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Document 62015TJ0616

Acórdão do Tribunal Geral (Primeira Secção) de 3 de julho de 2018.
Transtec contra Comissão Europeia.
FED — Países ACP — Acordo de Cotonu — Programa de apoio às iniciativas culturais em países africanos de língua portuguesa — Montantes pagos pela Comissão à entidade encarregada da execução financeira do programa na Guiné‑Bissau — Restituição na sequência de uma auditoria financeira — Compensação de créditos — Proporcionalidade — Enriquecimento sem causa — Responsabilidade extracontratual.
Processo T-616/15.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:T:2018:399

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

3 de julho de 2018 ( *1 )

[Texto retificado por Despacho de 3 de outubro de 2018]

«FED — Países ACP — Acordo de Cotonu — Programa de apoio às iniciativas culturais em países africanos de língua portuguesa — Montantes pagos pela Comissão à entidade encarregada da execução financeira do programa na Guiné‑Bissau — Restituição na sequência de uma auditoria financeira — Compensação de créditos — Proporcionalidade — Enriquecimento sem causa — Responsabilidade extracontratual»

No processo T‑616/15,

Transtec, com sede em Bruxelas (Bélgica), representada por L. Levi, advogado,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada inicialmente por A. Aresu e S. Bartelt, e em seguida por A. Aresu, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto, por um lado, um pedido com base no artigo 263.o TFUE e destinado à anulação das decisões de compensação constantes das cartas da Comissão de 27 de agosto, 7, 16, 23 e 25 de setembro de 2015, visando a cobrança do montante de 624388,73 euros, correspondente ao montante de uma parte dos adiantamentos pagos à recorrente no quadro de um programa de apoio às iniciativas culturais na Guiné‑Bissau, financiado pelo nono Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED), acrescido de juros de mora, e, por outro, um pedido com base no artigo 268.o TFUE e destinado à restituição dos montantes alegadamente ligados a um enriquecimento sem causa, bem como a reparação do prejuízo que a recorrente terá alegadamente sofrido devido ao comportamento da Comissão,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção),

composto por: I. Pelikánová, presidente, V. Valančius e U. Öberg (relator), juízes,

secretário: M. Marescaux, administradora,

vista a fase escrita do processo e após a audiência de 17 de novembro de 2017,

profere o presente

Acórdão

Antecedentes do litígio

1

Em aplicação do Acordo de Parceria entre os membros do Grupo de Estados de África, das Caraíbas e do Pacífico, por um lado, e a Comunidade Europeia e os seus Estados‑Membros, por outro, assinado em Cotonu, em 23 de junho de 2000 (JO 2000, L 317, p. 3), e aprovado em nome da Comunidade pela Decisão 2003/159/CE do Conselho, de 19 de dezembro de 2002 (JO 2003, L 65, p. 27), o nono Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED) instituiu um programa de apoio às iniciativas culturais destinado a cinco Estados de África, das Caraíbas e do Pacífico (ACP), a saber, os países africanos de língua oficial portuguesa (a seguir «PALOP»).

2

Os PALOP são a República de Angola, a República de Cabo Verde, a República da Guiné‑Bissau, a República de Moçambique e a República Democrática de São Tomé e Príncipe.

3

No âmbito do programa de apoio às iniciativas culturais que lhes foi atribuído, os PALOP têm beneficiado de uma decisão de financiamento da Comissão Europeia de cerca de 3 milhões de euros, aplicada através da convenção de financiamento com a referência 9888/REG (a seguir «convenção de financiamento»), assinada pela Comissão em 19 de dezembro de 2007 e pelos PALOP, representados pelo gestor orçamental regional da República da Guiné‑Bissau, em 29 de fevereiro de 2008, que entrou em vigor nesse mesmo dia. A referida convenção chegou ao seu termo em 31 de dezembro de 2013.

4

Nos termos da convenção de financiamento, o contrato de prestação de serviços com a referência FED/2009/210‑646 (a seguir «contrato de serviços») foi assinado em 20 de julho de 2009 entre o gestor orçamental em questão, designadamente, o ministro da Economia e das Finanças da República da Guiné‑Bissau (a seguir «gestor orçamental nacional»), na sua qualidade de entidade adjudicante, e a recorrente, Transtec, que é uma empresa de consultoria para o desenvolvimento, cuja atividade consiste na oferta de serviços de cooperação técnica em benefício de instituições públicas, do setor privado e de outras organizações nas economias emergentes.

5

O contrato de serviços foi também assinado, para aprovação, pelo ministro da Educação, da Cultura e da Ciência da República da Guiné‑Bissau, na qualidade de beneficiário, e visado pelo chefe da Delegação da União Europeia na República da Guiné‑Bissau (a seguir «chefe da Delegação»), na sua qualidade de entidade financiadora.

6

Algumas das disposições e dos anexos do contrato de serviços foram objeto de adendas em 2011 e em 2012. Celebrado, por força do seu artigo 3.o, para o montante de 344992 euros e por um período de 24 meses, o referido contrato resultou finalmente, ao abrigo das diferentes adendas, num montante de 484787 euros e numa duração de pouco mais de 36 meses, isto é, até 31 de agosto de 2012. As alterações destinavam‑se a cobrir as despesas relativas à execução das diferentes funções da recorrente, pormenorizadas nos anexos II e III desse contrato, relativos à prestação de serviços de assistência técnica junto da unidade de gestão do programa de apoio às iniciativas culturais dos PALOP.

7

Em execução do contrato de serviços, a recorrente elaborou e assinou um documento com a referência FED/2010/249‑005, intitulado «Orçamento‑programa de cruzeiro e de encerramento» (orçamento‑programa de execução operacional e de encerramento, a seguir «orçamento‑programa»), aprovado pelo gestor orçamental nacional, assinado pelo beneficiário e visado pelo chefe da Delegação.

