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Document 62016CJ0522

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 19 de outubro de 2017.
    A contra Staatssecretaris van Financiën.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hoge Raad der Nederlanden.
    Reenvio prejudicial — União aduaneira e pauta aduaneira comum — Regulamento (CEE) n.o 2913/92 — Artigo 201.o, n.o 3, segundo parágrafo, e artigo 221.o, n.os 3 e 4 — Regulamento (CEE) n.o 2777/75 — Regulamento (CE) n.o 1484/95 — Direitos adicionais de importação — Expediente artificial destinado a evitar os direitos adicionais devidos — Natureza falsa dos dados que estão na base de uma declaração aduaneira — Pessoas a quem pode ser imputada a responsabilidade da dívida aduaneira — Prazo de prescrição.
    Processo C-522/16.

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2017:778

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

    19 de outubro de 2017 ( *1 )

    «Reenvio prejudicial — União aduaneira e pauta aduaneira comum — Regulamento (CEE) n.o 2913/92 — Artigo 201.o, n.o 3, segundo parágrafo, e artigo 221.o, n.os 3 e 4 — Regulamento (CEE) n.o 2777/75 — Regulamento (CE) n.o 1484/95 — Direitos adicionais de importação — Expediente artificial destinado a evitar os direitos adicionais devidos — Natureza falsa dos dados que estão na base de uma declaração aduaneira — Pessoas a quem pode ser imputada a responsabilidade da dívida aduaneira — Prazo de prescrição

    No processo C‑522/16,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal, Países Baixos), por decisão de 30 de setembro de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de outubro de 2016, no processo

    A

    contra

    Staatsscretaris van Financiën,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

    composto por: L. Bay Larsen, presidente de secção, J. Malenovský, M. Safjan, D. Šváby e M. Vilaras (relator), juízes,

    advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação de A, por C. H. Bouwmeester, na qualidade de consultor fiscal,

    em representação do Governo neerlandês, por M. Bulterman e H. Stergiou, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo belga, por M. Jacobs e J. Van Holm, advocaten,

    em representação da Comissão Europeia, por A. Caeiros e F. Wilman, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de decidir o processo sem conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 62.o, do artigo 201.o, n.o 3, segundo parágrafo, e do artigo 221.o, n.os 3 e 4, do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho, de 12 de outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário (JO 1992, L 302, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 2700/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de novembro de 2000 (JO 2000, L 311, p. 17) (a seguir «Código Aduaneiro»), em conjugação com, por um lado, o Regulamento (CEE) n.o 2777/75 do Conselho, de 29 de outubro de 1975, que estabelece uma organização comum de mercado no setor da carne de aves de capoeira (JO 1975, L 282 p. 77), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 806/2003 do Conselho, de 14 de abril de 2003 (JO 2003, L 122, p. 1) (a seguir «Regulamento n.o 2777/75»), e, por outro, o Regulamento (CE) n.o 1484/95 da Comissão, de 28 de junho de 1995, que estabelece as normas de execução do regime relativo à aplicação dos direitos adicionais de importação, que fixa os direitos adicionais de importação nos setores da carne de aves de capoeira e dos ovos, bem como para a ovalbumina, e que revoga o Regulamento n.o 163/67/CEE (JO 1995, L 145, p. 47), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 684/1999 da Comissão, de 29 de março de 1999 (JO 1999, L 86, p. 6) (a seguir «Regulamento n.o 1484/95»).

    2

    Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe A ao Staatssecretaris van Economische Zaken (Secretário de Estado dos Assuntos Económicos, Países Baixos) a propósito de vários avisos de liquidação de direitos adicionais de importação e do imposto sobre o volume de negócios.

    Quadro jurídico

    Direito da União

    Código Aduaneiro

    3

    O artigo 4.o do Código Aduaneiro dispõe:

    «Na aceção do presente código, entende‑se por:

    […]

    9)

    Dívida aduaneira: a obrigação de uma pessoa pagar os direitos de importação (dívida aduaneira na importação) ou os direitos de exportação (dívida aduaneira na exportação) que se aplicam a uma determinada mercadoria ao abrigo das disposições comunitárias em vigor.

    10)

    Direitos de importação:

    os direitos aduaneiros e os encargos de efeito equivalente previstos na importação de mercadorias,

    as imposições à importação instituídas no âmbito da política agrícola comum ou no âmbito de regimes específicos aplicáveis a determinadas mercadorias resultantes da transformação de produtos agrícolas.

    […]

    16)

    Regime aduaneiro:

    a)

    A introdução em livre prática;

    […]»

    4

    Nos termos do artigo 62.o do Código Aduaneiro:

    «1.   As declarações feitas por escrito devem ser emitidas num formulário conforme com o modelo oficial previsto para esse efeito. Devem ser assinadas e conter todos os elementos necessários à aplicação das disposições que regem o regime aduaneiro para o qual são declaradas as mercadorias.

    2.   À declaração devem ser juntos todos os documentos cuja apresentação seja necessária para permitir a aplicação das disposições que regem o regime aduaneiro para o qual sejam declaradas as mercadorias.»

    5

    O artigo 79.o do Código Aduaneiro tem a seguinte redação:

    «A introdução em livre prática confere o estatuto aduaneiro de mercadoria comunitária a uma mercadoria não comunitária.

    A introdução em livre prática implica a aplicação das medidas de política comercial, o cumprimento das outras formalidades previstas para a importação de mercadorias, bem como a aplicação dos direitos legalmente devidos.»

    6

    O artigo 201.o do Código Aduaneiro previa:

    «1.   É facto constitutivo da dívida aduaneira na importação:

    a)

    A introdução em livre prática de uma mercadoria sujeita a direitos de importação

    ou

    b)

    A sujeição de tal mercadoria a um regime de importação temporária com isenção parcial dos direitos de importação.

