É certo que o Tribunal Geral não considerou explicitamente que os argumentos das recorrentes que visavam a pretensa inexistência de efeitos da infração em causa não eram suscetíveis de o conduzir, no exercício da sua competência de plena jurisdição, a reduzir as coimas que haviam sido aplicadas a estas últimas na decisão controvertida. Ora, no que respeita ao exercício de uma competência que o legislador conferiu explicitamente ao juiz da União, é necessário que o Tribunal de Justiça possa verificar, no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral no qual a realidade de tal exercício é contestada por uma parte, se o Tribunal Geral exerceu efetivamente esta competência, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 96 do presente acórdão.

    100

    Resulta, contudo, do acórdão recorrido, de forma implícita, mas certa, que o Tribunal Geral exerceu a sua competência de plena jurisdição e que chegou à conclusão visada no número anterior.

    101

    A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça em matéria de recursos de decisões do Tribunal Geral, a fundamentação de uma decisão do Tribunal Geral pode ser implícita, na condição de permitir aos interessados conhecerem os fundamentos em que o Tribunal Geral se baseia e ao Tribunal de Justiça dispor de elementos suficientes para exercer a sua fiscalização (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de setembro de 2016, Trafilerie Meridionali/Comissão, C‑519/15 P, EU:C:2016:682, n.o 41, e de 26 de janeiro de 2017, Villeroy & Boch Austria/Comissão, C‑626/13 P, EU:C:2017:54, n.o 42 e jurisprudência referida).

    102

    No presente caso, nos n.os 138 a 188 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral examinou os diferentes pedidos das recorrentes que visavam obter uma redução do montante das coimas que lhes tinham sido aplicadas na decisão controvertida. Ora, o Tribunal Geral, desde que iniciou este exame, no n.o 138 do seu acórdão, recordou que a fiscalização da legalidade que lhe incumbe a este respeito é completada pela competência de plena jurisdição que é reconhecida ao juiz da União pelo artigo 31.o do Regulamento n.o 1/2003, em conformidade com o disposto no artigo 261.o TFUE.

    103

    Nestas condições, há que considerar que, ao ter procedido a este exame, o Tribunal Geral recorreu efetivamente à sua competência de plena jurisdição no âmbito da sua fiscalização da legalidade da decisão controvertida.

    104

    No que se refere aos argumentos das recorrentes assentes na pretensa inexistência de efeitos da infração em causa, que são examinados nos n.os 156 e 157 do acórdão recorrido, é certo que, no n.o 156 desse acórdão, o Tribunal Geral recordou que, segundo a própria redação do ponto 22 das Orientações de 2006, a Comissão não tem necessariamente de ter em conta o impacto, ou a falta de impacto, concreto da infração no mercado como fator agravante ou atenuante na apreciação da gravidade desta infração para efeitos do cálculo da coima. Esta consideração pode dar a entender que o Tribunal Geral se limitou, a este respeito, à sua única missão de fiscalizar a legalidade da decisão controvertida à luz, nomeadamente, das Orientações de 2006. Ora, embora sejam vinculativas para a própria Comissão, na medida em que esta se impõe assim restrições no exercício do seu poder de apreciação (v., neste sentido, Acórdão de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, EU:C:2005:408, n.o 211), as Orientações de 2006 não se impõem em contrapartida ao juiz da União, nomeadamente no exercício do seu poder de plena jurisdição visado no n.o 96 do presente acórdão (v., neste sentido, Acórdão de 8 de dezembro de 2011, KME Germany e o./Comissão, C‑389/10 P, EU:C:2011:810, n.os 102 e 103), ainda que possa legitimamente inspirar‑se nas mesmas (v., neste sentido, Acórdão de 26 de janeiro de 2017, Aloys F. Dornbracht/Comissão, C‑604/13 P, EU:C:2017:45, n.o 75).

    105

    No entanto, há que salientar que, no mesmo número do acórdão recorrido, o Tribunal Geral prosseguiu o seu raciocínio constatando que é suficiente que o nível da proporção do valor das vendas a tomar em consideração, fixado pela Comissão, seja justificado por outros elementos suscetíveis de influenciar a determinação da gravidade ao abrigo do ponto 22 das Orientações de 2006, tais como a própria natureza da infração, a quota de mercado acumulada de todas as partes interessadas e o seu âmbito geográfico. Ora, são precisamente estes os elementos nos quais a Comissão se baseou, no presente caso, para determinar a gravidade da infração em causa, conforme o Tribunal Geral recordou no n.o 145 do acórdão recorrido.

    106

    Referindo‑se a estes elementos neste contexto, o Tribunal Geral decidiu assim, implícita, mas necessariamente, no exercício do seu poder de plena jurisdição, que a pretensa inexistência de efeitos da infração em causa não era suscetível, devido a estes outros elementos, de o levar a reduzir as coimas que tinham sido aplicadas às recorrentes na decisão controvertida. Daqui resulta, além disso, que foi por esta razão que retirou a consequência, no n.o 157 do acórdão recorrido, de que havia que julgar improcedentes os argumentos relativos a esta pretensa inexistência de efeitos.

