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Document 62018CJ0307

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 30 de janeiro de 2020.
Generics (UK) Ltd e o. contra Competition and Markets Authority.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Competition Appeal Tribunal, London.
Reenvio prejudicial — Concorrência — Produtos farmacêuticos — Barreiras à entrada de medicamentos genéricos no mercado, resultantes de acordos de resolução amigável de litígios relativos a patentes de processo celebrados entre um fabricante de medicamentos originais titular dessas patentes e fabricantes de medicamentos genéricos — Artigo 101.o TFUE — Concorrência potencial — Restrição por objetivo — Qualificação — Restrição por efeito — Apreciação dos efeitos — Artigo 102.o TFUE — Mercado relevante — Inclusão dos medicamentos genéricos no mercado relevante — Abuso de posição dominante — Qualificação — Justificações.
Processo C-307/18.

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2020:52

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

30 de janeiro de 2020 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Concorrência — Produtos farmacêuticos — Barreiras à entrada de medicamentos genéricos no mercado, resultantes de acordos de resolução amigável de litígios relativos a patentes de processo celebrados entre um fabricante de medicamentos originais titular dessas patentes e fabricantes de medicamentos genéricos — Artigo 101.o TFUE — Concorrência potencial — Restrição por objetivo — Qualificação — Restrição por efeito — Apreciação dos efeitos — Artigo 102.o TFUE — Mercado relevante — Inclusão dos medicamentos genéricos no mercado relevante — Abuso de posição dominante — Qualificação — Justificações»

No processo C‑307/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Competition Appeal Tribunal (Tribunal da Concorrência, Reino Unido), por Decisão de 27 de março de 2018, entrado no Tribunal de Justiça em 7 de maio de 2018, no processo

Generics (UK) Ltd,

GlaxoSmithKline plc,

Xellia Pharmaceuticals ApS,

Alpharma LLC, anteriormente Zoetis Products LLC,

Actavis UK Ltd,

Merck KGaA

contra

Competition and Markets Authority,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente de secção, S. Rodin, D. Šváby (relator), K. Jürimäe e N. Piçarra, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: C. Strömholm, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 19 de setembro de 2019,

vistas as observações apresentadas:

em representação da Generics (UK) Ltd, por C. Humpe e S. Kon, solicitors,

em representação da GlaxoSmithKline plc, por B. Sher, R. Hoare e J. Kontogeorges bem como por R. Bickler, solicitors, D. Scannell e C. Thomas, barristers, e por J. E. Flynn, QC,

em representação da Xellia Pharmaceuticals ApS e da Alpharma LLC, por L. Tolaini e B. Jasper, solicitors, bem como por R. O’Donoghue, QC,

em representação da Actavis UK Ltd, por C. Firth, solicitor, e S. Ford, QC,

em representação da Merck KGaA, por S. Smith, A. White e B. Bär‑Bouyssière, solicitors, bem como por R. Kreisberger, QC,

em representação da Competition and Markets Authority, por C. Brannigan, R. Browne, V. Pye e N. Rouse, solicitors, D. Bailey, barrister, bem como por J. Turner e M. Demetriou, QC,

em representação da Comissão Europeia, por F. Castilla Contreras e T. Vecchi, bem como por B. Mongin e C. Vollrath, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 22 de janeiro de 2020,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 101.o e 102.o TFUE.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Generics (UK) Ltd (a seguir «GUK»), a GlaxoSmithKline plc (a seguir «GSK»), a Xellia Pharmaceuticals ApS, a Alpharma LLC, anteriormente Zoetis Products LLC, a Actavis UK Ltd e a Merck KGaA à Competition and Markets Authority (Autoridade da Concorrência e dos Mercados, Reino Unido, a seguir «CMA») a respeito da decisão desta, de 12 de fevereiro de 2016, que declara a existência de cartéis em que participaram estas sociedades e de um abuso de posição dominante por parte da GSK e lhes aplicou sanções pecuniárias (a seguir «decisão da CMA»).

Quadro jurídico

Direito da União

3

Os n.os 17, 20 e 24 da Comunicação da Comissão relativa à definição de mercado relevante para efeitos do direito comunitário da concorrência (JO 1997, C 372, p. 5; a seguir «comunicação relativa à definição de mercado»), dispõem:

«17. A questão que se coloca é a de saber se os clientes das partes transfeririam rapidamente a sua procura para os produtos de substituição disponíveis ou para fornecedores situados noutros locais em resposta a um pequeno aumento hipotético (em torno dos 5 a 10 %) dos preços relativos, dos produtos e áreas em análise. Se o fenómeno da substituição for suficiente para tornar o aumento de preços não lucrativo devido à perda de vendas daí resultante, os produtos de substituição e as áreas adicionais serão incluídos no mercado relevante até que o conjunto de produtos e área geográfica seja de molde a tornar lucrativo pequenos aumentos duradouros dos preços relativos. É aplicável uma análise análoga nos casos de concentração do poder de compra, em que o ponto de partida seria o fornecedor, permitindo os critérios em matéria de preços a identificação de canais de distribuição ou pontos de venda alternativos para os produtos dos fornecedores. Na aplicação destes princípios, devem ser cuidadosamente tomadas em consideração determinadas situações específicas, conforme descritas nos pontos 56 e 58.

[…]

20. A substituibilidade do lado da oferta pode igualmente ser tomada em consideração na definição dos mercados nos casos em que os seus efeitos são equivalentes aos da substituição do lado da procura em termos de eficácia e efeito imediato. Tal requer que os fornecedores possam transferir a sua produção para os produtos relevantes e comercializá‑los a curto prazo [isto é, um prazo que não implique qualquer adaptação significativa dos ativos corpóreos e incorpóreos existentes (ver ponto 23)] sem incorrer em custos ou riscos suplementares significativos em resposta a pequenas alterações duradouras nos preços relativos. Sempre que sejam preenchidas estas condições, a produção adicional colocada no mercado terá um efeito disciplinar sobre o comportamento concorrencial das empresas em causa. Um impacto deste tipo, em termos de eficácia e efeito imediato, é equivalente ao efeito da substituição do lado da procura.

[…]

24. A terceira fonte de condicionalismos concorrenciais, a saber, a concorrência potencial, não é tomada em consideração na definição dos mercados, uma vez que as condições em que a concorrência potencial representará efetivamente um verdadeiro condicionalismo concorrencial dependerá da análise de fatores e circunstâncias específicos relacionados com as condições de penetração no mercado. Caso necessário, esta análise é apenas realizada numa fase subsequente, em geral, uma vez determinada a posição das empresas em causa no mercado relevante e sempre que essa posição suscitar preocupações do ponto de vista da concorrência.»

Direito do Reino Unido

4

A parte I da Competition Act 1998 (Lei da Concorrência de 1998, Reino Unido) contém os capítulos 1 a 5 desta lei. No capítulo 1, o artigo 2.o desta lei prevê:

«Acordos […] [que tenham por objetivo ou por efeito] impedir, restringir ou falsear a concorrência

1)

[…], todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que:

a)

sejam suscetíveis de afetar o comércio no Reino Unido, e

b)

tenham por objetivo ou por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no Reino Unido,

são proibidos salvo se as disposições da presente parte dispuserem em sentido diferente.

2)

A subsecção 1 aplica‑se, nomeadamente, a todos os acordos, todas as decisões e todas as práticas que consistam em:

[…]

b)

limitar ou controlar a produção, a distribuição, o desenvolvimento técnico ou os investimentos;

c)

repartir os mercados ou as fontes de abastecimento […]»

5

O artigo 18.o da Competition Act 1998, que consta do capítulo 2 da parte I desta lei, dispõe:

«Abuso de posição dominante

1)

[…], é proibido, na medida em que tal seja suscetível de afetar o comércio no Reino Unido, que uma ou mais empresas explorem de forma abusiva uma posição dominante no mercado.

2)

Essas práticas podem, nomeadamente, constituir uma prática abusiva se consistirem em:

[…]

b)

limitar a produção, a distribuição ou o desenvolvimento técnico em prejuízo dos consumidores;

[…]

[…]»

6

O artigo 60.o desta lei, que consta do capítulo 5 da parte I desta lei, enuncia:

«Princípios a aplicar para decidir sobre as questões

1)

Este artigo tem como objetivo garantir, na medida do possível (tendo em conta todas as diferenças relevantes entre as disposições em causa), que as questões abrangidas pela presente parte, relativas à concorrência no Reino Unido, sejam tratadas em conformidade com o tratamento das questões equivalentes no direito da União, relativas à concorrência na União Europeia.

2)

Sempre que um órgão jurisdicional analise uma questão relativa à presente parte, deve agir (na medida em que tal seja compatível com as disposições da presente parte e independentemente de o órgão jurisdicional estar ou não obrigado, por outro lado, a proceder desse modo) de forma a garantir que não exista qualquer incompatibilidade entre:

a)

os princípios aplicados e a decisão proferida pelo órgão jurisdicional quando se pronuncie sobre essa questão; e

b)

os princípios enunciados no Tratado e pelo Tribunal de Justiça da União, bem como qualquer decisão relevante do Tribunal de Justiça, que sejam aplicáveis quando se pronuncie sobre uma questão equivalente de direito da União.

3)

O órgão jurisdicional deve, além disso, ter em conta decisões ou declarações relevantes da Comissão.

[…]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

7

A paroxetina é um medicamento antidepressivo que só é vendido mediante receita médica e que pertence à família dos inibidores seletivos da recaptação da serotonina (a seguir «ISRS»). Foi comercializado no Reino Unido pela GSK, fabricante de medicamentos originais, sob a denominação comercial «Seroxat».

8

Na sequência da caducidade, em janeiro de 1999, da patente obtida pela GSK para o princípio ativo desse medicamento original e do prazo dito de «exclusividade dos dados» relativos a esse princípio ativo, em dezembro de 2000, a GSK viu‑se confrontada com a possibilidade de os fabricantes de medicamentos genéricos pedirem uma autorização de introdução no mercado (a seguir «AIM») no Reino Unido, ao abrigo de um procedimento abreviado, para a sua própria versão desse medicamento.

9

Nesta altura, a GSK obteve várias patentes «secundárias», entre as quais a patente GB 2297550 (a seguir «patente do anidro»), que abrangia quatro polimorfos do princípio ativo em causa e respetivo processo de fabrico. Concedida em 1997, essa patente foi depois declarada parcialmente inválida pela Patents Court (Tribunal de Patentes, Reino Unido) e, na parte em que permaneceu válida, caducou em 2016.

10

Além disso, desde meados de 2000 que a GSK tinha conhecimento de que vários fabricantes de medicamentos genéricos, entre os quais a IVAX Pharmaceuticals UK (a seguir «FIVAX »), a GUK e a Alpharma, pretendiam comercializar no Reino Unido uma versão genérica da paroxetina. Com efeito, a IVAX obteve da BASF AG o princípio ativo da paroxetina, com base no qual apresentou um pedido de AIM na Irlanda. A GUK obteve uma AIM para a paroxetina na Dinamarca em abril de 2001. Por último, a Alpharma apresentou um pedido de AIM no Reino Unido em 30 de maio de 2001.

11

Nesse contexto, a GSK celebrou três acordos com os fabricantes de medicamentos genéricos em questão.

12

O primeiro acordo, celebrado com a IVAX em 3 de outubro de 2001 (a seguir «acordo GSK/IVAX») e que terminou em 29 de junho de 2004, designava esta empresa como «distribuidora exclusiva» no Reino Unido do cloridrato de paroxetina 20 mg, até ao limite de 770000 embalagens de 30 comprimidos, para venda como produto genérico autorizado, como contrapartida de um «abono promocional» anual de 3,2 milhões de libras esterlinas (GBP) pago pela GSK.

13

O segundo acordo foi celebrado com a GUK em 13 de março de 2002 (a seguir «acordo GSK/GUK») e terminou em 1 de julho de 2004. Representou o epílogo de vários processos, entre os quais o processo de declaração de nulidade da patente do anidro, interposto pela BASF em 27 de julho de 2001, a ação por contrafação contra a GUK relativa à mesma patente, intentada pela GSK em 18 de setembro de 2001, e a adoção pelo Tribunal de Patentes, em 23 de outubro de 2001, de uma providência cautelar que impedia a GUK de entrar no mercado, tendo a GSK assumido, para o efeito, o compromisso de a indemnizar por qualquer perda ou dano que pudesse sofrer se a providência cautelar decretada na audiência inicial viesse posteriormente a ser julgada improcedente (a seguir «cross‑undertaking in damages»). Em 13 de março de 2002, ou seja, na véspera da audiência dos processos interpostos pela BASF e pela GSK, a GSK e a GUK chegaram a um acordo de resolução amigável respeitante ao levantamento da providência cautelar e do «cross‑undertaking in damages» assumido pela GSK, à renúncia a todos os pedidos de indemnização e à suspensão da instância. Nesse acordo, a GSK comprometeu‑se a adquirir a totalidade do stock de paroxetina genérica da GUK destinado à venda no Reino Unido, pela quantia de 12,5 milhões de dólares dos Estados Unidos, a pagar 50 % das despesas da GUK relacionadas com o processo, até ao valor de 0,5 milhões de GBP, e a pagar à GUK um abono de comercialização anual de 1,65 milhões de GBP; a GUK, por seu lado, comprometeu‑se a celebrar um acordo de subdistribuição com a IVAX relativo a 750000 embalagens de paroxetina 20 mg a um preço indexado e a deixar de fabricar, importar ou fornecer, tal como todas a sociedades do grupo Merck, cloridrato de paroxetina no Reino Unido durante a vigência do referido acordo de fornecimento entre a IVAX e a GUK.