    2.   A dívida aduaneira considera‑se constituída no momento da aceitação da declaração aduaneira em causa.

    3.   O devedor é o declarante. Em caso de representação indireta, é igualmente devedora a pessoa por conta de quem é feita a declaração aduaneira.

    Sempre que uma declaração aduaneira para um dos regimes referidos no n.o 1 for elaborada com base em elementos incorretos ou incompletos de tal forma que os direitos legalmente devidos não sejam cobrados na totalidade ou em parte, as pessoas que forneceram os elementos necessários à elaboração da declaração e que tinham ou deviam ter razoavelmente conhecimento de que esses elementos eram falsos podem ser igualmente consideradas devedoras, em conformidade com as disposições nacionais em vigor.»

    7

    O artigo 221.o do Código Aduaneiro dispunha:

    «1.   O montante dos direitos deve ser comunicado ao devedor, de acordo com modalidades adequadas, logo que o respetivo registo de liquidação seja efetuado.

    […]

    3.   A comunicação ao devedor não se pode efetuar após o termo de um prazo de três anos a contar da data de constituição da dívida aduaneira. Este prazo é suspenso a partir do momento em que for interposto um recurso na aceção do artigo 243.o, até ao termo do processo de recurso.

    4.   Sempre que a dívida aduaneira resulte de um ato que era, no momento em que foi cometido, passível de procedimento judicial repressivo, a comunicação ao devedor pode ser efetuada, nas condições previstas nas disposições em vigor, após o termo do prazo de três anos previsto no n.o 3.»

    O Regulamento n.o 2777/75

    8

    O artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento (CEE) n.o 2777/75 enumera os produtos abrangidos pela organização comum de mercado no setor da carne de aves de capoeira.

    9

    O artigo 5.o deste regulamento dispõe:

    «1.   A fim de evitar ou reprimir os efeitos nocivos para o mercado comunitário que possam resultar das importações de certos produtos referidos no n.o 1 do artigo 1.o, a importação, à taxa do direito previsto na Pauta Aduaneira Comum, de um ou vários desses produtos fica sujeita ao pagamento de um direito de importação adicional, se estiverem preenchidas as condições decorrentes do artigo 5.o do acordo sobre a agricultura, celebrado em conformidade com o artigo 228.o do Tratado no âmbito das negociações comerciais multilaterais do “Uruguay Round”, salvo se não houver risco de as importações perturbarem o mercado comunitário ou se os efeitos forem desproporcionados em relação ao objetivo pretendido.

    2.   Os preços de desencadeamento abaixo dos quais pode ser imposto um direito de importação adicional são os preços enviados pela Comunidade à Organização Mundial do Comércio.

    Os volumes de desencadeamento que terão de ser ultrapassados para a imposição de um direito de importação adicional são determinados com base nas importações para a Comunidade nos três anos que antecedem aquele em que os efeitos nocivos referidos no n.o 1 se manifestam ou podem vir a manifestar‑se.

    3.   Os preços na importação a tomar em consideração para a imposição de um direito de importação adicional são determinados com base nos preços CIF de importação da remessa em causa.

    Para esse efeito, os preços CIF de importação são verificados com base nos preços representativos do produto em questão no mercado mundial ou no mercado comunitário de importação desse produto.

    4.   A Comissão adotará as regras de execução do presente artigo de acordo com o processo previsto no artigo 17.o Tais normas devem incidir designadamente sobre:

    a)

    Os produtos a que são aplicados direitos de importação adicionais nos termos do artigo 5.o do Acordo sobre a agricultura;

    b)

    Os outros critérios necessários para assegurar a aplicação do n.o 1 em conformidade com o artigo 5.o do Acordo sobre a agricultura.»

    O Regulamento n.o 1484/95

    10

    O Regulamento (CE) n.o 1484/95, na sua versão inicial, foi adotado com base, designadamente, do artigo 5.o, n.o 4, Regulamento (CE) n.o 2777/75.

    11

    O artigo 1.o do Regulamento n.o 1484/95 prevê:

    «Os direitos de importação adicionais referidos no n.o 1 do artigo 5.o [do Regulamento] […] n.o 2777/75 […], a seguir denominados “direitos adicionais”, serão aplicados aos produtos constantes do Anexo I e originários dos países referidos no mesmo.

    Os preços de desencadeamento correspondentes referidos no n.o 2 do artigo 5.o [do Regulamento] […] n.o 2777/75 […], são os constantes do Anexo II.»

    12

    O artigo 3.o deste regulamento dispõe:

    «1.   O direito adicional será estabelecido com base no preço de importação CIF da remessa em causa em conformidade com o artigo 4.o

    2.   Se o preço de importação CIF por 100 kg de uma remessa for superior ao preço representativo aplicável a que se refere o n.o 1 do artigo 2.o, o importador apresentará às autoridades competentes do Estado‑Membro de importação pelo menos as seguintes provas:

    o contrato de compra ou qualquer outra prova equivalente,

    o contrato de seguro,

    a fatura,

    o certificado de origem (se for caso disso),

    o contrato de transporte,

    e em caso de transporte marítimo, o conhecimento de carga.

    3.   No caso referido no n.o 2, o importador deve constituir a garantia referida no n.o 1 do artigo 248.o do Regulamento (CEE) n.o 2454/93 da Comissão[, de 2 de julho de 1993 (JO 1993, L. 253, p. 1)], igual aos montantes dos direitos adicionais que teria pago se o cálculo destes tivesse sido efetuado com base no preço representativo aplicável ao produto em questão […].

    4.   No período de seis meses a contar da data de aceitação da declaração de introdução em livre prática, o importador dispõe de um prazo de um mês a contar da venda dos produtos em causa para provar que o lote foi escoado em condições que confirmam a realidade dos preços referidos no n.o 2. O incumprimento de algum destes prazos implica a perda da garantia constituída. No entanto, o prazo de seis meses pode ser prolongado pela autoridade competente por três meses, no máximo, mediante pedido devidamente fundamentado do importador.

