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Document 62018CC0605

Conclusões do advogado-geral M. Bobek apresentadas em 18 de março de 2021.
Adler Real Estate AG e o. contra Finanzmarktaufsichtsbehörde (FMA).
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesverwaltungsgericht.
Reenvio prejudicial — Valores mobiliários admitidos à negociação num mercado regulamentado que se situa ou opera num Estado‑Membro — Requisito de transparência — Notificação de “participações qualificadas” adquiridas no capital de sociedades por “pessoas que atuam em concertação” — Diretiva 2004/109/CE — Artigo 3.o, n.o 1‑A, quarto parágrafo — Conceito de “requisitos mais rigorosos” — Diretiva 2004/25/CE — “Supervisão” por uma autoridade designada em conformidade com o artigo 4.o desta diretiva.
Processo C-605/18.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:220

 CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MICHAL BOBEK

apresentadas em 18 de março de 2021 ( 1 )

Processo C‑605/18

Adler Real Estate AG,

Petrus Advisers LLP,

GM

sendo interveniente:

Finanzmarktaufsichtsbehörde (FMA)

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Áustria)]

«Reenvio prejudicial — Requisitos de transparência no que se refere a valores mobiliários admitidos à negociação num mercado regulamentado que se situa ou opera num Estado‑Membro — Notificação de “participações qualificadas” por “pessoas que atuam em concertação” — Diretiva 2004/109/CE — “Requisitos mais rigorosos” — “Supervisão” por uma autoridade designada nos termos da Diretiva 2004/25/CE»

I. Introdução

1.

A Finanzmarktaufsichtsbehörde (Entidade de Supervisão dos Mercados Financeiros, Áustria) (a seguir «FMA») impôs sanções administrativas de caráter pecuniário a uma série de pessoas por não terem notificado um emitente, cujas ações foram admitidas à negociação num mercado regulamentado situado na Áustria, da sua aquisição de «participações qualificadas» nos valores mobiliários desse emitente. No presente processo, o Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Áustria) pretende saber, no essencial, se, nos termos da Diretiva 2004/109/CE ( 2 ), a FMA era a autoridade competente para punir tal incumprimento do dever de notificação.

II. Quadro jurídico

A.   Direito da União

1. Diretiva OPA

2.

A Diretiva 2004/25/CE (a seguir «Diretiva OPA») estabelece medidas destinadas a coordenar todos os instrumentos dos Estados‑Membros relativos a ofertas de aquisição públicas de valores mobiliários de sociedades admitidos à negociação em mercados regulamentados que se situam ou operam num Estado‑Membro ( 3 ). Em conformidade com o n.o 1 do artigo 4.o, os Estados‑Membros designam a autoridade ou autoridades competentes para a supervisão das ofertas regidas por regras por aqueles aprovadas ou introduzidas em aplicação da presente diretiva.

2. Diretiva da Transparência

3.

A Diretiva 2004/109 (a seguir «Diretiva da Transparência») pretende harmonizar os requisitos de transparência no que se refere às informações respeitantes aos emitentes cujos valores mobiliários estão admitidos à negociação num mercado regulamentado que se situa ou opera num Estado‑Membro. Em conformidade com o considerando 2 da mesma diretiva, «os acionistas ou pessoas singulares ou coletivas que detenham direitos de voto ou instrumentos financeiros que confiram o direito à aquisição de ações já emitidas às quais estejam associados direitos de voto» devem informar os emitentes da aquisição de «participações importantes» no seu capital ou de outras alterações relativas a tais participações, por forma a que estes últimos estejam aptos a manter o público informado desse facto.

4.

O considerando 28 desta diretiva explica que:

«Deve ser designada em cada Estado‑Membro uma única autoridade competente para assumir a responsabilidade final pela supervisão do cumprimento das disposições adotadas nos termos da presente diretiva, bem como pela cooperação a nível internacional. […]»

5.

Após alteração pela Diretiva 2013/50/UE (a seguir «Diretiva da Transparência de Alteração») ( 4 ), o artigo 3.o da Diretiva da Transparência tem atualmente a seguinte redação:

«1.   O Estado‑Membro de origem pode sujeitar os emitentes a requisitos mais rigorosos do que os previstos na presente diretiva, exceto exigir que os emitentes publiquem informações financeiras periódicas com maior frequência do que os relatórios financeiros anuais referidos no artigo 4.o e os relatórios financeiros semestrais referidos no artigo 5.o

1‑A.   Em derrogação do n.o 1, os Estados‑Membros de origem podem exigir que os emitentes publiquem informações financeiras periódicas adicionais com maior frequência do que os relatórios financeiros anuais referidos no artigo 4.o e os relatórios financeiros semestrais referidos no artigo 5.o caso se verifiquem as seguintes condições:

as informações financeiras periódicas adicionais não constituírem um encargo financeiro desproporcionado para o Estado‑Membro em causa, em especial para os emitentes de pequena e média dimensão interessados; e

o conteúdo das informações financeiras periódicas adicionais exigidas for proporcionado aos fatores que contribuem para as decisões de investimento por parte dos investidores no Estado‑Membro em causa.

[…]

O Estado‑Membro de origem não pode sujeitar os titulares de ações ou as pessoas singulares ou coletivas referidas nos artigos 10.o e 13.o a requisitos mais rigorosos do que os estabelecidos na presente diretiva, salvo se:

[…]

iii)

Aplicar disposições legais, regulamentares ou administrativas aprovadas relativamente a ofertas públicas de aquisição, operações de fusão e outras operações que afetem a propriedade ou o controlo das sociedades sujeitas à supervisão das autoridades designadas pelos Estados‑Membros nos termos do artigo 4.o da Diretiva 2004/25/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, relativa às ofertas públicas de aquisição».

6.