14

O terceiro acordo foi celebrado com a Alpharma em 12 de novembro de 2002 (a seguir «acordo GSK/Alpharma») e terminou em 13 de fevereiro de 2004. Veio na sequência da ação por contrafação proposta pela GSK contra a Alpharma e do pedido de medidas provisórias da GSK. Tendo o juiz da causa referido às partes que essas medidas seriam provavelmente decretadas, a Alpharma comprometeu‑se, em 1 de agosto de 2002, perante esse órgão jurisdicional, a não vender paroxetina no Reino Unido antes de ser proferida a sentença nesse processo, enquanto a GSK assumiu um «cross‑undertaking in damages». Em 12 de novembro de 2002, foi celebrado um acordo amigável entre estes dois fabricantes por força do qual as partes acordaram suspender os seus compromissos recíprocos e desistir das suas reivindicações. Além disso, ficou estabelecido que a Alpharma celebraria um acordo de subdistribuição com a IVAX relativo ao fornecimento de 500000 embalagens de paroxetina 20 mg (quantidade que ascendeu a 2020000 embalagens e depois foi reduzida para620000 embalagens), que a GSK pagaria à Alpharma 0,5 milhões de GBP a título de contribuição para as despesas do processo judicial, 3 milhões de GBP «respeitante aos custos de produção e de preparação do lançamento pela Alpharma da [paroxetina] no mercado britânico», bem como 100000 libras por mês durante 12 meses a título de «abono de comercialização», e que a GSK concederia à Alpharma uma opção de compra no que se refere a determinados produtos que a GSK poderia vender noutros domínios terapêuticos. Como contrapartida desses benefícios, a Alpharma comprometeu‑se a não fabricar, importar ou fornecer cloridrato de paroxetina no Reino Unido, com exceção do que adquirisse à IVAX ou fosse fabricado pela GSK. Decorre igualmente desse acordo que a Alpharma tinha o direito de o revogar mediante um pré‑aviso de um mês em caso de constituição de um «mercado de genéricos» ou de cessação «por caducidade, renúncia, desistência ou outra» da reivindicação do processo na patente do anidro. A Alpharma exerceu esse direito na sequência da sentença proferida em 5 de dezembro de 2003 num processo paralelo e que permitiu a entrada de fabricantes de medicamentos genéricos no mercado, tendo a Alpharma entrado em seguida no mercado da paroxetina, em fevereiro de 2004.

15

Neste contexto, em 12 de fevereiro de 2016, a CMA adotou a decisão nos termos da qual constatou que:

a GSK detinha uma posição dominante no mercado da paroxetina e tinha abusado dessa posição em violação da proibição prevista no capítulo 2 da parte I da Competition Act 1998 ao celebrar os acordos GSK/IVAX, GSK/GUK e GSK/Alpharma;

a GSK e a GUK, bem como a Merck, tinham violado a proibição prevista no capítulo 1 da parte I da Competition Act 1998 e, no que respeita ao período posterior a 1 de maio de 2004, o artigo 101.o TFUE ao celebrar o acordo GSK/GUK, e

a GSK e as sociedades do grupo Alpharma (Actavis UK, Xellia Pharmaceuticals — anteriormente Alpharma UK Limited — e Alpharma), tinham violado a proibição prevista no capítulo 1 da parte I da Competition Act 1998 ao celebrar o acordo GSK/Alpharma.

16

Consequentemente, a CMA aplicou às referidas sociedades sanções pecuniárias no montante total de 44,99 milhões de GBP.

17

Em contrapartida, o acordo GSK/IVAX não foi sancionado pela CMA nos termos da Competition Act 1998 (Land and Vertical Agreements Exclusion) Order 2000 (SI 2000/310), que, até à sua revogação, em 30 de abril de 2005, excluía os acordos verticais da proibição prevista no capítulo 1 da Competition Act 1998.

18

As sociedades punidas recorreram desta decisão para o Competition Appeal Tribunal (Tribunal da Concorrência, Reino Unido).

19

O órgão jurisdicional em causa refere que, para decidir esse recurso, cabe‑lhe determinar, tendo em conta o direito da União, se os fabricantes de medicamentos em causa, designadamente a GSK, por um lado, e a GUK, a Alpharma e a IVAX, por outro, se encontravam numa situação de concorrência potencial no que respeita ao fornecimento da paroxetina no Reino Unido durante o período em causa e se os três acordos celebrados pela GSK com os fabricantes de medicamentos genéricos em questão constituíram uma restrição da concorrência «por objetivo» (a seguir «restrição por objetivo») ou «por efeito» (a seguir «restrição por efeito»). O referido órgão jurisdicional considera que deve igualmente determinar o mercado de produtos relevante no qual a GSK forneceu a paroxetina, para estabelecer se este fabricante de medicamentos deteve uma posição dominante nesse mercado e se abusou dessa posição.

20

O Competition Appeal Tribunal (Tribunal da Concorrência) observa, por um lado, que, para apreciar a legalidade da decisão da CMA, na medida em que diz respeito às restrições da concorrência, há que interpretar o artigo 101.o TFUE. Este órgão jurisdicional salienta igualmente que o Tribunal Geral da União Europeia se pronunciou em processos que opõem, nomeadamente, os mesmos fabricantes de medicamentos que estão envolvidos no processo principal, a propósito de questões análogas às que estão em causa, e todos os recorrentes no processo principal contestam a sua relevância no caso em apreço. Acresce que considera que as modalidades de apreciação de uma restrição por efeito, objeto da sexta questão prejudicial, permanecem incertas. O referido órgão jurisdicional considera, por outro lado, que lhe foram submetidas questões de direito novas relativas à interpretação do artigo 102.o TFUE, que se referem quer à definição do mercado relevante quer ao abuso de posição dominante e as suas eventuais justificações.

21

Neste contexto, o Competition Appeal Tribunal (Tribunal da Concorrência) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Concorrência potencial

Para efeitos do artigo 101.o, n.o 1, [TFUE], devem o titular de uma patente de um produto farmacêutico e [um fabricante] de medicamentos genéricos que pretende introduzir no mercado uma versão genérica do referido produto ser considerados potenciais concorrentes quando sejam partes de boa‑fé num litígio sobre a validade da patente ou sobre o caráter contrafeito do produto genérico?

2)

A resposta à primeira questão será diferente no caso:

a)

de estar pendente entre as partes um processo judicial respeitante a esse litígio; ou

b)

de o titular da patente ter obtido uma providência cautelar que impede a empresa de medicamentos genéricos de lançar no mercado o seu produto genérico até à prolação da sentença no referido processo; ou

c)

de o titular da patente considerar a empresa de medicamentos genéricos uma potencial concorrente?

3)

Restrições por objetivo

Quando esteja pendente um processo judicial relativo à validade da patente de um produto farmacêutico e ao caráter contrafeito do produto genérico, e não seja possível determinar qual das partes pode obter ganho de causa nesse processo, existe uma [restrição por objetivo] na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE quando as partes celebrem um acordo para resolver amigavelmente esse litígio, nos termos do qual:

a)

A empresa de medicamentos genéricos se compromete a não introduzir no mercado o seu produto genérico e a abster‑se de contestar a validade da patente durante o prazo de vigência do acordo (não sendo este superior ao prazo de validade remanescente da patente), e

b)

O titular da patente se compromete a efetuar uma transferência de valor a favor da empresa de medicamentos genéricos de montante substancialmente superior aos custos da via contenciosa que evitou (incluindo os relativos à gestão do litígio e incómodos inerentes), e que não constitui pagamento de quaisquer bens ou serviços fornecidos ou prestados ao titular da patente?

4)

A resposta à terceira questão será diferente no caso:

a)

de o âmbito da restrição da concorrência imposta à empresa de medicamentos genéricos não ultrapassar o âmbito da patente controvertida; ou

b)

de o montante da transferência de valor para a empresa de medicamentos genéricos ser inferior ao lucro que esta poderia auferir se tivesse obtido ganho de causa na ação relativa à patente e se tivesse introduzido no mercado um produto genérico independente?

5)

As respostas às terceira e quarta questões serão diferentes no caso de o acordo prever o fornecimento pelo titular da patente à empresa de medicamentos genéricos de volumes significativos, mas limitados, do produto genérico autorizado e de o acordo:

a)

não originar uma restrição concorrencial significativa sobre os preços praticados pelo titular da patente; mas

b)

proporcionar aos consumidores benefícios que não obteriam se o titular da patente tivesse obtido ganho de causa no processo judicial, mas que são claramente inferiores aos benefícios concorrenciais que adviriam da introdução no mercado do referido produto genérico independente se a empresa de medicamentos genéricos tivesse obtido ganho de causa no processo judicial? Ou esta última questão apenas é relevante no âmbito de uma apreciação à luz do artigo 101.o, n.o 3, TFUE?

6)

Restrição por efeito

Nas circunstâncias descritas nas terceira e quinta questões, existe uma [restrição por efeito] na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, ou para tal é necessário que o órgão jurisdicional conclua que, na falta desse acordo de resolução amigável:

a)

a empresa de medicamentos genéricos teria provavelmente obtido ganho de causa no processo judicial relativo à patente (ou seja, a probabilidade de a patente ser válida e ter sido violada era inferior a 50 %); ou

b)

as partes provavelmente teriam celebrado um acordo de resolução amigável menos restritivo (ou seja, a probabilidade de celebrarem um acordo menos restritivo era superior a 50 %)?

7)

Definição do mercado

Quando, no plano terapêutico, um produto farmacêutico patenteado possa ser substituído por uma série de outros produtos da mesma classe e a pretensa prática abusiva, na aceção do artigo 102.o TFUE, consista no facto de o titular da patente, na prática, excluir do mercado as versões genéricas desse produto, devem os referidos produtos genéricos ser tidos em conta para efeitos da definição do mercado do produto relevante, não obstante não poderem ser legalmente introduzidos no mercado antes da caducidade da patente, na eventualidade (que é incerta) de esta ser válida e ter sido violada por esses produtos genéricos?

8)

Abuso

Nas circunstâncias descritas nas terceira e quinta questões, se o titular da patente dispuser de uma posição dominante, o seu comportamento ao celebrar tal acordo constitui um abuso na aceção do artigo 102.o TFUE?

9)

A resposta à oitava questão será diferente no caso de o titular da patente celebrar um acordo desse tipo, não para a resolução amigável de um processo judicial pendente, mas para evitar o início de um processo judicial?

10)

A resposta às oitava e nona questões será diferente no caso:

a)

de o titular da patente prosseguir uma estratégia de celebração de vários acordos dessa natureza para excluir o risco de introdução ilimitada de um produto genérico no mercado; e

b)

de o primeiro acordo desse tipo implicar uma redução do nível de reembolso do produto farmacêutico em causa por força da estrutura do sistema nacional de reembolso das farmácias pelas autoridades públicas de saúde, gerando poupanças substanciais para estas (ainda que claramente inferiores às que resultariam da introdução no mercado de um produto genérico independente, na sequência de um desfecho do processo judicial relativo à patente favorável à empresa de medicamentos genéricos); e

c)

de as partes não terem tido a intenção de gerar essas poupanças quando celebraram esses acordos?»

Observações preliminares

22

Resulta da decisão da CMA, resumida no n.o 15 do presente acórdão, que esta autoridade sancionou as práticas da GSK, da GUK e da Alpharma a títulos diferentes e com diferentes fundamentos.

23

Assim, o acordo GSK/GUK foi sancionado a título do direito da concorrência com fundamento no capítulo 1 da parte I da Competition Act 1998, no que diz respeito a toda a sua vigência, e com fundamento no artigo 101.o TFUE no que diz respeito ao período posterior a 1 de maio de 2004. Em contrapartida, o acordo GSK/Alpharma, que terminou antes dessa data, foi sancionado apenas com fundamento no capítulo 1 da parte I da Competition Act 1998.

24

De igual modo, a GSK foi sancionada a título de abuso de posição dominante apenas com fundamento no capítulo 2 da parte I desta lei, e não do artigo 102.o TFUE.

25

A este respeito, é verdade que, no âmbito do processo previsto no artigo 267.o TFUE, o Tribunal de Justiça não é competente para interpretar o direito nacional, sendo esta tarefa da competência exclusiva do órgão jurisdicional de reenvio (Acórdãos de 7 de setembro de 2006, Marrosu e Sardino, C‑53/04, EU:C:2006:517, n.o 54, e de 18 de novembro de 2010, Georgiev, C‑250/09 e C‑268/09, EU:C:2010:699, n.o 75).

26

Contudo, o Tribunal de Justiça é competente para decidir pedidos prejudiciais relativos a disposições do direito da União em situações nas quais, apesar de os factos do processo principal não serem diretamente abrangidos pelo âmbito de aplicação do direito da União, as disposições deste direito tenham passado a ser aplicáveis por força do direito nacional, em virtude de uma remissão operada por este para o conteúdo daquelas (v., nesse sentido, Acórdãos de 21 de dezembro de 2011, Cicala, C‑482/10, EU:C:2011:868, n.o 17; de 18 de outubro de 2012, Nolan, C‑583/10, EU:C:2012:638, n.o 45, e de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten, C‑268/15, EU:C:2016:874, n.o 53).

