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Document 62018CJ0041

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 19 de junho de 2019.
    Meca Srl contra Comune di Napoli.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunale amministrativo regionale della Campania.
    Reenvio prejudicial — Contratos públicos — Diretiva 2014/24/UE — Artigo 57.o, n.o 4, alíneas c) e g) — Adjudicação de contratos públicos de serviços — Motivos facultativos de exclusão da participação num procedimento de contratação — Falta profissional grave que põe em causa a idoneidade do operador económico — Resolução de um contrato anterior em consequência de deficiências na respetiva execução — Impugnação judicial que impede a autoridade adjudicante de apreciar o incumprimento contratual até à conclusão do processo judicial.
    Processo C-41/18.

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2019:507

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

    19 de junho de 2019 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — Contratos públicos — Diretiva 2014/24/UE — Artigo 57.o, n.o 4, alíneas c) e g) — Adjudicação de contratos públicos de serviços — Motivos facultativos de exclusão da participação num procedimento de contratação — Falta profissional grave que põe em causa a idoneidade do operador económico — Resolução de um contrato anterior em consequência de deficiências na respetiva execução — Impugnação judicial que impede a autoridade adjudicante de apreciar o incumprimento contratual até à conclusão do processo judicial»

    No processo C‑41/18,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Tribunale amministrativo regionale della Campania (Tribunal Administrativo Regional da Campânia, Itália), por Decisão de 22 de novembro de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 22 de janeiro de 2018, no processo

    Meca Srl

    contra

    Comune di Napoli,

    sendo interveniente:

    Sirio Srl,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

    composto por: M. Vilaras, presidente de secção, R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente do Tribunal de Justiça, D. Šváby (relator), S. Rodin e N. Piçarra, juízes,

    advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

    secretário: R. Schiano, administrador,

    vistos os autos e após a audiência de 13 de dezembro de 2018,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da Comune di Napoli, por A. Andreottola e A. Cuomo, avvocati,

    em representação da Sirio Srl, por L. Lentini e C. Sito, avvocati,

    em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por C. Colelli e C. Pluchino, avvocati dello Stato,

    em representação do Governo húngaro, por G. Koós, M. Z. Fehér e A. Pokoraczki, na qualidade de agentes,

    em representação da Comissão Europeia, por G. Gattinara, P. Ondrůšek e L. Haasbeek, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 7 de março de 2019,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 57.o, n.o 4, da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE (JO 2014, L 94, p. 65).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Meca Srl à Comune di Napoli (Município de Nápoles, Itália) a propósito da decisão do Município de Nápoles de autorizar a Sirio Srl a prosseguir com a sua participação num concurso.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    3

    Os considerandos 101 e 102 da Diretiva 2014/24 enunciam:

    «(101)

    As autoridades adjudicantes deverão […] poder excluir os operadores económicos que se tenham revelado pouco fiáveis, por exemplo na sequência de infrações de obrigações ambientais ou sociais, incluindo as regras em matéria de acessibilidade de pessoas com deficiência ou outras formas de falta profissional grave, como a violação das regras da concorrência ou dos direitos de propriedade intelectual. Deverá ser especificado que uma falta profissional grave pode pôr em causa a idoneidade de um operador económico, desqualificando‑o para efeitos de adjudicação de um contrato público, mesmo que tenha a capacidade técnica e económica necessária para executar o contrato.

    Tendo em conta que a autoridade adjudicante será responsável pelas consequências da sua decisão eventualmente errada, as autoridades adjudicantes deverão também ter a liberdade de considerar que houve falta profissional grave quando, antes de tomarem uma decisão final e vinculativa sobre a existência de motivos de exclusão obrigatória, puderem demonstrar por qualquer meio adequado que o operador económico violou as suas obrigações, nomeadamente obrigações relacionadas com o pagamento de impostos ou de contribuições para a segurança social, salvo disposição em contrário do direito nacional. Deverão também ter a possibilidade de excluir os candidatos ou proponentes cujo desempenho no âmbito de anteriores contratos públicos tenha acusado deficiências graves no que se refere aos requisitos essenciais, por exemplo, falhas na entrega ou execução, deficiências significativas do produto ou do serviço prestado que os tornem inutilizáveis para o fim a que se destinavam, ou conduta ilícita que levante sérias dúvidas quanto à fiabilidade do operador económico. O direito nacional deverá prever uma duração máxima para essas exclusões.