Nos termos do artigo 10.o da Diretiva da Transparência:

«Os requisitos de notificação definidos nos n.os 1 e 2 do artigo 9.o são igualmente aplicáveis às pessoas singulares ou coletivas que possam adquirir, alienar ou exercer direitos de voto em qualquer dos seguintes casos ou através de uma combinação dos mesmos:

a)

Direitos de voto detidos por um terceiro com o qual essa pessoa singular ou coletiva tenha celebrado um acordo que os obrigue a adotarem, através do exercício concertado dos direitos de voto que possuem, uma política comum duradoura em relação à gestão do emitente em causa.»

7.

Nos termos do artigo 24.o da Diretiva da Transparência:

«1.   Cada Estado‑Membro deve designar a autoridade central referida no n.o 1 do artigo 21.o da Diretiva 2003/71/CE como autoridade administrativa central competente para o desempenho das funções previstas na presente diretiva e encarregada de assegurar a aplicação das disposições adotadas em conformidade com a mesma. […]

2.   Os Estados‑Membros podem autorizar a sua autoridade central competente a delegar funções. […]. Qualquer delegação de funções deve ser feita de forma específica, definindo as funções a desempenhar e as condições nas quais devem ser realizadas.

[…] Em qualquer caso, a responsabilidade final pelo controlo do cumprimento do disposto na presente diretiva e nas medidas de execução adotadas em conformidade com a mesma recai na autoridade competente designada nos termos do n.o 1.»

B.   Direito austríaco

1. ÜbG

8.

A Diretiva OPA foi transposta para o direito austríaco pela Bundesgesetz betreffend Übernahmeangebote (Lei Federal das Ofertas Públicas de Aquisição, a seguir «ÜbG») ( 5 ). O n.o 6 do seu § 1 define a expressão «entidades que atuam em concertação» do seguinte modo:

«Entidades que atuam em concertação: pessoas singulares ou coletivas que cooperam com o oferente com base num acordo, para obter ou exercer o controlo da sociedade visada, em particular, através da coordenação dos direitos de voto, ou que cooperam com a sociedade visada com base num acordo, para impedir o êxito da oferta pública de aquisição. Sempre que uma entidade detenha uma participação que lhe confira o controlo direto ou indireto (§ 22, n.os 2 e 3) de outra ou outras entidades, presume‑se que todas estas entidades atuam em concertação; o mesmo vale nos casos em que várias entidades tenham celebrado um acordo relativo ao exercício dos seus direitos de voto na eleição dos membros do conselho geral e de supervisão.»

9.

Por força do § 22, n.o 1, da ÜbG:

«Qualquer pessoa que obtenha, direta ou indiretamente, uma participação de controlo numa sociedade visada deve comunicar imediatamente este facto à Übernahmekommission, e deve notificar uma oferta relativamente a todos os valores mobiliários da sociedade visada em conformidade com as disposições da presente Lei Federal, no prazo de 20 dias de negociação.»

10.

Em conformidade com o n.o 1 do § 22a da ÜbG, o «dever de lançar uma oferta nos termos do § 22, n.o 1, aplica‑se […] quando é criado um grupo de partes que, atuando em concertação, adquire em conjunto uma participação de controlo».

11.

O § 23 da ÜbG, sob a epígrafe «Imputação de ações e extensão das obrigações do oferente», explica, no seu n.o 1, que os direitos de voto das «pessoas que atuam em concertação», na aceção do n.o 6 do § 1 da ÜbG, devem ser reciprocamente imputados em aplicação dos §§ 22 a 22b.

2. BörseG 1989

12.

À data dos factos no processo principal, a lei aplicável era a Börsegesetz 1989 na versão do BGBl. I, 98/2015 (Lei relativa ao Mercado de Valores Mobiliários de 1989, a seguir «BörseG 1989»). Os §§ 91 e seguintes da BörseG 1989 implementam, nomeadamente, os deveres de notificar informações sobre «participações qualificadas», decorrentes da secção I do capítulo III, e, em particular, do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva da Transparência.

13.

O § 92, n.o 7, da BörseG 1989 estende igualmente o requisito de notificação do § 91 ao caso dos «direitos de votos que são imputáveis à pessoa nos termos do § 23, n.os 1 e 2, da ÜbG».

III. Matéria de facto, tramitação do processo principal e questões prejudiciais

14.

A Übernahmekommission (Entidade Supervisora das Ofertas Públicas de Aquisição de Empresas Cotadas em Bolsa, Áustria) (a seguir «Übernahmekommission») é a «autoridade de supervisão» designada pela Áustria nos termos do artigo 4.o da Diretiva OPA.

15.

Em 22 de novembro de 2016, a Übernahmekommission proferiu uma decisão (a seguir «decisão preliminar») contra a Adler Real Estate AG (a seguir «Adler»), a Mountain Peak Trading LLP (a seguir «Mountain Peak»), a Westgrund AG (a seguir «Westgrund»), a Petrus Advisers LLP (a seguir «Petrus») e GM (uma pessoa singular). Esta decisão foi tomada no âmbito de um processo de inquérito para apuramento dos factos relativos à aquisição de uma «participação qualificada» de 31,36 % na sociedade Conwert Immobilien SE (a seguir «Conwert»), e ao incumprimento do dever de apresentar uma oferta pública de aquisição obrigatória. A Übernahmekommission considerou que, da imputação recíproca dos direitos de voto nos termos do § 23, n.o 1, da ÜbG, resultou uma participação de controlo na aceção do § 22 da ÜbG.

16.

A Übernahmekommission chegou a esta conclusão de princípio com base nos critérios de agregação aplicáveis «às pessoas coletivas que atuam em concertação» estabelecidos no § 1, n.o 6, da ÜbG. Por conseguinte, em conformidade com o § 23, n.o 1, da ÜbG, estes direitos de voto na Conwert deveriam ter sido objeto de uma imputação recíproca à Adler, à Mountain Peak, à Westgrund, à Petrus, e a GM pela primeira vez em 29 de setembro de 2015. Em princípio, nos termos do ponto 1 do § 22 a da ÜbG, tal aquisição de uma «participação qualificada» por parte de «pessoas que atuam em concertação» deveria ter conduzido a uma oferta pública de aquisição obrigatória no que respeita à Conwert no prazo de 20 dias de negociação.