8

Para aplicar o orçamento‑programa e cobrir todos os aspetos operacionais, foi entregue à recorrente a gestão de uma dotação financeira no montante de 2531560 euros.

9

De acordo com o contrato de serviços e com o orçamento‑programa, a recorrente executou as funções que lhe tinham sido atribuídas nos prazos fixados. Em 31 de agosto de 2012, no termo desse contrato, conforme alterado, declarou uma despesa de 475108,25 euros ao abrigo do contrato de serviços e de 1679933,71 euros no que diz respeito à execução do orçamento‑programa.

10

Em seguida, a Comissão solicitou duas auditorias: uma sobre o contrato de serviços e a outra sobre o orçamento‑programa. Os dois projetos de relatórios de auditoria, datados, respetivamente, de 12 e 25 de maio de 2014, identificaram diferentes despesas que qualificaram de despesas inelegíveis, num total de 607072,24 euros, que passaram, após correção contabilística, a 607096,08 euros para o orçamento‑programa e a 10151,17 euros para o contrato de serviços.

11

A recorrente apresentou as suas observações sobre os projetos de relatórios de auditoria em 11 de junho de 2014. A versão final desses relatórios, que foi proferida em 25 de julho de 2014, incluía as observações do auditor sobre as observações da recorrente.

12

Na sequência desses relatórios, a Delegação da União Europeia na República da Guiné‑Bissau adotou as conclusões do auditor. No entanto, antes que seja tomada uma decisão quanto à cobrança do montante relativo ao orçamento‑programa, a saber, 607096,08 euros, a recorrente foi convidada, por carta de 29 de outubro de 2014, a apresentar as suas observações à Comissão. Em 7 de novembro de 2014, a recorrente respondeu a esta carta.

13

Em 12 de dezembro de 2014, por carta assinada conjuntamente pelo chefe da Delegação e o gestor orçamental nacional, as objeções e os argumentos da recorrente foram rejeitados. Em 14 de dezembro de 2014, a recorrente contestou o teor desta carta e reiterou a sua posição.

14

Em 26 de março de 2015, a Delegação da União Europeia na República da Guiné‑Bissau enviou à recorrente a nota de débito n.o 4940150201, num montante de 607096,08 euros, com a epígrafe «Reembolso de fundos, segundo relatório de auditoria». A nota de débito foi seguida por uma carta, datada de 30 de março de 2015, nos termos da qual:

«Considerando o [o]rçamento‑[p]rograma, relativamente ao qual o relatório de auditoria estabeleceu um montante inelegível de 607072,24 euros, enviamos por correio separado uma nota de débito nesse montante. O artigo 40.o [do anexo I do contrato de serviços, relativo à resolução de litígios,] não é aplicável ao orçamento‑[p]rograma. Gostaríamos de informá‑lo de que está em curso uma avaliação técnica e que os seus resultados serão incluídos no processo.»

15

Por carta de 6 de maio de 2015, a recorrente contestou a nota de débito e a carta de acompanhamento de 30 de março de 2015. Escreveu novamente à Comissão em 22 de junho de 2015. Em 24 de junho de 2015, a Comissão remeteu à recorrente uma mensagem de correio eletrónico para a informar de que lhe seria dada uma resposta o mais rapidamente possível.

16

Uma vez que a recorrente invocou outros créditos de que dispunha sobre a Comissão, esta última decidiu determinar os montantes devidos por compensação entre créditos e dívidas pendentes, precisando que o montante a pagar, segundo a Comissão, no âmbito do orçamento‑programa foi finalmente fixado em 624388,73 euros, a fim de aí incluir 17292,65 euros de juros de mora.

17

Assim, a recorrente recebeu da Direção‑Geral (DG) «Orçamento» da Comissão seis decisões de compensação, visando a cobrança da dívida constituída pelas despesas qualificadas de «inelegíveis» no relatório de auditoria referente ao orçamento‑programa (a seguir «crédito controvertido»). As referidas decisões são as seguintes:

a decisão de 25 de agosto de 2015, que procede a uma compensação de 45581,87 euros (crédito residual sem juros: 561514,21 euros);

a decisão de 27 de agosto de 2015, que procede a uma compensação de 21639,45 euros (crédito residual sem juros: 539874,76 euros);

a decisão de 7 de setembro de 2015, que procede a uma compensação de 48715,20 euros (crédito residual sem juros: 491159,56 euros);

a decisão de 16 de setembro de 2015, que procede a uma compensação de 21857,97 euros (crédito residual sem juros: 469301,59 euros);

a decisão de 23 de setembro de 2015, que procede a uma compensação de 422302,02 euros (crédito residual sem juros: 46999,57 euros);

a decisão de 25 de setembro de 2015, que procede a uma compensação de 64292,22 euros, incluindo juros de mora de 17292,65 (extinção do crédito controvertido).

18

Após a receção da decisão de 25 de agosto de 2015, a recorrente enviou à Delegação da União Europeia na República da Guiné‑Bissau a carta de 26 de agosto de 2015, na qual recordava o teor da carta de 6 de maio de 2015 e pedia a suspensão de qualquer medida de execução da nota de débito na pendência da análise da sua posição pelos serviços da Comissão.

19

Por carta de 2 de outubro de 2015, enviada por correio eletrónico em 5 de outubro de 2015, o chefe da Delegação respondeu negativamente à recorrente, concluindo com esta frase:

«Todavia, atendendo à importância do montante controvertido, estamos a realizar estudos adicionais sobre os quais manter‑vos‑emos ao corrente.»

Quadro jurídico e contratual

20

O FED foi criado para financiar a cooperação com os Estados ACP, inicialmente num anexo ao Tratado CEE, e posteriormente em acordos internos dos Estados‑Membros reunidos no Conselho da União Europeia. Até à data, houve onze FED sucessivos e os acordos internos relativos a esses FED foram celebrados por um período correspondente à duração dos diversos acordos e convenções através dos quais a União Europeia e os seus Estados‑Membros instituíram essa parceria especial com os Estados ACP. Os montantes de que os FED foram dotados não foram incluídos no orçamento geral da União, o que explica que a gestão de cada FED tenha sido regulada por um regulamento financeiro específico.