    A garantia constituída será liberada na medida em que sejam apresentadas provas suficientes perante as autoridades aduaneiras relativas às condições de escoamento.

    Caso contrário, a garantia será executada, em pagamento dos direitos adicionais.

    5.   Se, por ocasião de uma verificação, as autoridades competentes constatarem que as condições do presente artigo não foram respeitadas, procederão à cobrança dos direitos devidos, em conformidade com o artigo 220.o do [Código Aduaneiro]. Para o estabelecimento do montante de direitos a cobrar ou da parte por cobrar, ter‑se‑á em conta um juro que corre da data de introdução em livre prática à data da cobrança. A taxa de juro aplicada será a taxa em vigor para as operações de cobrança em direito nacional.»

    13

    O artigo 4.o do Regulamento n.o 1484/95 dispõe:

    «1.   Sempre que a diferença entre o preço de desencadeamento em causa referido no n.o 2 do artigo 1.o e o preço de importação CIF da remessa em questão:

    a)

    Seja inferior ou igual a 10% do preço de desencadeamento, o direito adicional será igual a zero;

    b)

    Seja superior a 10% mas inferior ou igual a 40% do preço de desencadeamento, o direito adicional será igual a 30% do montante acima dos 10%;

    c)

    Seja superior a 40% mas inferior ou igual a 60% do preço de desencadeamento, o direito adicional será igual a 50% do montante acima dos 40%, ao qual será adicionado o direito adicional referido na alínea b);

    d)

    Seja superior a 60% mas inferior ou igual a 75% do preço de desencadeamento, o direito adicional será igual a 70% do montante acima dos 60%, aos quais serão adicionados os direitos adicionais referidos nas alíneas b) e c);

    e)

    Seja superior a 75% do preço de desencadeamento, o direito adicional será igual a 90% do montante acima dos 75%, aos quais serão adicionados os direitos adicionais referidos nas alíneas b), c) e d).»

    14

    O preço de desencadeamento e o preço representativo para cada produto referido no Regulamento n.o 1484/95 eram indicados no Anexo II e no Anexo I deste regulamento, respetivamente.

    Direito neerlandês

    AWR

    15

    O artigo 22.oe da Algemene wet inzake rijksbelastingen (Lei Geral Tributária), de 2 de julho de 1959 (Stb. 1959, n.o 301), na versão aplicável até 1 de fevereiro de 2008 (a seguir «AWR»), enuncia:

    «1.   Sempre que o montante exato dos direitos de importação legalmente devidos não possa ser determinado devido a um ato passível de procedimento judicial repressivo, a liquidação pode ser efetuada no prazo de cinco anos a contar da data de constituição da dívida aduaneira.

    2.   O n.o 1 não se aplica às pessoas cuja atuação ou omissão não tinha por objeto evitar o pagamento dos direitos de importação.»

    Lei Aduaneira

    16

    O artigo 48.o, n.o 1, da Douanewet (Lei Aduaneira), de 2 de novembro de 1995 (Stb. 1995, n. o 553), na versão aplicável até 1 de agosto de 2008, dispõe:

    «1.   Todo aquele que:

    a.

    Entrega uma declaração legalmente exigida incorreta ou incompleta;

    b.

    Tiver a obrigação legal de:

    1. o

    fornecer informações, dados ou indicações e não os fornece, ou fornece‑os de forma incorreta ou incompleta;

    […]

    é punido com uma pena de prisão até 6 meses ou com uma multa de terceira categoria.»

    Decreto Aduaneiro

    17

    O artigo 54.o do Douanebesluit (Decreto Aduaneiro), de 4 de março de 1996 (Stb. 1996, n.o 166), tem a seguinte redação:

    «Sempre que uma declaração aduaneira referida no artigo 201.o, n.o 3, segundo parágrafo, do Código Aduaneiro […] for elaborada com base em elementos incorretos ou incompletos de tal forma que os direitos de importação devidos não sejam cobrados em parte, a pessoa que forneceu os elementos necessários à elaboração da declaração e que tinha ou devia ter razoavelmente conhecimento de que esses elementos eram falsos pode ser igualmente considerada devedora dos direitos de importação devidos.»

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    18

    Em 2005 e 2006, a sociedade F, com sede social na Alemanha, elaborou várias declarações aduaneiras de introdução em livre prática nos Países Baixos de lotes de carne de frango crua congelada, provenientes nomeadamente do Brasil e da Argentina.

    19

    Durante este período, todas as ações da sociedade F pertenciam à sociedade D, igualmente sediada na Alemanha. A, o seu filho B e um terceiro X eram todos administradores da sociedade D e faziam parte do conselho de administração desta. Até fevereiro de 2005, A era o administrador da sociedade F e, em seguida, foi substituído nesta função por X.

    20

    A sociedade F havia adquirido os produtos abrangidos pelas declarações de introdução em livre prática mencionadas no n.o 18, supra, à sociedade K, com sede em Uruguai. Às referidas declarações foram juntas as faturas emitidas pela sociedade K e o preço indicado nas declarações era o que tinha sido faturado pela sociedade K à sociedade F. O preço pago por esta última sociedade, convertido em preço de importação CIF em conformidade com o artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2777/75, era superior ao preço de desencadeamento, com a consequência de que não era devido nenhum direito de importação adicional previsto nos Regulamentos n.os 2777/75 e 1484/95.

    21

    Em seguida, a sociedade F vendeu a totalidade destes produtos à sociedade G, sediada na Suíça, e, de modo a cumprir a obrigação que lhe incumbia por força do artigo 3.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1484/95, apresentou às autoridades aduaneiras holandesas as faturas correspondentes a estas vendas. O preço faturado pela sociedade F à sociedade G era sistematicamente superior ao faturado pela sociedade K à sociedade F. 99% das ações da sociedade G pertenciam ao filho de A, B, que era igualmente o administrador da sociedade G.