17.

Por Acórdão de 1 de março de 2017, o Oberster Gerichtshof (Supremo Tribunal, Áustria) negou provimento ao recurso interposto da decisão preliminar. A decisão preliminar tornou‑se definitiva.

18.

Em 29 de junho de 2018, a FMA, a «autoridade administrativa central competente» na aceção do artigo 24.o da Diretiva da Transparência, aplicou sanções administrativas de caráter pecuniário à Adler, à Petrus, e a GM pelo incumprimento do dever de notificação previsto no § 92, n.o 7, da BörseG 1989. Este dever impõe‑se às pessoas singulares ou coletivas que, individual ou coletivamente, adquiram um limiar de participações de 30 % numa «sociedade visada». Segundo a FMA, no presente caso, a Adler, a Petrus e GM atuaram «em concertação» na aceção do § 1, n.o 6, da ÜbG ao adquirir ações na Conwert. Por conseguinte, os direitos de voto associados às suas participações na Conwert deveriam ser reciprocamente imputados a estas partes pela primeira vez em 29 de setembro de 2015.

19.

Para efeitos da classificação da Adler, da Petrus e de GM como «pessoas que atuam em concertação», a FMA considera‑se vinculada pela natureza definitiva da classificação factual e jurídica da decisão preliminar. Por conseguinte, a FMA não apreciou, ela própria, a questão de saber se a Adler, a Petrus e GM deveriam ser classificados como «pessoas que atuam em concertação», na aceção do § 1, n.o 6, da ÜbG, nem a questão de saber se os direitos de voto associados às suas participações deveriam ser reciprocamente imputados aos mesmos. A FMA decidiu que, no processo contraordenacional, apenas poderia ser objeto de inquérito a existência do elemento subjetivo da infração — o mens rea da Adler, da Petrus e de GM.

20.

O órgão jurisdicional de reenvio observa que a BörseG 1989, que transpõe a Diretiva da Transparência para o direito austríaco, impõe deveres de notificação às pessoas que detêm «participações qualificadas» (definidas em 30 %) num «emitente». Estes deveres vão além dos previstos pela Diretiva da Transparência. Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio entende que há que considerar o dever de notificação imposto às «entidades que atuam em concertação», nos termos do § 92, n.o 7, da BörseG 1989, abrangido pelo conceito de «requisitos mais rigorosos do que os estabelecidos» na Diretiva da Transparência.

21.

No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas sobre se estes requisitos «mais rigorosos» são compatíveis com a alínea iii) do quarto parágrafo do artigo 3.o, n.o 1‑A, da Diretiva da Transparência. Esta disposição refere que quaisquer requisitos «mais rigorosos» estão «sujeitos à supervisão pelas autoridades designadas pelos Estados‑Membros nos termos do artigo 4.o da Diretiva [OPA]».

22.

O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se igualmente quanto à compatibilidade das normas processuais austríacas relativas aos efeitos vinculativos das decisões administrativas, que se tornaram definitivas, com o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), numa situação em que se considera que uma decisão prévia da Übernahmekommission, que se tornou definitiva, vincula posteriormente a FMA.

23.

É neste contexto que o Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Áustria) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Deve o artigo 3.o, n.o 1‑A, [quarto parágrafo], alínea iii), da Diretiva 2004/109/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de dezembro de 2004, relativa à harmonização dos requisitos de transparência no que se refere às informações respeitantes aos emitentes cujos valores mobiliários estão admitidos à negociação num mercado regulamentado e que altera a Diretiva 2001/34/CE, com a última redação que lhe foi dada pela Diretiva 2013/50/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, ser interpretado no sentido de que um pressuposto para que seja admissível a sujeição dos “titulares de ações, ou [das] pessoas singulares ou coletivas” a “requisitos mais rigorosos” é que as “disposições legais, regulamentares ou administrativas” que preveem requisitos mais rigorosos para a publicidade de participações sociais sejam “sujeitas à supervisão” da autoridade designada pelo Estado‑Membro nos termos do artigo 4.o da Diretiva 2004/25/CE relativa às ofertas públicas de aquisição, e que esta supervisão abranja o cumprimento dos requisitos mais rigorosos, na aceção da Diretiva 2004/109/CE, em matéria de publicidade de participações sociais?

2)

O artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia opõe‑se a uma prática nacional segundo a qual se considera que uma decisão definitiva da autoridade de supervisão prevista no artigo 4.o[…] da Diretiva 2004/25/CE, que conclui pela infração, por uma pessoa singular, a disposições de direito interno adotadas para transposição da Diretiva 2004/25/CE, também tem efeito vinculativo no quadro de um processo contraordenacional instaurado contra a mesma pessoa singular, por infração a disposições de direito interno conexas com as primeiras e adotadas para transposição da Diretiva 2004/109/CE (Diretiva da Transparência), o que impede essa pessoa singular de contestar, do ponto de vista jurídico e factual, a infração à lei cuja existência já fora declarada por decisão definitiva?»

24.

Apresentaram observações escritas a Adler, a Petrus, GM e a FMA, bem como a Comissão Europeia. Com exceção da Comissão, estas partes responderam igualmente às perguntas escritas que lhes foram colocadas pelo Tribunal de Justiça.

IV. Análise

25.