27

Com efeito, quando uma legislação nacional se adequa, para as soluções que dá a situações puramente internas, às soluções adotadas pelo direito da União, a fim, por exemplo, de evitar eventuais distorções da concorrência, ou ainda de assegurar um procedimento único em situações comparáveis, existe um interesse manifesto da União em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições ou os conceitos retomados do direito da União sejam interpretados de modo uniforme, quaisquer que sejam as condições em que se devam aplicar (v., nesse sentido, Acórdãos de 18 de outubro de 1990, Dzodzi, C‑297/88 e C‑197/89, EU:C:1990:360, n.o 37; de 17 de julho de 1997, Leur‑Bloem, C‑28/95, EU:C:1997:369, n.o 32, e de 18 de outubro de 2012, Nolan, C‑583/10, EU:C:2012:638, n.o 46).

28

Ora, no caso em apreço, como resulta quer das informações transmitidas pelo órgão jurisdicional de reenvio ao Tribunal de Justiça quer das respostas dos interessados a uma questão colocada pelo Tribunal de Justiça na audiência de alegações, o artigo 2.o da Competition Act 1998, que consta do capítulo 1 da parte I desta lei, assim como o artigo 18.o da mesma lei, que consta do capítulo 2 da parte I desta, deve ser aplicado em conformidade com as disposições de direito da União correspondentes, como é exigido, no essencial, pelo artigo 60.o dessa lei.

29

Por conseguinte, há que responder ao presente pedido de decisão prejudicial.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto às primeira a sexta questões (artigo 101.o TFUE)

Quanto às primeira e segunda questões (concorrência potencial)

30

A título preliminar, deve recordar‑se que, por força do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, são incompatíveis com o mercado interno e proibidos todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas práticas concertadas que sejam suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados‑Membros e que tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno.

31

Assim, para ser abrangido pela proibição de princípio prevista no artigo 101.o, n.o 1, TFUE, não só o comportamento das empresas deve revelar a existência de uma colusão entre elas — ou seja, um acordo entre empresas, uma decisão de associação de empresas ou uma prática concertada —, mas esta colusão deve também afetar desfavoravelmente e de modo sensível a concorrência no mercado interno (v., nesse sentido, Acórdão de 13 dezembro de 2012, Expedia, C‑226/11, EU:C:2012:795, n.os 16 e 17).

32

Este último requisito pressupõe, no que respeita a acordos de cooperação horizontal celebrados entre empresas que operem no mesmo nível da cadeia de produção ou de distribuição, que a referida colusão se produza entre empresas que estejam em situação de concorrência, se não efetiva, pelo menos potencial.

33

É neste contexto que o órgão jurisdicional de reenvio submete as suas primeira e segunda questões, que devem ser analisadas conjuntamente.

34

Com estas questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que se encontram numa situação de concorrência potencial, por um lado, um fabricante de medicamentos originais titular de uma patente de processo de fabrico de um princípio ativo caído no domínio público e, por outro, fabricantes de medicamentos genéricos que se preparam para entrar no mercado do medicamento que contém esse princípio ativo, quando entre estes exista um litígio relativo à validade dessa patente ou ao caráter contrafeito dos medicamentos genéricos em questão. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta igualmente se a existência de um processo judicial relativo à validade da patente em causa, o qual ainda se encontra pendente e deu origem a um processo de medidas provisórias e à adoção de providências cautelares, assim como o facto de o titular da patente poder considerar os fabricantes de medicamentos genéricos potenciais concorrentes, constituem elementos suscetíveis de influenciar a resposta a essa questão.

35

No caso em apreço, apenas está em causa o conceito de «concorrência potencial», uma vez que os fabricantes de medicamentos genéricos que celebraram os acordos controvertidos com a GSK não tinham entrado no mercado da paroxetina na data da respetiva celebração.

36

Para apreciar se uma empresa que não está presente num mercado é um potencial concorrente de uma ou várias outras empresas já presentes nesse mercado, importa determinar se existem possibilidades reais e concretas de aquela entrar no referido mercado e concorrer com esta ou estas (v., nesse sentido, Acórdão de 28 de fevereiro de 1991, Delimitis, C‑234/89, EU:C:1991:91, n.o 21).

37

Assim, quando esteja em causa um acordo cuja consequência é manter uma empresa temporariamente fora do mercado, há que determinar se, na falta do acordo em causa, teriam existido possibilidades reais e concretas de essa empresa aceder ao referido mercado e concorrer com as empresas aí estabelecidas.

38

Tal critério exclui que a conclusão de que uma relação de concorrência potencial possa resultar apenas da possibilidade, puramente hipotética, de tal entrada ou ainda da mera vontade do fabricante de medicamentos genéricos nesse sentido. Em contrapartida, não exige, de modo algum, que se demonstre com certeza que esse fabricante entrará efetivamente no mercado em causa e, mais ainda, que posteriormente conseguirá manter‑se nele.

39

A apreciação da existência de concorrência potencial deve ser efetuada atendendo à estrutura do mercado e ao contexto económico e jurídico que regula o seu funcionamento.

40

A este respeito, por um lado, tratando‑se, como no processo principal, do setor farmacêutico, cujas especificidades para efeitos da aplicação do direito da concorrência da União já foram salientadas pelo Tribunal de Justiça (v., nesse sentido, Acórdão de 23 de janeiro de 2018, F. Hoffmann‑La Roche e o., C‑179/16, EU:C:2018:25, n.os 65 e 80), e, mais precisamente, da abertura do mercado de um medicamento que contém um princípio ativo caído recentemente no domínio público aos fabricantes de medicamentos genéricos, cujos efeitos sobre os preços foram realçados pelo órgão jurisdicional de reenvio, deve ter‑se devidamente em conta os condicionalismos regulamentares próprios do setor do medicamento. Entre estes, figura o artigo 6.o da Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano (JO 2001, L 311, p. 67), alterada pelo Regulamento (CE) n.o 1394/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007 (JO 2007, L 324, p. 121, e retificação no JO 2009, L 87, p. 174), que prevê que nenhum medicamento pode ser introduzido no mercado de um Estado‑Membro sem que tenha sido emitida uma AIM pela autoridade competente desse Estado‑Membro ou sem que tenha sido concedida uma autorização em conformidade com as disposições do Regulamento (CE) n.o 726/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, que estabelece procedimentos comunitários de autorização e de fiscalização de medicamentos para uso humano e veterinário e que institui uma Agência Europeia de Medicamentos (JO 2004, L 136, p. 1), alterado pelo Regulamento (CE) n.o 219/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março de 2009 (JO 2009, L 87, p. 109) (Acórdão de 23 de janeiro de 2018, F. Hoffmann‑La Roche e o., C‑179/16, EU:C:2018:25, n.o 53).

41

Por outro lado, deve ter‑se plenamente em conta os direitos de propriedade intelectual e, em especial, as patentes detidas pelos fabricantes de medicamentos originais, respeitantes a um ou vários processos de fabrico de um princípio ativo caído no domínio público, direitos esses que beneficiam de um elevado nível de proteção no mercado interno por força da Diretiva 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual (JO 2004, L 157, p. 45, e retificação no JO 2004, L 195, p. 16), bem como do artigo 17.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (v., nesse sentido, Acórdão de 16 de julho de 2015, Huawei Technologies, C‑170/13, EU:C:2015:477, n.o 57).

42

Além disso, como salientou a advogada‑geral no n.o 60 das suas conclusões, a perceção do operador estabelecido no mercado é um elemento relevante na apreciação da existência de uma relação concorrencial entre este e uma empresa externa ao mercado, uma vez que, se esta for considerada um operador potencial, pode, pelo simples facto de existir, estar na origem de uma pressão concorrencial sobre o operador estabelecido nesse mercado.

43

Tendo em conta as considerações que antecedem, para apreciar a existência de uma relação de concorrência potencial entre, por um lado, um fabricante de medicamentos originais titular de uma patente de processo de um princípio ativo caído no domínio público e, por outro, um fabricante de medicamentos genéricos que se prepara para entrar no mercado do medicamento que contém esse princípio ativo, que celebraram um acordo como os que estão em causa no processo principal, importa determinar, em primeiro lugar, se, na data da celebração desse acordo, o fabricante de medicamentos genéricos em causa tinha efetuado preparativos suficientes que lhe permitissem aceder ao mercado em causa num prazo de tal modo curto que podia exercer pressão concorrencial sobre o fabricante de medicamentos originais.

44

Entre esses preparativos podem incluir‑se as medidas adotadas pelo fabricante de medicamentos genéricos em causa que o coloquem em condições de dispor, no referido prazo, das autorizações administrativas exigidas para a comercialização de uma versão genérica do medicamento em causa, bem como de um stock suficiente desse medicamento genérico, no âmbito de produção própria ou de contratos de fornecimento celebrados com terceiros. São igualmente relevantes a esse título todas as iniciativas judiciais efetivamente levadas a cabo por esse fabricante, destinadas a pôr em causa, a título principal ou acessório, patentes de processo detidas por um fabricante de medicamentos originais ou, ainda, os esforços comerciais desenvolvidos pelo fabricante de medicamentos genéricos com vista à comercialização do seu medicamento. Tais iniciativas permitem demonstrar que um fabricante de medicamentos genéricos tem a firme intenção e capacidade própria para entrar no mercado de um medicamento que contém um princípio ativo caído no domínio público, mesmo que existam patentes de processo detidas pelo fabricante de medicamentos originais.

45

Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio deve verificar se a entrada no mercado de tal fabricante de medicamentos genéricos não se depara com barreiras à entrada de caráter intransponível.

46

A este respeito, a existência de uma patente que protege o processo de fabrico de um princípio ativo caído no domínio público não pode, enquanto tal, ser vista como uma barreira intransponível e não impede qualificar de «potencial concorrente» do fabricante do medicamento original em causa um fabricante de medicamentos genéricos que tem efetivamente a firme intenção e capacidade própria para entrar no mercado e que, pelas medidas que toma, se mostra preparado para contestar a validade dessa patente e para assumir o risco de se ver confrontado, quando entrar no mercado, com uma ação por contrafação proposta pelo titular dessa patente.

47

Os argumentos das sociedades punidas pela CMA relativos à presunção de validade associada a uma patente de processo detida pelo fabricante de medicamentos originais, à incerteza quanto ao desfecho do litígio relativo à validade dessa patente e à existência de providências cautelares concedidas por um órgão jurisdicional nacional, pelas quais os fabricantes de medicamentos genéricos são provisoriamente proibidos de vender a versão genérica do medicamento original em causa, não são suscetíveis de infirmar essa apreciação.

48

Antes de mais, no que se refere ao argumento relativo à presunção de validade da patente em causa, é pacífico que tal presunção é a consequência automática do pedido e, posteriormente, da concessão de uma patente ao seu titular. Por conseguinte, nada revela, para efeitos da aplicação dos artigos 101.o e 102.o TFUE, sobre o desfecho de um eventual litígio relativo à validade dessa patente, cujo conhecimento se tornou, de resto, impossível pela própria celebração do acordo entre o titular da patente de processo e o fabricante de medicamentos genéricos em causa.

49

Admitir que a presunção de validade de uma patente de processo respeitante a um princípio ativo caído no domínio público exclui que o titular dessa patente tenha uma relação de concorrência potencial com qualquer alegado infrator no mercado do medicamento que contém esse princípio ativo teria como consequência, no que respeita a acordos como os que estão em causa no processo principal, privar o artigo 101.o TFUE de qualquer efeito e poderia, assim, comprometer a eficácia do direito europeu da concorrência (v., por analogia, Acórdão de 13 de julho de 1966, Consten e Grundig/Comissão, 56/64 e 58/64, EU:C:1966:41, p. 500).

50

É verdade, como salientou a advogada‑geral no n.o 83 das suas conclusões, que tal não significa que a autoridade da concorrência em causa deva ignorar qualquer questão relativa ao direito das patentes suscetível de influenciar a conclusão da existência de tal relação de concorrência. Com efeito, eventuais patentes que protejam um medicamento original ou um dos seus processos de fabrico fazem incontestavelmente parte do contexto económico e jurídico que caracteriza as relações de concorrência entre os titulares dessas patentes e os fabricantes de medicamentos genéricos. Contudo, a apreciação dos direitos concedidos por uma patente, efetuada pela autoridade da concorrência, não deve consistir numa análise da força da patente ou da probabilidade de um litígio entre o seu titular e um fabricante de medicamentos genéricos poder saldar‑se com a conclusão de que a patente é válida e objeto de contrafação. Essa apreciação deve antes incidir sobre a questão de saber se, apesar da existência dessa patente, o fabricante de medicamentos genéricos dispõe de possibilidades reais e concretas de entrar no mercado na data relevante.

51

Para o efeito, deve ter‑se em conta, nomeadamente, o facto de a incerteza quanto à validade de patentes que abrangem medicamentos ser uma característica fundamental do setor farmacêutico; de a presunção de validade de uma patente de um medicamento original não equivaler à presunção de ilegalidade de uma versão genérica desse medicamento validamente introduzido no mercado; de uma patente não assegurar a proteção contra as ações de nulidade; de tais ações e, nomeadamente, o lançamento dito «de risco» de um medicamento genérico, bem como os processos judiciais que suscita, terem habitualmente lugar na fase anterior ou imediatamente posterior à entrada no mercado de tal medicamento genérico; de, para obter uma AIM de um medicamento genérico, não ser necessário demonstrar que essa introdução no mercado não viola eventuais direitos conferidos pela patente do medicamento original; e de, no setor farmacêutico, poder existir concorrência potencial muito antes da patente caducar que protege o princípio ativo de um medicamento original, uma vez que os fabricantes de medicamentos genéricos querem estar preparados para entrar no mercado na data em que essa patente caduca.