    22

    As autoridades aduaneiras holandesas pediram informações sobre as posteriores revendas dos produtos importados pela sociedade F. Na falta de respostas satisfatórias, consideraram que os documentos apresentados pela sociedade F não permitiam determinar se o preço de importação CIF faturado a esta sociedade era superior ao preço de desencadeamento. Nestas circunstâncias, em 10 de setembro de 2008, o Minister van Landbouw, Natuur en Voedselkwaliteit (Ministro da Agricultura, do Património Natural e da Qualidade Alimentar, a seguir «Ministro»), atuando na qualidade de autoridade aduaneira, emitiu vários avisos de liquidação (a seguir «avisos de liquidação I»), dirigidos, designadamente, a A, para exigir, em aplicação do artigo 3.o, n.o 5, e do artigo 4.o do Regulamento n.o 1484/95, o pagamento dos direitos adicionais relativos às importações referidas nas declarações de introdução em livre prática em causa, bem como, no que diz respeito a uma parte dos produtos em causa, o pagamento do imposto sobre o volume de negócios.

    23

    Na sequência de uma fiscalização complementar, as autoridades aduaneiras holandesas determinaram que as compras e as vendas dos produtos importados pela sociedade F eram sempre efetuadas segundo um determinado esquema. A sociedade G comprava os produtos em causa a fornecedores sul‑americanos, a preços inferiores ao preço de desencadeamento, e revendia‑os à sociedade K a preços significativamente superiores ao preço de desencadeamento. Esta última sociedade vendia os produtos a um preço ligeiramente superior àquele pelo qual ela própria os havia comprado à sociedade F, que procedia então à importação destes produtos com vista à sua introdução em livre prática na União Europeia. Em seguida, a sociedade F revendia‑os a um preço ainda superior à sociedade G que, por sua vez, os vendia à sociedade D por um preço inferior tanto ao preço pelo qual os havia adquirido como ao preço de desencadeamento. Por último, a sociedade D vendia os produtos a um cliente a um preço superior ao preço pelo qual os havia comprado à sociedade G mas inferior tanto ao preço que esta sociedade G havia pago à sociedade F e ao preço pago pela sociedade F à sociedade K aquando da importação dos produtos, como ao preço de desencadeamento.

    24

    Atendendo a estas constatações e às ligações estreitas entre as sociedades D, F e G, as autoridades aduaneiras holandesas consideraram que A tinha procedido à criação, juntamente com outros operadores, de uma estrutura de transações através da qual o preço inicial dos produtos abrangidos pelo Regulamento n.o 2777/75, comprados junto de fornecedores independentes sul‑americanos, era artificialmente aumentado nas transações subsequentes, de modo que o preço de importação CIF dos produtos em causa era superior ao preço de desencadeamento, para evitar o pagamento dos direitos adicionais previstos nos Regulamentos n.os 2777/75 e 1484/95. O Ministro considerou, desde logo, que os contratos de compra e venda celebrados entre as sociedades G e K e entre as sociedades K e F, bem como os contratos celebrados entre as sociedades coligadas D, F e G, diziam respeito a transações fictícias. Consequentemente, considerou que o preço faturado à sociedade G pelos fornecedores sul‑americanos devia servir de base ao cálculo do preço de importação CIF e dos direitos adicionais eventualmente devidos.

    25

    Uma vez que os preços de importação CIF assim calculados eram inferiores ao preço representativo tomado em consideração aquando da emissão dos avisos de liquidação I, era devido um montante de direitos adicionais superior ao que havia sido exigido nos referidos avisos para cada uma das declarações entregues pela sociedade F. Considerando que as dívidas aduaneiras em causa foram constituídas na sequência da entrega de uma declaração incorreta, na aceção do artigo 48.o, n.o 1, da Lei Aduaneira, o Ministro considerou que os direitos adicionais devidos podiam, por força do artigo 221.o, n.o 4, do Código Aduaneiro, em conjugação com o artigo 22e, n.o 1, da AWR, ser exigidos ao devedor após o termo do prazo de três anos previsto no artigo 221.o, n.o 3, do Código Aduaneiro.

    26

    Por conseguinte, em 7 e 10 de maio de 2010, o Ministro remeteu, designadamente a A, avisos de liquidação relativamente aos direitos adicionais complementares devidos (a seguir «avisos de liquidação II»). Estes avisos, tal como os avisos de liquidação I, foram elaborados com base no artigo 201.o, n.o 3, segundo parágrafo, do Código Aduaneiro, em conjugação com o artigo 54.o do Decreto Aduaneiro, com o fundamento de que os preços indicados nas declarações de introdução em livre prática entregues pela sociedade F tiveram origem em faturas emitidas por instigação de A, quando este tinha ou devia ter razoavelmente conhecimento de que as referidas faturas se baseavam em transações artificiais.

    27

    Em 22 de setembro de 2008 e 19 de maio de 2010, A apresentou, na autoridade aduaneira competente holandesa, reclamações contra os avisos de liquidação I e os avisos de liquidação II, respetivamente. Estas reclamações foram indeferidas por decisões de 16 de janeiro de 2012, que A impugnou no Rechtbank Noord‑Holland (Tribunal de Primeira Instância da província da Holanda do Norte, Países Baixos). Tendo a ação intentada por A neste último tribunal sido julgado improcedente, A interpôs recurso desta sentença no Gerechtshof Amsterdam (Tribunal de Recurso de Amesterdão, Países Baixos), que negou provimento ao recurso e confirmou a sentença proferida em primeira instância. Em seguida, A interpôs recurso de cassação do acórdão do Gerechtshof Amsterdam (Tribunal de Recurso de Amesterdão) no órgão jurisdicional de reenvio.