As presentes conclusões encontram‑se estruturadas da seguinte forma. Começarei pela primeira questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio e a interpretação da expressão «sujeitas à supervisão» tendo em conta o contexto da disposição em que é referida. Em seguida, debruçar‑me‑ei sobre o contexto do presente caso. À luz destas considerações, proporei ao Tribunal de Justiça que apenas a primeira questão submetida carece de resposta (A). No entanto, dada a ligação estreita entre o caso em apreço e outro pedido de decisão prejudicial apresentado pelo mesmo órgão jurisdicional nacional num litígio paralelo, o processo C‑546/18, Adler Real Estate ( 6 ), a resposta à segunda questão submetida no presente processo já foi de facto aí dada (B).

A.   Primeira questão

26.

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pede esclarecimentos sobre se a alínea iii) do quarto parágrafo do artigo 3.o, n.o 1‑A, da Diretiva da Transparência, com a redação que lhe foi dada pela Diretiva da Transparência de Alteração, deve ser interpretada no sentido de que requisitos de notificação «mais rigorosos» do que os contidos na Diretiva da Transparência devem estar sujeitos à supervisão da autoridade designada pelos Estados‑Membros nos termos do artigo 4.o da Diretiva OPA. Em caso de resposta afirmativa, coloca‑se a subquestão de saber se tal «supervisão» pode ser separada da tarefa de «garantir o cumprimento» desses requisitos de notificação «mais rigorosos».

27.

Esta questão exige uma análise por partes. Ao fazê‑la, começarei por definir o quadro estabelecido pelas alterações introduzidas pela Diretiva da Transparência de Alteração e a necessidade de incluir o parágrafo 4 do artigo 3.o, n.o 1‑A na Diretiva da Transparência (1). Interpretarei, depois, esta disposição no contexto de que faz parte e à luz das condições de aplicação que pressupõe (2). Em seguida, debruçar‑me‑ei sobre a interpretação da expressão «sujeitas à supervisão», tal como consta da alínea iii) do quarto parágrafo do artigo 3.o, n.o 1‑A, da Diretiva da Transparência, a fim de determinar qual a autoridade que deverá deter uma supervisão regulamentar sobre estes requisitos de prestação de informação «mais rigorosos» (3). Só então poderei responder à questão do órgão jurisdicional de reenvio.

1. Diretiva da Transparência e sua alteração

28.

No quadro do objetivo mais amplo de realização do mercado único de serviços financeiros e de convergência das normas de prestação de informação financeira em toda a União, a Diretiva da Transparência procurou contribuir para o estabelecimento de «mercados de valores mobiliários eficientes, transparentes e integrados» ( 7 ). A Diretiva da Transparência procedeu a uma harmonização mínima dos requisitos de notificação para pessoas singulares ou coletivas que adquirem ou negociam de outra forma valores mobiliários em emitentes que são ativos num mercado regulamentado de um Estado‑Membro ( 8 ). Isto deixa aos Estados‑Membros uma margem de apreciação para, ao transporem estes requisitos, irem além do nível de base harmonizado prevendo requisitos de notificação «mais rigorosos» do que os estabelecidos na Diretiva da Transparência ( 9 ).

29.

Como explica o documento de trabalho dos serviços da Comissão sobre o funcionamento da Diretiva da Transparência, o resultado destes requisitos «mais rigorosos» foi um «nível de harmonização desigual». Esta situação dificultou tanto para pessoas como para entidades o respeito simultâneo das legislações de vários Estados‑Membros ( 10 ).

30.

A Diretiva da Transparência de Alteração pretendeu resolver este problema. Em geral, esta diretiva retirou o poder de apreciação dos Estados‑Membros para sujeitar os titulares de ações a requisitos de notificação «mais rigorosos» dos que os previstos na Diretiva da Transparência ( 11 ). Ao mesmo tempo, porém, a Diretiva da Transparência de Alteração precisava de manter a possibilidade de os Estados‑Membros imporem tais requisitos se estes se relacionarem com outro aspeto da regulamentação dos mercados nacionais de valores mobiliários.

31.

Um destes aspetos é a regulamentação das ofertas públicas de aquisição, operações de fusão e outras operações que afetem a propriedade ou o controlo das sociedades. A sua regulamentação é geralmente abrangida pela Diretiva OPA ( 12 ). Nos termos da alínea iii) do quarto parágrafo do artigo 3.o, n.o 1‑A, da Diretiva da Transparência, o Estado‑Membro de origem pode sujeitar um titular de valores mobiliários a requisitos de notificação que são «mais rigorosos» do que os estabelecidos na Diretiva da Transparência, se estes requisitos se inserirem no âmbito de aplicação da Diretiva OPA. No entanto, estes requisitos «mais rigorosos» devem estar «sujeit[o]s à supervisão das autoridades designadas pelos Estados‑Membros nos termos do» artigo 4.o da referida diretiva ( 13 ).

32.

É a interpretação da expressão «sujeitas à supervisão» constante desta disposição que está na origem do conflito no caso em apreço, um aspeto sobre o qual me debruçarei agora.

2. «Sujeitas à supervisão»

33.

O órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se sobre se a expressão «sujeitas à supervisão» constante da alínea iii) do quarto parágrafo do artigo 3.o, n.o 1‑A, da Diretiva da Transparência deve ser entendida como abrangendo apenas a «supervisão» dos requisitos «mais rigorosos» impostos pela legislação nacional, ou se se deve referir igualmente à garantia do seu «cumprimento».

34.

GM, a Adler e a Comissão adotaram uma interpretação literal desta alínea. Estes sustentam que a alínea se refere claramente às autoridades designadas pelos Estados‑Membros nos termos do artigo 4.o da Diretiva OPA como as responsáveis pela «supervisão» dos requisitos «mais rigorosos».

35.