    Ao aplicar motivos facultativos de exclusão, deverá prestar‑se especial atenção ao princípio da proporcionalidade. Só em circunstâncias excecionais poderão as pequenas irregularidades conduzir à exclusão de um operador económico. No entanto, a reincidência em pequenas irregularidades pode levantar dúvidas quanto à fiabilidade de um operador económico que poderão justificar a sua exclusão.

    (102)

    Deverá contudo prever‑se a possibilidade de os operadores económicos poderem adotar medidas de execução destinadas a remediar as consequências de quaisquer infrações penais ou faltas graves e a prevenir eficazmente a repetição de tais faltas. Essas medidas poderão consistir, em particular, em intervenções ao nível do pessoal e da organização, como sejam a rutura de todas as ligações com as pessoas ou organizações envolvidas na conduta ilícita, medidas adequadas de reorganização do pessoal, a aplicação de sistemas de notificação e controlo e a criação de uma estrutura de auditoria interna para acompanhar o cumprimento e a adoção de regras internas em matéria de responsabilidade e compensação. Se tais medidas proporcionarem garantias suficientes, o operador económico em questão deverá deixar de estar excluído por esses motivos apenas. Os operadores económicos deverão ter a possibilidade de solicitar que as medidas de execução tomadas com vista a uma eventual admissão ao procedimento de contratação sejam examinadas. No entanto, deverá ser deixada ao critério dos Estados‑Membros a determinação das exatas condições processuais e materiais aplicáveis nesses casos. Em particular, os Estados‑Membros são livres de decidir se querem deixar ao cuidado das autoridades adjudicantes as avaliações pertinentes ou confiar essa tarefa a outras autoridades a nível central ou não central.»

    4

    O artigo 57.o desta diretiva, intitulado «Motivos de exclusão», dispõe:

    «[…]

    4.   As autoridades adjudicantes podem excluir ou podem ser solicitadas pelos Estados‑Membros a excluir um operador económico da participação num procedimento de contratação, numa das seguintes situações:

    […]

    c)

    Se a autoridade adjudicante puder demonstrar, por qualquer meio adequado, que o operador económico cometeu qualquer falta profissional grave que põe em causa a sua idoneidade;

    […]

    g)

    Se o operador económico tiver acusado deficiências significativas ou persistentes na execução de um requisito essencial no âmbito de um contrato público anterior, um anterior contrato com uma autoridade adjudicante ou um anterior contrato de concessão, tendo tal facto conduzido à rescisão antecipada desse anterior contrato, à condenação por danos ou a outras sanções comparáveis;

    […]

    5.   As autoridades adjudicantes devem, a qualquer momento do procedimento, excluir um operador económico quando se verificar que o operador económico em causa, tendo em conta atos cometidos ou omitidos antes ou durante o procedimento, se encontra numa das situações referidas nos n.os 1 e 2.

    A qualquer momento do procedimento, as autoridades adjudicantes podem excluir, ou ser solicitadas pelos Estados‑Membros a excluir, um operador económico quando se verificar que o operador económico em causa, tendo em conta atos cometidos ou omitidos antes ou durante o procedimento, se encontra numa das situações referidas no n.o 4.

    6.   Qualquer operador económico que se encontre numa das situações referidas nos n.os 1 e 4 pode fornecer provas de que as medidas por si tomadas são suficientes para demonstrar a sua fiabilidade não obstante a existência de uma importante causa de exclusão. Se essas provas forem consideradas suficientes, o operador económico em causa não é excluído do procedimento de contratação.