    28

    O órgão jurisdicional de reenvio concorda com a apreciação do Gerechtshof Amsterdam, segundo a qual a estrutura de transações em causa no processo principal constitui uma prática abusiva na aceção do acórdão de 21 de fevereiro de 2006, Halifax e o. (C‑255/02, EU:C:2006:121, n.o 69 e jurisprudência aí referida), a saber, operações que não são realizadas no âmbito de transações comerciais normais, mas antes com o único objetivo de beneficiar abusivamente das vantagens previstas pelo direito da União, em especial pelos Regulamentos n.os 2777/75 e 1484/95.

    29

    Atendendo a esta apreciação, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, para cumprir a obrigação decorrente do artigo 3.o, n.o 2, segundo travessão, do Regulamento n.o 1484/95, a sociedade F devia ter entregue às autoridades aduaneiras holandesas as faturas emitidas pelos fornecedores sul‑americanos e remetidas à sociedade G. Contudo, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à questão de saber se o facto de a sociedade F não ter apresentado estas faturas equivale ao fornecimento de elementos «necessários à elaboração da declaração […] falsos», na aceção do artigo 201.o, n.o 3, segundo parágrafo, do Código Aduaneiro.

    30

    O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se igualmente quanto ao alcance exato do conceito de «pessoas que forneceram [os] elementos [falsos]» na aceção do artigo 201.o, n.o 3, segundo parágrafo, do Código Aduaneiro. Em especial, pergunta se este conceito também se aplica a uma pessoa singular, como A, que não forneceu ela própria os elementos necessários à elaboração da declaração aduaneira nem pode, enquanto órgão ou funcionário de uma pessoa coletiva, ser considerada responsável pela execução do ato, mas que esteve estreita e deliberadamente envolvida na conceção e na criação de uma estrutura artificial de sociedades e transações comerciais no âmbito da qual terceiros forneceram tais elementos.

    31

    Além disso, tendo em conta que, nos tribunais holandeses, A alegou que só procedeu desta forma depois de ter obtido a confirmação, por parte de especialistas em direito aduaneiro, da conformidade desta estrutura com as regras de direito, nomeadamente fiscais, aplicáveis, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta até que ponto esta circunstância afeta a apreciação da condição, enunciada no artigo 201.o, n.o 3, segundo parágrafo, do Código Aduaneiro, segundo a qual as pessoas que forneceram os elementos necessários à elaboração da declaração deviam ter razoavelmente conhecimento de que esses elementos eram falsos.

    32

    O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se igualmente sobre a interpretação do disposto no artigo 221.o, n.o 4, do Código Aduaneiro, no que diz respeito, em especial, à questão de saber se o Ministro tinha o direito de emitir os avisos de liquidação II mais de três anos após a importação dos produtos em causa. A este respeito, observa que o artigo 221.o, n.o 4, do Código Aduaneiro só parece ser aplicável às situações em que as mercadorias foram irregularmente introduzidas no território da União, como no caso do contrabando, e não a uma situação como a que está em causa no processo principal. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, resulta desta última disposição que, numa situação como a que está em causa no processo principal, a dívida aduaneira é constituída aquando da entrega da declaração aduaneira, que não constitui um ato passível de procedimentos judiciais repressivos.

    33

    Por último, o órgão jurisdicional de reenvio indica que, no caso de o Tribunal de Justiça interpretar o artigo 221.o, n.o 4, do Código Aduaneiro no sentido de que a prorrogação do prazo de prescrição previsto nesta disposição não pode ser invocado quando as dívidas aduaneiras são constituídas com base no artigo 201.o do Código Aduaneiro, se coloca então a questão de saber se a emissão dos avisos de liquidação II era lícita, já que o prazo de três anos que corre desde a data de constituição da dívida aduaneira tinha sido suspenso nos termos do n.o 3 deste artigo, na sequência da interposição do recurso de A contra os avisos de liquidação I. Considera, porém, que é necessário determinar se, de acordo com esta disposição, a interposição de recurso permite às autoridades aduaneiras, na pendência do recurso, exigir montantes complementares em relação aos montantes exigidos pelos avisos de liquidação que são objeto do recurso.

    34

    Assim, o Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal, Países Baixos) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    Deve o artigo 62.o do CAC, em conjugação com […] as disposições do Regulamento (CEE) n.o 2777/75 e do Regulamento (CE) n.o 1484/95, ser interpretado no sentido de que os dados referidos no artigo 201.o, n.o 3, segundo parágrafo, do CAC, com base nos quais deve ser elaborada a declaração aduaneira, também incluem os documentos que devem ser apresentados às autoridades aduaneiras referidos no artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 1484/95?

    2)

    Deve o artigo 201.o, n.o 3, segundo parágrafo, do CAC ser interpretado no sentido de que também deve ser considerada devedora a pessoa singular que não praticou ela própria o ato descrito nesse parágrafo (“fornecer os elementos necessários à elaboração da declaração”), nem pode, enquanto funcionário, ser considerada responsável pela execução do ato, mas que esteve estreita e deliberadamente envolvida na conceção e sucessiva criação de uma estrutura de sociedades e fluxos comerciais no âmbito da qual se realizou em seguida “o fornecimento (por terceiros) dos elementos necessários à elaboração da declaração”?

    3)

    Deve a condição “que tinham ou deviam ter razoavelmente conhecimento de que esses elementos eram falsos”, prevista no artigo 201.o, n.o 3, segundo parágrafo, do CAC, ser interpretada no sentido de que pessoas coletivas e singulares, que são operadores de mercado experientes, não podem ser consideradas devedoras dos direitos adicionais devidos por abuso de direito, no caso de só terem procedido à criação de uma estrutura de transações com vista à evasão aos direitos adicionais depois de ter sido confirmado por especialistas de renome no domínio do direito aduaneiro que uma tal estrutura era admissível em termos jurídicos e fiscais?