Por seu turno, a FMA sustenta que seria contrário ao espírito e ao objetivo da Diretiva da Transparência se fosse concedida a outra autoridade que não ela própria a competência para garantir o cumprimento desta diretiva. A FMA refere que ela é, sozinha, a «autoridade administrativa central competente» na aceção do artigo 24.o, n.o 1, da Diretiva da Transparência. Como tal, uma interpretação da alínea iii) do quarto parágrafo do artigo 3.o, n.o 1‑A, da Diretiva da Transparência que atribuísse a supervisão dos requisitos «mais rigorosos» à Übernahmekommission não seria apoiada pela redação do artigo 24.o, n.o 1, da Diretiva da Transparência. Além disso, o conceito de «autoridade designada nos termos do artigo 4.o» da Diretiva OPA deve abranger qualquer autoridade materialmente competente para alcançar os objetivos da Diretiva OPA. Caso contrário, as partes poderiam evitar os requisitos de notificação decorrentes da Diretiva da Transparência «atuando em concertação» na aquisição de «participações qualificadas».

36.

Os argumentos aduzidos pela FMA não me convencem.

37.

A Diretiva da Transparência tem por objetivo a criação de uma harmonização legislativa. Os Estados‑Membros devem encarregar uma autoridade administrativa da supervisão deste objetivo ( 14 ). No entanto, tal harmonização só pode naturalmente verificar‑se no âmbito de aplicação da Diretiva da Transparência. Este objetivo não afeta as competências não abrangidas pela referida diretiva, incluindo quando as mesmas se referem à regulamentação de outros aspetos dos mercados nacionais de valores mobiliários ( 15 ). Assim sendo, uma leitura razoável da alínea iii) do quarto parágrafo do artigo 3.o, n.o 1‑A, da Diretiva da Transparência confirma que esta exceção diz respeito precisamente a essas competências «externas»: ofertas públicas de aquisição, operações de fusão e outras operações. A Diretiva da Transparência nunca procurou estabelecer normas harmonizadas em matéria de requisitos de notificação nestes domínios.

38.

A mesma conclusão é confirmada pelo considerando 12 da Diretiva da Transparência de Alteração. Neste considerando, o legislador da União recorda que o objetivo de harmonização do regime de notificação de participações em valores mobiliários com direitos de votos não deve afetar as obrigações paralelas da (e a iniciativa de transparência prosseguida pela) Diretiva OPA. Isto acontece, especialmente, porque as duas diretivas seguem a «velocidades» diferentes no que toca à revisão legislativa: a Diretiva OPA funciona sob o princípio da «coordenação» ( 16 ), procurando apenas instituir «determinados princípios comuns e um número limitado de requisitos gerais que os Estados‑Membros serão obrigados a implementar através de regras mais pormenorizadas, em conformidade com o respetivo sistema nacional e o seu contexto cultural» ( 17 ). Em contrapartida, a Diretiva da Transparência promove uma iniciativa política mais ampla, tendo por objetivo harmonizar as disposições do direito nacional ( 18 ).

39.

A referência, no artigo 3.o, n.o 1‑A, da Diretiva da Transparência, a «requisitos mais rigorosos» deve, portanto, ser entendida mais como uma disposição de «controlo de competências», destinada a proteger contra um «excesso de supervisão» por parte da autoridade designada nos termos do artigo 24.o da Diretiva da Transparência. Deste modo, o legislador da União procurou assegurar que a «autoridade do artigo 24.o» não estenderia indiretamente a exigência de «harmonização» aos requisitos de notificação de outro modo abrangidos pelo âmbito de aplicação da «autoridade do artigo 4.o».

40.

No entanto, o desejo de delimitação das «competências da autoridade do artigo 24.o» só assume realmente relevância em casos em que o Estado‑Membro em questão tenha decidido dividir as competências de supervisão da Diretiva da Transparência e da Diretiva OPA entre as duas (ou mais) autoridades ( 19 ). Para acautelar essas situações, a alínea iii) do quarto parágrafo do artigo 3.o, n.o 1‑A, da Diretiva da Transparência designa uma autoridade «principal» para efeitos da Diretiva da Transparência, bem como os limites regulamentares dessa autoridade. Portanto, esta disposição complementa a obrigação de cooperação e de partilha de informação inerente ao artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva OPA.

41.

Por conseguinte, em meu entender, nada indica que a alínea iii) do quarto parágrafo do artigo 3.o, n.o 1‑A, da Diretiva da Transparência procura comprometer (ou diminuir) a tarefa da «autoridade administrativa central competente» do artigo 24.o da Diretiva da Transparência. Também não vejo por que razão a abordagem sugerida por GM, pela Adler e pela Comissão abriria a possibilidade de «contornar» os requisitos relativos à notificação decorrentes da Diretiva da Transparência. Com efeito, sempre que estão em causa requisitos de notificação «mais rigorosos» compatíveis com a alínea iii) do quarto parágrafo do artigo 3.o, n.o 1‑A, da Diretiva da Transparência, tais requisitos são abrangidos pelo âmbito de competência e (pela supervisão regulamentar) das «autoridades do artigo 4.o» designadas para esse efeito. Enquanto esta obrigação for corretamente aplicada pelo direito nacional, não há o perigo de os requisitos de notificação «mais rigorosos» para efeitos das ofertas públicas de aquisição, das operações de fusão e de outras operações que afetam a propriedade ou o controlo das sociedades se tornarem o equivalente regulamentar das «águas internacionais».

42.

Tudo isto conduz eventualmente à subquestão de saber se tal «supervisão» implica igualmente «garantir o cumprimento» dos requisitos de notificação «mais rigorosos».

43.

Em meu entender, tendo em conta tudo o que foi dito acima, a resposta tem de ser afirmativa.

44.

Em primeiro lugar, a um nível meramente linguístico e lógico, considero bastante difícil distinguir entre «supervisão» e «garantia de cumprimento». Partindo do princípio de que os poderes de «supervisão» não são conferidos às autoridades administrativas para seu próprio entretenimento, a «supervisão» deverá em grande medida sobrepor‑se à «garantia do cumprimento».

