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Document 62017CJ0056

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 4 de outubro de 2018.
Bahtiyar Fathi contra Predsedatel na Darzhavna agentsia za bezhantsite.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Administrativen sad Sofia-grad.
Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Fronteiras, asilo e imigração — Regulamento (UE) n.o 604/2013 — Artigo 3.o — Determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num Estado‑Membro por um nacional de um país terceiro — Análise de um pedido de proteção internacional sem decisão expressa quanto à determinação do Estado‑Membro responsável pela análise — Diretiva 2011/95/UE — Artigos 9.o e 10.o — Motivos de perseguição com base na religião — Prova — Legislação iraniana sobre a apostasia — Diretiva 2013/32/UE — Artigo 46.o, n.o 3 — Recurso efetivo.
Processo C-56/17.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2018:803

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

4 de outubro de 2018 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Fronteiras, asilo e imigração — Regulamento (UE) n.o 604/2013 — Artigo 3.o — Determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num Estado‑Membro por um nacional de um país terceiro — Análise de um pedido de proteção internacional sem decisão expressa quanto à determinação do Estado‑Membro responsável pela análise — Diretiva 2011/95/UE — Artigos 9.o e 10.o — Motivos de perseguição com base na religião — Prova — Legislação iraniana sobre a apostasia — Diretiva 2013/32/UE — Artigo 46.o, n.o 3 — Recurso efetivo»

No processo C‑56/17,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Administrativen sad Sofia‑grad (Tribunal Administrativo de Sófia, Bulgária), por decisão de 23 de janeiro de 2017, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 3 de fevereiro de 2017, no processo

Bahtiyar Fathi

contra

Predsedatel na Darzhavna agentsia za bezhantsite,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: M. Ilešič (relator), presidente de secção, A. Rosas, C. Toader, A. Prechal e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo húngaro, por M. Z. Fehér, G. Koós e E. Tóth, na qualidade de agentes,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

em representação do Governo do Reino Unido, por S. Brandon, na qualidade de agente, assistido por M. Gray, barrister,

em representação da Comissão Europeia, por M. Condou‑Durande e I. Zaloguin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 25 de julho de 2018,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o, n.o 2 e n.o 5, alínea b), do artigo 9.o, n.os 1 e 2, e do artigo 10.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9), do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida (JO 2013, L 180, p. 31, a seguir «Regulamento Dublim III»), e do artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 60).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Bahtiyar Fathi ao predsedatel na Darzhavna agentsia za bezhantsite (diretor da Agência Nacional para os Refugiados, a seguir «DAB»), a propósito do indeferimento por este último do pedido de proteção internacional apresentado por B. Fathi.

Quadro jurídico

Direito internacional

Convenção de Genebra

3

A Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra, em 28 de julho de 1951 [Recueil des traités des Nations unies, vol. 189, p. 150, n.o 2545 (1954)], entrou em vigor em 22 de abril de 1954 e foi completada e alterada pelo Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados, celebrado em Nova Iorque, em 31 de janeiro de 1967, que, por sua vez, entrou em vigor em 4 de outubro de 1967 (a seguir «Convenção de Genebra»).

4

Por força do artigo 1.o, ponto A, n.o 2, primeiro parágrafo, da Convenção de Genebra, o termo «refugiado» aplica‑se a qualquer pessoa que, «receando com razão ser perseguida em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas, se encontre fora do país de que tem a nacionalidade e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção daquele país; ou que, se não tiver nacionalidade e estiver fora do país no qual tinha a sua residência habitual após aqueles acontecimentos, não possa ou, em virtude do dito receio, a ele não queira voltar».

CEDH

5

A Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), prevê, no seu artigo 15.o, com a epígrafe «Derrogação em caso de estado de necessidade»:

«1.   Em caso de guerra ou de outro perigo público que ameace a vida da nação, qualquer Alta Parte Contratante pode tomar providências que derroguem as obrigações previstas na presente Convenção, na estrita medida em que o exigir a situação, e em que tais providências não estejam em contradição com as outras obrigações decorrentes do direito internacional.

2.   A disposição precedente não autoriza nenhuma derrogação ao artigo 2.o [“Direito à vida”], salvo quanto ao caso de morte resultante de atos lícitos de guerra, nem aos artigos 3.o [“Proibição da tortura”], 4.o (parágrafo 1) [“Proibição da escravatura”] e 7.o [“Princípio da legalidade”].

[…]»

Direito da União

Diretiva 2011/95

6

A Diretiva 2011/95 revogou, com efeitos em 21 de dezembro de 2013, a Diretiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de abril de 2004, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de proteção internacional, bem como relativas ao respetivo estatuto, e relativas ao conteúdo da proteção concedida (JO 2004, L 304, p. 12).

7

O considerando 16 da Diretiva 2011/95 enuncia:

«A presente diretiva respeita os direitos fundamentais e os princípios reconhecidos, nomeadamente, pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. […]»

8

Nos termos do artigo 2.o desta diretiva:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

h)

“Pedido de proteção internacional”, um pedido de proteção apresentado a um Estado‑Membro por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida que deem a entender que pretendem beneficiar do estatuto de refugiado ou de proteção subsidiária e não solicitem expressamente outra forma de proteção não abrangida pelo âmbito de aplicação da presente diretiva e suscetível de ser objeto de um pedido separado;

[…]»

9

O artigo 4.o da referida diretiva dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros podem considerar que incumbe ao requerente apresentar o mais rapidamente possível todos os elementos necessários para justificar o pedido de proteção internacional. Incumbe ao Estado‑Membro apreciar, em cooperação com o requerente, os elementos pertinentes do pedido.

2.   Os elementos mencionados no n.o 1 consistem nas declarações do requerente e em toda a documentação de que o requerente disponha sobre a sua idade, história pessoal, incluindo a dos familiares pertinentes, identidade, nacionalidade(s), país(es) e local(is) de residência anteriores, pedidos de asilo anteriores, itinerários, documentos de viagem e os motivos pelos quais solicita proteção internacional.

3.   A apreciação do pedido de proteção internacional deve ser efetuada a título individual e ter em conta:

a)

Todos os factos pertinentes respeitantes ao país de origem à data da decisão sobre o pedido, incluindo a respetiva legislação e regulamentação e a forma como estas são aplicadas;

b)

As declarações e a documentação pertinentes apresentadas pelo requerente, incluindo informações sobre se o requerente sofreu ou pode sofrer perseguição ou ofensa grave;

c)

A situação e as circunstâncias pessoais do requerente, incluindo fatores como a sua história pessoal, sexo e idade, por forma a apreciar, com base na situação pessoal do requerente, se os atos a que foi ou possa vir a ser exposto podem ser considerados perseguição ou ofensa grave;

[…]

4.   O facto de o requerente já ter sido perseguido ou diretamente ameaçado de perseguição, ou de ter sofrido ou sido diretamente ameaçado de ofensa grave, constitui um indício sério do receio fundado do requerente de ser perseguido ou do risco real de sofrer ofensa grave, a menos que haja motivos sérios para considerar que essa perseguição ou ofensa grave não se repetirá.

5.   Caso os Estados‑Membros apliquem o princípio segundo o qual incumbe ao requerente justificar o seu pedido de proteção internacional e caso existam elementos das declarações do requerente não sustentados por provas documentais ou de outra natureza, esses elementos não têm de ser confirmados se estiverem reunidas as seguintes condições:

a)

For autêntico o esforço envidado pelo requerente para justificar o seu pedido;

b)

Tenham sido apresentados todos os elementos pertinentes ao dispor do requerente e tenha sido dada uma explicação satisfatória para a eventual falta de outros elementos pertinentes;

c)

As declarações do requerente tenham sido consideradas coerentes e plausíveis, não contradizendo informações gerais ou particulares disponíveis pertinentes para o seu pedido;

d)

O requerente tenha apresentado o pedido de proteção internacional com a maior brevidade possível, a menos que possa motivar seriamente por que o não fez; e

e)

Tenha sido apurada a credibilidade geral do requerente.»