    4)

    Deve o artigo 221.o, n.o 4, do CAC ser interpretado no sentido de que o prazo de três anos não é prorrogado numa situação em que é constatado, após o termo do prazo referido no artigo 221.o, n.o 3, primeiro período, do CAC, que direitos de importação devidos nos termos do artigo 201.o do CAC, na sequência da apresentação de uma declaração aduaneira de introdução em livre prática, não foram anteriormente cobrados por causa do fornecimento de dados incorretos ou incompletos na declaração?

    5)

    Deve o artigo 221.o, n.os 3 e 4, do CAC ser interpretado no sentido de que, no caso de um devedor aduaneiro receber uma comunicação de direitos devidos relativamente a uma declaração de importação, e interpor recurso dessa comunicação nos termos do artigo 243.o do CAC, as autoridades aduaneiras podem, relativamente à mesma declaração aduaneira, em complemento da comunicação recorrida, e ignorando o disposto no artigo 221.o, n.o 4, do CAC, proceder à cobrança a posteriori de direitos de importação legalmente devidos?»

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à primeira questão

    35

    Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, em circunstâncias como as do processo principal, o artigo 201.o, n.o 3, segundo parágrafo, do Código Aduaneiro deve ser interpretado no sentido de que os documentos cuja apresentação é exigida pelo artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1484/95 constituem elementos necessários à elaboração da declaração aduaneira, na aceção desta disposição.

    36

    A este respeito, cumpre recordar que o artigo 201.o, n.o 1, do Código Aduaneiro prevê que a introdução em livre prática de uma mercadoria sujeita a direitos de importação é facto constitutivo da dívida aduaneira na importação.

    37

    Cumpre igualmente recordar que, nos termos do artigo 62.o, n.o 2, do Código Aduaneiro, à declaração devem ser juntos todos os documentos cuja apresentação seja necessária para permitir a aplicação das disposições que regem o regime aduaneiro para o qual sejam declaradas as mercadorias.

    38

    Resulta da decisão de reenvio que o regime aduaneiro para o qual as mercadorias em causa no processo principal tinham sido declaradas é o da introdução em livre prática, a qual implica, nos termos do artigo 79.o, segundo parágrafo, do Código Aduaneiro, a aplicação dos direitos legalmente devidos. Resulta do artigo 4.o, n.o 10, do Código Aduaneiro que estes direitos incluem, designadamente, as imposições à importação instituídas no âmbito da política agrícola comum ou no âmbito de regimes específicos aplicáveis a determinadas mercadorias resultantes da transformação de produtos agrícolas.

    39

    Resulta igualmente da decisão de reenvio que as mercadorias em causa no processo principal são lotes de produtos abrangidos pelo artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2777/75. Ora, este regulamento foi adotado com base nos artigos 42.o e 43.o CEE, atuais artigos 42.o e 43.o TFUE, que se referem à política agrícola comum. Por conseguinte, os direitos de importação adicionais instituídos nos termos do artigo 5.o deste regulamento devem ser considerados «imposições à importação instituídas no âmbito da política agrícola comum», na aceção do artigo 4.o, n.o 10, do Código Aduaneiro.

    40

    Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio especifica que, no caso em apreço, o preço de importação CIF por 100 kg de uma remessa indicado no documento administrativo único é superior ao preço representativo. Ora, nestas circunstâncias, o artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1484/95 prevê que o importador deve apresentar às autoridades competentes do Estado‑Membro de importação, a título de prova, pelo menos os documentos referidos nessa disposição.

    41

    Daqui resulta que, em circunstâncias como as do processo principal, a apresentação dos documentos mencionados no artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1484/95 deve ser considerado necessária à elaboração da declaração aduaneira, na aceção do artigo 201.o, n.o 3, segundo parágrafo, do Código Aduaneiro.

    42

    Por conseguinte, há que responder à primeira questão que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, o artigo 201.o, n.o 3, segundo parágrafo, do Código Aduaneiro deve ser interpretado no sentido de que os documentos cuja apresentação é exigida pelo artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1484/95 constituem elementos necessários à elaboração da declaração aduaneira, na aceção desta disposição.

    Quanto à segunda e terceira questões

    43

    Com a sua segunda e terceira questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 201.o, n.o 3, segundo parágrafo, do Código Aduaneiro deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «devedor» da dívida aduaneira, na aceção desta disposição, abrange a pessoa singular que esteve estreita e deliberadamente envolvida na conceção e na criação artificial de uma estrutura de transações comerciais com vista a reduzir o montante dos direitos de importação legalmente devidos quando, por um lado, não foi essa pessoa que comunicou os elementos que estiveram na base da elaboração da declaração aduaneira e, por outro, essa pessoa só procedeu à criação e à execução dessas transações depois de ter obtido a confirmação, por parte de especialistas no domínio do direito aduaneiro, da legalidade dessas transações.

    44

    A este respeito, importa recordar, em primeiro lugar, que, nos termos do artigo 201.o, n.o 3, segundo parágrafo, do Código Aduaneiro, sempre que uma declaração aduaneira relativa a um dos regimes em causa seja elaborada com base em elementos que fazem com que os direitos legalmente devidos não sejam cobrados na totalidade ou em parte, as pessoas que forneceram esses elementos, necessários à elaboração da declaração, e que tinham ou deviam ter razoavelmente conhecimento de que esses elementos eram falsos podem ser igualmente consideradas devedoras, em conformidade com as disposições nacionais em vigor.

    45

    Resulta desta disposição que os elementos que serviram de base à elaboração de uma declaração aduaneira devem ser considerados «falsos», na aceção desta disposição, quando fazem com que os direitos legalmente devidos não sejam cobrados na totalidade ou em parte.