21

O presente recurso insere‑se no quadro da aplicação do Regulamento Financeiro, de 27 de março de 2003, aplicável ao 9.o FED (JO 2003, L 83, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 309/2007 do Conselho, de 19 de março de 2007 (JO 2007, L 82, p. 1) (a seguir «Regulamento Financeiro aplicável ao nono FED»).

22

Todavia, como resulta do artigo 156.o do Regulamento (CE) n.o 215/2008 do Conselho, de 18 de fevereiro de 2008, que institui o Regulamento Financeiro aplicável ao 10.o FED (JO 2008, L 78, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 370/2011 do Conselho, de 11 de abril de 2011 (JO 2011, L 102, p. 1) (a seguir «Regulamento Financeiro aplicável ao décimo FED»), as operações financiadas a partir, designadamente, do nono FED foram sujeitas à aplicação das disposições do Regulamento Financeiro aplicável ao décimo FED, a contar da sua entrada em vigor, em 20 de março de 2008, no que respeita aos intervenientes financeiros, às receitas, às operações de liquidação, à emissão de ordens de pagamento e de pagamento das despesas, aos sistemas informáticos, à prestação de contas e ao controlo externo e à quitação.

23

Em seguida, a partir de 6 de março de 2015, as disposições do Regulamento (UE) 2015/323 do Conselho, de 2 de março de 2015, que institui o Regulamento Financeiro aplicável ao 11.o FED (JO 2015, L 58, p. 1), aplicam‑se às operações financiadas com base em FED anteriores, sem prejuízo dos compromissos jurídicos existentes. No caso em apreço, as operações financiadas pela Comissão em aplicação da convenção de financiamento foram objeto de compromissos jurídicos anteriores à entrada em vigor do Regulamento 2015/323, e, por conseguinte, não estavam sujeitas à aplicação das disposições do referido regulamento.

Contrato de serviços e orçamento‑programa

24

O contrato de serviços foi adotado em conformidade com o artigo 5.o da convenção de financiamento, nos termos do qual o gestor orçamental nacional em causa devia estabelecer contratos de serviços com os organismos selecionados, responsáveis pela elaboração dos orçamentos‑programa adequados (em primeiro lugar de «arranque», em seguida de «cruzeiro» e, por último, de «encerramento»), até 18 de dezembro de 2010.

25

Nos termos do artigo 80.o, n.o 4, do Regulamento Financeiro aplicável ao nono FED, um orçamento‑programa foi definido como um «documento que fixa os meios materiais e os recursos humanos necessários, o orçamento e as modalidades técnicas e administrativas de implementação, tendo em vista a execução de um projeto».

26

Esta definição foi também incluída no ponto 2.4.1 do Guia Prático dos procedimentos aplicáveis aos orçamentos‑programa financiados pelo FED e pelo orçamento geral da União Europeia de 2009 (a seguir «guia»).

Controlos e auditorias da Comissão

27

Os artigos 12.o e 13.o do Regulamento Financeiro aplicável ao nono FED versavam sobre o controlo exercido pela Comissão no âmbito da execução financeira dos projetos e programas apoiados pelo referido FED.

28

O artigo 13.o, n.o 3, do Regulamento Financeiro aplicável ao nono FED previa nomeadamente o seguinte:

«A execução pelos Estados ACP […] das ações financiadas pelos recursos do FED está sujeita ao controlo da Comissão, que o pode exercer quer por meio de aprovação ex ante, quer de um controlo ex post, quer de um procedimento misto […]»

29

Neste contexto, foram implementados vários sistemas de verificação e de controlo da utilização dos fundos atribuídos, a favor da Comissão, por força do artigo 18.o do anexo I da convenção de financiamento. Estava incluída, nomeadamente, a possibilidade de realizar uma auditoria completa, se necessário, com base nos documentos comprovativos das contas e nos documentos contabilísticos e em qualquer outro documento relativo ao financiamento do projeto ou do programa, até ao final de um período de sete anos a contar do último pagamento. Nos termos do artigo 18.4.o do referido anexo, os controlos e auditorias podem «estender‑se aos contratantes e subcontratantes que tenham beneficiado de fundos comunitários». A realização de auditorias financeiras estava também prevista no artigo 4.5.o do anexo II da referida convenção e no artigo 25.1.o do anexo I do contrato de serviços.

30

Por outro lado, nos termos do artigo 4.15.o do orçamento‑programa, as despesas efetuadas ao abrigo do orçamento‑programa estão igualmente sujeitas à realização de uma auditoria financeira, no âmbito da qual os auditores podem proceder a todas as verificações contabilísticas, técnicas, administrativas e jurídicas que considerem úteis ou necessárias.

Cobrança de dívidas

31

Quanto a eventuais créditos apurados pela Comissão ou pelo gestor orçamental nacional, estes foram inicialmente sujeitos à aplicação dos artigos 41.o a 47.o do Regulamento Financeiro aplicável ao nono FED, e em seguida, a partir da entrada em vigor do Regulamento Financeiro aplicável ao décimo FED, em 20 de março de 2008, dos artigos 63.o a 65.o deste último regulamento.

32

O artigo 65.o, n.o 2, do Regulamento aplicável ao décimo FED reproduzia o conteúdo do artigo 46.o, n.o 3, do Regulamento Financeiro aplicável ao nono FED. Essas disposições, bem como o artigo 80.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento (UE, Euratom) n.o 966/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, relativo às disposições financeiras aplicáveis ao orçamento geral da União e que revoga o Regulamento (CE, Euratom) n.o 1605/2002 do Conselho (JO 2012, L 298, p. 1), conferiram ao contabilista da Comissão o poder de proceder à cobrança por compensação dos créditos do FED ou da União junto de qualquer devedor que seja simultaneamente titular de um crédito certo, líquido e exigível relativamente ao FED ou à União.