52

Em seguida, no que respeita ao argumento relativo à existência de um litígio real, cujo desfecho é incerto, entre o fabricante do medicamento original e um fabricante da versão genérica desse medicamento que pretende aceder ao mercado deste, a realidade do litígio que os opõe, sobretudo se der origem a um processo judicial, longe de excluir a existência de qualquer concorrência entre eles, constitui um indício da existência de uma relação de concorrência potencial entre eles.

53

Por último, no que respeita ao argumento relativo à existência de providências cautelares decretadas por um órgão jurisdicional nacional e que impedem um fabricante de medicamentos genéricos de entrar no mercado de um medicamento que contém um princípio ativo caído no domínio público, há que salientar que se trata de uma providência cautelar que em nada prejudica a procedência de uma ação por contrafação proposta pelo titular da patente, muito menos quando, como no processo principal, tal providência cautelar seja decretada em contrapartida de um «cross‑undertaking in damages» assumido por esse titular.

54

Em terceiro lugar, a conclusão de que um fabricante de medicamentos genéricos tem a firme intenção e capacidade própria para entrar no mercado de um princípio ativo caído no domínio público, não colocada em causa pela existência de barreiras intransponíveis à entrada nesse mercado, pode ser corroborada por elementos adicionais.

55

A este respeito, o Tribunal de Justiça já teve ocasião de admitir que a celebração de um acordo entre várias empresas que operavam no mesmo nível da cadeia de produção, algumas das quais não estavam presentes no mercado em causa, constitui um forte indício da existência de uma relação concorrencial entre as referidas empresas (v., por analogia, Acórdão de 20 de janeiro de 2016, Toshiba Corporation/Comissão, C‑373/14 P, EU:C:2016:26, n.os 33 e 34).

56

Constitui igualmente tal indício a vontade, manifestada por um fabricante de medicamentos originais e concretizada, de proceder a transferências de valores a favor de um fabricante de medicamentos genéricos como contrapartida do adiamento da entrada deste no mercado, apesar de o primeiro acusar o segundo de violar uma ou várias das suas patentes de processo. Tal indício é tanto mais forte quanto mais avultada for a transferência de valores.

57

Com efeito, essa vontade revela a perceção que o fabricante de medicamentos originais tem do risco que o fabricante de medicamentos genéricos em causa representa para os seus interesses comerciais, perceção essa que é relevante para apreciar a existência de concorrência potencial, como salientado no n.o 42 do presente acórdão, uma vez que condiciona o comportamento do fabricante de medicamentos originais no mercado.

58

Atendendo às considerações que antecedem, há que responder às primeira e segunda questões que o artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que um fabricante de medicamentos originais titular de uma patente de processo de fabrico de um princípio ativo caído no domínio público, por um lado, e fabricantes de medicamentos genéricos que se preparam para entrar no mercado do medicamento que contém esse princípio ativo, por outro, que estão em litígio sobre a validade dessa patente ou sobre o caráter contrafeito dos medicamentos genéricos em questão, se encontram numa situação de concorrência potencial quando se demonstre que o fabricante de medicamentos genéricos tem efetivamente a firme intenção e capacidade própria para entrar no mercado e não se depara com barreiras à entrada de caráter intransponível, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar.

Quanto às terceira a quinta questões (qualificação de «restrição por objetivo»)

59

Tendo em conta a resposta dada às primeira e segunda questões, as terceira a quinta questões apenas devem ser analisadas no que respeita a um acordo celebrado entre, por um lado, um fabricante de medicamentos originais titular de uma patente de processo de fabrico de um princípio ativo caído no domínio público e, por outro, um fabricante de medicamentos genéricos que se prepara para entrar no mercado do medicamento que contém esse princípio ativo que se encontram numa situação de concorrência potencial.

60

Com as suas terceira a quinta questões, que importa analisar conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que um acordo de resolução amigável de um processo judicial pendente que opõe um fabricante de medicamentos originais a um fabricante de medicamentos genéricos, em situação de concorrência potencial, a propósito da validade de uma patente de processo de fabrico do princípio ativo de um medicamento original caído no domínio público, da qual o primeiro fabricante é titular, bem como a propósito do caráter contrafeito de uma versão genérica desse medicamento, através do qual esse fabricante de medicamentos genéricos se compromete a não entrar no mercado do medicamento que contém esse princípio ativo e a não prosseguir a sua ação de nulidade dessa patente durante o prazo de vigência do acordo como contrapartida de transferências de valores efetuadas a seu favor pelo fabricante de medicamentos originais, constitui um acordo que tem como objetivo impedir, restringir ou falsear a concorrência.

61

O órgão jurisdicional de reenvio pergunta, igualmente, se um ou mais dos seguintes elementos é suscetível de influenciar a resposta a dar a esta questão:

é impossível determinar qual a parte que poderá obter ganho de causa nesse processo;

o âmbito da restrição da concorrência imposta ao fabricante de medicamentos genéricos não ultrapassa o da patente em causa;

as quantias transferidas são substancialmente superiores aos custos da via contenciosa evitados e não constituem o pagamento, ao fabricante de medicamentos originais, de quaisquer bens ou serviços fornecidos ou prestados pelo fabricante de medicamentos genéricos, mas são, contudo, inferiores ao lucro que este teria auferido se tivesse obtido ganho de causa no processo judicial relativo à patente e se tivesse entrado no mercado com um medicamento genérico independente;

o acordo de resolução amigável prevê o fornecimento pelo fabricante de medicamentos originais, titular da patente, ao fabricante de medicamentos genéricos de volumes significativos, mas limitados, de um medicamento genérico autorizado que não origina uma restrição concorrencial significativa sobre os preços praticados pelo titular da patente, mas proporciona aos consumidores benefícios que não obteriam se o titular da patente tivesse obtido ganho de causa no processo judicial, embora esses benefícios sejam claramente inferiores aos benefícios concorrenciais que para eles adviriam da introdução no mercado do referido medicamento genérico independente se o fabricante de medicamentos genéricos tivesse obtido ganho de causa no processo judicial.

62

Para além dos elementos referidos nos n.os 30 e 31 do presente acórdão, há que recordar que, para ser abrangida pela proibição de princípio enunciada no artigo 101.o, n.o 1, TFUE, uma prática colusória deve ter «por objetivo ou efeito» impedir, restringir ou falsear de forma sensível a concorrência no mercado interno.

63

Daqui resulta que esta disposição, tal como interpretada pelo Tribunal de Justiça, estabelece uma distinção clara entre o conceito de «restrição por objetivo» e o de «restrição por efeito», estando cada um deles sujeito a um regime probatório diferente.

64

Assim, no que se refere às práticas qualificadas de «restrições por objetivo», não é necessário investigar, nem a fortiori demonstrar, os seus efeitos sobre a concorrência para as qualificar como «restrições da concorrência», na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, na medida em que a experiência revela que esses comportamentos envolvem reduções de produção e subidas de preços, levando a uma má repartição dos recursos, particularmente em detrimento dos consumidores (Acórdão de 19 de março de 2015, Dole Food e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, C‑286/13 P, EU:C:2015:184, n.o 115, e jurisprudência referida).

65

No que diz respeito a essas práticas, apenas é necessário demonstrar que estas são efetivamente abrangidas pela qualificação de «restrição por objetivo», não sendo, contudo, suficientes para o efeito meras alegações não fundamentadas.

66

Em contrapartida, quando o objetivo anticoncorrencial de um acordo, de uma decisão de associação de empresas ou de uma prática concertada não esteja demonstrado, há que analisar os seus efeitos para provar que a concorrência foi, de facto, impedida, restringida ou falseada de forma sensível (v., nesse sentido, Acórdão de 26 de novembro de 2015, Maxima Latvija, C‑345/14, EU:C:2015:784, n.o 17).

67

Decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o conceito de «restrição por objetivo» deve ser interpretado de forma restritiva e só pode ser aplicado a determinadas práticas colusórias entre empresas que revelem, por si só e atendendo ao teor das suas disposições, aos objetivos por elas visados, bem como ao contexto económico e jurídico em que se inserem, um grau suficiente de nocividade para a concorrência para que se possa considerar que não há que examinar os seus efeitos, uma vez que determinadas formas de prática concertada podem ser consideradas, pela sua própria natureza, prejudiciais ao bom funcionamento do jogo normal da concorrência (Acórdãos de 26 de novembro de 2015, Maxima Latvija, C‑345/14, EU:C:2015:784, n.o 20, e de 23 de janeiro de 2018, F. Hoffmann‑La Roche e o., C‑179/16, EU:C:2018:25, n.os 78 e 79).

68

No âmbito da apreciação do referido contexto, há que tomar em consideração a natureza dos bens ou dos serviços afetados e as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado ou dos mercados em causa (Acórdão de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão, C‑67/13 P, EU:C:2014:2204, n.o 53 e jurisprudência referida).

69

No caso em apreço, o setor dos medicamentos não só tem fortes barreiras à entrada relacionadas com os requisitos inerentes à introdução dos medicamentos no mercado, recordados nos n.os 40 e 47 do presente acórdão, mas é igualmente marcado, como salientou o órgão jurisdicional de reenvio no que respeita ao Reino Unido, por um mecanismo de formação dos preços estritamente enquadrado no plano regulamentar e fortemente influenciado pela entrada no mercado de medicamentos genéricos. Com efeito, tal entrada implica, a curto prazo, uma descida muito acentuada do preço de venda dos medicamentos que contêm um princípio ativo, que passam a ser vendidos não apenas pelo fabricante do medicamento original, mais igualmente pelos fabricantes de medicamentos genéricos.

70

Resulta de todos estes elementos que os fabricantes de medicamentos originais e os fabricantes de medicamentos genéricos não podem ignorar que o setor dos medicamentos se afigura especialmente sensível ao adiamento da entrada no mercado da versão genérica de um medicamento original. Ora, tal adiamento conduz à manutenção de um preço de monopólio no mercado do medicamento em causa, que é consideravelmente superior ao preço a que seriam vendidas as versões genéricas deste se tivessem entrado no mercado e que tem consequências financeiras significativas, se não para o consumidor final, pelo menos para os organismos de segurança social.

71

Por conseguinte, importa determinar se um acordo, como os celebrados pela GSK com a Alpharma ou a com GUK, apresenta, em si mesmo, um grau suficiente de nocividade para a concorrência, que torne desnecessária a análise dos seus efeitos para a aplicação do artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

72

Resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe, bem como dos n.os 13 e 14 do presente acórdão, que, em substância, os acordos celebrados entre a GSK e, respetivamente, a GUK e a Alpharma constituem dois conjuntos de acordos complexos que apresentam grandes semelhanças.

73

Ambos assumiram a forma de acordos de resolução amigável de um litígio relativo a uma patente de processo de fabrico de um princípio ativo caído no domínio público, a paroxetina.

74

Esses acordos de resolução amigável foram celebrados na sequência da interposição pela GSK de uma ação por contrafação contra a GUK e a Alpharma, que levou, por um lado, a que estas sociedades impugnassem, direta ou indiretamente, a validade da patente em causa e, por outro, a que um órgão jurisdicional nacional decretasse uma providência cautelar que proibia a GUK e a Alpharma de entrar no mercado, como contrapartida de um «cross‑undertaking in damages» assumido pela GSK.

75

Os referidos acordos conduziram, em primeiro lugar, ao compromisso por parte da GUK e da Alpharma de, durante o período da sua vigência, por um lado, não entrar no mercado e não produzir e/ou importar medicamentos genéricos fabricados com aplicação da patente em causa e, por outro, não prosseguir a sua contestação da referida patente, em segundo lugar, à celebração de um acordo de distribuição que lhes permitia entrar no mercado com uma quantidade limitada de paroxetina genérica fabricada pela GSK e, em terceiro lugar, ao pagamento pela GSK a favor da GUK e da Alpharma de quantias monetárias a vários títulos, cujo montante, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, é substancialmente superior aos custos da via contenciosa evitados e não constitui o pagamento de quaisquer bens ou serviços fornecidos ou prestados pela GUK ou pela Alpharma à GSK.

76

Importa salientar que, segundo a própria redação das questões submetidas, estes acordos inserem‑se no âmbito de um litígio real relativo a uma patente de processo, submetido a um órgão jurisdicional nacional. Consequentemente, não se pode considerar que se trata de acordos que põem termo a litígios desprovidos de qualquer conexão com a realidade e que são elaborados com o único propósito de dissimular um acordo de repartição ou de exclusão do mercado, pelo que contêm a nocividade comprovada dos acordos de repartição ou de exclusão do mercado para a concorrência e devem ser qualificados como «restrição por objetivo».

77

Por conseguinte, há que apreciar, como solicita o órgão jurisdicional de reenvio, se estes acordos, podem, no entanto, ser equiparados a tais acordos de repartição ou de exclusão do mercado.