    46

    Por conseguinte, quando uma declaração aduaneira é elaborada com base em elementos relativos a transações comerciais efetuadas com a finalidade de reduzir artificialmente o montante dos direitos de importação a pagar, estes elementos devem ser considerados «falsos», na aceção do artigo 201.o, n.o 3, segundo parágrafo, do Código Aduaneiro, quando fazem com que os direitos de importação adicionais, previstos no Regulamento n.o 2777/75, não sejam cobrados na totalidade ou em parte relativamente às mercadorias em causa.

    47

    No que diz respeito à questão de saber se uma pessoa que esteve estreita e deliberadamente envolvida na conceção e na criação artificial de uma estrutura de sociedades e de transações comerciais que estiveram na base desses elementos pode ser considerada como pessoa que forneceu tais elementos, para efeitos da aplicação do artigo 201.o, n.o 3, segundo parágrafo, do Código Aduaneiro, é de referir, desde logo, que, nos termos do n.o 3 deste artigo, podem ser devedores da dívida aduaneira não só o declarante ou, em caso de representação indireta, a pessoa por conta de quem a declaração aduaneira é feita, mas também as pessoas que forneceram os elementos necessários à elaboração da declaração.

    48

    Daqui resulta que o artigo 201.o, n.o 3, segundo parágrafo, do Código Aduaneiro se destina a facilitar a cobrança da dívida aduaneira ao alargar o círculo de pessoas suscetíveis de serem consideradas devedoras da mesma.

    49

    Para o efeito, esta disposição tem por objeto alargar o conceito de «devedor», na aceção deste artigo, às pessoas para além do declarante cuja atuação tenha levado as autoridades aduaneiras a determinar erradamente o montante dos direitos legalmente devidos com base em elementos falsos.

    50

    Por conseguinte, nas circunstâncias em que tiver sido determinado que as pessoas conceberam a criação artificial de uma estrutura de sociedades e de transações comerciais com a finalidade de dissimular a realidade das operações em causa para as autoridades aduaneiras, a interpretação do artigo 201.o, n.o 3, segundo parágrafo, do Código Aduaneiro no sentido de que só podem ser consideradas devedoras da dívida aduaneira, por força da disposição acima referida, as pessoas que comunicaram os elementos necessários à elaboração da declaração corresponde ao objetivo prosseguido por essa disposição.

    51

    Consequentemente, uma pessoa que esteve estreita e deliberadamente envolvida na conceção e na criação artificial de uma estrutura de sociedades e de transações comerciais, que permitiu a elaboração de uma declaração aduaneira com base em elementos que fizeram com que os direitos legalmente devidos pelas mercadorias abrangidas por esta declaração não sejam pagos, deve ser considerada como tendo estado envolvida nos atos relacionados com o fornecimento dos referidos dados. Essa pessoa constitui, portanto, uma pessoa que forneceu esses elementos, para efeitos da aplicação do artigo 201.o, n.o 3, segundo parágrafo, do Código Aduaneiro.

    52

    Por outro lado, quando uma pessoa esteve estreita e deliberadamente envolvida na conceção e na criação artificial dessa estrutura de sociedades e de transações comerciais, deve considerar‑se que essa pessoa teve razoavelmente conhecimento de que eram falsos os elementos gerados por essa estrutura, que estiveram na base da declaração aduaneira. A este respeito, é irrelevante o facto de essa pessoa só ter procedido à conceção e à criação artificial da estrutura de sociedades e de transações comerciais em causa depois de ter obtido, por especialistas no domínio do direito aduaneiro, a confirmação da legalidade dessa estrutura.

    53

    Nestas condições, há que responder à segunda e terceira questões que o artigo 201.o, n.o 3, segundo parágrafo, do Código Aduaneiro deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «devedor» da dívida aduaneira, na aceção desta disposição, abrange a pessoa singular que esteve estreita e deliberadamente envolvida na conceção e na criação artificial de uma estrutura de transações comerciais, como a que está em causa no processo principal, que teve por efeito reduzir o montante dos direitos de importação legalmente devidos, apesar de não ter sido essa pessoa que comunicou os elementos falsos que estiveram na base da elaboração da declaração aduaneira, quando resulta das circunstâncias que essa pessoa tinha ou devia razoavelmente ter conhecimento de que as operações dessa estrutura não tinham sido realizadas no âmbito de transações comerciais normais, mas antes com o único objetivo de beneficiar abusivamente das vantagens previstas pelo direito da União. O facto de essa pessoa só ter procedido à conceção e à criação artificial dessa estrutura depois de ter obtido a confirmação, por parte de especialistas no domínio do direito aduaneiro, da legalidade dessa estrutura é irrelevante a este respeito.

    Quanto à quarta questão

    54

    Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se, em circunstâncias como as do processo principal, o artigo 221.o, n.o 4, do Código Aduaneiro deve ser interpretado no sentido de que, em circunstâncias como as do processo principal, o facto de a dívida aduaneira na importação se ter constituído, em conformidade com o artigo 201.o, n.o 1, deste, com a introdução em livre prática de mercadorias sujeitas a direitos de importação é suscetível de excluir a possibilidade de efetuar a comunicação ao devedor do montante dos direitos de importação devidos por essas mercadorias após o termo do prazo previsto no artigo 221.o, n.o 3, deste código.

    55

    Cabe recordar, em primeiro lugar, que, em aplicação do artigo 201.o, n.o 1, do Código Aduaneiro, é facto constitutivo da dívida aduaneira na importação a introdução em livre prática de uma mercadoria sujeita a direitos de importação.