10

O artigo 9.o, n.os 1 e 2, da mesma diretiva prevê:

«1.   Para ser considerado um ato de perseguição, na aceção do ponto A do artigo 1.o da Convenção de Genebra, um ato deve:

a)

Ser suficientemente grave, devido à sua natureza ou persistência, para constituir uma violação grave dos direitos humanos fundamentais, em especial os direitos que não podem ser derrogados, nos termos do artigo 15.o, n.o 2, da [CEDH]; ou

b)

Constituir um cúmulo de várias medidas, incluindo violações dos direitos humanos, suficientemente graves para afetar o indivíduo de forma semelhante à referida na alínea a).

2.   Os atos de perseguição qualificados no n.o 1 podem assumir, designadamente, as seguintes formas:

[…]

b)

Medidas legais, administrativas, policiais e/ou judiciais, quando forem discriminatórias ou aplicadas de forma discriminatória;

c)

Ações judiciais ou sanções desproporcionadas ou discriminatórias;

[…]»

11

Nos termos do artigo 10.o da Diretiva 2011/95:

«1.   Ao apreciarem os motivos da perseguição, os Estados‑Membros devem ter em conta o seguinte:

[…]

b)

A noção de religião abrange, designadamente, o facto de se ter convicções teístas, não teístas e ateias, a participação ou a abstenção de participação em cerimónias de culto privadas ou públicas, quer a título individual, quer em conjunto com outras pessoas, outros atos religiosos ou expressões de convicções, ou formas de comportamento pessoal ou comunitário fundadas em credos religiosos ou por estes impostas;

[…]

2.   Ao apreciar se o receio de perseguição do requerente tem fundamento, é irrelevante que o requerente possua efetivamente a característica associada à raça, religião, nacionalidade, grupo social ou político que induz a perseguição, desde que tal característica lhe seja atribuída pelo agente da perseguição.»

Diretiva 2013/32

12

Os considerandos 12, 53 e 54 da Diretiva 2013/32 enunciam:

«(12)

O principal objetivo da presente diretiva consiste em prosseguir o desenvolvimento das normas aplicáveis aos procedimentos de concessão e retirada de proteção internacional dos Estados‑Membros com vista à instituição de um procedimento de asilo comum na União.

[…]

(53)

A presente diretiva não abrange os procedimentos entre Estados‑Membros regidos pelo Regulamento [Dublim III].

(54)

A presente diretiva deverá ser aplicável aos requerentes abrangidos pelo Regulamento [Dublim III] em complemento e sem prejuízo do disposto nesse regulamento.»

13

Nos termos do artigo 2.o desta diretiva:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

b)

“Pedido de proteção internacional” ou “pedido”, um pedido de proteção apresentado a um Estado‑Membro por um nacional de um país terceiro ou um apátrida, o qual dê a entender que pretende beneficiar do estatuto de refugiado ou de proteção subsidiária e não solicite expressamente outra forma de proteção não abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva [2011/95] e suscetível de ser objeto de um pedido separado;

[…]»

14

O artigo 31.o, n.o 8, da referida diretiva tem a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros podem estabelecer que um procedimento de apreciação, nos termos dos princípios e garantias fundamentais enunciados no Capítulo II, seja acelerado e/ou conduzido na fronteira ou em zonas de trânsito de acordo com o artigo 43.o se:

[…]

e)

O requerente tiver feito declarações claramente incoerentes e contraditórias, manifestamente falsas ou obviamente inverosímeis que contradigam informações suficientemente verificadas sobre o país de origem, retirando assim claramente credibilidade à alegação de cumprimento dos requisitos para beneficiar da proteção internacional nos termos da Diretiva [2011/95]; […]

[…]»

15

O artigo 32.o, n.o 2, da mesma diretiva prevê:

«Nos casos de pedidos infundados a que se apliquem qualquer das circunstâncias referidas no artigo 31.o, n.o 8, os Estados‑Membros podem igualmente considerar um pedido manifestamente infundado nos casos em que o direito interno o definir.»

16

O artigo 46.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 2013/32 dispõe:

«1.   Os Estados‑Membros asseguram que os requerentes tenham direito a interpor recurso efetivo perante um órgão jurisdicional:

a)

Da decisão proferida sobre o seu pedido de proteção internacional, incluindo a decisão:

i)

que considera um pedido infundado relativamente ao estatuto de refugiado e/ou ao estatuto de proteção subsidiária,

ii)

que determina a inadmissibilidade do pedido, nos termos do artigo 33.o, n.o 2,

iii)

proferida na fronteira ou nas zonas de trânsito de um Estado‑Membro, conforme descrito no artigo 43.o, n.o 1,

iv)

de não proceder à apreciação, em aplicação do artigo 39.o;

b)

Da recusa de reabertura da apreciação de um pedido após o termo dessa apreciação em aplicação dos artigos 27.o e 28.o;

c)

Da decisão de retirar a proteção internacional, de acordo com o artigo 45.o

[…]

3.   Para dar cumprimento ao n.o 1, os Estados‑Membros asseguram que um recurso efetivo inclua a análise exaustiva e ex nunc da matéria de facto e de direito, incluindo, se aplicável, uma apreciação das necessidades de proteção internacional na aceção da Diretiva [2011/95], pelo menos no recurso perante um órgão jurisdicional de primeira instância.»

Regulamento Dublim III

17

Os considerandos 4, 5 e 19 do Regulamento Dublim III enunciam:

«(4)

As conclusões [da reunião especial do Conselho Europeu realizada em Tampere em 15 e 16 de outubro de 1999] precisaram igualmente que o [Sistema Europeu Comum de Asilo] deverá incluir, a curto prazo, um método claro e operacional para determinar o Estado‑Membro responsável pela análise dos pedidos de asilo.

(5)

Este método deverá basear‑se em critérios objetivos e equitativos, tanto para os Estados‑Membros como para as pessoas em causa. Deverá, permitir, nomeadamente, uma determinação rápida do Estado‑Membro responsável, por forma a garantir um acesso efetivo aos procedimentos de concessão de proteção internacional e a não comprometer o objetivo de celeridade no tratamento dos pedidos de proteção internacional.

[…]

(19)

A fim de garantir a proteção efetiva dos direitos das pessoas em causa, deverão ser previstas garantias legais e o direito efetivo de recurso contra as decisões de transferência para o Estado‑Membro responsável, nos termos, nomeadamente, do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. A fim de garantir o respeito do direito internacional, o direito efetivo de recurso contra essas decisões deverá abranger a análise da aplicação do presente regulamento e da situação jurídica e factual no Estado‑Membro para o qual o requerente é transferido.»

18

O artigo 1.o deste regulamento dispõe:

«O presente regulamento estabelece os critérios e mecanismos para a determinação do Estado‑Membro responsável pela análise dos pedidos de proteção internacional apresentados num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida […]»

19

O artigo 2.o do referido regulamento tem a seguinte redação:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

[…]

b)

“Pedido de proteção internacional”: um pedido de proteção internacional, tal como definido no artigo 2.o, alínea h), da Diretiva [2011/95];

[…]

d)

“Análise de um pedido de proteção internacional”: o conjunto das medidas de análise, das decisões ou das sentenças relativas a um pedido de proteção internacional tomadas pelas autoridades competentes ou delas emanadas em conformidade com a Diretiva [2013/32] e com a Diretiva [2011/95], com exceção dos procedimentos de determinação do Estado‑Membro responsável nos termos do presente regulamento;

[…]»

20

O artigo 3.o, n.o 1, do mesmo regulamento dispõe:

«Os Estados‑Membros analisam todos os pedidos de proteção internacional apresentados por nacionais de países terceiros ou por apátridas no território de qualquer Estado‑Membro, inclusive na fronteira ou nas zonas de trânsito. Os pedidos são analisados por um único Estado‑Membro, que será aquele que os critérios enunciados no Capítulo III designarem como responsável.»