    Para o efeito, o operador económico deve provar que ressarciu ou que tomou medidas para ressarcir eventuais danos causados pela infração penal ou pela falta grave, esclareceu integralmente os factos e as circunstâncias através de uma colaboração ativa com as autoridades responsáveis pelo inquérito e tomou as medidas concretas técnicas, organizativas e de pessoal adequadas para evitar outras infrações penais ou faltas graves.

    As medidas tomadas pelos operadores económicos são avaliadas tendo em conta a gravidade e as circunstâncias específicas da infração penal ou falta cometida. Caso as medidas sejam consideradas insuficientes, o operador económico recebe uma exposição dos motivos dessa decisão.

    Um operador económico que tenha sido excluído, por decisão transitada em julgado, de participar em procedimentos de contratação pública ou concessão não pode recorrer à possibilidade prevista no presente número durante o período de exclusão resultante dessa decisão nos Estados‑Membros onde esta produz efeitos.

    7.   Os Estados‑Membros devem especificar as condições de aplicação do presente artigo por meio de disposições legislativas, regulamentares ou administrativas e tendo em conta o direito da União. Devem, em particular, determinar o período máximo de exclusão no caso de o operador económico não ter tomado medidas, como as especificadas no n.o 6, para demonstrar a sua fiabilidade. Se o período de exclusão não tiver sido fixado por decisão transitada em julgado, esse prazo não pode ser superior a cinco anos a contar da data da condenação por decisão transitada em julgado nos casos referidos no n.o 1 e três anos a contar da data do facto pertinente nos casos referidos no n.o 4.»

    Direito italiano

    5

    O artigo 80.o, n.o 5, alínea c), do decreto legislativo n. 50 Codice dei contratti pubblici (Decreto Legislativo n.o 50, que aprova o Código dos Contratos Públicos), de 18 de abril de 2016 (suplemento ordinário ao GURI n.o 91, de 19 de abril de 2016; a seguir «Código dos Contratos Públicos»), dispõe:

    «A autoridade adjudicante exclui um operador económico da participação num procedimento de concurso, numa das seguintes situações, que pode também dizer respeito a um subcontratante nos casos previstos no artigo 105.o, n.o 6, quando:

    […]

    c)

    A autoridade adjudicante puder demonstrar, por meios adequados, que o operador económico cometeu uma falta profissional grave que ponha em causa a sua idoneidade ou fiabilidade. Entre essas faltas incluem‑se as deficiências significativas na execução de um contrato público ou de uma concessão anteriores que tenham dado lugar à sua denúncia antecipada, não impugnada judicialmente ou confirmada por decisão judicial, ou que tenham dado lugar a uma condenação ao pagamento de uma indemnização ou a outras sanções; a tentativa de influenciar indevidamente o processo de tomada de decisão da autoridade adjudicante ou de obter informações confidenciais para benefício próprio; a disponibilização, ainda que negligente, de informações falsas ou enganosas suscetíveis de influenciar as decisões de exclusão, seleção ou adjudicação, a omissão das informações necessárias para a correta tramitação do processo de seleção;

    […]»

    Litígio no processo principal e questão prejudicial

    6

    O Município de Nápoles lançou um concurso para a adjudicação de um contrato público de serviços relativo a refeições escolares no ano letivo de 2017/2018. Este contrato estava dividido em dez lotes, cada um dos quais correspondia a uma das circunscrições territoriais do Município de Nápoles.

    7

    Resulta da decisão de reenvio que, para o ano letivo anterior, a Sirio tinha celebrado com o Município de Nápoles um contrato de prestação de serviços de refeições escolares em relação a dois lotes, que foi resolvido, no mês de maio de 2017, devido a casos de intoxicação alimentar causados pela presença de bactérias coliformes nos géneros alimentícios servidos numa cantina escolar.