78

É jurisprudência constante que qualquer operador económico deve determinar de forma autónoma a política que tenciona seguir no mercado interno (Acórdão de 19 de março de 2015, Dole Food e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, C‑286/13 P, EU:C:2015:184, n.o 119).

79

Quanto a este aspeto e no que respeita, mais concretamente, aos comportamentos de empresas em matéria de direitos de propriedade intelectual, o Tribunal de Justiça considerou, nomeadamente, que um direito de propriedade industrial ou comercial, enquanto regime jurídico, não possui os elementos contratuais ou de concertação a que se refere o artigo 101.o, n.o 1, TFUE, mas o seu exercício pode ser abrangido pelas proibições do Tratado se se afigurar como o objeto, o meio ou a consequência de uma prática colusória (Acórdão de 8 de junho de 1982, Nungesser e Eisele/Comissão, 258/78, EU:C:1982:211, n.o 28 e jurisprudência referida), apesar de poder constituir a expressão legítima do direito de propriedade intelectual que autoriza o titular deste, nomeadamente, a opor‑se a qualquer contrafação (v., nesse sentido, Acórdão de 31 de outubro de 1974, Centrafarm e de Peijper, 15/74, EU:C:1974:114, n.o 9) ou, ainda, como invocou a Comissão, de os acordos de resolução amigável serem encorajados pelos poderes públicos na medida em que permitem poupanças em termos de recursos e são, por isso, vantajosos para o público em geral.

80

Daqui resulta que, ao proibir determinados «acordos» celebrados entre empresas, o artigo 101.o, n.o 1, TFUE não faz qualquer distinção entre os acordos que têm por objeto pôr termo a um litígio e os que prosseguem outras finalidades (Acórdão de 27 de setembro de 1988, Bayer e Maschinenfabrik Hennecke, 65/86, EU:C:1988:448, n.o 15).

81

Assim, os acordos de resolução amigável mediante os quais um fabricante de medicamentos genéricos que pretende entrar num mercado reconheça, pelo menos temporariamente, a validade de uma patente detida por um fabricante de medicamentos originais e se compromete, desse modo, a não contestar a sua validade e a não entrar nesse mercado são suscetíveis de implicar efeitos restritivos da concorrência (v., por analogia, Acórdão de 27 de setembro de 1988, Bayer e Maschinenfabrik Hennecke, 65/86, EU:C:1988:448, n.o 16), uma vez que a contestação da validade e do âmbito de uma patente faz parte do jogo normal da concorrência nos setores em que existem direitos de exclusividade sobre tecnologias.

82

De igual modo, uma cláusula de não contestação de uma patente pode, em função do contexto jurídico e económico em que se insere, ter um caráter restritivo da concorrência na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE (Acórdão de 27 de setembro de 1988, Bayer e Maschinenfabrik Hennecke, 65/86, EU:C:1988:448, n.o 16).

83

Por outro lado, o Tribunal de Justiça considerou, igualmente, que acordos mediante os quais os concorrentes substituam cientemente os riscos da concorrência por uma cooperação prática entre eles são abrangidos pela qualificação de «restrição por objetivo» (v., nesse sentido, Acórdão de 20 de novembro de 2008, Beef Industry Development Society e Barry Brothers, C‑209/07, EU:C:2008:643, n.o 34).

84

Dito isto, é com certeza possível que um fabricante de medicamentos genéricos que esteja na situação descrita pelo órgão jurisdicional nas suas terceira a quinta questões, depois de ter avaliado as suas possibilidades de obter ganho de causa no processo judicial que o opõe ao fabricante do medicamento original em questão, decida renunciar à entrada no mercado em causa e, nesse contexto, celebrar com o fabricante do medicamento original um acordo de resolução amigável desse processo. Tal acordo não pode, contudo, ser considerado em todos os casos uma «restrição por objetivo», na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

85

O facto de tal acordo ser acompanhado de transferências de valores de caráter monetário ou não monetário efetuadas pelo fabricante de medicamentos originais a favor de um fabricante de medicamentos genéricos não constitui um motivo suficiente para o qualificar de «restrição por objetivo», podendo as referidas transferências de valores ser justificadas, ou seja, adequadas e estritamente necessárias em relação aos objetivos legítimos das partes no acordo.

86

Tal pode ser o caso, nomeadamente, quando o fabricante de medicamentos genéricos receba do fabricante do medicamento original quantias que correspondam efetivamente à compensação de custos ou de incómodos relacionados com o litígio que os opõe ou que correspondam a uma remuneração pelo fornecimento ou pela prestação efetivos, imediatos ou posteriores, de bens ou de serviços ao fabricante de medicamentos originais. Tal também pode suceder quando o fabricante de medicamentos genéricos renuncie a compromissos, nomeadamente financeiros, assumidos pelo titular da patente em relação a si, como um «cross‑undertaking in damages».

87

Contudo, a qualificação de «restrição por objetivo» deve ser adotada quando resulte da análise do acordo de resolução amigável em causa que as transferências de valores previstas por este se explicam apenas pelo interesse comercial, tanto do titular da patente como do alegado contrafator, em não concorrer com base no mérito.

88

Como salientou a advogada‑geral no n.o 114 das suas conclusões, a celebração de um acordo nos termos do qual um concorrente do titular de uma patente se compromete a não entrar no mercado e a abster‑se de contestar a patente em troca do pagamento de uma quantia avultada, sem outra contrapartida para além do referido compromisso, tem precisamente como consequências garantir a esse titular uma proteção contra as ações que visam a declaração de nulidade da sua patente e consagrar uma presunção de ilegalidade dos produtos suscetíveis de ser introduzidos no mercado pelo seu concorrente. Por conseguinte, não se pode alegar que a celebração de tal acordo está abrangida pelo exercício, pelo titular da patente, das suas prerrogativas que decorrem do objeto desta. Tanto assim é que compete às autoridades públicas, e não às empresas privadas, garantir o respeito pelos requisitos legais.

89

Assim, não se pode afirmar que a celebração de tal acordo corresponde, no que respeita aos fabricantes de medicamentos genéricos, unicamente ao reconhecimento por parte destes dos direitos de patente, pretensamente válidos, do seu titular. Com efeito, se este efetuar uma transferência significativa de valor a favor dos fabricantes de genéricos, sem outra contrapartida para além do seu compromisso de não entrar no mercado e de não contestar a patente, tal indica, na falta de outra explicação plausível, que não foi a perceção destes da força da patente, mas a perspetiva dessa transferência de valor que os incitou a renunciar à entrada no mercado e à contestação da patente.

90

Para apreciar se as transferências de valores previstas num acordo de resolução amigável, como os que estão em causa no processo principal, se podem explicar apenas pelo interesse comercial das partes nesse acordo em não concorrer com base no mérito, importa, antes de mais, como salienta a advogada‑geral no n.o 120 das suas conclusões, tomar em consideração todas as transferências de valores efetuadas entre as partes, tenham estas sido monetárias ou não.

91

Como considera o órgão jurisdicional de reenvio e a advogada‑geral nos n.os 120 e 170 a 172 das suas conclusões, tal pode pressupor que se tenha em conta transferências indiretas que decorram, por exemplo, dos benefícios a retirar pelo fabricante de medicamentos genéricos de um contrato de distribuição celebrado com o fabricante de medicamentos originais que permita ao primeiro fabricante vender uma quantidade eventualmente limitada de medicamentos genéricos fabricados pelo fabricante de medicamentos originais.

92

Em seguida, há que apreciar se o saldo positivo das transferências de valores efetuadas pelo fabricante de medicamentos originais a favor do fabricante de medicamentos genéricos se pode justificar, como se refere no n.o 86 do presente acórdão, pela existência de eventuais contrapartidas ou de renúncias comprovadas e legítimas por parte desse fabricante de medicamentos genéricos.

93

Por último, se assim não for, importa determinar se esse saldo positivo é suficientemente significativo para incentivar efetivamente o fabricante de medicamentos genéricos em causa a renunciar à entrada no mercado em causa.

94

A este respeito, tendo em conta a incerteza quanto ao desfecho do referido processo, não se exige, de modo algum, que as transferências de valores sejam necessariamente superiores aos benefícios que esse fabricante de medicamentos genéricos teria auferido se tivesse obtido ganho de causa no processo judicial relativo à patente. Importa apenas que essas transferências de valores sejam suficientemente elevadas para incentivar o fabricante de medicamentos genéricos a renunciar à entrada no mercado em causa e a não concorrer com base no mérito com o fabricante de medicamentos originais em causa.

95

Se assim for, o acordo em questão deve, em princípio, ser qualificado de «restrição por objetivo», na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE.

96

Tal conclusão não pode ser afastada, em primeiro lugar, pelo facto de as empresas que celebraram tais acordos alegarem quer que acordos de resolução amigável como os que estão em causa no processo principal não excedem o âmbito e o prazo de validade remanescente da patente à qual dizem respeito, pelo que não são anticoncorrenciais, quer que as restrições que resultam de tais acordos revestem um caráter puramente acessório na aceção do Acórdão de 11 de julho de 1985, Remia e o./Comissão (42/84, EU:C:1985:327).

97

Com efeito, se é verdade que a celebração, pelo titular de uma patente com um alegado contrafator, de um acordo de resolução amigável que não ultrapasse o âmbito e o prazo de validade remanescente da patente constitui a expressão do direito de propriedade intelectual do seu titular e autoriza‑o, nomeadamente, a opor‑se a qualquer contrafação (v., nesse sentido, Acórdão de 31 de outubro de 1974, Centrafarm e de Peijper, 15/74, EU:C:1974:114, n.o 9), não é menos verdade que, como salientou igualmente a advogada‑geral no n.o 114 das suas conclusões e recordado no n.o 79 do presente acórdão, a referida patente não autoriza o seu titular a celebrar contratos que violem o artigo 101.o TFUE.

98

Em segundo lugar, o facto de existir incerteza quanto à validade da patente, quer tal resulte da existência de um litígio real entre o titular dessa patente e o fabricante de medicamentos genéricos em causa, da existência de um processo judicial prévio à celebração do acordo de resolução amigável em causa ou ainda de uma providência cautelar decretada por um órgão jurisdicional nacional, que impede o alegado contrafator de entrar no mercado como contrapartida da concessão pelo titular da patente em causa de um «cross‑undertaking in damages», também não é relevante para afastar a qualificação de «restrição por objetivo».

99

Admitir que tais elementos permitem excluir da qualificação de «restrição por objetivo» uma prática suscetível de apresentar, por si própria, um grau suficiente de nocividade para a concorrência seria suscetível de restringir de forma excessiva o âmbito do referido conceito, ainda que o referido conceito seja de interpretação restrita, como recordado no n.o 67 do presente acórdão.

100

Com efeito, é precisamente a incerteza quanto ao desfecho do processo judicial relativo à validade da patente detida pelo fabricante do medicamento original e ao caráter contrafeito da versão genérica desse medicamento que contribui, enquanto se mantiver, para a existência de uma situação de concorrência, pelo menos potencial, entre as duas partes nesse processo.

101

Além disso, como resulta dos n.os 48 e 49 do presente acórdão, a incerteza quanto ao desfecho desse processo não pode bastar para afastar da qualificação de «restrição por objetivo» um acordo de resolução amigável que não se pode excluir que possa atingir o grau de nocividade para a concorrência recordado no n.o 67 do presente acórdão.

102

Com efeito, como já foi referido no n.o 48 do presente acórdão, a presunção de validade associada a uma patente, assim como a existência de um processo judicial prévio à celebração de um acordo de resolução amigável e imposição de uma providência cautelar por um órgão jurisdicional nacional, nada revelam, para efeitos da aplicação dos artigos 101.o e 102.o TFUE, sobre o desfecho de um eventual litígio relativo à validade dessa patente, cujo conhecimento se torna, de resto, impossível com a própria celebração do acordo entre o titular da patente de processo e o fabricante de medicamentos genéricos em causa.

103

Por último, e em resposta à quinta questão, importa salientar que, sempre que as partes nesse acordo invoquem os efeitos pró‑concorrenciais que lhe estão associados, tais efeitos devem, enquanto elementos do contexto desse acordo, ser devidamente tomados em consideração para efeitos da qualificação desse acordo de «restrição por objetivo», como foi recordado no n.o 67 do presente acórdão e no n.o 158 das conclusões da advogada‑geral, uma vez que estes são suscetíveis de pôr em causa a apreciação global do grau suficiente de nocividade para a concorrência da prática colusória em causa e, consequentemente, a sua qualificação de «restrição por objetivo».

104

Uma vez que a tomada em consideração desses efeitos pró‑concorrenciais não tem como objetivo afastar a qualificação de «restrição da concorrência», na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, mas apenas apreender a gravidade objetiva da prática em causa e, consequentemente, definir as formas de a provar, não se opõe, de forma alguma, à jurisprudência constante do Tribunal de Justiça de acordo com a qual o direito europeu da concorrência não reconhece qualquer «regra de razão», por força da qual se deva proceder a uma ponderação dos efeitos pró‑concorrenciais e anticoncorrenciais de um acordo quando se proceda à sua qualificação como «restrição da concorrência», nos termos do artigo 101.o, n.o 1, TFUE (v., nesse sentido, Acórdão de 13 de julho de 1966, Consten e Grundig/Comissão, 56/64 e 58/64, EU:C:1966:41, pp. 497 e 498).