21

Os artigos 4.o e 5.o do Regulamento Dublim III preveem, respetivamente, um direito à informação do requerente de proteção internacional e regras relativas à condução da entrevista com o referido requerente.

22

O artigo 17.o, n.o 1, primeiro e segundo parágrafos, deste regulamento tem a seguinte redação:

«Em derrogação do artigo 3.o, n.o 1, cada Estado‑Membro pode decidir analisar um pedido de proteção internacional que lhe seja apresentado por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, mesmo que essa análise não seja da sua competência por força dos critérios definidos no presente regulamento.

O Estado‑Membro que tenha decidido analisar um pedido de proteção internacional nos termos do presente número torna‑se o Estado‑Membro responsável e assume as obrigações inerentes a essa responsabilidade. […]»

23

Nos termos do artigo 20.o, n.o 1, do referido regulamento:

«O processo de determinação do Estado‑Membro responsável tem início a partir do momento em que um pedido de proteção internacional é apresentado pela primeira vez a um Estado‑Membro.»

24

O artigo 27.o do Regulamento Dublim III prevê as vias de recurso de que um requerente de proteção internacional dispõe no contexto da aplicação deste regulamento.

Direito búlgaro

25

Na Bulgária, a análise dos pedidos de proteção internacional é regulada pelo Zakon za ubezhishteto i bezhantsite (Lei relativa ao asilo e aos refugiados), na sua versão publicada no DV n.o 103, de 27 de dezembro de 2016 (a seguir «ZUB»).

26

O artigo 6.o, n.o 1, do ZUB dispõe:

«Os poderes conferidos pela presente lei são exercidos pelos funcionários da Agência Nacional para os Refugiados. Estes estabelecem todos os factos e circunstâncias pertinentes para o procedimento de concessão de proteção internacional e assistem os estrangeiros requerentes dessa proteção.»

27

Os artigos 8.o e 9.o do ZUB incidem sobre o estatuto de refugiado na Bulgária, bem como sobre o estatuto humanitário.

28

O artigo 67.o‑A, n.o 2, do ZUB prevê:

«O procedimento previsto na presente secção é iniciado:

1.

por decisão da autoridade junto da qual decorrem as entrevistas, diante de elementos que determinem que a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional cabe a outro Estado‑Membro da União Europeia;

2.

por requerimento do Ministério do Interior e da Agência Estatal de “Segurança Nacional” relativamente à permanência irregular do estrangeiro no território da República da Bulgária;

3.

pelo pedido de tomada ou retomada a cargo do estrangeiro.»

29

O artigo 68.o do ZUB está redigido nestes termos:

«O procedimento ordinário é iniciado:

(1)

pelo registo do estrangeiro na sequência da apresentação por este de um pedido de proteção internacional;

[…]

(2)

Quando a República da Bulgária é designada como responsável ou tiver retomado a cargo um estrangeiro […], é iniciado o procedimento previsto na presente secção por efeito do registo de estrangeiro junto da Agência Nacional para os Refugiados na sequência da sua transferência.

[…]»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

30

B. Fathi é um nacional iraniano, de origem curda, que, em 1 de março de 2016, apresentou na DAB um pedido de proteção internacional com base na perseguição de que foi vítima por parte das autoridades iranianas, por motivos religiosos e, em especial, devido à sua conversão ao cristianismo entre o final de 2008 e o início de 2009.

31

No contexto das suas entrevistas com as autoridades búlgaras, B. Fathi afirmou que possuiu uma antena parabólica ilegal com a qual captou o canal de televisão cristão proibido «Nejat TV» e que participou, uma vez, por telefone, numa emissão de televisão em direto. Para provar esta circunstância, B. Fathi apresentou às referidas autoridades uma carta da Nejat TV, de 29 de novembro de 2012. B. Fathi invocou também a posse de uma bíblia numa língua que entende e declarou que tinha entrado em contacto com outros cristãos em encontros, sem contudo ser membro de uma comunidade religiosa.

32

No decurso do mês de setembro de 2009, foi detido durante dois dias pelos serviços secretos iranianos e interrogado sobre a sua participação na emissão televisiva acima mencionada. Durante a sua detenção, foi obrigado a admitir que se tinha convertido ao cristianismo.

33

Por Decisão de 20 de junho de 2016, a DAB indeferiu o pedido de proteção internacional de B. Fathi por ser manifestamente infundado, considerando que o relato de B. Fathi continha contradições substanciais e que não tinha sido demonstrada a existência de uma perseguição ou de um risco de perseguição futura, nem de um risco de pena de morte. À luz do caráter considerado inverosímil de todo o relato do interessado, considerou também que o documento de 29 de novembro de 2012, apresentado por B. Fathi para demonstrar a sua conversão ao cristianismo, era falso.

34

B. Fathi pediu a anulação desta decisão no órgão jurisdicional de reenvio, o Administrativen sad Sofia‑grad (Tribunal Administrativo de Sófia, Bulgária). Alega que a DAB fez uma apreciação incorreta do documento referido no número anterior, que atesta a sua conversão ao cristianismo. Considera também que a referida autoridade não teve suficientemente em conta as informações segundo as quais a «Lei islâmica sobre apostasia» (Lei sobre a abjuração) prevê a pena de morte para esta conversão, enquanto proselitismo, «inimizade para com Deus» e «insulto ao profeta». O órgão jurisdicional de reenvio precisa que B. Fathi é de origem curda, mas que, segundo este, os seus problemas no Irão são causados pelas suas relações com os cristãos e pela sua conversão ao cristianismo.

35

No que diz respeito à situação dos cristãos no Irão, o órgão jurisdicional de reenvio indica que há relatos de que o Governo iraniano executou pelo menos 20 pessoas acusadas de «inimizade para com Deus», entre as quais figuravam alguns curdos sunitas. Segundo um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) de 15 de abril de 2015, pessoas recentemente convertidas ao cristianismo foram condenadas, no Irão, a penas de um ano de prisão e de dois anos de proibição de abandonar o território.

36

B. Fathi alega que deve ser reconhecido como refugiado com base na sua pertença religiosa e que há que aplicar, no que se refere à prova dos factos pertinentes, o princípio segundo o qual a dúvida deve aproveitar ao requerente.

37

Nestas condições, o Administrativen sad Sofia‑grad (Tribunal Administrativo de Sófia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Resulta do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento [Dublim III], interpretado em conjugação com o considerando 12 e o artigo 17.o desse regulamento, que um Estado‑Membro pode proferir uma decisão que é uma análise de um pedido, nele apresentado, de proteção internacional na aceção do artigo 2.o, alínea d), do [mesmo] regulamento, sem que tenha havido uma decisão expressa sobre a competência deste Estado‑Membro segundo os critérios do [referido] regulamento, se não existirem, no caso concreto, indicações [de aplicação da derrogação] do artigo 17.o do [mesmo] regulamento?

2)

Resulta do artigo 3.o, n.o 1, segundo período, do Regulamento [Dublim III], interpretado em conjugação com o considerando 54 da Diretiva [2013/32], que, nas circunstâncias do processo principal e se não houver lugar a uma derrogação nos termos do artigo 17.o, n.o 1, do [referido] regulamento, deve ser proferida uma decisão sobre um pedido de proteção internacional, na aceção do artigo 2.o, alínea b), [desse] regulamento, em que o Estado‑Membro se obriga a analisar o pedido segundo os critérios do [mesmo] regulamento, no pressuposto de que as disposições [do Regulamento Dublim III] se aplicam ao requerente?