45.

Em segundo lugar, uma leitura razoável da alínea iii) do quarto parágrafo do artigo 3.o, n.o 1‑A, da Diretiva da Transparência não conduz a qualquer outra conclusão. Não há qualquer indicação no texto, nem nos documentos preparatórios desta diretiva, de que deveria haver uma distinção entre «supervisão» e «garantia do cumprimento» das condições da Diretiva da Transparência.

46.

Em terceiro lugar, como expliquei acima nos n.os 37 e 38 das presentes conclusões, é evidente que a alínea iii) do quarto parágrafo do artigo 3.o, n.o 1‑A, da Diretiva da Transparência diz respeito a aspetos regulamentares que não são abrangidos pelo âmbito de aplicação desta diretiva. Seria, portanto, totalmente ilógico se se pedisse à «autoridade do artigo 24.o» para controlar o cumprimento dos requisitos que não são abrangidos pelo seu âmbito de competências.

47.

Por conseguinte, a única forma razoável de interpretar a expressão «sujeitas a supervisão» prevista na alínea iii) do quarto parágrafo do artigo 3.o, n.o 1‑A, da Diretiva da Transparência é incluindo igualmente a «garantia do cumprimento» dos requisitos decorrentes da Diretiva OPA.

3. Processo principal: requisitos mais rigorosos?

48.

Assim, quaisquer requisitos de prestação de informação «mais rigorosos» do que os constantes da Diretiva da Transparência, que sejam abrangidos pela alínea iii) do quarto parágrafo do artigo 3.o, n.o 1‑A, da Diretiva da Transparência, devem estar sujeitos à supervisão das autoridades competentes designadas pelos Estados‑Membros nos termos do artigo 4.o da Diretiva OPA.

49.

Voltando ao contexto legislativo do caso em apreço, as partes explicam que a ÜbG transpõe a Diretiva OPA para o direito austríaco. Neste âmbito, a Übernahmekommission foi designada autoridade competente na aceção do artigo 4.o da referida diretiva. Sob reserva de confirmação pelo órgão jurisdicional de reenvio, afigura‑se, portanto, que a Übernahmekommission é a única autoridade a exercer esta competência.

50.

Nas suas respostas a uma pergunta escrita colocada pelo Tribunal de Justiça, GM, a Adler e a FMA explicaram que a FMA é a única autoridade designada nos termos do artigo 24.o, n.o 1, da Diretiva da Transparência, e que esta autoridade não transferiu quaisquer poderes de supervisão ou de garantia do cumprimento para a Übernahmekommission.

51.

Por outras palavras, afigura‑se que, nos termos do direito austríaco, existe uma separação clara de competências entre a autoridade responsável para efeitos da Diretiva da Transparência (a FMA) e a autoridade responsável para efeitos da Diretiva OPA (a Übernahmekommission). Isto significa que só a Übernahmekommission poderia ter sido autorizada a supervisionar os (e a garantir o cumprimento dos) requisitos de prestação de informação «mais rigorosos» do que os constantes da Diretiva da Transparência e que são abrangidos pela alínea iii) do quarto parágrafo do artigo 3.o, n.o 1‑A, da Diretiva da Transparência.

52.

Estas considerações são da competência do órgão jurisdicional de reenvio, uma vez que dizem respeito à interpretação do direito nacional. Cabe igualmente ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se a extensão do dever de notificação prevista no § 92, n.o 7, da BörseG 1989 às participações qualificadas imputáveis nos termos do § 23, n.o 1, da ÜbG diz respeito a um «requisito mais rigoroso» do que o constante da Diretiva da Transparência.

53.

No entanto, a fim de auxiliar plenamente o órgão jurisdicional de reenvio e em resposta às opiniões já expressas por este órgão jurisdicional na decisão de reenvio, concordo a priori com o órgão jurisdicional de reenvio que, no processo em apreço, com base nas informações por ele fornecidas e constantes dos autos, parece estar efetivamente em causa um requisito deste tipo.

54.

O conceito de «pessoas que atuam em concertação» não figura per se na Diretiva da Transparência. Contudo, o artigo 10.o, alínea a), desta abrange a situação em que pessoas singulares ou coletivas adquirem, alienam ou exercem direitos de voto «detidos por um terceiro com o qual essa pessoa singular ou coletiva tenha celebrado um acordo que os obrigue a adotarem, através do exercício concertado dos direitos de voto que possuem, uma política comum duradoura em relação à gestão do emitente em causa».

55.

A FMA alega que esta disposição se sobrepõe qualitativamente ao dever de notificação constante do § 92, n.o 7, da BörseG 1989 para «pessoas que atuam em concertação».

56.

A Adler, a Petrus e GM defendem a opinião contrária. Em substância, afirmam que o âmbito de aplicação do direito nacional excede o do artigo 10.o, alínea a), da Diretiva da Transparência, visto que nem o § 92, n.o 7, da BörseG 1989 nem as disposições direta ou indiretamente a este associadas exigem «uma política comum duradoura em relação à gestão do emitente em causa».

57.

O artigo 10.o, alínea a), da Diretiva da Transparência inclui uma série de condições cumulativas. Em primeiro lugar, este artigo exige um «acordo». A falta de uma explicação mais precisa quanto à sua substância ou forma implica que tudo o que é necessário é um «encontro de vontades» a este respeito. Com efeito, seria de pouca utilidade sujeitar apenas acordos escritos (ou de facto) ao dever de notificação se o objetivo global dos artigos 9.o e 10.o da Diretiva da Transparência consiste na divulgação de todas as «participações qualitativas» de valores mobiliários cotados. Em segundo lugar, esta disposição exige uma «obrigação de adotar» uma determinada posição com base numa participação existente, devido a esse acordo ( 20 ). Em terceiro lugar, o acordo e a «posição» nele adotada devem exigir um «exercício concertado», ou seja, uma ação levada a cabo de forma coordenada. Por último, este exercício deve resultar numa «política comum duradoura em relação à gestão do emitente em causa» ( 21 ). Por outras palavras, esta disposição exige um elevado grau de comprometimento durante um determinado período de tempo, que não pode ser fugaz nem intermitente, e que deve ser uniforme e dirigido à gestão da sociedade em causa.