    8

    A este respeito, depois de as análises efetuadas pela Agenzia regionale per la protezione ambientale della Campania (ARPAC) [(Agência Regional para a Proteção do Ambiente da Campânia, Itália) (ARPAC)] a amostras de alimentos conservados pela direção da escola em causa terem confirmado a presença de bactérias coliformes, em particular na carne de bovino assada, o contrato público relativo a refeições escolares, para o ano letivo de 2016/2017, foi adjudicado à Meca, que tinha sido classificada em segundo lugar no procedimento relativo ao concurso organizado com vista à adjudicação desse contrato público.

    9

    No âmbito da sua participação no concurso mencionado no n.o 6 do presente acórdão, a Sirio declarou expressamente que, «por decisão […] de 29 de junho de 2017, o Município de Nápoles resolveu o contrato […] de 9 de maio de 2017 devido a um caso de intoxicação alimentar» e que essa resolução contratual era objeto de uma impugnação judicial junto do Tribunale di Napoli (Tribunal de Primeira Instância de Nápoles, Itália).

    10

    Por ata de 1 de agosto de 2017, a autoridade adjudicante autorizou a Sirio a prosseguir com a sua participação nesse concurso em relação ao lote para que tinha apresentado uma proposta. A Meca impugnou junto do Tribunale amministrativo regionale della Campania (Tribunal Administrativo Regional da Campânia, Itália) a participação da Sirio no referido concurso, sem esperar pela adoção da decisão do Município de Nápoles que adjudicou o contrato em causa no processo principal, que ocorreu em 7 de novembro de 2017 e adjudicou o contrato à Sirio.

    11

    A Meca entende que a Sirio não deveria ter sido autorizada a prosseguir com o procedimento de contratação, uma vez que o contrato que a vinculava ao Município de Nápoles, com vista ao fornecimento de um serviço de refeições escolares para o ano letivo de 2016/2017, tinha sido resolvido pelo mesmo município na sequência de uma intoxicação alimentar de alunos e do pessoal escolar.

    12

    Em apoio da sua ação junto do órgão jurisdicional de reenvio, a Meca acusa o Município de Nápoles de não ter efetuado uma apreciação sobre a gravidade do incumprimento cometido pela Sirio no âmbito da execução do contrato público relativo a refeições escolares, para o ano letivo de 2016/2017, apesar do artigo 80.o, n.o 5, alínea c), do Código dos Contratos Públicos, que o habilita a demonstrar «por meios adequados, que o operador económico cometeu uma falta profissional grave que [põe] em causa a sua idoneidade ou fiabilidade». Segundo a Meca, a impugnação pela Sirio, junto de um órgão jurisdicional cível, da resolução do contrato de prestação de serviços mencionado no n.o 7 do presente acórdão não pode privar a autoridade adjudicante dessa prerrogativa. Assim, tendo em conta a ocorrência de uma intoxicação alimentar no mês de maio de 2017, o Município de Nápoles não deveria ter aceitado automaticamente a participação da Sirio no concurso em causa no processo principal.

    13

    Tanto o Município de Nápoles como a Sirio entendem, pelo contrário, que a ação instaurada pela Sirio junto do Tribunale di Napoli (Tribunal de Primeira Instância de Nápoles) impedia a autoridade adjudicante de efetuar qualquer apreciação sobre a fiabilidade desta empresa.

    14

    O órgão jurisdicional de reenvio salienta que a posição do Município de Nápoles e da Sirio não é desprovida de fundamento, uma vez que, segundo a jurisprudência dos órgãos jurisdicionais italianos, se deduz do artigo 80.o, n.o 5, alínea c), do Código dos Contratos Públicos que o proponente que mostrou deficiências na execução de um contrato público anterior deve ser admitido a participar num procedimento de concurso posterior se tiver instaurado uma ação, ainda pendente, contra a resolução contratual que ocorreu na sequência das referidas deficiências.