3)

Deve o artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva [2013/32] ser interpretado no sentido de que o tribunal, numa ação de impugnação da decisão de recusa da proteção internacional, deve apreciar, em consonância com o considerando 54 da [referida] diretiva, se as disposições do Regulamento [Dublim III] se aplicam ao requerente, quando o Estado‑Membro não tomou uma decisão expressa sobre a competência para a análise do pedido de proteção internacional segundo os critérios do regulamento? Atendendo ao considerando 54 da Diretiva 2013/32, há que partir do princípio de que, se não houver elementos de conexão que determinem a aplicabilidade do artigo 17.o do Regulamento [Dublim III] e o pedido de proteção internacional tiver sido analisado pelo Estado‑Membro no qual foi apresentado, com base na Diretiva 2011/95, ainda assim a situação jurídica do interessado está abrangida pelo âmbito de aplicação [desse] regulamento, se o Estado‑Membro não tiver decidido expressamente sobre a sua competência segundo os critérios do [referido] regulamento?

4)

Resulta do artigo 10.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva [2011/95] que, nas circunstâncias do processo principal, se verifica o motivo de perseguição da [“]religião[”] quando o requerente não prestou declarações ou apresentou documentos sobre todos os componentes do conceito de religião, na aceção desta disposição, que têm relevância decisiva para a pertença do interessado a uma determinada religião?

5)

Resulta do artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva [2011/95] que existem motivos da perseguição baseados na religião, na aceção do artigo 10.o, n.o 1, alínea b), da [referida] diretiva, quando o requerente alega, nas circunstâncias do processo principal, que foi perseguido devido à sua pertença a uma determinada religião, mas não prestou ou produziu declarações ou provas de circunstâncias características da pertença a uma determinada religião e que são, para o perseguidor, um motivo para crer que o interessado pertence a essa religião — entre as quais circunstâncias relacionadas com a prática ou não de atos religiosos ou com a expressão de convicções religiosas —, ou de condutas, individuais ou de uma comunidade, decorrentes ou impostas por convicções religiosas?

6)

Resulta do artigo 9.o, n.os 1 e 2, da Diretiva [2011/95], interpretado em conjugação com os artigos 18.o e 10.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia[,] e [do] conceito [de] [“]religião[”,] na aceção do artigo 10.o, n.o 1, alínea b), [desta] diretiva, que, nas circunstâncias do processo principal:

a)

o conceito de [“]religião[”], na aceção do direito da União, não abrange atos que sejam puníveis segundo o direito nacional dos Estados‑Membros? Esses atos, que são puníveis no país de origem do requerente, podem constituir atos de perseguição?

b)

há que considerar admissíveis, em conexão com a proibição do proselitismo e de atos contrários à religião, na qual se baseiam as disposições legais e regulamentares nesse país, restrições estabelecidas para proteção dos direitos e das liberdades dos outros e da ordem pública no país de origem do requerente? As proibições referidas representam, em si, atos de perseguição na aceção das disposições da [dita] diretiva [acima referidas], quando a inobservância destas proibições é punida com a pena de morte, mesmo que as leis não visem expressamente uma determinada religião?

7)

Resulta do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva [2011/95], interpretado em conjugação com o n.o 5, alínea b), da [mesma] disposição, o artigo 10.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e o artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva [2013/32], que, nas circunstâncias do processo principal, a avaliação dos factos e das circunstâncias só pode ser feita com base nas declarações prestadas e nos documentos apresentados pelo requerente, sendo porém admissível exigir prova dos componentes, que estão em falta, do conceito de [“]religião[”,] na aceção do artigo 10.o, n.o 1, alínea b), da [referida] diretiva, quando:

sem estas indicações, o pedido de proteção internacional seria considerado infundado, na aceção do artigo 32.o, em conjugação com o artigo 31.o, n.o 8, alínea e), da Diretiva [2013/32], e

o direito nacional prevê que a autoridade competente deve apurar todas as circunstâncias relevantes para a análise do pedido de proteção internacional e que o órgão jurisdicional deve informar, em caso de impugnação da decisão de recusa, que o interessado não ofereceu nem apresentou quaisquer provas?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira e segunda questões

38

A título preliminar, importa salientar que o órgão jurisdicional de reenvio afirma, na fundamentação do seu pedido de decisão prejudicial, que o recurso que lhe foi submetido é contra a decisão pela qual a DAB indeferiu quanto ao mérito o pedido de proteção internacional de B. Fathi.

39

Neste contexto, salienta que, na sequência da apresentação desse pedido, este foi registado e B. Fathi foi ouvido pessoalmente duas vezes. Acrescenta que, do ponto de vista formal, só foi tomada uma decisão sobre o mérito do seu pedido de proteção internacional e que não foi emitida nenhuma decisão expressa, com base no artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III, que determine que o referido pedido era analisado pela República da Bulgária enquanto Estado que os critérios previstos no capítulo III deste regulamento designam como responsável. Questiona‑se assim sobre se o Regulamento Dublim III é aplicável a todos os pedidos de proteção internacional que são apresentados no território de um Estado‑Membro ou unicamente aos procedimentos de transferência de requerentes de proteção internacional.

40

O referido órgão jurisdicional afirma, a este respeito, que, à data da apresentação do pedido de proteção internacional de B. Fathi, estava em vigor o artigo 67.o‑A do ZUB, por força do qual o procedimento de determinação do Estado‑Membro responsável para analisar um pedido de proteção internacional é iniciado por decisão da autoridade junto da qual decorrem as entrevistas, «diante de elementos que determinem que a responsabilidade pela análise do pedido de proteção internacional cabe a outro Estado‑Membro da União Europeia».

41

Na falta de dados que determinem que a análise do pedido de proteção internacional de B. Fathi fosse da responsabilidade de outro Estado‑Membro, foi iniciado pela DAB o «procedimento ordinário» com vista a decidir sobre o mérito deste pedido, em conformidade com o artigo 68.o, n.o 1, do ZUB. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio não refere que B. Fathi não tenha sido informado do início do referido procedimento nem que este tenha suscitado qualquer objeção a este respeito.

42

Nestas condições, há que considerar que, com a sua primeira e segunda questões, que importa analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, numa situação como a que está em causa no processo principal, o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades de um Estado‑Membro procedam à análise do mérito do pedido de proteção internacional na aceção do artigo 2.o, alínea d), deste regulamento na inexistência de uma decisão expressa dessas autoridades que estabeleça, com base nos critérios previstos no referido regulamento, que a responsabilidade para proceder a essa análise incumbia a esse Estado‑Membro.

43

Antes de mais, cumpre salientar que, nos termos do artigo 1.o deste regulamento, este estabelece os critérios e mecanismos para a determinação do Estado‑Membro responsável pela análise dos pedidos de proteção internacional apresentados num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida. O artigo 2.o, alínea b), do referido regulamento define, para efeitos da respetiva aplicação, um «pedido de proteção internacional» como um pedido de proteção internacional na aceção do artigo 2.o, alínea h), da Diretiva 2011/95. De acordo com esta última disposição, entende‑se por um pedido deste tipo «[o] pedido de proteção apresentado a um Estado‑Membro por um nacional de um país terceiro ou um apátrida, o qual dê a entender que pretende beneficiar do estatuto de refugiado ou de proteção subsidiária».

44

No caso vertente, resulta da decisão de reenvio que o pedido de B. Fathi, nacional de um país terceiro, que foi indeferido pela DAB, visa obter o estatuto de refugiado ou o estatuto humanitário, que corresponde ao estatuto de proteção subsidiária, previstos, respetivamente, nos artigos 8.o e 9.o do ZUB. Daqui decorre, como salientou também o advogado‑geral no n.o 14 das suas conclusões, que o pedido de B. Fathi, enquanto pedido apresentado por um nacional de país terceiro na Bulgária, se insere no âmbito de aplicação deste regulamento, em conformidade com o artigo 1.o deste.