Despesas inelegíveis

33

O ponto 3.3.2 do guia distinguia os tipos de despesas abrangidas por orçamentos‑programa das que são abrangidas pelos contratos de serviços, nos seguintes termos:

«No caso de operações descentralizadas indiretas privadas (FED unicamente), as despesas com pessoal da entidade em causa, bem como as suas próprias despesas de funcionamento necessárias para a execução financeira da parte “fundos para adiantamentos” da dotação dos diferentes orçamentos‑programa não podem ser financiadas pela parte “fundos para adiantamentos” da dotação dos programas, sendo cobertas pelo orçamento do contrato de prestação de serviços celebrado com esta entidade.»

34

No que diz respeito, em primeiro lugar, à restituição dos montantes concedidos ao abrigo do contrato de serviços objeto do presente recurso, o artigo 31.1.o do anexo I do referido contrato estipulava:

«O titular [do contrato de serviços] compromete‑se a reembolsar à Entidade Adjudicante os montantes que tenham sido pagos [a título do contrato de serviços] em excesso relativamente ao montante final devido, o mais tardar na data‑limite indicada na nota de débito que corresponde a 45 dias a contar da data de emissão dessa nota.»

35

A este respeito, o artigo 31.3.o do anexo I do contrato de serviços previa que a entidade adjudicante pode proceder ao reembolso dos montantes que lhe são devidos por compensação com os montantes devidos ao titular seja a que título for e, sendo caso disso, que a Comissão enquanto entidade financiadora pode sub‑rogar‑se à entidade adjudicante.

36

Em segundo lugar, no que respeita à recuperação dos montantes atribuídos no âmbito do orçamento‑programa, o artigo 4.14.o do orçamento‑programa precisa que os montantes correspondentes às despesas inelegíveis devem ser reembolsados sem demora pelo gestor de fundos para adiantamentos e pelo contabilista ou, se for caso disso, pela entidade referida no ponto 4.2. do orçamento‑programa, ou seja, a recorrente.

37

Em conformidade com o parágrafo introdutório do ponto 4 do orçamento‑programa, as disposições técnicas relativas à execução do orçamento‑programa devem respeitar as regras e procedimentos descritos no guia. O ponto 3.4.1 deste último dispõe nomeadamente o seguinte:

«A aprovação do orçamento‑programa pelo Chefe de Delegação implica o seu acordo quanto ao financiamento […] desde que sejam respeitadas as regras e procedimentos previstos no presente Guia Prático. Se estas regras e procedimentos não forem respeitados, as despesas relativas às operações em causa não serão elegíveis para financiamento da União Europeia.»

38

O ponto 4.1.2 do guia previa, além disso, que, «para serem elegíveis, as despesas devem ser ligadas à realização de ações no orçamento‑programa devidamente aprovado e previamente assinado».

Tramitação processual e pedidos das partes

39

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 3 de novembro de 2015, a recorrente interpôs o presente recurso.

40

Por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal Geral, em 22 de janeiro de 2016, a Comissão deduziu uma exceção ao abrigo do artigo 130.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral. A recorrente apresentou as suas observações sobre essa exceção em 21 de março de 2016.

41

Por Despacho de 30 de maio de 2016, a Oitava Secção do Tribunal Geral (antiga composição) decidiu julgar essa questão juntamente com a decisão de mérito.

42

A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

julgar o recurso admissível;

anular as «decisões de compensação da Comissão […] constantes das suas cartas de 25 de agosto, 27 de agosto, 7 de setembro, 16 de setembro e 23 de setembro de 2015, destinadas à cobrança do montante de 624388,73 euros»;

condenar a Comissão no pagamento de 624388,73 euros, acrescidos de juros de mora, fixados à taxa do Banco Central Europeu (BCE), acrescida de dois pontos;

condenar a Comissão na reparação dos danos morais, avaliado em um euro simbólico;

condenar a Comissão nas despesas.

43

A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

a título principal, julgar o recurso inadmissível;

a título subsidiário, declarar‑se incompetente para conhecer do recurso;

a título ainda mais subsidiário, negar provimento ao recurso;

condenar a recorrente nas despesas.

Questão de direito

Quanto ao objeto do recurso

44

No que respeita à exceção, a Comissão alega, a título liminar, que o objeto do presente recurso deve ser limitado a um pedido de anulação de cinco das seis decisões de compensação acima referidas no n.o 17, na medida em que a recorrente se absteve de contestar a decisão de 25 de setembro de 2015 na petição. Em seu entender, daí resulta que o montante a tomar em consideração no âmbito do recurso deve ser limitado a 560096,51 euros.

45

Nas suas observações sobre a exceção, a recorrente não contesta a omissão da decisão de 25 de setembro de 2015 nos pedidos constantes da petição. Indica, no entanto, que o montante cujo pagamento exige implica necessariamente a tomada em consideração dessa decisão no objeto do recurso. Além disso, a petição faz referência expressa a essa decisão como parte integrante das decisões das quais é interposto recurso.

46

Nos termos do artigo 76.o alínea d), do Regulamento de Processo, a petição inicial deve indicar o objeto do litígio, os fundamentos e argumentos invocados e a exposição sumária desses fundamentos. Esta indicação deve ser suficientemente clara e precisa para permitir à parte demandada preparar a sua defesa e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização. Daí resulta que os elementos essenciais de facto e de direito em que a ação se baseia devem decorrer de modo coerente e compreensível do texto da própria petição (v., neste sentido, Acórdão de 16 de abril de 2015, Parlamento/Conselho, C‑317/13 e C‑679/13, EU:C:2015:223, n.o 17 e jurisprudência referida).