58.

Sem que seja necessário avaliar se todos os requisitos acima mencionados foram cumpridos, e sob reserva de confirmação pelo órgão jurisdicional de reenvio, basta observar que nenhuma das disposições de direito nacional que foram apresentadas ao Tribunal de Justiça parece, de facto, exigir uma forma de «política comum duradoura» semelhante à exigida pelo artigo 10.o, alínea a), da Diretiva da Transparência.

59.

Por conseguinte, concordo provisoriamente com o órgão jurisdicional de reenvio que o dever de notificação constante do § 92, n.o 7, da BörseG 1989 para «pessoas que atuam em concertação» parece incluir um «requisito mais rigoroso» do que o previsto pela Diretiva da Transparência, que deveria ter sido «sujeito à supervisão» da autoridade designada pela Áustria nos termos do artigo 4.o da Diretiva OPA. Esta autoridade parece ser, ao abrigo do direito austríaco, a Übernahmekommission.

B.   Segunda questão

60.

Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio solicita orientação sobre se o artigo 47.o da Carta deve ser interpretado no sentido de que se opõe a normas processuais nacionais que atribuem efeito vinculativo às decisões administrativas definitivas de uma autoridade de supervisão, designada nos termos do artigo 4.o da Diretiva 2004/25, adotadas na sequência de um processo preliminar e que determinam objetivamente certas circunstâncias factuais, se esta decisão retirar a outra autoridade supervisora, designada nos termos do artigo 24.o da Diretiva 2004/109, a capacidade para conduzir o seu próprio inquérito para apuramento dos factos ou a apreciação jurídica em relação ao mesmo objeto e às mesmas pessoas.

61.

À luz da resposta proposta à primeira questão, não há que responder à segunda questão.

62.

No entanto, por questões de exaustividade e tendo em conta a possibilidade de o Tribunal de Justiça ter uma opinião diferente no que respeita à primeira questão, gostaria de remeter para a análise que já realizei relativamente a questões semelhantes suscitadas pelo mesmo órgão jurisdicional de reenvio num litígio paralelo, o processo C‑546/18, Adler Real Estate ( 22 ).

63.

O presente processo difere do processo C‑546/18, Adler Real Estate, num elemento: as questões suscitadas pelo órgão jurisdicional de reenvio referem‑se aos efeitos «interinstitucionais» de uma decisão anterior adotada por uma autoridade administrativa, em oposição aos meros efeitos «intrainstitucionais» em processos individuais, como era a questão no processo C‑546/18, Adler Real Estate.

64.

Este elemento não faz, contudo, qualquer diferença. Ou melhor, a problemática identificada nesse processo é logicamente a mesma que no presente processo, uma vez que ambos os processos têm na sua origem o mesmo problema: a inexistência de proteção jurisdicional efetiva, em conformidade com o primeiro parágrafo do artigo 47.o da Carta, no primeiro round do processo preliminar perante a Übernahmekommission, que é a mesma em ambos os casos.

65.

Por uma questão de princípio, a questão de saber se, e de que forma, a ordem jurídica nacional pretende atribuir efeitos vinculativos às decisões definitivas das autoridades administrativas é deixada à autonomia processual nacional dos Estados‑Membros. Este acordo está sujeito apenas aos princípios da equivalência e da efetividade ( 23 ). Quando há identidade (genuína) das partes, causa e objeto, nada se opõe, em princípio, à concessão de efeitos vinculativos a uma decisão definitiva adotada por uma autoridade administrativa (no processo em apreço, a Übernahmekommission) de modo a vincular outra autoridade administrativa no seu processo (no processo em apreço, a FMA, desde que a resposta à primeira questão fosse diferente) ( 24 ).

66.

Todavia, a fim de respeitar o primeiro parágrafo do artigo 47.o da Carta, sempre que a autoridade, cujas decisões administrativas são consideradas como se tendo tornado definitivas, não preenche, ela própria, os critérios de um «tribunal», na aceção do artigo 47.o da Carta, a fiscalização dessas decisões deve poder ser realizada por um órgão jurisdicional com «competência de plena jurisdição», que possa proceder a uma análise tanto de direito como de facto ( 25 ).

67.

No presente processo, as partes explicaram que a FMA se considerava vinculada à decisão decorrente de um processo anterior da Übernahmekommission. Todavia, a Übernahmekommission, em si mesma, não preenche as qualidades de um «tribunal», na aceção do primeiro parágrafo do artigo 47.o da Carta. A competência do Supremo Tribunal nestes processos é parcial, limitando‑se apenas a questões de direito.

68.

Em resumo, a conceção processual e institucional das normas aplicáveis ao presente processo sofre das mesmas insuficiências do mesmo regime no processo C‑546/18, Adler Real Estate: parece não existir, novamente sob reserva de uma confirmação definitiva pelo órgão jurisdicional de reenvio, qualquer proteção jurisdicional efetiva, que é exigida «no primeiro round» pelo artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta. Esta deficiência não pode aparentemente ser corrigida no «segundo round», visto que, nessa altura, quer a autoridade administrativa que decide posteriormente, quer o órgão jurisdicional que potencialmente fiscalize a «segunda» decisão administrativa estão efetivamente vinculados às conclusões da «primeira» decisão administrativa.

V. Conclusão

69.