45

Nos termos do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III, um pedido de proteção internacional apresentado por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida no território de um qualquer Estado‑Membro é, em princípio, analisado unicamente pelo Estado‑Membro que os critérios previstos no capítulo III deste regulamento designarem como responsável. O capítulo IV do mesmo regulamento identifica, de forma precisa, as situações em que um Estado‑Membro pode ser considerado responsável pela análise deste pedido em derrogação desses critérios.

46

Além disso, um Estado‑Membro onde foi apresentado um pedido de proteção internacional é obrigado a seguir os procedimentos previstos no capítulo VI do mesmo regulamento para determinar o Estado‑Membro responsável pela análise desse pedido (v., neste sentido, Acórdão de 16 de fevereiro de 2017, C. K. e o., C‑578/16 PPU, EU:C:2017:127, n.o 58).

47

Entre as disposições que figuram no capítulo VI do Regulamento Dublim III, o artigo 20.o, n.o 1, deste dispõe que o processo de determinação do Estado‑Membro responsável previsto por esse regulamento começa «a partir do momento em que um pedido de proteção internacional é apresentado pela primeira vez a um Estado‑Membro».

48

Assim, os mecanismos instituídos pelo Regulamento Dublim III para reunir os elementos necessários no âmbito deste processo destinam‑se a ser aplicados a partir da apresentação de um pedido de proteção internacional. O artigo 4.o, n.o 1, deste regulamento prevê expressamente, aliás, que é após a apresentação desse pedido que o requerente deve ser informado, nomeadamente, dos critérios de determinação do Estado‑Membro responsável, da organização de uma entrevista pessoal e da possibilidade de transmitir informações às autoridades competentes (v., neste sentido, Acórdão de 26 de julho de 2017, Mengesteab, C‑670/16, EU:C:2017:587, n.os 86 e 87).

49

No caso em apreço, como salientou o advogado‑geral no n.o 20 das suas conclusões, não resulta de forma alguma da decisão de reenvio que as autoridades búlgaras não tenham determinado a sua competência com base nos critérios previstos pelo Regulamento Dublim III, após terem constatado que a análise do pedido de proteção internacional não incumbia a outro Estado‑Membro por força do artigo 67.o‑A do ZUB. Com efeito, as dúvidas expressas a este respeito pelo órgão jurisdicional de reenvio na decisão de reenvio estão relacionadas com o simples facto de não ter sido adotada nenhuma decisão expressa pela autoridade búlgara competente na sequência do procedimento de determinação do Estado‑Membro responsável.

50

No que diz respeito à questão de saber se, em circunstâncias como as do processo principal, o referido procedimento deve terminar com a tomada de uma decisão expressa que estabeleça, com base nos critérios previstos pelo referido regulamento, a responsabilidade do referido Estado‑Membro para proceder a essa análise, há que dar‑lhe resposta tendo em conta não só o teor do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III mas também o seu contexto e a economia geral da regulamentação de que a referida disposição faz parte, bem como os objetivos que prossegue (Acórdão de 5 de julho de 2018, X, C‑213/17, EU:C:2018:538, n.o 26).

51

Em primeiro lugar, e quanto ao teor do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III, cumpre constatar que a referida disposição não prevê expressamente uma obrigação de o Estado‑Membro no território do qual foi apresentado um pedido de proteção internacional adotar, de forma expressa, uma decisão que determine a sua própria responsabilidade ao abrigo dos critérios previstos pelo referido regulamento, nem a forma que essa decisão deve revestir.

52

Em segundo lugar, no que se refere ao contexto no qual esta disposição se inscreve, importa salientar, antes de mais, que o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III faz parte do respetivo capítulo II, que incide sobre os princípios gerais e garantias para a aplicação deste regulamento. Entre as referidas garantias, que devem ser respeitadas pelo Estado‑Membro que procede à determinação do Estado‑Membro responsável, figura um direito à informação do requerente, previsto no artigo 4.o do referido regulamento. Este direito a ser informado incide não só sobre os critérios de determinação do Estado‑Membro responsável, a hierarquia desses critérios durante as diversas etapas do procedimento e a duração das mesmas mas também sobre o facto de que a apresentação num Estado‑Membro de um pedido de proteção internacional pode implicar que esse Estado‑Membro passe a ser o responsável por força deste regulamento, mesmo que essa responsabilidade não decorra desses critérios.

53

Em seguida, o artigo 17.o do Regulamento Dublim III, com a epígrafe «Cláusulas discricionárias», prevê especificamente, no seu n.o 1, que, em derrogação do seu artigo 3.o, n.o 1, cada Estado‑Membro pode decidir analisar um pedido de proteção internacional que lhe seja apresentado por um nacional de um país terceiro, mesmo que essa análise não seja da sua competência por força dos critérios definidos neste regulamento, tornando‑se então esse Estado‑Membro o Estado‑Membro responsável e assumindo as obrigações inerentes a essa responsabilidade. A este respeito, o Tribunal de Justiça salientou que esta faculdade visa permitir a cada Estado‑Membro decidir soberanamente, em função de considerações políticas, humanitárias ou práticas, aceitar analisar um pedido de asilo mesmo que não seja ele o responsável por essa análise em aplicação dos referidos critérios (v., neste sentido, Acórdão de 30 de maio de 2013, Halaf, C‑528/11, EU:C:2013:342, n.o 37).

54

Por último, a secção IV, intitulada «Garantias processuais», do capítulo VI do Regulamento Dublim III prevê, em caso de adoção de uma decisão de transferência do requerente, a notificação a este último dessa decisão, que contém também informações sobre as vias de recurso disponíveis. No entanto, este regulamento não inclui, sem prejuízo das garantias previstas nos artigos 4.o e 5.o deste, estas garantias processuais específicas quando, como é o caso no processo principal, o Estado‑Membro que procede à determinação do Estado‑Membro responsável chega à conclusão de que não há que operar uma transferência do requerente para outro Estado‑Membro, tendo em conta a falta de dados que estabeleçam que a responsabilidade pela análise deste pedido incumbe a outro Estado‑Membro e que o Estado‑Membro que procede à referida determinação é, com base nos critérios estabelecidos pelo referido regulamento, responsável pela análise do pedido de proteção internacional.

55

Em terceiro lugar, entre os objetivos prosseguidos pelo Regulamento Dublim III, figura o de instaurar regras organizacionais que regulem as relações entre os Estados‑Membros, com vista a determinar o Estado‑Membro responsável e, como decorre dos seus considerandos 4 e 5, permitir a determinação rápida do Estado‑Membro responsável para garantir um acesso efetivo aos processos de concessão de proteção internacional e não comprometer o objetivo de celeridade no tratamento dos pedidos de proteção internacional (v., neste sentido, Acórdão de 16 de fevereiro de 2017, C. K. e o., C‑578/16 PPU, EU:C:2017:127, n.o 57).

56

Tendo em conta estes elementos textuais, contextuais e teleológicos, há que responder à primeira e segunda questões que o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento Dublim III deve, numa situação como a que está em causa no processo principal, ser interpretado no sentido de que não se opõe a que as autoridades de um Estado‑Membro procedam à análise do mérito do pedido de proteção internacional, na aceção do artigo 2.o, alínea d), deste regulamento, na inexistência de uma decisão expressa dessas autoridades que estabeleça, com base nos critérios previstos no referido regulamento, que a responsabilidade para proceder a essa análise incumbia a esse Estado‑Membro.

Quanto à terceira questão

57

A título preliminar, há que salientar que o órgão jurisdicional de reenvio refere que B. Fathi interpôs neste um recurso contra a decisão da DAB que indeferiu quanto ao mérito o seu pedido de proteção internacional e que esta é competente para efetuar a análise prevista no artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32. Acrescenta que, por força do direito nacional, está obrigado a apreciar se o procedimento de adoção da referida decisão foi respeitado.

58

O órgão jurisdicional de reenvio salienta, neste contexto, que resulta do considerando 54 da Diretiva 2013/32 que esta deve ser aplicável aos requerentes abrangidos pelo Regulamento Dublim III «em complemento e sem prejuízo do disposto nesse regulamento».