47

No caso em apreço, na petição, a recorrente indica de forma clara e inequívoca o montante cujo reembolso solicita, que inclui o montante abrangido pela decisão de 25 de setembro de 2015. Além disso, esta decisão é aí designada pelo menos uma vez como uma das «decisões visadas pelo presente recurso».

48

Por conseguinte, a omissão da decisão de 25 de setembro de 2015 nas partes da petição relativas aos pedidos da recorrente não é relevante para o objeto do recurso.

49

[Conforme retificado por Despacho de 3 de outubro de 2018] Com efeito, resulta sem ambiguidade da leitura da petição que a argumentação da recorrente visa obter a anulação de todas as decisões de compensação referidas no n.o 17 supra, que se destinam todas a obter a cobrança do crédito controvertido, o que permite ao Tribunal Geral exercer a sua fiscalização, mas também à Comissão preparar a sua defesa. Nos seus articulados, esta última apresentou, aliás, uma resposta à referida argumentação fazendo referência à dívida na sua totalidade.

50

Daqui resulta que o presente recurso abrange todas as decisões de compensação referidas no n.o 17 supra (a seguir «decisões impugnadas»).

51

Por conseguinte, há que rejeitar o argumento suscitado a título preliminar pela Comissão na exceção segundo a qual o objeto do recurso deve ser limitado a um pedido de anulação de cinco das seis decisões impugnadas.

Quanto à competência e à admissibilidade

52

A Comissão invoca três argumentos para fundamentar a exceção.

53

Em primeiro lugar, a Comissão invoca a inadmissibilidade do recurso por falta de fundamentos específicos na petição relativos às decisões impugnadas. Alega, a este respeito, que os fundamentos suscitados pela recorrente se destinam apenas a pôr em causa o mérito do crédito controvertido, e não a regularidade jurídica e financeira dos atos de compensação que são objeto das referidas decisões.

54

Em segundo lugar, a Comissão solicita ao Tribunal Geral que se declare incompetente para conhecer do recurso, tendo em conta a circunstância das decisões impugnadas não lhe serem imputáveis. Sustenta, por um lado, que apenas interveio para assegurar o financiamento do programa e, por outro, que o contabilista se sub‑rogou ao gestor orçamental nacional, a quem continuam a ser imputáveis as referidas decisões.

55

Em terceiro lugar, a Comissão considera que a recorrente efetuou um «desvio processual». Em seu entender, as decisões impugnadas respeitam, no essencial, às relações contratuais entre a recorrente e as autoridades competentes da República da Guiné‑Bissau, de modo que a recorrente não pode, na falta de cláusula compromissória, submeter o recurso ao Tribunal Geral.

56

Nas suas observações relativas à exceção, a recorrente sustenta que é ela o destinatário das decisões impugnadas. Estas últimas não se inserem num contexto contratual e emanam da Comissão, que atua no âmbito das suas competências próprias, ao abrigo das suas prerrogativas de poder público.

57

Quanto à argumentação da Comissão segundo a qual a recorrente efetuou um «desvio processual», há que salientar que o presente recurso assenta, em parte, no artigo 263.o TFUE e tem, nomeadamente, por objeto um pedido de anulação das decisões impugnadas. A recorrente apresentou, em substância, cinco fundamentos de recurso, a saber, um fundamento relativo à «falta de base jurídica», um fundamento relativo à violação do princípio da proibição do enriquecimento sem causa, um fundamento relativo à violação do poder de apreciação nos termos dos artigos 42.o, 44.o, 45.o e 47.o do Regulamento Financeiro aplicável ao nono FED e do princípio da proporcionalidade, um fundamento relativo à violação do princípio da boa administração e um fundamento relativo a erros manifestos de apreciação da Comissão no que respeita a várias conclusões do relatório de auditoria referente ao orçamento‑programa.

58

As referências expressas ao artigo 263.o TFUE na petição e os títulos dos fundamentos nela invocados convidam, assim, o Tribunal Geral a exercer a competência em matéria de fiscalização da legalidade das decisões impugnadas. A este respeito, há que recordar que, segundo a jurisprudência, um ato pelo qual a Comissão procede, como em todas as referidas decisões, a uma compensação extrajudicial entre dívidas e créditos resultantes de diferentes relações jurídicas com a mesma pessoa constitui um ato recorrível na aceção da referida disposição. É em sede desse recurso de anulação que o Tribunal Geral deve conhecer da legalidade de uma ou mais decisões de compensação à luz dos efeitos relativos ao não pagamento efetivo das quantias em causa à recorrente (v. Acórdão de 6 de outubro de 2015, Technion e Technion Research & Development Foundation/Comissão, T‑216/12, EU:T:2015:746, n.o 53 e jurisprudência referida).

59

No entanto, ao invocar um fundamento relativo à «falta de base jurídica» e um fundamento baseado em erro manifesto de apreciação da Comissão sobre várias conclusões do relatório de auditoria referente ao orçamento‑programa, a recorrente pede, em substância, ao Tribunal Geral que declare que as decisões impugnadas não podiam ter por base o crédito controvertido. Com efeito, no âmbito do fundamento relativo à «falta de base jurídica», acusa, nomeadamente, a Comissão de a ter designado como sendo a devedora da referida dívida, cuja exigibilidade contesta.

60

Assim, o presente recurso visa, na realidade, obter não só a anulação das decisões impugnadas, a condenação da Comissão no pagamento da quantia de 624388,73 euros e a reparação do prejuízo moral da recorrente mas igualmente a declaração pelo Tribunal Geral da inexistência do crédito controvertido que a União alega deter contra a recorrente (v., por analogia, Acórdão de 6 de outubro de 2015, Technion e Technion Research & Development Foundation/Comissão, T‑216/12, EU:T:2015:746, n.os 54 e 55).