105

Contudo, essa tomada em consideração pressupõe que os efeitos pró‑concorrenciais não sejam apenas concretos e relevantes, mas igualmente específicos do acordo em causa, como é invocado, relativamente aos acordos em causa no processo principal, pela advogada‑geral no n.o 144 das suas conclusões.

106

Além disso, como salientou a advogada‑geral no n.o 166 das suas conclusões, a mera presença de tais efeitos pró‑concorrenciais não pode, enquanto tal, conduzir a que se afaste a qualificação de «restrição por objetivo».

107

Esses efeitos pró‑concorrenciais, admitindo que são comprovados, relevantes e específicos do acordo em causa, devem ser suficientemente significativos, de modo a suscitar dúvidas razoáveis quanto ao caráter suficientemente nocivo para a concorrência do acordo de resolução amigável em causa e, por conseguinte, do seu objetivo anticoncorrencial.

108

A este respeito, os factos referidos pelo órgão jurisdicional de reenvio nas alíneas a) e b) da sua quinta questão, lidos à luz da decisão de reenvio e invocados pela advogada‑geral nos n.os 168 a 172, 175 e 179 das suas conclusões, revelam que os acordos de resolução amigável em causa no processo principal produziram essencialmente efeitos cujo caráter pró‑concorrencial é mínimo ou mesmo incerto.

109

Com efeito, embora o órgão jurisdicional de reenvio conclua que esses acordos deram efetivamente lugar a uma ligeira redução do preço da paroxetina, salienta, ao mesmo tempo, como decorre, nomeadamente, da alínea a) da quinta questão, que o fornecimento de paroxetina pela GSK aos fabricantes de medicamentos genéricos previsto nos referidos acordos não originava uma pressão concorrencial significativa sobre a GSK. O órgão jurisdicional sublinha, nesse sentido, que, devido aos volumes limitados fornecidos, cujo plafonamento não correspondia a qualquer condicionalismo técnico, os fabricantes de medicamentos genéricos não tinham interesse em fazer concorrência através dos preços. Além disso, na alínea b) da quinta questão, o órgão jurisdicional invoca o facto de os acordos em causa terem proporcionado aos consumidores benefícios que não teriam obtido se o titular da patente tivesse obtido ganho de causa no processo judicial relativo a essa patente, esclarecendo que esses benefícios eram claramente inferiores aos benefícios concorrenciais que adviriam da introdução no mercado de um produto genérico independente se os fabricantes de medicamentos genéricos em questão tivessem obtido ganho de causa nesse processo judicial. Por último, refere, por um lado, que a modificação da estrutura do mercado originada pelos acordos em causa não se devia à introdução de concorrência, mas à reorganização controlada do mercado da paroxetina realizada pela GSK e, por outro, que o fornecimento de paroxetina e a cessão de partes de mercado pela GSK aos fabricantes de medicamentos genéricos deviam ser vistos como transferências de valores não monetárias.

110

Ora, tais efeitos, cujo caráter pró‑concorrencial é mínimo ou mesmo incerto, não podem ser suficientes para suscitar dúvidas razoáveis, admitindo que o órgão jurisdicional de reenvio conclui que se verificaram, quanto ao caráter suficientemente nocivo para a concorrência de um acordo de resolução amigável como os que estão em causa no processo principal, o que, em todo o caso, compete apenas ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar.

111

Atendendo às considerações que antecedem, há que responder às terceira a quinta questões que o artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que um acordo de resolução amigável de um processo judicial pendente que opõe um fabricante de medicamentos originais a um fabricante de medicamentos genéricos, em situação de concorrência potencial, a propósito da validade de uma patente de processo de fabrico do princípio ativo de um medicamento original caído no domínio público, da qual o primeiro fabricante é titular, bem como a propósito do caráter contrafeito de uma versão genérica desse medicamento, mediante o qual esse fabricante de medicamentos genéricos se compromete a não entrar no mercado do medicamento que contém esse princípio ativo e a não prosseguir a sua ação de nulidade dessa patente durante a vigência do acordo como contrapartida de transferências de valores efetuadas a seu favor pelo fabricante de medicamentos originais, constitui um acordo que tem como objetivo impedir, restringir ou falsear a concorrência:

se resultar de todos os elementos disponíveis que o saldo positivo das transferências de valores efetuadas pelo fabricante de medicamentos originais a favor do fabricante de medicamentos genéricos se explica apenas pelo interesse comercial das partes nesse acordo em não concorrer com base no mérito,

a menos que o acordo de resolução amigável em causa seja acompanhado de efeitos pró‑concorrenciais comprovados que suscitem dúvidas razoáveis quanto ao seu caráter suficientemente nocivo para a concorrência.

Quanto à sexta questão (qualificação de «restrição por efeito»)

112

A título preliminar, há que salientar que, segundo o pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio considerou que, se os acordos de resolução amigável em causa não tivessem sido celebrados, teria havido uma possibilidade real de os fabricantes de medicamentos genéricos em questão terem obtido ganho de causa contra a GSK nos procedimentos relativos à patente de processo em causa ou, subsidiariamente, de as partes nesses acordos terem celebrado um tipo de acordo de resolução amigável menos restritivo.

113

Contudo, o órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que, se, para concluir pela existência de uma «restrição por efeito», tiver de verificar que existia uma probabilidade superior a 50 % de o fabricante de medicamentos genéricos conseguir demonstrar que tinha o direito de entrar no mercado ou, subsidiariamente, de as partes celebrarem um tipo de acordo de resolução amigável menos restritivo, tal conclusão não é possível face aos elementos dos autos de que dispõe.

114

Por conseguinte, deve entender‑se que, com a sua sexta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que a demonstração da existência de efeitos sensíveis potenciais ou reais sobre a concorrência de um acordo de resolução amigável, como os que estão em causa no processo principal, e, consequentemente, a sua qualificação de «restrição por efeito» pressupõe que se conclua que, na falta desse acordo, o fabricante de medicamentos genéricos parte nesse acordo teria provavelmente obtido ganho de causa no processo judicial relativo à patente de processo em causa ou as partes no referido acordo teriam provavelmente celebrado um acordo de resolução amigável menos restritivo.

115

Como recordado no n.o 66 do presente acórdão, na hipótese de a análise da prática colusória em questão não revelar um grau suficiente de nocividade para a concorrência, há que analisar os seus efeitos e, para a qualificar de «restrição da concorrência» na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE, reunir os elementos que comprovem que a concorrência foi, de facto, impedida, restringida ou falseada de forma sensível.

116

Para o efeito, há que tomar em consideração o quadro concreto em que a referida prática se insere, nomeadamente o contexto económico e jurídico em que operam as empresas em causa, a natureza dos bens ou dos serviços afetados e as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado ou dos mercados em questão (Acórdão de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão, C‑382/12 P, EU:C:2014:2201, n.o 165 e jurisprudência referida).

117

De acordo com jurisprudência constante, os efeitos restritivos da concorrência podem ser tanto reais como potenciais, mas, em qualquer caso, devem ser suficientemente sensíveis (v., nesse sentido, Acórdãos de 9 de julho de 1969, Völk, 5/69, EU:C:1969:35, n.o 7, e de 23 de novembro de 2006, Asnef‑Equifax e Administración del Estado, C‑238/05, EU:C:2006:734, n.o 50).

118

Para a apreciação dos efeitos de uma prática colusória à luz do artigo 101.o TFUE, é necessário analisar o jogo da concorrência no quadro real em que se produziria se não existisse o acordo controvertido (Acórdão de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão, C‑382/12 P, EU:C:2014:2201, n.o 161).

119

Daqui decorre que, numa situação como a que está em causa no processo principal, a determinação do cenário contrafactual não pressupõe, da parte do órgão jurisdicional de reenvio, qualquer conclusão definitiva em relação às possibilidades de sucesso do fabricante de medicamentos genéricos no processo relativo à patente ou à probabilidade de celebração de um acordo menos restritivo.

120

Com efeito, o cenário contrafactual tem apenas como finalidade determinar as possibilidades realistas de comportamento desse fabricante na falta do acordo em causa. Assim, embora o referido cenário contrafactual não possa ser indiferente às possibilidades de sucesso do fabricante de medicamentos genéricos no processo relativo à patente ou ainda à probabilidade de celebração de um acordo menos restritivo, estes são apenas alguns elementos, entre outros, a ter em conta na determinação do funcionamento provável do mercado e da sua estrutura se não tivesse sido celebrado o acordo em causa.

121

Consequentemente, para demonstrar a existência de efeitos sensíveis potenciais ou reais sobre a concorrência de acordos de resolução amigável como os que estão em causa no processo principal, não compete ao órgão jurisdicional de reenvio concluir que o fabricante de medicamentos genéricos parte nesse acordo teria provavelmente obtido ganho de causa no processo judicial relativo à patente ou que as partes no referido acordo teriam provavelmente celebrado um acordo de resolução amigável menos restritivo.

122

Atendendo às considerações que antecedem, há que responder à sexta questão que o artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que a demonstração da existência de efeitos sensíveis potenciais ou reais sobre a concorrência de um acordo de resolução amigável, como os que estão em causa no processo principal, e, consequentemente, a sua qualificação de «restrição por efeito» não pressupõe que se conclua que, na falta desse acordo, o fabricante de medicamentos genéricos parte nesse acordo teria provavelmente obtido ganho de causa no processo judicial relativo à patente de processo em causa ou as partes no referido acordo teriam provavelmente celebrado um acordo de resolução amigável menos restritivo.

Quanto às questões sétima a décima (artigo 102.o TFUE)

Quanto à sétima questão (definição do mercado relevante)

123

Com a sua sétima questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se, quando, no plano terapêutico, um medicamento patenteado possa ser substituído por uma série de outros medicamentos de uma classe terapêutica e a pretensa prática abusiva, na aceção do artigo 102.o TFUE, consista no facto de o titular da patente, na prática, excluir do mercado as versões genéricas desse medicamento, deve tomar‑se em consideração esses medicamentos genéricos para efeitos da definição do mercado do produto relevante, não obstante não poderem ser legalmente introduzidos no mercado antes da caducidade da patente, na eventualidade (que é incerta) de esta ser válida e poder ser violada por esses medicamentos genéricos.

124

A título preliminar, importa salientar que esta questão se inscreve no âmbito do debate no órgão jurisdicional de reenvio relativo à extensão do mercado de produtos para efeitos da determinação da existência de uma posição dominante da GSK. Com efeito, a GSK alegou, nomeadamente, que, tendo em conta o papel central que deve ser reconhecido à substituibilidade no plano terapêutico, os ISRS diferentes da paroxetina deviam igualmente ser incluídos no mercado de produtos.

125

Contudo, e como resulta da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça, a questão de saber se os ISRS diferentes da paroxetina devem igualmente ser incluídos no mercado de produtos em causa não é objeto da presente questão, tendo o órgão jurisdicional de reenvio concluído que os outros ISRS exerciam, de facto, pouca pressão sobre a fixação do preço do Seroxat pela GSK.

126

Por conseguinte, a sétima questão diz apenas respeito à questão de saber se o artigo 102.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que, numa situação em que um fabricante de medicamentos originais que contêm um princípio ativo caído no domínio público, mas cujo processo de fabrico está protegido por uma patente de processo cuja validade não é possível determinar, obste, com base nessa patente, a que entrem no mercado versões genéricas desse medicamento, deve tomar‑se em consideração na definição do mercado de produtos em questão, não apenas a versão original desse medicamento, mas igualmente as suas versões genéricas, não obstante estas poderem não estar em condições de entrar legalmente no mercado antes da caducidade da referida patente de processo.

127

A este respeito, há que recordar que a determinação do mercado relevante, no âmbito da aplicação do artigo 102.o TFUE, constitui, em princípio, um pressuposto da apreciação da eventual existência de uma posição dominante da empresa em causa (v., nesse sentido, Acórdão de 21 de fevereiro de 1973, Europemballage e Continental Can/Comissão, 6/72, EU:C:1973:22, n.o 32), tendo como objetivo definir os limites em que deve ser apreciada a questão de saber se essa empresa pode comportar‑se com um grau apreciável de independência relativamente aos seus concorrentes, aos seus clientes e aos consumidores (v., nesse sentido, Acórdão de 9 de novembro de 1983, Nederlandsche Banden‑Industrie‑Michelin/Comissão, 322/81, EU:C:1983:313, n.o 37).

128

A determinação do mercado relevante pressupõe que se defina, em primeiro lugar, o mercado de produtos e, em segundo lugar, o seu mercado geográfico (v., nesse sentido, Acórdão de 14 de fevereiro de 1978, United Brands e United Brands Continentaal/Comissão, 27/76, EU:C:1978:22, n.os 10 e 11).

129

No que respeita ao mercado de produtos, o único que está em causa no âmbito da presente questão resulta da jurisprudência que o conceito de mercado relevante implica que possa haver uma concorrência efetiva entre os produtos ou serviços que dele fazem parte, o que pressupõe um grau suficiente de permutabilidade para a mesma utilização entre todos os produtos ou serviços que façam parte de um mesmo mercado. A permutabilidade ou a substituibilidade não se aprecia apenas em relação às características objetivas dos produtos ou serviços em questão. Há, igualmente, que tomar em consideração as condições da concorrência e a estrutura da procura e da oferta no mercado (Acórdão de 23 de janeiro de 2018, F. Hoffmann‑La Roche e o., C‑179/16, EU:C:2018:25, n.o 51 e jurisprudência referida).