59

Por conseguinte, pergunta‑se sobre se, como órgão jurisdicional de primeira instância de um recurso contra uma decisão de recusa em conceder proteção internacional, lhe incumbe verificar oficiosamente a observância dos critérios e dos mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional, previstos pelo Regulamento Dublim III.

60

Nestas condições, há que considerar que, com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32 deve, numa situação como a que está em causa no processo principal, ser interpretado no sentido de que, no contexto de um recurso interposto por um requerente de proteção internacional contra uma decisão que considera o seu pedido de proteção internacional infundado, o órgão jurisdicional competente de um Estado‑Membro está obrigado a analisar oficiosamente se os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise do referido pedido, conforme previstos pelo Regulamento Dublim III, foram corretamente aplicados.

61

Como resulta do artigo 46.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2013/32, interpretado em conjunto com o seu artigo 2.o, alínea b), os Estados‑Membros asseguram que o requerente de proteção internacional tenha direito a um recurso efetivo perante um órgão jurisdicional, designadamente, da decisão que considera infundado um pedido de proteção que lhes é apresentado por esse requerente, que pode ser entendido como visando obter o estatuto de refugiado ou o estatuto conferido pela proteção subsidiária.

62

O artigo 46.o, n.o 3, da mesma diretiva precisa o alcance do direito de recurso efetivo de que os requerentes de proteção internacional devem dispor contra as decisões relativas aos seus pedidos. Este dispõe, assim, que, para dar cumprimento ao n.o 1 deste artigo, os Estados‑Membros asseguram que um recurso efetivo inclua a análise exaustiva e ex nunc da matéria de facto e de direito, incluindo, se aplicável, uma apreciação das necessidades de proteção internacional nos termos da Diretiva 2011/95, pelo menos no recurso perante um órgão jurisdicional de primeira instância.

63

O Tribunal de Justiça salientou, a este respeito, no que se refere aos termos «asseguram que um recurso efetivo inclua a análise exaustiva e ex nunc da matéria de facto e de direito», que é necessário, sob pena de os privar do seu significado habitual, interpretá‑los no sentido de que os Estados‑Membros são obrigados, por força do artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, a adaptar o direito nacional de modo que o tratamento dos recursos em causa comporte uma análise, pelo juiz, de todos os elementos de facto e de direito que lhe permitam proceder a uma apreciação atualizada do caso concreto (Acórdão de 25 de julho de 2018, Alheto, C‑585/16, EU:C:2018:584, n.o 110).

64

A este respeito, a expressão «ex nunc» põe em destaque a obrigação do juiz de proceder a uma apreciação que tenha em conta, sendo caso disso, os elementos novos surgidos após a adoção da decisão que é objeto do recurso. Por sua vez, o adjetivo «exaustiva» que figura no artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32 confirma que o juiz é obrigado a analisar os elementos que a autoridade responsável pela decisão teve ou podia ter em conta (Acórdão de 25 de julho de 2018, Alheto, C‑585/16, EU:C:2018:584, n.os 111 e 113).

65

Como salientou o Tribunal de Justiça, a obrigação prevista no artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32 deve ser interpretada no contexto do conjunto do processo de análise dos pedidos de proteção internacional regulado pela referida diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 26 de julho de 2017, Sacko, C‑348/16, EU:C:2017:591, n.o 42), sendo as vias de recurso especificamente previstas no contexto da aplicação do Regulamento Dublim III as referidas no seu artigo 27.o, o que resulta igualmente do considerando 19 do mesmo regulamento.

66

Ora, como resulta, designadamente, do considerando 12 da Diretiva 2013/32, o principal objetivo desta diretiva consiste em prosseguir o desenvolvimento das normas aplicáveis aos procedimentos de concessão e retirada de proteção internacional nos Estados‑Membros.

67

É verdade que o considerando 54 da Diretiva 2013/32 enuncia que esta deverá ser aplicável aos requerentes abrangidos pelo Regulamento Dublim III em complemento e sem prejuízo do disposto nesse regulamento.

68

Não se pode, contudo, deduzir que, no âmbito de um recurso interposto, ao abrigo do artigo 46.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32, por um requerente de proteção internacional contra uma decisão que considera o seu pedido de proteção internacional infundado, o órgão jurisdicional competente de um Estado‑Membro deva verificar oficiosamente a correta aplicação dos critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise do pedido de proteção internacional, previstos pelo Regulamento Dublim III.

69

Com efeito, por um lado, resulta expressamente do considerando 53 da Diretiva 2013/32 que esta não se destina a ser aplicada aos procedimentos entre Estados‑Membros regulados pelo Regulamento Dublim III.

70

Por outro lado, o artigo 2.o, alínea d), do Regulamento Dublim III dispõe que, para efeitos deste regulamento, a «[a]nálise de um pedido de proteção internacional» visa o «conjunto das medidas de análise, das decisões ou das sentenças relativas a um pedido de proteção internacional tomadas pelas autoridades competentes ou delas emanadas em conformidade com a Diretiva [2013/32] e com a Diretiva [2011/95], com exceção dos procedimentos de determinação do Estado‑Membro responsável nos termos do [referido] regulamento».

71

Daqui decorre, como salientou o advogado‑geral no n.o 38 das suas conclusões, que não cabe ao juiz nacional ao qual foi submetido um recurso de uma decisão adotada na sequência de um procedimento de análise do pedido de proteção internacional, conforme definido nessa disposição, analisar oficiosamente se o procedimento de determinação do Estado‑Membro responsável ao abrigo do Regulamento Dublim III foi corretamente aplicado.

72

Nestas condições, há que responder à terceira questão que o artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32 deve, numa situação como a que está em causa no processo principal, ser interpretado no sentido de que, no contexto de um recurso interposto por um requerente de proteção internacional contra uma decisão que considera o seu pedido de proteção internacional infundado, o órgão jurisdicional competente de um Estado‑Membro não está obrigado a analisar oficiosamente se os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise do referido pedido, conforme previstos pelo Regulamento Dublim III, foram corretamente aplicados.

Quanto à quarta, quinta e sétima questões

73

No seu pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio observa que o requerente de proteção internacional em causa no processo principal se considera simplesmente como um «cristão», sem, no entanto, se ter identificado como membro de uma comunidade religiosa tradicional, e que não apresentou elementos nem declarações que permitam determinar se e como pratica a sua religião. Refere também que não se afigura claro se as convicções do requerente exigem a prática de atos na esfera pública e se as declarações do requerente são suficientes para considerar essas convicções particulares como uma religião na aceção do artigo 10.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2011/95. Ora, é apenas à luz dos elementos públicos relacionados com a religião cristã que o autor das perseguições pode fazer a ligação entre um requerente de proteção internacional e essa religião.

74

O órgão jurisdicional de reenvio observa que o artigo 32.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32, interpretado em conjugação com o seu artigo 31.o, n.o 8, alínea e), permite indeferir um pedido de proteção internacional como manifestamente infundado quando os requisitos previstos nestas disposições estão reunidos. Considera, contudo, que uma falta de clarificação das circunstâncias relevantes que levaria a considerar um pedido de proteção internacional manifestamente infundado não pode resultar da inércia procedimental da autoridade administrativa.

75

No entanto, no caso em apreço, os elementos que permitem estabelecer os elementos constitutivos do conceito de «religião» na aceção do artigo 10.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2011/95 integram o direito à proteção da vida privada. Ora, o Tribunal de Justiça excluiu que possa ser exigida prova de certos aspetos da vida privada no contexto de pedidos de proteção internacional. É, pois, necessário precisar se é lícito interrogar o requerente, no âmbito da análise do seu pedido, sobre a manifestação das suas convicções ou sobre o seu comportamento quanto à religião, nos quais se baseia o seu pedido de proteção internacional.