    15

    O órgão jurisdicional de reenvio entende que o direito da União pode, contudo, opor‑se a uma disposição nacional como o artigo 80.o, n.o 5, alínea c), do Código dos Contratos Públicos. Com efeito, esta disposição conduz a privar de efeito útil o motivo facultativo de exclusão aí previsto, uma vez que a margem de apreciação da autoridade adjudicante é gorada no caso de impugnação contenciosa de uma resolução contratual anterior. Ora, embora o Tribunal de Justiça ainda não tenha tido a oportunidade de interpretar o artigo 57.o, n.o 4, da Diretiva 2014/24, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 45.o, n.o 2, da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO 2004, L 134, p. 114), disposição que o artigo 57.o, n.o 4, da Diretiva 2014/24 revogou, que o direito da União rejeita qualquer automatismo em matéria de decisão de exclusão facultativa por falta profissional grave, devendo uma decisão dessa natureza ter necessariamente em conta o princípio da proporcionalidade.

    16

    Reciprocamente, os princípios da proporcionalidade e da efetividade devem proibir qualquer automatismo em caso de impossibilidade de excluir um operador económico. Assim, ao impedir a autoridade adjudicante de efetuar uma apreciação fundamentada sobre a gravidade da falta profissional na origem da resolução do contrato anterior, por a resolução do contrato ter sido impugnada junto de um órgão jurisdicional cível, o artigo 80.o, n.o 5, do Código dos Contratos Públicos viola os referidos princípios e, por conseguinte, a Diretiva 2014/24. Com efeito, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o artigo 57.o, n.o 4, alínea g), dessa diretiva não exige de forma alguma uma constatação definitiva, e, portanto, jurisdicional, da responsabilidade do adjudicatário.

    17

    Resulta, além disso, do Acórdão de 13 de dezembro de 2012, Forposta e ABC Direct Contact (C‑465/11, EU:C:2012:801), que uma «falta profissional» é um motivo de exclusão quando reveste características de gravidade objetiva. Ora, segundo o direito italiano, a admissão a concurso está subordinada a um evento de natureza potestativa, a saber, a decisão de impugnar judicialmente a resolução de um contrato anterior.

    18

    Por último, a legislação italiana é igualmente incompatível com as finalidades expostas no considerando 102 da Diretiva 2014/24, que introduziu o mecanismo de «execução» pelos proponentes. Com efeito, a admissão automática a concorrer resultante da impugnação judicial em matéria civil da resolução de um contrato anterior desincentiva a adoção de medidas de execução pelas empresas, embora as mesmas sejam necessárias para evitar a repetição das condutas que conduziram à referida resolução.

    19

    Foi neste contexto que o Tribunale amministrativo regionale della Campania (Tribunal Administrativo Regional da Campânia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «Os princípios da União Europeia da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica, consagrados no [Tratado FUE], e os princípios deles decorrentes, como a igualdade de tratamento, a não discriminação, a proporcionalidade e [a] efetividade, previstos na Diretiva [2014/24], bem como o disposto no artigo 57.o, n.o 4, [alíneas c) e g)], da mesma diretiva, opõem‑se a uma legislação nacional como a italiana, resultante do artigo 80.o, n.o 5, alínea c), do [Código dos Contratos Públicos], segundo a qual a impugnação judicial de [deficiências significativas] verificadas na execução de um contrato público anterior, que [conduziram] à denúncia antecipada do mesmo contrato, impede a autoridade adjudicante de efetuar qualquer apreciação sobre a fiabilidade do [proponente] até que exista uma decisão definitiva no processo cível, mesmo que a empresa não tenha demonstrado que adotou medidas de correção destinadas a sanar as infrações e a evitar a sua repetição?»

    Quanto à questão prejudicial

    Observações preliminares

    20

    Em primeiro lugar, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que o valor estimado do contrato em causa no processo principal ascende a 1127660 euros e ultrapassa, consequentemente, o limiar de 750000 euros previsto no artigo 4.o, alínea d), da Diretiva 2014/24 para os contratos públicos de serviços relativos a serviços específicos enumerados no anexo XIV desta diretiva. Daqui resulta que a referida diretiva é aplicável ao litígio no processo principal e que a questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio deve ser entendida exclusivamente à luz das disposições da mesma diretiva.