61

Ora, no que respeita à natureza do crédito controvertido, por um lado, importa observar que não existe uma relação contratual entre a União, representada pela Comissão, e a recorrente. A outra parte no contrato de serviços em execução do qual a recorrente elaborou o orçamento‑programa é o ministro da Economia e das Finanças da República da Guiné‑Bissau, e não a União, representada pela Comissão. Quanto ao orçamento‑programa, a recorrente assinalou, nas suas observações sobre a execução, que não se tratava de um contrato, mas de um documento de programação para a execução dos fundos pagos pela Comissão em conformidade com o orçamento estabelecido por ela e não criando compromissos recíprocos com a Comissão. Na audiência, a Comissão indicou que partilhava da posição da recorrente quanto a este ponto. Qualificou o orçamento‑programa de ato unilateral semelhante a uma declaração de vontade da recorrente, através da qual esta se tornou responsável pela correta execução do projeto.

62

A este respeito, importa precisar que resulta do artigo 54.o, n.o 4, do Regulamento Financeiro aplicável ao nono FED que os orçamentos‑programa constituem «compromissos jurídicos individuais» e que são celebrados pelo Estado ACP ou o país ou o território ultramarino beneficiário (PTU) ou pela Comissão em seu nome e por sua conta. Por conseguinte, a mera circunstância de o chefe da Delegação ter assinado o orçamento‑programa «para aprovação» não permite concluir que se trata de um contrato entre a recorrente e a União, representada pela Comissão, pois tal iria contradizer o próprio teor da referida disposição.

63

Além disso, o pagamento da dotação financeira alocada ao orçamento‑programa pela Comissão constituía a aplicação da obrigação de pagamento a que esta estava obrigada nos termos da alínea a) do n.o 3 do artigo 54.o do Regulamento Financeiro aplicável ao nono FED, sem que tal obrigação tenha sido prevista no orçamento‑programa. Nestas condições, os direitos da Comissão relativos aos créditos que têm por base a mesma dotação financeira também não podem decorrer do orçamento‑programa e inserem‑se exclusivamente no quadro do exercício das competências de direito da União de que a Comissão era titular nos termos dos diferentes Regulamentos Financeiros aplicáveis aos recursos atribuídos aos FED.

64

Por outro lado, há que salientar que o crédito controvertido assentava unicamente nas conclusões do relatório de auditoria relativa ao orçamento‑programa, que tinha sido elaborado nos termos do artigo 4.15.o do orçamento‑programa e do artigo 4.5.o da convenção de financiamento, sem ser feita referência às disposições do contrato de serviços. Por outro lado, resulta do ponto 2.5 desse relatório que só as despesas inelegíveis apuradas no âmbito da gestão do orçamento constituído por contribuições financeiras da União, sob a forma de fundos para adiantamentos, eram abrangidas pelo referido relatório. Este último não incluía, portanto, as despesas abrangidas pelo referido contrato, a saber, as despesas de pessoal da recorrente e as suas próprias despesas de funcionamento necessárias para a execução financeira da parte «fundos para adiantamentos» da dotação do orçamento‑programa.

65

Daqui resulta que a questão da existência da dívida controvertida não depende do contexto contratual de celebração do contrato de serviços entre a recorrente e o gestor orçamental nacional nem da interpretação das disposições de um contrato, ou de uma convenção de subvenção, celebrado entre a recorrente e a União, representada pela Comissão.

66

Nestas condições, contrariamente ao que sustenta a Comissão, a recorrente não efetuou um «desvio processual» ao apresentar o pedido de anulação das decisões impugnadas no Tribunal Geral. Com efeito, segundo a jurisprudência, os órgãos jurisdicionais da União podem ser chamados a conhecer de um recurso com fundamento no artigo 263.o TFUE se o ato impugnado se destinar a produzir efeitos jurídicos vinculativos fora da relação contratual que une as partes e que impliquem o exercício de prerrogativas de poder público conferidas à instituição na sua qualidade de autoridade administrativa (Despacho de 29 de setembro de 2016, Investigación y Desarrollo en Soluciones y Servicios IT/Comissão, C‑102/14 P, não publicado, EU:C:2016:737, n.o 55; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2015, Lito Maieftiko Gynaikologiko kai Cheirourgiko Kentro/Comissão, C‑506/13 P, EU:C:2015:562, n.o 20).

67

Por outro lado, quanto à argumentação da Comissão de que as decisões impugnadas não lhe são imputáveis na medida em que as adotou sub‑rogando‑se ao gestor orçamental nacional, há que salientar que as disposições financeiras aplicáveis aos recursos do FED, ou seja, o artigo 46.o, n.o 3, do Regulamento Financeiro aplicável ao nono FED e o artigo 80.o, n.o 1, do Regulamento Financeiro aplicável ao décimo FED, com vista à cobrança por compensação dos créditos, não previam um regime de sub‑rogação. Tal regime apenas foi previsto nos termos do artigo 31.1.o do contrato de serviços. Ora, resulta do n.o 64 supra que as disposições do referido contrato não eram aplicáveis para efeitos da cobrança do crédito controvertido. De qualquer modo, uma vez que a sub‑rogação permite a transmissão de um crédito a um sub‑rogador, que se torna titular dos direitos ligados ao crédito, há que concluir que as decisões impugnadas continuam, mesmo no caso de uma sub‑rogação, imputáveis à Comissão.

68

Por último, a argumentação da Comissão no sentido da inadmissibilidade dos pedidos de anulação da recorrente não pode ser acolhida. Nos termos do artigo 63.o, n.os 2 e 3, do Regulamento Financeiro aplicável ao décimo FED, a verificação pelo gestor orçamental e pelo contabilista competentes que o crédito é certo, líquido e exigível constitui uma condição prévia para a adoção de uma decisão de recuperação e, a fortiori, para a decisão de compensação de créditos nos termos do artigo 65.o do Regulamento Financeiro aplicável ao décimo FED. Por conseguinte, não se pode negar à recorrente a possibilidade de impugnar a existência do crédito que a Comissão detém contra si, uma vez que esta constitui a própria base jurídica das decisões impugnadas.