76

Nestas condições, há que considerar que, com a sua quarta, quinta e sétima questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 10.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2011/95 deve ser interpretado no sentido de que um requerente de proteção internacional que invoca, em apoio do seu pedido, um risco de perseguição por motivos com base na religião deve, para comprovar as suas alegações referentes às suas crenças religiosas, apresentar declarações ou aduzir documentos relativos a todos os elementos do conceito de «religião» previsto nesta disposição.

77

Nos termos do artigo 10.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2011/95, «[a]o apreciarem os motivos da perseguição, os Estados‑Membros devem ter em conta o seguinte: […] [a] noção de religião abrange, designadamente, o facto de se ter convicções teístas, não teístas e ateias, a participação ou a abstenção de participação em cerimónias de culto privadas ou públicas, quer a título individual, quer em conjunto com outras pessoas, outros atos religiosos ou expressões de convicções, ou formas de comportamento pessoal ou comunitário fundadas em credos religiosos ou por estes impostas».

78

O Tribunal de Justiça já teve oportunidade de salientar, no que se refere à interpretação da Diretiva 2004/83, que esta disposição dá uma definição ampla do conceito de «religião», que integra todos os seus componentes, sejam públicos ou privados, coletivos ou individuais (v., neste sentido, Acórdão de 5 de setembro de 2012, Y e Z, C‑71/11 e C‑99/11, EU:C:2012:518, n.o 63).

79

A este respeito, resulta claramente da redação desta disposição, e nomeadamente da utilização dos termos «designadamente», que a definição do conceito de «religião» que esta inclui apenas fornece uma lista não exaustiva dos elementos suscetíveis de caracterizar este conceito no contexto de um pedido de proteção internacional baseada no receio de ser perseguido por causa da religião.

80

Em especial, conforme resulta dessa definição, o conceito de «religião» abrange, por um lado, o facto de se ter convicções teístas, não teístas ou ateias, o que, tendo em conta a generalidade dos termos utilizados, salienta que visa tanto as religiões «tradicionais» como outras convicções e, por outro, a participação ou a abstenção de participação em cerimónias de culto, quer a título individual, quer em conjunto com outras pessoas, o que implica que a não pertença a uma comunidade religiosa não pode por si só ser determinante na avaliação deste conceito.

81

Além disso, no que se refere ao conceito de «religião» consagrado no artigo 10.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), que há também que ter em conta, como resulta do considerando 16 da Diretiva 2011/95, na interpretação desta diretiva, o Tribunal salientou a aceção ampla deste conceito, suscetível de abranger tanto o forum internum, isto é, o facto de se ter convicções, como o forum externum, isto é, a manifestação em público da fé religiosa, podendo a religião exprimir‑se sob uma ou outras destas formas (v., neste sentido, Acórdãos de 29 de maio de 2018, Liga van Moskeeën en Islamitische Organisaties Provincie Antwerpen e o., C‑426/16, EU:C:2018:335, n.o 44, e de 10 de julho de 2018, Jehovan todistajat, C‑25/17, EU:C:2018:551, n.o 47 e jurisprudência referida).

82

Tendo em conta estes elementos, não deve ser exigido a um requerente de proteção internacional que invoca um risco de perseguição por motivos ligados à religião que, para comprovar as suas convicções religiosas, faça declarações ou apresente documentos sobre cada um dos elementos incluídos no artigo 10.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2011/95.

83

Com efeito, e como salientou o advogado‑geral nos n.os 43 e 44 das suas conclusões, os atos que, em caso de regresso do requerente ao seu país de origem, podem ser cometidos pelas autoridades desse país contra este requerente por motivos ligados à religião devem ser apreciados em função da sua gravidade. Estes podem, assim, ao abrigo deste critério, ser qualificados de «perseguição» sem que se seja necessário que atinjam cada um dos elementos do conceito de religião.

84

Importa, contudo, que o requerente comprove devidamente as suas alegações relativas à sua pretensa conversão religiosa, constituindo as meras declarações relativas à convicção religiosa ou à pertença a uma comunidade religiosa apenas um ponto de partida do processo de análise dos factos e das circunstâncias previsto no artigo 4.o da Diretiva 2011/95 (v., por analogia, Acórdãos de 2 de dezembro de 2014, A e o., C‑148/13 a C‑150/13, EU:C:2014:2406, n.o 49, e de 25 de janeiro de 2018, F, C‑473/16, EU:C:2018:36, n.o 28).

85

A este respeito, resulta da própria redação do artigo 4.o, n.o 1, desta diretiva que os Estados‑Membros podem considerar que cabe ao requerente apresentar, o mais rapidamente possível, todos os elementos necessários para justificar o seu pedido de proteção internacional (v., por analogia, Acórdão de 2 de dezembro de 2014, A e o., C‑148/13 a C‑150/13, EU:C:2014:2406, n.o 50).

86

No quadro das verificações efetuadas pelas autoridades competentes, por força do artigo 4.o da referida diretiva, sempre que houver elementos das declarações do requerente de proteção internacional que não sejam sustentados por provas documentais ou de outra natureza, esses elementos só podem ser tidos em conta quando estiverem reunidas as condições cumulativas fixadas no artigo 4, n.o 5, alíneas a) a e), desta mesma diretiva.

87

Entre estas condições figuram, nomeadamente, o facto de as declarações do requerente serem consideradas coerentes e plausíveis e de as mesmas não serem contrariadas pelas informações gerais e específicas conhecidas e pertinentes para o seu pedido, bem como a circunstância de que a credibilidade geral do requerente pôde ser demonstrada (v., neste sentido, Acórdão de 25 de janeiro de 2018, F, C‑473/16, EU:C:2018:36, n.o 33). Sendo caso disso, a autoridade competente deve igualmente tomar em consideração as explicações dadas para a falta de elementos de prova e a credibilidade geral do requerente (Acórdão de 25 de janeiro de 2018, F, C‑473/16, EU:C:2018:36, n.o 41 e jurisprudência referida).

88

Como salientou o advogado‑geral no n.o 47 das suas conclusões, no âmbito de pedidos de proteção internacional com base no receio de perseguição por motivos religiosos, importa, nomeadamente, ter em conta, para além do estatuto individual e da situação pessoal do requerente, as suas convicções relativas à religião e as circunstâncias da sua aquisição, a forma como entende e vive a sua fé ou o seu ateísmo, a sua relação com os aspetos doutrinais, rituais ou prescritivos da religião a que declara pertencer ou da qual pretende afastar‑se, o seu eventual papel na transmissão da sua fé, ou ainda uma conjugação de fatores religiosos e de fatores identitários, étnicos ou de género.

89

Por último, no que diz respeito às dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio quanto à possibilidade de fazer prova de certos aspetos ligados à vida privada no âmbito de pedidos de proteção internacional, há que salientar que, embora, no Acórdão de 2 de dezembro de 2014, A e o. (C‑148/13 à C‑150/13, EU:C:2014:2406), o Tribunal tenha de facto considerado que as modalidades de apreciação, pelas autoridades competentes, das declarações e dos elementos de prova documental ou outros apresentados em apoio desses pedidos devem ser conformes com o direito ao respeito da vida privada e familiar, o referido acórdão dizia especificamente respeito a interrogatórios detalhados relativos às práticas sexuais de um requerente, as quais pertencem de forma muito particular à esfera íntima do indivíduo. Contudo, o órgão jurisdicional de reenvio não dá conta, de forma alguma, de considerações análogas no âmbito do processo principal.

90

Tendo em conta o exposto, há que responder à quarta, quinta e sétima questões que o artigo 10.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2011/95 deve ser interpretado no sentido de que um requerente de proteção internacional que invoca, em apoio do seu pedido, um risco de perseguição por motivos fundados na religião não deve, para comprovar as suas alegações referentes às suas crenças religiosas, apresentar declarações ou aduzir documentos relativos a todos os elementos do conceito de «religião» previsto nesta disposição. Incumbe, todavia, ao requerente comprovar de uma maneira credível as referidas alegações, apresentando elementos que permitam à autoridade competente assegurar‑se da veracidade destas.