    21

    Em segundo lugar, na audiência realizada no Tribunal de Justiça, o Governo italiano alegou que a interpretação do artigo 80.o, n.o 5, alínea c), do Código dos Contratos Públicos, exposta pelo órgão jurisdicional de reenvio no seu pedido de decisão prejudicial, já não corresponde à nova legislação italiana.

    22

    Não obstante, numa situação em que parecem existir divergências quanto à legislação nacional aplicável, resulta de jurisprudência constante que, no âmbito do processo de decisão prejudicial previsto no artigo 267.o TFUE, não incumbe ao Tribunal de Justiça precisar as disposições nacionais relevantes aplicáveis ao processo principal. Tal prerrogativa pertence apenas ao órgão jurisdicional de reenvio, que, ao analisar o quadro jurídico nacional, deixa ao Tribunal de Justiça a possibilidade de fornecer todos os elementos de interpretação resultantes do direito da União, permitindo ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar a conformidade de uma legislação nacional com a regulamentação da União (Acórdão de 26 de junho de 2008, Burda, C‑284/06, EU:C:2008:365, n.o 39).

    23

    Nestas condições, é com base nos elementos factuais e jurídicos como resultam da decisão de reenvio que há que responder à questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio.

    Quanto ao mérito

    24

    Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 57.o, n.o 4, alíneas c) e g), da Diretiva 2014/24 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional ao abrigo da qual a impugnação judicial da decisão de resolver um contrato público tomada por uma autoridade adjudicante devido a deficiências significativas verificadas na sua execução impede a autoridade adjudicante que lança um novo concurso de efetuar qualquer apreciação, na fase da seleção dos proponentes, sobre a fiabilidade do operador a que essa resolução diz respeito.

    25

    Em primeiro lugar, como salientou o advogado‑geral no n.o 32 das suas conclusões, a redação do artigo 57.o, n.o 4, da Diretiva 2014/24 é suficientemente próxima da do artigo 45.o, n.o 2, da Diretiva 2004/18, disposição que revogou, para que a interpretação pedida pelo órgão jurisdicional de reenvio se possa inspirar na jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa a esta última disposição.

    26

    Assim, ao interpretar os motivos facultativos de exclusão, como os previstos no artigo 45.o, n.o 2, primeiro parágrafo, alíneas d) ou g), da Diretiva 2004/18 — as únicas disposições que não contêm remissões para o direito nacional —, o Tribunal de Justiça baseou‑se no artigo 45.o, n.o 2, segundo parágrafo, desta diretiva, ao abrigo do qual os Estados‑Membros especificam, no respeito do direito da União, as condições de aplicação do referido n.o 2, para enquadrar de forma mais estrita a margem de apreciação desses Estados e definir, ele próprio, o alcance do motivo facultativo de exclusão controvertido (v., nomeadamente, Acórdão de 13 de dezembro de 2012, Forposta e ABC Direct Contact, C‑465/11, EU:C:2012:801, n.os 25 a 31).

    27

    A este respeito, é inegável que a Diretiva 2014/24 restringe a margem de apreciação dos Estados‑Membros. Com efeito, enquanto a remissão para a legislação e a regulamentação nacionais estava prevista em cinco das sete hipóteses que constavam do artigo 45.o, n.o 2, da Diretiva 2004/18, atualmente, de entre as nove hipóteses previstas no artigo 57.o, n.o 4, da Diretiva 2014/24, apenas a hipótese mencionada na alínea b) deste n.o 4 contém essa remissão.

    28

    Em segundo lugar, nos termos do artigo 57.o, n.o 4, da Diretiva 2014/24, «[a]s autoridades adjudicantes podem excluir ou podem ser solicitadas pelos Estados‑Membros a excluir um operador económico da participação num procedimento de contratação, numa das situações [a que essa disposição se refere]». Resulta assim da redação dessa disposição que foi às autoridades adjudicantes, e não a um órgão jurisdicional nacional, que foi confiada a tarefa de apreciar se um operador económico deve ser excluído de um procedimento de contratação.