69

Em face do exposto, o Tribunal Geral é competente para conhecer do presente litígio. A exceção da Comissão deve ser julgada improcedente e o recurso declarado admissível na sua totalidade.

Quanto ao mérito

Quanto aos pedidos de anulação

70

O primeiro, terceiro e quinto fundamentos devem ser tratados antes do quarto fundamento, relativo à violação das garantias processuais, na medida em que se referem à «falta de base jurídica» necessária às pretensões da Comissão, bem como ao alcance do seu poder de apreciação no âmbito das disposições financeiras aplicáveis no âmbito da execução dos recursos do FED e visam demonstrar que a Comissão cometeu erros manifestos de apreciação ao aprovar determinadas conclusões do relatório de auditoria referente ao orçamento‑programa.

71

Quanto ao segundo fundamento, deve ser apreciado no âmbito da análise do pedido de restituição das quantias alegadamente decorrentes de um enriquecimento sem causa da Comissão, acrescidas de juros de mora, fixados à taxa do BCE, acrescida de dois pontos. Esse pedido será analisado na sequência dos pedidos de anulação.

– Quanto ao primeiro fundamento, relativo à «falta de base jurídica»

72

Em primeiro lugar, a recorrente alega que, nas decisões impugnadas, a Comissão não identificou qualquer «base jurídica» específica para os seus pedidos e, por conseguinte, violou o princípio da segurança jurídica. A este respeito, baseia‑se nos ofícios de 29 de outubro e 12 de dezembro de 2014 e 2 de outubro de 2015, nos quais, para justificar a existência de um crédito da União contra si, a Comissão faz referência unicamente aos artigos 28.o a 31.o das condições gerais do contrato de serviços, bem como às «disposições financeiras aplicáveis ao [nono] FED», sem qualquer outra precisão.

73

Em segundo lugar, a recorrente sustenta que não pode ser considerada devedora do crédito controvertido, na medida em que atuou como intermediária entre a Comissão e o Estado da República da Guiné‑Bissau, entidades de que é juridicamente distinta. Alega que o artigo 46.o do Regulamento Financeiro aplicável ao nono FED não permitia a cobrança de um crédito junto de uma entidade privada com intervenção no âmbito de uma operação descentralizada indireta que não fosse o beneficiário dos montantes referidos. Em seu entender, resulta do artigo 3.o do anexo I da convenção de financiamento que o Estado beneficiário continua responsável pela execução do programa perante a Comissão. A este respeito, precisa que os montantes considerados inelegíveis no âmbito do orçamento‑programa não serviram para cobrir os seus custos e não foram afetados a nenhuma margem de lucro.

74

A Comissão contesta os argumentos da recorrente. Afirma que o artigo 13.o, n.o 3, e os artigos 42.o a 47.o do Regulamento Financeiro aplicável ao nono FED conferiam ao seu contabilista poder para proceder à cobrança do crédito controvertido e constituíam, portanto, a base jurídica das decisões impugnadas. Além disso, alega que a recorrente não pode ser considerada um simples intermediário financeiro e era plenamente responsável pela gestão dos fundos atribuídos no âmbito do orçamento‑programa, em aplicação do artigo 80.o do referido regulamento, cujo n.o 3 dispunha que «o organismo [de direito privado] em causa deve assumir a gestão e execução do projeto ou programa, substituindo o gestor orçamental nacional».

75

A título preliminar, há que recordar que o princípio da segurança jurídica faz parte dos princípios gerais de direito da União, cujo respeito cabe ao Tribunal Geral assegurar. Este impõe que qualquer ato que vise produzir efeitos jurídicos retire a sua força vinculativa de uma disposição de direito da União, que deve ser expressamente referida como base legal do ato e prescreva a forma jurídica que deve revestir (v. Acórdão de 12 de dezembro de 2007, Itália/Comissão, T‑308/05, EU:T:2007:382, n.o 123 e jurisprudência referida). Esta obrigação aplica‑se a fortiori às decisões dirigidas a pessoas singulares ou coletivas referidas no artigo 288.o, quarto parágrafo, TFUE.

76

Todavia, o facto de não se fazer referência à base jurídica precisa de um ato ou de uma decisão pode não constituir um vício substancial quando essa base puder ser determinada por referência a outros elementos do ato ou da decisão em causa. A referência explícita é, no entanto, indispensável quando, na falta dela, os interessados e a jurisdição da União competente são deixados na incerteza quanto à base jurídica precisa (Acórdãos de 26 de março de 1987, Comissão/Conselho, 45/86, EU:C:1987:163, n.o 9, e de 12 de dezembro de 2007, Itália/Comissão, T‑308/05, EU:T:2007:382, n.o 124).

77

No caso em apreço, verifica‑se que as decisões impugnadas incluem, na sua nota de pé de página respetiva, uma referência expressa ao artigo 65.o do Regulamento Financeiro aplicável ao décimo FED e ao artigo 80.o do Regulamento n.o 966/2012.

78

Ora, como decorre da redação do artigo 65.o do Regulamento Financeiro aplicável ao décimo FED, esta disposição confere à Comissão, nos termos do seu n.o 2, a possibilidade de proceder à cobrança dos créditos do FED por compensação.

79

Relativamente ao artigo 80.o do Regulamento n.o 966/2012, importa salientar que o n.o 1, segundo parágrafo, desta disposição substituiu o artigo 83.o do Regulamento (CE, Euratom) n.o 2342/2002 da Comissão, de 23 de dezembro de 2002, que estabelece as normas de execução do Regulamento (CE, Euratom) n.o 1605/2002 do Conselho, que institui o Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias (JO 2002, L 357, p. 1), que se aplicava mutatis mutandis à execução do artigo 65.o, n.o 2, do Regulamento Financeiro aplicável ao décimo FED, em conformidade com o artigo 65.o, n.o 7, deste último regulamento.