Quanto à sexta questão

91

O órgão jurisdicional de reenvio refere que, segundo as informações que lhe foram apresentadas, no Irão, a «Lei islâmica sobre a apostasia» (Lei sobre a abjuração) prevê a pena de morte para a mudança de pertença religiosa dos nacionais iranianos, enquanto proselitismo, «inimizade para com Deus» e «insulto ao profeta». Acrescenta que, embora esta legislação não vise especificamente a religião cristã, pessoas que se converteram ao cristianismo no Irão foram condenadas a penas de um ano de prisão e de dois anos de proibição de abandonar o território. Ora, no processo principal, o pedido de proteção internacional apresentado por B. Fathi é motivado pela perseguição de que foi vítima devido a essa conversão.

92

Nestas condições, há que considerar que, com a sua sexta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 9.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2011/95 deve ser interpretado no sentido de que a proibição, sob pena de execução ou de prisão, de comportamentos contrários à religião de Estado do país de origem do requerente de proteção internacional pode constituir um «ato de perseguição», na aceção deste artigo.

93

Nos termos do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2011/95, para ser considerado um «ato de perseguição» na aceção do ponto A do artigo 1.o da Convenção de Genebra, um ato deve ser suficientemente grave, devido à sua natureza ou persistência, para constituir uma violação grave dos direitos humanos fundamentais, em especial dos direitos que não podem ser derrogados, nos termos do artigo 15.o, n.o 2, da CEDH, ou constituir um cúmulo de várias medidas, incluindo violações dos direitos humanos, suficientemente graves para afetar o indivíduo de uma forma semelhante. Em conformidade com o artigo 9.o, n.o 2, alíneas b) e c), desta diretiva, os «atos de perseguição» na aceção do n.o 1 deste artigo podem assumir, designadamente, a forma de «[m]edidas legais, administrativas, policiais e/ou judiciais, quando forem discriminatórias ou aplicadas de forma discriminatória» e de «[a]ções judiciais ou sanções desproporcionadas ou discriminatórias».

94

Conforme o Tribunal de Justiça salientou, resulta da redação do artigo 9.o, n.o 1, da referida diretiva que, para que os atos em causa possam ser considerados perseguição, é necessário que exista uma «violação grave» da liberdade de religião que afete a pessoa em causa de maneira significativa (Acórdão de 5 de setembro de 2012, Y e Z, C‑71/11 e C‑99/11, EU:C:2012:518, n.o 59).

95

Esta exigência está preenchida quando o requerente de proteção internacional, devido ao exercício dessa liberdade no seu país de origem, corre um risco real, nomeadamente, de ser perseguido ou de ser submetido a tratamentos ou a penas desumanas ou degradantes por parte de um dos agentes referidos no artigo 6.o desta mesma diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 5 de setembro de 2012, Y e Z, C‑71/11 e C‑99/11, EU:C:2012:518, n.o 67).

96

No caso vertente, há que considerar que o facto de uma regulamentação, como a que está em causa no processo principal, prever como sanção a pena de morte ou uma pena de prisão pode constituir, por si só, um «ato de perseguição» na aceção do artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2011/95, desde que esta sanção seja efetivamente aplicada no país de origem que adotou essa legislação (v., por analogia, Acórdão de 7 de novembro de 2013, X e o., C‑199/12 a C‑201/12, EU:C:2013:720, n.o 56).

97

Com efeito, uma pena como esta constitui uma sanção desproporcionada ou discriminatória na aceção do artigo 9.o, n.o 2, alínea c), dessa diretiva (v., por analogia, Acórdão de 7 de novembro de 2013, X e o., C‑199/12 a C‑201/12, EU:C:2013:720, n.o 57).

98

Como salientou, em substância, o advogado‑geral no n.o 61 das suas conclusões, em processos relativos à penalização de comportamentos ligados ao exercício da liberdade de religião, cabe às autoridades dos Estados‑Membros competentes para a análise dos pedidos de proteção internacional determinar, com base nas declarações do requerente e dos documentos eventualmente apresentados por este, ou de qualquer informação proveniente de fontes fiáveis, se, no país de origem desse requerente, a pena de morte ou de prisão prevista por uma legislação dessa natureza é aplicada na prática. É à luz destes elementos que cabe às autoridades nacionais decidir se há que considerar, efetivamente, que o requerente receia com razão, uma vez regressado ao seu país de origem, ser perseguido (v., por analogia, Acórdão de 7 de novembro de 2013, X e o., C‑199/12 a C‑201/12, EU:C:2013:720, n.os 59 e 60).

99

A questão suscitada pelo órgão jurisdicional de reenvio de saber se, no país de origem, a proibição assim penalizada é considerada necessária para salvaguardar a ordem pública ou para salvaguardar os direitos e as liberdades de terceiros não tem pertinência. Na análise de um pedido de concessão do estatuto de refugiado, a autoridade competente deve determinar se existe um receio fundado de perseguição na aceção da Diretiva 2011/95, sem que importe que a medida do país de origem do qual emana o risco de perseguição integre ou não considerações de ordem pública ou de direitos e liberdades desse país.

100

No que respeita ainda aos artigos 10.o e 18.o da Carta, também referidos pelo órgão jurisdicional de reenvio, basta observar que estas disposições não trazem, no âmbito da resposta a dar à presente questão prejudicial, nenhuma informação específica adicional.

101

Tendo em conta o exposto, há que responder à sexta questão que o artigo 9.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2011/95 deve ser interpretado no sentido de que a proibição, sob pena de execução ou de prisão, de comportamentos contrários à religião de Estado do país de origem do requerente de proteção internacional pode constituir um «ato de perseguição», na aceção deste artigo, desde que essa proibição seja, na prática, acompanhada de tais sanções pelas autoridades desse país, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Quanto às despesas

102

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

 

1)

O artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de um pedido de proteção internacional apresentado num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, deve, numa situação como a que está em causa no processo principal, ser interpretado no sentido de que não se opõe a que as autoridades de um Estado‑Membro procedam à análise do mérito do pedido de proteção internacional, na aceção do artigo 2.o, alínea d), deste regulamento, na inexistência de uma decisão expressa dessas autoridades que estabeleça, com base nos critérios previstos no referido regulamento, que a responsabilidade para proceder a essa análise incumbia a esse Estado‑Membro.

 

2)

O artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional, deve, numa situação como a que está em causa no processo principal, ser interpretado no sentido de que, no contexto de um recurso interposto por um requerente de proteção internacional contra uma decisão que considera o seu pedido de proteção internacional infundado, o órgão jurisdicional competente de um Estado‑Membro não está obrigado a analisar oficiosamente se os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise do referido pedido, conforme previstos pelo Regulamento n.o 604/2013, foram corretamente aplicados.

 

3)

O artigo 10.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida, deve ser interpretado no sentido de que um requerente de proteção internacional que invoca, em apoio do seu pedido, um risco de perseguição por motivos fundados na religião não deve, para comprovar as suas alegações referentes às suas crenças religiosas, apresentar declarações ou aduzir documentos relativos a todos os elementos do conceito de «religião» previsto nesta disposição. Incumbe, todavia, ao requerente comprovar de uma maneira credível as referidas alegações, apresentando elementos que permitam à autoridade competente assegurar‑se da veracidade destas.

 

4)

O artigo 9.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2011/95 deve ser interpretado no sentido de que a proibição, sob pena de execução ou de prisão, de comportamentos contrários à religião de Estado do país de origem do requerente de proteção internacional pode constituir um «ato de perseguição», na aceção deste artigo, desde que essa proibição seja, na prática, acompanhada de tais sanções pelas autoridades desse país, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: búlgaro.

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