130

Neste contexto, e como a advogada‑geral salientou, em substância, no n.o 222 das suas conclusões, a permutabilidade e a substituibilidade de produtos têm, naturalmente, um caráter dinâmico, na medida em que uma nova oferta de produtos é suscetível de modificar a conceção dos produtos considerados permutáveis com um produto já existente no mercado ou substituíveis por esse produto e, dessa forma, justificar uma nova definição dos parâmetros do mercado relevante.

131

Em especial, no que se refere à definição do mercado de produtos no qual se insere, para efeitos da eventual aplicação do artigo 102.o TFUE, um medicamento original como, no processo principal, a paroxetina comercializada sob a denominação «Seroxat», que pode ser substituído, no plano terapêutico, pelos outros ISRS, decorre do fundamento referido no número anterior do presente acórdão que uma oferta de medicamentos genéricos que contenham o mesmo princípio ativo, no caso em apreço, a paroxetina, pode levar a uma situação na qual se considera que o medicamento original é, no meio em causa, permutável apenas com esses medicamentos genéricos e, consequentemente, pertence a um mercado específico, limitado apenas aos medicamentos que contêm esse princípio ativo.

132

Tal apreciação pressupõe, contudo, em conformidade com os princípios recordados no n.o 129 do presente acórdão, que exista um grau suficiente de permutabilidade entre o medicamento original e os medicamentos genéricos em causa.

133

É o que sucede se os fabricantes de medicamentos genéricos em causa puderem entrar a curto prazo no mercado em causa com força suficiente para constituir um contrapeso sério ao fabricante do medicamento original já presente no mercado (v., nesse sentido, Acórdão de 21 de fevereiro de 1973, Europemballage e Continental Can/Comissão, 6/72, EU:C:1973:22, n.o 34).

134

O mesmo acontece quando, à data da caducidade da patente relativa ao princípio ativo em causa, ou do termo do período de exclusividade dos dados relativos a esse princípio ativo, os referidos fabricantes de medicamentos genéricos estejam em condições de entrar imediatamente ou a prazo curto no mercado, em especial quando estes tenham delineado uma estratégia prévia e efetiva de entrada no mercado, tenham efetuado os preparativos necessários para tal, ou seja, por exemplo, a apresentação de um pedido de AIM ou a obtenção de tal AIM, ou tenham ainda celebrado contratos de abastecimento com terceiros distribuidores.

135

A este respeito, como salienta a advogada‑geral no n.o 239 das suas conclusões, poderão igualmente ser tidos em conta elementos que demonstrem a perceção, por parte do fabricante de medicamentos originais, da iminência da ameaça de entrada no mercado dos fabricantes de medicamentos genéricos para avaliar o caráter significativo da pressão concorrencial exercida por estes.

136

O facto de o fabricante de medicamentos originais invocar um direito de propriedade intelectual sobre o processo de fabrico do princípio ativo em causa, eventualmente capaz de obstar à entrada no mercado das versões genéricas do medicamento original que contém esse princípio ativo, não pode levar a uma apreciação diferente.

137

Com efeito, embora seja verdade e como recordado no n.o 41 do presente acórdão, que a Diretiva 2004/48 e o artigo 17.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais asseguram um nível elevado de proteção da propriedade intelectual no mercado interno, não é menos verdade que a patente de processo que um fabricante de medicamentos originais pode invocar para obstar à introdução no mercado de uma versão genérica de um medicamento que contém um princípio ativo caído no domínio público não confere ao fabricante do medicamento original em causa a certeza de que o medicamento genérico que contém esse princípio ativo não possa ser legalmente introduzido no mercado nem de que essa patente esteja protegida contra qualquer impugnação, como foi, de resto, o caso no processo principal, como resulta do n.o 14 do presente acórdão.

138

Por conseguinte, e desde que estejam satisfeitas as condições referidas nos n.os 133 e 134 do presente acórdão, as versões genéricas de um medicamento original que contém um princípio ativo caído no domínio público, mas cujo processo de fabrico está protegido por uma patente cuja validade ainda não é possível determinar, devem ser tomadas em consideração para efeitos da definição do mercado relevante, sob pena de não respeitar a jurisprudência recordada no n.o 129 do presente acórdão, segundo a qual devem ser tomadas em consideração as condições da concorrência e a estrutura da procura e da oferta no mercado em causa.

139

Tal conclusão não é contrária à jurisprudência do Tribunal de Justiça nos termos da qual o facto de produtos farmacêuticos serem fabricados ou vendidos de forma ilícita impede, em princípio, que esses produtos sejam considerados substituíveis ou permutáveis (Acórdão de 23 de janeiro de 2018, F. Hoffmann‑La Roche e o., C‑179/16, EU:C:2018:25, n.o 52). Com efeito, esta jurisprudência não diz respeito à entrada no mercado de versões genéricas de um medicamento original cujo princípio ativo caiu no domínio público que alegadamente violam uma patente de processo, mas à introdução no mercado de um medicamento sem uma AIM concedida pela autoridade competente de um Estado‑Membro em conformidade com a Diretiva 2001/83 ou sem uma autorização concedida em conformidade com as disposições do Regulamento n.o 726/2004, legislação que tem como objetivo a proteção da saúde dos doentes e da saúde pública (Acórdão de 23 de janeiro de 2018, F. Hoffmann‑La Roche e o., C‑179/16, EU:C:2018:25, n.os 81e 82).

140

Atendendo às considerações que antecedem, há que responder à sétima questão que o artigo 102.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que, numa situação em que um fabricante de medicamentos originais que contêm um princípio ativo caído no domínio público, mas cujo processo de fabrico está protegido por uma patente de processo cuja validade é contestada, obste, com base nessa patente, a que entrem no mercado versões genéricas desse medicamento, deve tomar‑se em consideração, para efeitos da definição do mercado de produtos em questão, não apenas a versão original desse medicamento, mas igualmente as versões genéricas deste, mesmo que estas possam não estar em condições de entrar legalmente no mercado antes da caducidade da referida patente de processo, se os fabricantes de medicamentos genéricos em causa puderem entrar a curto prazo no mercado em questão com força suficiente para constituir um contrapeso sério ao fabricante de medicamentos originais já presente nesse mercado, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Quanto às questões oitava a décima

141

A título preliminar, há que salientar que, com a sua oitava questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se, em circunstâncias como as do processo principal, e no pressuposto de que o titular da patente de processo em causa, no caso em apreço, a GSK, detém uma posição dominante, o facto de este ter celebrado um acordo de resolução amigável, como os que estão em causa no processo principal, constitui um abuso de posição dominante, na aceção do artigo 102.o TFUE.

142

Contudo, decorre dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que a GSK não foi punida por ter cometido vários abusos de posição dominante ao celebrar cada um dos acordos em causa, respetivamente, com a IVAX, com a GUK e com a Alpharma, mas por ter cometido apenas um abuso de posição dominante devido à sua estratégia global de celebração desses acordos com os fabricantes de medicamentos genéricos.

143

Por conseguinte, é apenas nesta perspetiva, invocada, de resto, pelo órgão jurisdicional de reenvio no âmbito da alínea a) da sua décima questão, que importa responder.

144

Para esse efeito, há que salientar igualmente, como resulta da nona questão e da alínea b) da décima questão, lidas à luz da resposta do órgão jurisdicional de reenvio ao pedido de informações do Tribunal de Justiça, que a GSK foi punida por ter cometido um abuso de posição dominante em virtude não apenas dos acordos celebrados com a GUK e com a Alpharma, que foram igualmente sancionados com fundamento no direito do Reino Unido e no direito da concorrência da União, mas também de um terceiro acordo celebrado com a IVAX. Este acordo, em primeiro lugar, não foi celebrado para pôr termo a um processo judicial pendente, mas para evitar tal processo, em segundo lugar, não era abrangido pelo âmbito de aplicação do direito da concorrência do Reino Unido devido a uma disposição nacional específica e, em terceiro lugar, produziu efeitos favoráveis, designadamente uma redução do nível de reembolso do medicamento em causa por força da estrutura do sistema nacional de reembolso das farmácias pelas autoridades públicas de saúde, gerando poupanças substanciais para estas.

145

Consequentemente, deve entender‑se que, com as suas oitava a décima questões, consideradas conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o artigo 102.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que a estratégia de uma empresa em posição dominante, titular de uma patente de processo para a produção de um princípio ativo caído no domínio público, que a leva a celebrar, quer preventivamente quer após o início de processos judiciais de impugnação da validade da referida patente, uma série de acordos de resolução amigável que têm como efeito, pelo menos, manter temporariamente fora do mercado potenciais concorrentes que fabricam medicamentos genéricos utilizando esse princípio ativo, constitui um abuso de posição dominante, na aceção desse artigo, apesar de um dos acordos em causa não ser abrangido pelo âmbito de aplicação do direito nacional da concorrência.

146

De acordo com jurisprudência constante, uma mesma prática pode dar origem a uma violação tanto do artigo 101.o TFUE como do artigo 102.o TFUE, ainda que as duas disposições prossigam objetivos distintos (v., nesse sentido, Acórdãos de 13 de fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão, 85/76, EU:C:1979:36, n.o 116, e de 16 de março de 2000, Compagnie maritime belge transports e o./Comissão, C‑395/96 P e C‑396/96 P, EU:C:2000:132, n.o 33).

147

Assim, uma estratégia contratual de um fabricante de medicamentos originais em posição dominante num mercado pode ser sancionada não apenas nos termos do artigo 101.o TFUE, em virtude de cada acordo considerado isoladamente, mas igualmente nos termos do artigo 102.o TFUE, pelo eventual prejuízo suplementar que essa estratégia causa à estrutura concorrencial de um mercado no qual, devido à posição dominante que esse fabricante de medicamentos aí detém, o grau de concorrência já está enfraquecido (v., nesse sentido, Acórdão de 13 de fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão, 85/76, EU:C:1979:36, n.o 120).

148

Para esse efeito, há que recordar que o conceito de «exploração abusiva de uma posição dominante» na aceção do artigo 102.o TFUE é um conceito objetivo que abrange os comportamentos de uma empresa em posição dominante que, num mercado no qual, precisamente devido à presença dessa empresa, o grau de concorrência já esteja enfraquecido, tenham como consequência impedir, recorrendo a meios diferentes dos que regem uma concorrência normal entre produtos ou serviços com base nas prestações dos operadores económicos, a manutenção do grau de concorrência ainda existente no mercado ou o desenvolvimento dessa concorrência (Acórdãos de 13 de fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão, 85/76, EU:C:1979:36, n.o 91, e de 19 de abril de 2012, Tomra Systems e o./Comissão, C‑549/10 P, EU:C:2012:221, n.o 17).

149

Nessa medida, a existência de uma posição dominante não priva uma empresa que se encontre nessa posição do direito de preservar os seus próprios interesses comerciais quando estes sejam atacados, nem da faculdade de, numa medida razoável, realizar as ações que considere apropriadas para a proteção dos seus interesses comerciais (Acórdão de 14 de fevereiro de 1978, United Brands e United Brands Continentaal/Comissão, 27/76, EU:C:1978:22, n.o 189).

150

Mais concretamente, o exercício de um direito exclusivo ligado a um direito de propriedade intelectual, como a celebração de acordos de resolução amigável entre o titular de uma patente e alegados infratores para pôr termo a litígios relativos a essa patente, faz parte das prerrogativas do titular de um direito de propriedade intelectual, pelo que o exercício de tal direito, mesmo por parte de uma empresa em posição dominante, não pode constituir em si mesmo um abuso por parte desta (v., nesse sentido, Acórdão de 16 de julho de 2015, Huawei Technologies, C‑170/13, EU:C:2015:477, n.o 46 e jurisprudência referida).

151

Contudo, tais comportamentos não podem ser admitidos quando tenham precisamente como objetivo reforçar a posição dominante do seu autor e abusar dessa posição (v., nesse sentido, Acórdão de 14 de fevereiro de 1978, United Brands e United Brands Continentaal/Comissão, 27/76, EU:C:1978:22, n.o 189), como quando visem privar potenciais concorrentes comprovados do acesso efetivo a um mercado, como o mercado de um medicamento que contenha um princípio ativo caído no domínio público.

152

Assim, a mera vontade de um fabricante de medicamentos originais em posição dominante de preservar os seus próprios interesses comerciais, em especial, defendendo as patentes de que é titular, e de se prevenir contra a concorrência dos medicamentos genéricos não justifica o recurso a práticas estranhas à concorrência com base no mérito (v., por analogia, Acórdão de 16 de julho de 2015, Huawei Technologies, C‑170/13, EU:C:2015:477, n.o 47 e jurisprudência referida).

153

Com efeito, incumbe à empresa que detém uma posição dominante uma responsabilidade especial de não prejudicar, através do seu comportamento, uma concorrência efetiva e não falseada no mercado interno (Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 135 e jurisprudência referida).

154

Nesta perspetiva, deve, além disso, recordar‑se que o caráter abusivo de um comportamento pressupõe que este tenha tido a capacidade de restringir a concorrência e, em especial, de produzir os efeitos de eliminação que lhe são imputados (v., nesse sentido, Acórdãos de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige, C‑52/09, EU:C:2011:83, n.os 64 e 66, e de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 138), devendo essa apreciação ser efetuada atendendo a todas as circunstâncias de facto relevantes que rodeiem o referido comportamento (v., nesse sentido, Acórdão de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige, C‑52/09, EU:C:2011:83, n.o 68).