Proponho ao Tribunal de Justiça que responda à primeira questão prejudicial submetida pelo Bundesverwaltungsgericht (Tribunal Administrativo Federal, Áustria) da seguinte forma:

«A alínea iii) do quarto parágrafo do artigo 3.o, n.o 1‑A, da Diretiva 2004/109/CE, com a última redação que lhe foi dada pela Diretiva 2013/50/UE, deve ser interpretada no sentido de que a autoridade encarregada de “supervisionar” a imposição de “requisitos mais rigorosos” na aceção desta disposição é a autoridade designada pelo Estado‑Membro nos termos do artigo 4.o da Diretiva 2004/25/CE. Tal supervisão abrange a garantia do cumprimento desses requisitos “mais rigorosos”.

Incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se os requisitos de notificação no processo principal constituem “requisitos mais rigorosos” do que os constantes da Diretiva 2004/109/CE.»


( 1 ) Língua original: inglês.

( 2 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de dezembro de 2004, relativa à harmonização dos requisitos de transparência no que se refere às informações respeitantes aos emitentes cujos valores mobiliários estão admitidos à negociação num mercado regulamentado e que altera a Diretiva 2001/34/CE (JO 2004, L 390, p. 38).

( 3 ) Artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva OPA.

( 4 ) Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2013, que altera a Diretiva 2004/109/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à harmonização dos requisitos de transparência no que se refere às informações respeitantes aos emitentes cujos valores mobiliários estão admitidos à negociação num mercado regulamentado, a Diretiva 2003/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao prospeto a publicar em caso de oferta pública de valores mobiliários ou da sua admissão à negociação e a Diretiva 2007/14/CE da Comissão que estabelece as normas de execução de determinadas disposições da Diretiva 2004/109/CE (JO 2013, L 294, p. 13).

( 5 ) BGBl. I, n.o 127/1998.

( 6 ) V. minhas Conclusões no processo Adler Real Estate e o. (C‑546/18).

( 7 ) Diretiva da Transparência, considerandos 1 e 9.

( 8 ) Como exemplo contrário, a harmonização completa dos requisitos de divulgação ao abrigo do «Regulamento Prospetos» [Regulamento (UE) 2017/1129 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, relativo ao prospeto a publicar em caso de oferta de valores mobiliários ao público ou da sua admissão à negociação num mercado regulamentado, e que revoga a Diretiva 2003/71/CE (JO 2017, L 168, p. 12)].

( 9 ) Diretiva da Transparência, artigo 3.o, n.o 1.

( 10 ) Documento de trabalho dos serviços da Comissão — A análise do funcionamento da Diretiva 2004/109/CE: questões emergentes, que acompanha o relatório da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões — aplicação da Diretiva 2004/109/CE relativa à harmonização dos requisitos de transparência no que se refere às informações respeitantes aos emitentes cujos valores mobiliários estão admitidos à negociação num mercado regulamentado, COM(2010)243 [SEC (2009) 611 final], n.o 6. V. também, quanto ao problema da «sobrerregulamentação» [«gold plating»], Documento de trabalho dos serviços da Comissão — Relatório sobre medidas nacionais mais rigorosas a respeito da Diretiva 2004/109/CE, relativa à harmonização dos requisitos de transparência no que se refere às informações respeitantes aos emitentes cujos valores mobiliários estão admitidos à negociação num mercado regulamentado [SEC (2008) 3033 final], n.o 6.

( 11 ) Diretiva da Transparência de Alteração, considerando 12. V., também, proibição de requisitos para titulares de valores mobiliários constante do quarto parágrafo do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva da Transparência.

( 12 ) V., por exemplo, Moloney, N., EU Securities and Financial Markets Regulation, Oxford University Press, 2014, p. 140.

( 13 ) O sublinhado é meu.

( 14 ) É certo que, como a FMA corretamente assinala, os Estados‑Membros também podem designar uma autoridade competente diferente da «autoridade central competente» referida no artigo 24.o, n.o 1, da Diretiva da Transparência, para efeitos do artigo 24.o, n.o 4, alínea h), da mesma diretiva, e também podem delegar certos poderes a outra autoridade. Contudo, como a FMA confirmou nas suas observações, estes aspetos não estão em causa no caso em apreço.

( 15 ) Como explicado no n.o 30 das presentes conclusões.

( 16 ) Considerando 1 da Diretiva OPA.

( 17 ) Considerando 26 da Diretiva OPA.

( 18 ) Considerando 5 da Diretiva OPA.

( 19 ) Afigura‑se que alguns Estados‑Membros designaram a mesma autoridade para efeitos do artigo 4.o da Diretiva OPA e do artigo 24.o da Diretiva da Transparência. V. Autoridade Europeia de Supervisão, «Practical Guide: National rules on notifications of major holdings under the Transparency Directive», de 31 de julho de 2019 (ESMA31‑67‑535) e «List of competent authorities designated for the purposes of Directive 2004/25/EC on takeover bids (Takeover bids Directive)», de 8 de junho de 2020.

( 20 ) Embora se deva notar que, ainda que as versões linguísticas inglesa («to adopt»), francesa («à adopter»), espanhola («a adoptar») e italiana («ad adottare») pareçam exigir simplesmente a necessidade de «apoiar» uma determinada posição, outras versões linguísticas, nomeadamente a versão alemã («zu verfolgen»), a neerlandesa («te voeren»), ou a checa («provádět»), resultam mais nas partes realmente a «defenderem» essa posição. Ou seja, provavelmente, mais do que simplesmente concordar em princípio com ela.

( 21 ) O sublinhado é meu.

( 22 ) V. minhas Conclusões no processo Adler Real Estate e o. (C‑546/18).

( 23 ) V., neste sentido, Acórdão de 11 de novembro, de 2015, Klausner Holz Niedersachsen (C‑505/14, EU:C:2015:742, n.o 40 e jurisprudência referida).

( 24 ) V. minhas Conclusões no processo Adler Real Estate e o. (C‑546/18, n.o 80).

( 25 ) Ibidem, n.o 48.

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