    107

    Há que acrescentar que esta leitura do acórdão recorrido se impõe independentemente de se tomar em consideração a versão inicial do n.o 156 desse acórdão ou a versão decorrente do Despacho de retificação de 4 de maio de 2020.

    108

    O presente caso distingue‑se do processo que deu origem ao Acórdão de 26 de setembro de 2018, Infineon Technologies/Comissão (C‑99/17 P, EU:C:2018:773), no qual o Tribunal Geral não tinha fornecido nenhuma resposta a um argumento da recorrente que visava o exercício da sua competência de plena jurisdição.

    109

    O facto de, no presente caso, o Tribunal Geral não ter omitido tomar em consideração a sua competência de plena jurisdição é aliás confirmado pelo facto de, no n.o 188 do acórdão recorrido, este ter chegado à conclusão de que o pedido das recorrentes de redução do montante das coimas que lhes tinham sido impostas devia ser rejeitado porque, por um lado, os fundamentos e os argumentos invocados por estas em apoio deste pedido tinham sido rejeitados e, por outro, porque não existiam elementos que, no caso concreto, fossem suscetíveis de justificar uma redução do montante destas coimas.

    110

    Por conseguinte, há que julgar o quarto fundamento improcedente.

    Quanto ao quinto fundamento

    Argumentos das partes

    111

    Com o seu quinto fundamento, que visa os n.os 180 a 184 do acórdão recorrido, as recorrentes alegam que a consideração do Tribunal Geral, segundo a qual, devido à participação das recorrentes na configuração europeia do cartel, a Comissão podia aumentar em 2 % o coeficiente de gravidade utilizado para calcular o montante das coimas que lhes foram aplicadas, está viciada de um erro manifesto de apreciação e de uma falta de fundamentação quanto à medida na qual a configuração europeia podia causar um prejuízo suplementar à concorrência no EEE. Segundo as recorrentes, o Tribunal Geral não se pode limitar a considerar que não há nenhuma dúvida de que a configuração europeia reforçou a violação da concorrência, tanto mais que a configuração A/R do cartel estava, de forma global, plenamente implementada. Além disso, a Comissão e o Tribunal Geral reconheceram que as recorrentes apresentaram provas das quais resulta que nem todas as vendas europeias aos clientes europeus foram afetadas.

    112

    Segundo a Comissão, este fundamento não procede por falta de sustentação.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    113

    Há que salientar que este fundamento assenta numa leitura errada do acórdão recorrido. Com efeito, contrariamente ao que as recorrentes alegam, o Tribunal Geral não considerou de modo nenhum que estas últimas tinham feito prova de que a infração em causa não tinha tido impacto na globalidade das vendas europeias. Pelo contrário, o Tribunal Geral constatou, no n.o 181 do acórdão recorrido, que a configuração europeia do cartel tinha implicado um compromisso suplementar de repartição de projetos que ia além das regras de atribuição existentes na configuração A/R do cartel.

    114

    Nestas circunstâncias, a consideração do Tribunal Geral, que figura no n.o 182 do acórdão recorrido, segundo a qual não havia nenhuma dúvida de que a partilha dos projetos de cabos elétricos subterrâneos e submarinos de alta tensão no âmbito da configuração europeia do cartel tinha reforçado a violação da concorrência no EEE através da configuração A/R do referido cartel, não está viciada de nenhuma falta de fundamentação.

    115

    Há igualmente que constatar que o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito quando considerou que a partilha dos projetos entre as empresas europeias constituía uma violação suplementar da concorrência face à que resultava da configuração A/R do cartel. Com efeito, conforme salientou a advogada‑geral no n.o 126 das suas conclusões, a estreita ligação que existia entre estas duas configurações não altera o facto de que a configuração europeia do cartel constitui, pela sua própria natureza, um compromisso diferente de repartição de projetos que não era inerente à configuração A/R do cartel. A consideração do Tribunal Geral segundo a qual esta violação suplementar da concorrência podia legitmamente ser punida através de uma coima agravada não está assim viciada de um erro de apreciação.

    116

    Daqui resulta que há que julgar o quinto fundamento improcedente.

    117

    Não tendo prosperado nenhum dos fundamentos apresentados pelas recorrentes em apoio do presente recurso, há que negar integralmente provimento a este último.

    Quanto às despesas

    118

    Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, aplicável ao processo de recurso de decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 184.o, n.o 1, do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencida o tiver requerido.

    119

    Tendo a Comissão pedido a condenação das recorrentes nas despesas e tendo estas sido vencidas, há que condená‑las a suportar as despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

     

    1)

    É negado provimento ao recurso.

     

    2)

    A Nexans France SAS e a Nexans SA são condenadas nas despesas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: inglês.

    Top