    56

    Nos termos do artigo 221.o, n.o 3, do Código Aduaneiro, a comunicação do montante dos direitos ao devedor não se poderá efetuar após o termo de um prazo de três anos a contar da data de constituição da dívida aduaneira. Não obstante, o n.o 4 do mesmo artigo prevê a possibilidade, para as autoridades aduaneiras, de proceder à comunicação ao devedor do montante dos direitos legalmente devidos após o termo do prazo de três anos previsto no n.o 3 sempre que a dívida aduaneira resulte de um ato passível de procedimentos judiciais repressivos.

    57

    Decorre do n.o 40 do presente acórdão que, em circunstâncias como as do processo principal, os direitos adicionais instituídos em conformidade com o artigo 5.o do Regulamento n.o 2777/75 são abrangidos pela dívida aduaneira. Por conseguinte, na medida em que o facto de ter fornecido elementos falsos é a causa da não cobrança desses direitos adicionais, na totalidade ou em parte, deve concluir‑se que essa dívida aduaneira «resulte», na aceção do artigo 221.o, n.o 4, do Código Aduaneiro, do fornecimento desses elementos.

    58

    A este respeito, apesar de resultar do artigo 201.o, n.o 1, do Código Aduaneiro que a introdução em livre prática é um dos factos constitutivos da dívida aduaneira na importação enumerados neste artigo, esta consideração não pode implicar que essa dívida não «resulte», na aceção do artigo 221.o, n.o 4, do Código Aduaneiro, de atos como os que estão em causa no processo principal.

    59

    Com efeito, nada indica que o legislador da União tenha pretendido excluir do âmbito de aplicação do artigo 221, n.o 4, do Código Aduaneiro os atos passíveis de procedimentos judiciais repressivos que obstaram à cobrança, na totalidade ou em parte, dos direitos aduaneiros no âmbito da introdução em livre prática.

    60

    Uma interpretação contrária poderia obstar à realização do objetivo desta disposição, a saber, alargar as possibilidades de cobrança da dívida aduaneira.

    61

    Por conseguinte, há que constatar que, nas situações em que o artigo 201.o do Código Aduaneiro deve ser aplicado, o prazo de comunicação de três anos previsto no artigo 221.o, n.o 3, do Código Aduaneiro pode ser rejeitado se as mercadorias em causa tiverem sido introduzidas em livre prática de forma ilícita na sequência de uma declaração aduaneira baseada em elementos falsos e que essa circunstância é passível de procedimentos judiciais repressivos.

    62

    Atendendo às considerações que precedem, há que responder à quarta questão que o artigo 221.o, n.o 4, do Código Aduaneiro deve ser interpretado no sentido de que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, o facto de a dívida aduaneira na importação se ter constituído, em conformidade com o artigo 201.o, n.o 1, deste, com a introdução em livre prática de uma mercadoria sujeita a direitos de importação não é suscetível, por si só, de excluir a possibilidade de efetuar a comunicação ao devedor do montante dos direitos de importação devidos por essas mercadorias após o termo do prazo previsto no artigo 221.o, n.o 3, deste código.

    Quanto à quinta questão

    63

    Resulta das indicações do órgão jurisdicional de reenvio, resumidas no n.o 33 do presente acórdão, que, se o Tribunal de Justiça considerar que o artigo 221.o, n.o 4, do Código Aduaneiro pode ser invocado no que diz respeito às dívidas aduaneiras constituídos com base no artigo 201.o deste Código, não é necessário responder à quinta questão. Assim, tendo em conta a resposta dada à quarta questão, não é necessário responder à quinta questão.

    Quanto às despesas

    64

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

     

    1)

    Em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, o artigo 201.o, n.o 3, segundo parágrafo, do Regulamento (CEE) n.o 2913/92 do Conselho, de 12 de outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 2700/2000 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de novembro de 2000, deve ser interpretado no sentido de que os documentos cuja apresentação é exigida pelo artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 1484/95 da Comissão, de 28 de junho de 1995, que estabelece as normas de execução do regime relativo à aplicação dos direitos adicionais de importação, que fixa os direitos adicionais de importação nos setores da carne de aves de capoeira e dos ovos, bem como para a ovalbumina, e que revoga o Regulamento n.o 163/67/CEE, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 684/1999 da Comissão, de 29 de março de 1999, constituem elementos necessários à elaboração da declaração aduaneira, na aceção desta disposição.

     

    2)

    O artigo 201.o, n.o 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 2913/92, conforme alterado pelo Regulamento n.o 2700/2000, deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «devedor» da dívida aduaneira, na aceção desta disposição, abrange a pessoa singular que esteve estreita e deliberadamente envolvida na conceção e na criação artificial de uma estrutura de transações comerciais, como a que está em causa no processo principal, que teve por efeito reduzir o montante dos direitos de importação legalmente devidos, apesar de não ter sido essa pessoa que comunicou os elementos falsos que estiveram na base da elaboração da declaração aduaneira, quando resulta das circunstâncias que essa pessoa tinha ou devia razoavelmente ter conhecimento de que as operações dessa estrutura não tinham sido realizadas no âmbito de transações comerciais normais, mas antes com o único objetivo de beneficiar abusivamente das vantagens previstas pelo direito da União. O facto de essa pessoa só ter procedido à conceção e à criação artificial dessa estrutura depois de ter obtido a confirmação, por parte de especialistas no domínio do direito aduaneiro, da legalidade dessa estrutura é irrelevante a este respeito.

     

    3)

    O artigo 221.o, n.o 4, do Regulamento n.o 2913/92, conforme alterado pelo Regulamento n.o 2700/2000, deve ser interpretado no sentido de que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, o facto de a dívida aduaneira na importação se ter constituído, em conformidade com o artigo 201.o, n.o 1, deste, com a introdução em livre prática de uma mercadoria sujeita a direitos de importação não é suscetível, por si só, de excluir a possibilidade de efetuar a comunicação ao devedor do montante dos direitos de importação devidos por essas mercadorias após o termo do prazo previsto no artigo 221.o, n.o 3, deste regulamento, conforme alterado.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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