    29

    Em terceiro lugar, a faculdade de que qualquer autoridade adjudicante dispõe de excluir um proponente de um procedimento de contratação é particularmente destinada a permitir‑lhe apreciar a idoneidade e fiabilidade de cada um dos proponentes, como demonstram o artigo 57.o, n.o 4, alíneas c) e g), e o considerando 101 da Diretiva 2014/24.

    30

    Com efeito, como sublinhou o advogado‑geral nos n.os 42 e 43 das suas conclusões, ambos os motivos de exclusão têm como fundamento um ingrediente essencial da relação do adjudicatário do contrato com a autoridade adjudicante, a saber, a fiabilidade do primeiro, na qual assenta a confiança que a segunda deposita naquele. É assim que o considerando 101, primeiro parágrafo, desta diretiva enuncia que as autoridades adjudicantes podem excluir os «operadores económicos que se tenham revelado pouco fiáveis», enquanto o seu segundo parágrafo toma em consideração, na execução dos contratos públicos anteriores, uma «conduta ilícita que levante sérias dúvidas quanto à fiabilidade do operador económico».

    31

    Em quarto lugar, nos termos do artigo 57.o, n.o 5, da Diretiva 2014/24, as autoridades adjudicantes devem poder excluir um operador económico «a qualquer momento do procedimento» e não apenas após um órgão jurisdicional ter proferido a sua sentença, o que constitui um indício adicional da vontade do legislador da União de permitir à autoridade adjudicante efetuar a sua própria apreciação dos atos que um operador económico cometeu ou omitiu, antes ou durante o procedimento de contratação, numa das situações referidas no artigo 57.o, n.o 4, desta diretiva.

    32

    Por último, se uma autoridade adjudicante devesse estar automaticamente vinculada por uma apreciação efetuada por um terceiro, ser‑lhe‑ia provavelmente difícil prestar especial atenção ao princípio da proporcionalidade no momento de aplicar os motivos facultativos de exclusão. Ora, segundo o considerando 101 da Diretiva 2014/24, este princípio implica em particular que, antes de decidir excluir um operador económico, essa autoridade tome em consideração o caráter menos grave das irregularidades cometidas ou a repetição de pequenas irregularidades.

    33

    Afigura‑se assim claramente, como salientado pelo advogado‑geral nos n.os 35 e 36 das suas conclusões, que o poder de apreciação dos Estados‑Membros não é absoluto e que, uma vez que um Estado‑Membro decida incorporar um dos motivos facultativos de exclusão previstos na Diretiva 2014/24, deve respeitar as suas características essenciais, conforme definidas nesta última. Ao esclarecer que os Estados‑Membros devem ter «em conta o direito da União» quando especificarem «as condições de aplicação do presente artigo», o artigo 57.o, n.o 7, da Diretiva 2014/24 obsta a que os Estados‑Membros desvirtuem os motivos facultativos de exclusão estabelecidos nesta disposição ou ignorem os objetivos e os princípios subjacentes a cada um desses motivos.

    34

    Ora, como foi salientado no n.o 28 do presente acórdão, resulta da redação do artigo 57.o, n.o 4, da Diretiva 2014/24 que o legislador da União entendeu atribuir à autoridade adjudicante, e só a esta, na fase da seleção dos proponentes, a tarefa de apreciar se um candidato ou um proponente deve ser excluído de um procedimento de contratação.

    35

    É com base nas considerações expostas que importa responder ao órgão jurisdicional de reenvio.