155

No caso em apreço, os elementos constantes dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe revelam que a CMA e o órgão jurisdicional de reenvio consideraram que a série de acordos de resolução amigável celebrados por iniciativa da GSK se inseria numa estratégia de conjunto deste fabricante de medicamentos originais e teve, se não por objetivo, pelo menos por efeito, retardar a entrada no mercado de medicamentos genéricos que continham o princípio ativo «paroxetina», que caíra anteriormente no domínio público, e, por conseguinte, evitar uma diminuição significativa dos preços dos medicamentos originais que continham esse princípio ativo, produzidos pela GSK, cuja consequência direta seria uma redução sensível das quotas de mercado da GSK, bem como uma descida também sensível do preço de venda do seu medicamento original.

156

Ora, tal estratégia contratual, cujo caráter concreto compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar atendendo aos elementos de prova de que dispõe, constitui, em princípio, uma prática que obsta, em prejuízo, se não do consumidor final, pelo menos dos sistemas nacionais de saúde, ao desenvolvimento da concorrência no mercado de um princípio ativo caído no domínio público.

157

Os efeitos anticoncorrenciais de tal estratégia contratual são suscetíveis de ultrapassar os efeitos anticoncorrenciais inerentes à celebração de cada um dos acordos que para ela contribuem. Com efeito, essa estratégia produz um efeito significativo de encerramento do mercado do medicamento original que contém o princípio ativo em causa, privando o consumidor dos benefícios da entrada nesse mercado de potenciais concorrentes que fabricam o seu próprio medicamento e, por conseguinte, reservando o referido mercado, direta ou indiretamente, para o fabricante do medicamento original em causa.

158

A este respeito, é indiferente que, como foi invocado no âmbito da nona questão, um dos acordos de resolução amigável em causa, no caso em apreço, o acordo GSK/IVAX não tenha sido celebrado como resolução amigável de um processo judicial pendente, mas para evitar que tal processo judicial fosse iniciado.

159

De igual modo, o facto de um dos acordos de resolução amigável celebrados pelo referido fabricante de medicamentos originais, no caso em apreço, o acordo GSK/IVAX, não ter podido ser sancionado com fundamento no direito nacional da concorrência ou ter originado poupanças substanciais para o sistema nacional de saúde não pode pôr em causa, por si só, a constatação da existência de tal estratégia e do seu caráter abusivo.

160

Com efeito, independentemente da questão de saber se a disposição do direito do Reino Unido por força da qual esse acordo não pôde ser sancionado respeita o princípio do primado associado ao artigo 101.o TFUE, o simples facto de o referido acordo não ter sido sancionado não significa que não produzisse efeitos anticoncorrenciais.

161

Por conseguinte, e tendo em conta que não cabe a uma empresa em posição dominante determinar quantos concorrentes viáveis são autorizados a fazer‑lhe concorrência (v., nesse sentido, Acórdão de 19 de abril de 2012, Tomra Systems e o./Comissão, C‑549/10 P, EU:C:2012:221, n.o 42) não se pode excluir que o acordo GSK/IVAX possa ter gerado, em conjunto com os acordos GSK/Alpharma e GSK/GUK, efeitos cumulativos de acordos restritivos paralelos que reforçaram a posição dominante da GSK e, consequentemente, que a estratégia desse fabricante de medicamentos originais se afigure abusiva na aceção do artigo 102.o TFUE, o que compete, contudo, apenas ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar.

162

A este propósito, importa igualmente recordar que, embora, para efeitos da aplicação do artigo 102.o TFUE, não seja, de forma alguma, necessário provar que existe uma intenção anticoncorrencial por parte da empresa em posição dominante, a prova de tal intenção, ainda que não baste por si só, constitui uma circunstância de facto suscetível de ser tomada em consideração para efeitos da determinação de um abuso de posição dominante (v., nesse sentido, Acórdão de 19 de abril de 2012, Tomra Systems e o./Comissão, C‑549/10 P, EU:C:2012:221, n.os 20, 21 e 24).

163

Ora, no caso em apreço, a CMA e o órgão jurisdicional de reenvio consideram que a celebração pela GSK dos acordos em causa se inseria numa estratégia global que consistia na manutenção, por parte desta, durante tanto tempo quanto possível, da sua posição de monopólio no mercado do Reino Unido da paroxetina.

164

Por conseguinte, admitindo que estes elementos estão provados, o órgão jurisdicional de reenvio deve ter em conta a eventual intenção anticoncorrencial da GSK para apreciar se o comportamento desta deve ser qualificado de «abuso de posição dominante», na aceção do artigo 102.o TFUE.

165

Assim sendo, importa recordar, em resposta às alíneas b) e c) da décima questão, que, segundo jurisprudência constante, uma empresa que detenha uma posição dominante pode justificar comportamentos suscetíveis de ser abrangidos pela proibição enunciada no artigo 102.o TFUE, nomeadamente provando que o efeito de eliminação que o seu comportamento comporta pode ser compensado ou mesmo superado por ganhos em termos de eficiência que beneficiem também os consumidores (v., nesse sentido, Acórdão de 27 de março de 2012, Post Danmark, C‑209/10, EU:C:2012:172, n.os 40 e 41 e jurisprudência referida).

166

Para esse efeito, cabe à empresa que detém uma posição dominante demonstrar que os ganhos de eficiência suscetíveis de resultar do comportamento em causa neutralizam os prováveis efeitos prejudiciais na concorrência e os interesses dos consumidores nos mercados afetados, que esses ganhos de eficiência foram ou são suscetíveis de ser realizados graças ao referido comportamento e que este é indispensável à realização desses ganhos e não elimina uma concorrência efetiva ao suprimir a totalidade ou a maior parte das fontes existentes de concorrência atual ou potencial (Acórdão de 27 de março de 2012, Post Danmark, C‑209/10, EU:C:2012:172, n.o 42), excluindo‑se assim que a referida empresa se limite a apresentar argumentos vagos, gerais e teóricos sobre esta questão ou ainda a invocar exclusivamente interesses comerciais próprios.

167

Daqui decorre que a apreciação do caráter justificado de uma prática suscetível de ser abrangida pela proibição enunciada no artigo 102.o TFUE pressupõe, nomeadamente, uma ponderação dos efeitos favoráveis e desfavoráveis da prática em causa sobre a concorrência (Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão, C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 140), a qual requer uma análise objetiva dos seus efeitos sobre o mercado.

168

Assim, a tomada em consideração, nomeadamente, dos ganhos de eficiência das práticas em questão não pode depender dos objetivos eventualmente prosseguidos pelo seu autor e, consequentemente, da questão de saber se estes resultam de uma vontade deliberada ou, pelo contrário, são apenas ocasionais e não intencionais.

169

Tal conclusão é, de resto, corroborada pela jurisprudência constante do Tribunal de Justiça nos termos da qual o conceito de «abuso de posição dominante» é um conceito objetivo (v., nomeadamente, Acórdãos de 13 de fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão, 85/76, EU:C:1979:36, n.o 91, e de 16 de julho de 2015, Huawei Technologies, C‑170/13, EU:C:2015:477), o que implica que as eventuais justificações de tal prática sejam, também elas, apreciadas de forma objetiva.

170

Por conseguinte, o caráter eventualmente não intencional das implicações financeiras do acordo GSK/IVAX favoráveis ao sistema nacional de saúde, invocadas na alínea b) da décima questão, não pode levar, apenas por esse motivo, a excluir tais implicações financeiras da ponderação dos efeitos favoráveis e desfavoráveis da prática em causa sobre a concorrência, devendo essas implicações financeiras ser, portanto, devidamente tomadas em consideração para apreciar se constituem efetivamente ganhos de eficiência suscetíveis de resultar do comportamento considerado e, em caso afirmativo, se neutralizam os efeitos prejudiciais que o referido comportamento pode produzir sobre a concorrência e os interesses dos consumidores no mercado afetado.

171

A este respeito, importa observar que a referida ponderação deve ser efetuada tendo devidamente em conta as características próprias da prática em causa e, mais concretamente, tratando‑se de uma prática unilateral como a que está em causa no processo principal, o facto invocado pelo órgão jurisdicional de reenvio na alínea b) da sua décima questão, ou seja, o facto de os efeitos favoráveis comprovados que decorrem do acordo GSK/IVAX se revelarem claramente inferiores aos que adviriam da entrada independente no mercado de uma versão genérica do Seroxat, na sequência de uma vitória judicial da IVAX no processo relativo à patente.

172

Atendendo às considerações que antecedem, há que responder às oitava a décima questões, consideradas conjuntamente, que o artigo 102.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que a estratégia de uma empresa em posição dominante, titular de uma patente de processo para a produção de um princípio ativo caído no domínio público, que a leva a celebrar, quer preventivamente quer após o início de processos judiciais de impugnação da validade da referida patente, uma série de acordos de resolução amigável que têm como efeito, pelo menos, manter temporariamente fora do mercado potenciais concorrentes que fabricam medicamentos genéricos utilizando esse princípio ativo, constitui um abuso de posição dominante na aceção desse artigo, desde que a referida estratégia possa restringir a concorrência e, em especial, produzir efeitos de eliminação que ultrapassem os efeitos anticoncorrenciais inerentes a cada um dos acordos que para ela contribuam, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Quanto às despesas

173

Revestindo o processo, quanto às partes no processo principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

 

1)

O artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que um fabricante de medicamentos originais titular de uma patente de processo de fabrico de um princípio ativo caído no domínio público, por um lado, e fabricantes de medicamentos genéricos que se preparam para entrar no mercado do medicamento que contém esse princípio ativo, por outro, que estão em litígio sobre a validade dessa patente ou sobre o caráter contrafeito dos medicamentos genéricos em questão, se encontram numa situação de concorrência potencial quando se demonstre que o fabricante de medicamentos genéricos tem efetivamente a firme intenção e capacidade própria para entrar no mercado e não se depara com barreiras à entrada de caráter intransponível, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar.

 

2)

O artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que um acordo de resolução amigável de um processo judicial pendente que opõe um fabricante de medicamentos originais a um fabricante de medicamentos genéricos, em situação de concorrência potencial, a propósito da validade de uma patente de processo de fabrico do princípio ativo de um medicamento original caído no domínio público, da qual o primeiro fabricante é titular, bem como a propósito do caráter contrafeito de uma versão genérica desse medicamento, mediante o qual esse fabricante de medicamentos genéricos se compromete a não entrar no mercado do medicamento que contém esse princípio ativo e a não prosseguir a sua ação de nulidade dessa patente durante a vigência do acordo como contrapartida de transferências de valores efetuadas a seu favor pelo fabricante de medicamentos originais, constitui um acordo que tem como objetivo impedir, restringir ou falsear a concorrência:

se resultar de todos os elementos disponíveis que o saldo positivo das transferências de valores efetuadas pelo fabricante de medicamentos originais a favor do fabricante de medicamentos genéricos se explica apenas pelo interesse comercial das partes nesse acordo em não concorrer com base no mérito,

a menos que o acordo de resolução amigável em causa seja acompanhado de efeitos pró‑concorrenciais comprovados que suscitem dúvidas razoáveis quanto ao seu caráter suficientemente nocivo para a concorrência.

 

3)

O artigo 101.o, n.o 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que a demonstração da existência de efeitos sensíveis potenciais ou reais sobre a concorrência de um acordo de resolução amigável, como os que estão em causa no processo principal, e, consequentemente, a sua qualificação de «restrição por efeito» não pressupõe que se conclua que, na falta desse acordo, o fabricante de medicamentos genéricos parte nesse acordo teria provavelmente obtido ganho de causa no processo judicial relativo à patente de processo em causa ou as partes no referido acordo teriam provavelmente celebrado um acordo de resolução amigável menos restritivo.

 

4)

O artigo 102.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que, numa situação em que um fabricante de medicamentos originais que contêm um princípio ativo caído no domínio público, mas cujo processo de fabrico está protegido por uma patente de processo cuja validade é contestada, obste, com base nessa patente, a que entrem no mercado versões genéricas desse medicamento, deve tomar‑se em consideração, para efeitos da definição do mercado de produtos em questão, não apenas a versão original desse medicamento, mas igualmente as versões genéricas deste, mesmo que estas possam não estar em condições de entrar legalmente no mercado antes da caducidade da referida patente de processo, se os fabricantes de medicamentos genéricos em causa puderem entrar a curto prazo no mercado em questão com força suficiente para constituir um contrapeso sério ao fabricante de medicamentos originais já presente nesse mercado, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 

5)

O artigo 102.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que a estratégia de uma empresa em posição dominante, titular de uma patente de processo para a produção de um princípio ativo caído no domínio público, que a leva a celebrar, quer preventivamente quer após o início de processos judiciais de impugnação da validade da referida patente, uma série de acordos de resolução amigável que têm como efeito, pelo menos, manter temporariamente fora do mercado potenciais concorrentes que fabricam medicamentos genéricos utilizando esse princípio ativo, constitui um abuso de posição dominante na aceção desse artigo, desde que a referida estratégia possa restringir a concorrência e, em especial, produzir efeitos de eliminação que ultrapassem os efeitos anticoncorrenciais inerentes a cada um dos acordos que para ela contribuam, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.

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