    36

    Como resulta da decisão de reenvio, o artigo 80.o, n.o 5, alínea c), do Código dos Contratos Públicos habilita uma autoridade adjudicante a excluir de um procedimento de concurso um operador económico, quando demonstre, nomeadamente, por meios adequados, em primeiro lugar, que esse operador cometeu faltas profissionais graves que põem em causa a sua idoneidade ou fiabilidade, em segundo lugar, que essas faltas profissionais graves, que podem resultar de deficiências significativas verificadas na execução de um contrato público anterior, deram lugar à resolução do contrato que o vinculava à autoridade adjudicante, a uma condenação ao pagamento de uma indemnização ou a outras sanções equiparáveis e, em terceiro lugar, que essa resolução não foi impugnada judicialmente ou foi confirmada por decisão judicial.

    37

    É evidente que uma disposição nacional como a do artigo 80.o, n.o 5, alínea c), do Código dos Contratos Públicos não é suscetível de preservar o efeito útil do motivo facultativo de exclusão previsto no artigo 57.o, n.o 4, alíneas c) ou g), da Diretiva 2014/24.

    38

    Com efeito, o poder de apreciação que o artigo 57.o, n.o 4, da Diretiva 2014/24 confere à autoridade adjudicante fica paralisado pela simples impugnação judicial, por um candidato ou proponente, da resolução de um contrato público anterior de que o mesmo era signatário, ainda que se tivesse afigurado que a sua conduta mostrou deficiências suficientes para justificar essa resolução.

    39

    Além disso, uma regra como a enunciada no artigo 80.o, n.o 5, alínea c), do Código dos Contratos Públicos não incentiva, manifestamente, um adjudicatário que foi objeto de uma decisão de resolução de um contrato público anterior a adotar medidas corretivas. Assim, essa regra é suscetível de colidir com os preceitos do artigo 57.o, n.o 6, da Diretiva 2014/24.

    40

    Com efeito, esta diretiva é inovadora, nomeadamente, ao consagrar, no seu artigo 57.o, n.o 6, o mecanismo das medidas corretivas (self‑cleaning). Esse dispositivo, que se aplica aos operadores económicos que não foram excluídos por uma decisão transitada em julgado, pretende incentivar um operador económico que se encontra numa das situações previstas no artigo 57.o, n.o 4, da referida diretiva a fornecer provas de que as medidas que tomou são suficientes para demonstrar a sua fiabilidade, não obstante a existência de um importante motivo facultativo de exclusão. Se essas provas forem consideradas suficientes, o operador económico em causa não deve ser excluído do procedimento de contratação. Para o efeito, o operador económico deve provar que ressarciu ou que tomou medidas para ressarcir eventuais danos causados pela infração penal ou pela falta grave, esclareceu integralmente os factos e circunstâncias através de uma colaboração ativa com as autoridades responsáveis pelo inquérito e tomou medidas concretas de natureza técnica, organizativa e em matéria de pessoal, adequadas a evitar outras infrações penais ou faltas graves.

    41

    A este respeito, como salientou o advogado‑geral no n.o 44 das suas conclusões, as medidas corretivas sublinham a importância conferida à fiabilidade do operador económico, influenciando este elemento significativamente os motivos de exclusão relacionados com as condições subjetivas do proponente.

    42

    Atendendo ao exposto, há que responder à questão submetida que o artigo 57.o, n.o 4, alíneas c) e g), da Diretiva 2014/24 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional ao abrigo da qual a impugnação judicial da decisão de resolver um contrato público tomada por uma autoridade adjudicante devido a deficiências significativas verificadas na sua execução impede a autoridade adjudicante que lança um novo concurso de efetuar qualquer apreciação, na fase da seleção dos proponentes, sobre a fiabilidade do operador a que essa resolução diz respeito.

    Quanto às despesas

    43

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

     

    O artigo 57.o, n.o 4, alíneas c) e g), da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional ao abrigo da qual a impugnação judicial da decisão de resolver um contrato público tomada por uma autoridade adjudicante devido a deficiências significativas verificadas na sua execução impede a autoridade adjudicante que lança um novo concurso de efetuar qualquer apreciação, na fase da seleção dos proponentes, sobre a fiabilidade do operador a que essa resolução diz respeito.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: italiano.

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