80

Daqui decorre que, na medida em que as decisões impugnadas tinham por base o artigo 65.o do Regulamento Financeiro aplicável ao décimo FED e o artigo 80.o do Regulamento n.o 966/2012, não se pode acusar a Comissão de não ter cumprido a sua obrigação de indicar uma base jurídica precisa para a obtenção de compensação nas decisões impugnadas.

81

Quanto à questão de saber se a Comissão podia, com razão, invocar o crédito controvertido para efetuar os atos de compensação objeto das decisões impugnadas, na medida em que, segundo a recorrente, não identificou a «base jurídica» precisa dos seus pedidos, importa recordar que o crédito controvertido, como resulta claramente das decisões impugnadas e da nota de débito, assenta no relatório de auditoria referente ao orçamento‑programa. Ora, o ponto 2.2 do referido relatório identifica expressamente todas as disposições que estão na origem de um crédito controvertido.

82

Por outro lado, os argumentos da recorrente relativos à sua qualidade de intermediária entre a Comissão e a República da Guiné‑Bissau imputam, em substância, à Comissão a adoção das decisões impugnadas sem qualquer base jurídica que permitisse identificá‑la como a devedora do crédito controvertido e, por conseguinte, como destinatária das referidas decisões.

83

A este respeito, antes de mais, há que precisar que resulta do artigo 64.o, n.o 2, do Regulamento aplicável ao décimo FED que a Comissão pode, sem prejuízo das responsabilidades dos Estados ACP, «formalizar o apuramento de um crédito a cargo de pessoas que não sejam Estados, numa decisão que constitui título executivo em condições idênticas às previstas no artigo [299.o] do Tratado».

84

Daqui decorre que, contrariamente ao que alega a recorrente, a Comissão dispunha, nos termos do artigo 64.o, n.o 2, do Regulamento aplicável ao décimo FED, de uma base jurídica que lhe permitia apurar um crédito em relação à recorrente enquanto entidade de direito privado, distinta do Estado beneficiário, no caso concreto, a República da Guiné‑Bissau.

85

Em seguida, há que verificar se, no caso em apreço, o crédito controvertido era exigível, na aceção do artigo 63.o, n.os 2 e 3, do Regulamento Financeiro aplicável ao décimo FED, relativamente à recorrente.

86

A este respeito, há que observar que o artigo 4.14.o do orçamento‑programa previa, em termos expressos, que incumbia ao gestor de fundos ou ao contabilista designado pela recorrente, ou a esta, proceder ao reembolso dos montantes inelegíveis e que só quando estes não tinham lugar e não tinha sido obtida nenhuma garantia bancária antes do pagamento da dotação inicial é que o representante do país beneficiário, a saber, o gestor orçamental nacional, podia ser obrigado a efetuar o reembolso dessas quantias.

87

Daqui resulta que, em conformidade com o artigo 4.14.o do orçamento‑programa, a recorrente comprometeu‑se unilateralmente, ao estabelecer o orçamento‑programa, a reembolsar as despesas inelegíveis detetadas pela Comissão. Foi, portanto, com razão que a Comissão a considerou devedora do crédito controvertido.

88

Esta conclusão não pode ser posta em causa pelos pontos 2.5 e 4.1.5 do guia, que previam, respetivamente, que, «independentemente dos poderes e responsabilidades delegados, a responsabilidade financeira pela execução dos orçamentos‑programa perante a Comissão Europeia [era] sempre do representante competente do(s) país(es) beneficiário(s)» e que, «no caso da emissão de uma ordem de cobrança, o representante competente do(s) país(es) beneficiário(s) dev[ia] assegurar‑se de que a quantia em dívida [era] efetivamente reembolsada».

89

Com efeito, resulta do parágrafo introdutório do ponto 4 do orçamento‑programa que os elementos desenvolvidos neste ponto visam especificar e complementar as disposições do guia aplicáveis ao orçamento‑programa, de modo que estas não podem ser invocadas com o intuito de pôr em causa a responsabilidade financeira das entidades estabelecida pelas disposições específicas do orçamento‑programa.

90

Do mesmo modo, na medida em que a convenção de financiamento se aplica a um conjunto de programas ou projetos que não são necessariamente objeto de uma gestão descentralizada indireta privada, não pode ser invocada para contrariar o sentido dos compromissos específicos assumidos pela recorrente no âmbito do orçamento‑programa.

91

Por último, não pode ser acolhido o argumento da recorrente segundo o qual os montantes considerados inelegíveis no âmbito do orçamento‑programa não foram utilizados para cobrir os seus custos e não foram afetados a nenhuma margem de lucro. Conforme resulta do artigo 65.o, n.o 2, do Regulamento aplicável ao décimo FED, a compensação pode efetuar‑se «junto de qualquer devedor». Assim, pode referir‑se a qualquer dotação financeira da Comissão, entregue no âmbito da gestão dos recursos do FED, quer se trate ou não de montantes pagos para cobrir os custos ou a remuneração do devedor ou para lhe conferir uma margem de lucro.

92

Atendendo a todas as considerações precedentes, há que julgar improcedente o primeiro fundamento.

– Quanto ao terceiro e quinto fundamentos, relativos à violação do poder de apreciação da Comissão ao abrigo das disposições financeiras aplicáveis no âmbito da execução dos recursos do FED, à violação do princípio da proporcionalidade e a erros manifestos de apreciação relativamente a certas conclusões do relatório de auditoria referente ao orçamento‑programa

93

Com o terceiro fundamento, por um lado, a recorrente sustenta que a Comissão não exerceu o poder de apreciação que lhe foi conferido pelas disposições do Regulamento Financeiro aplicável ao nono FED, respeitantes ao apuramento e à cobrança dos créditos, lidas em conjugação com o guia, na medida em que se limitou a confirmar as apreciações do auditor sem adotar uma decisão autónoma na sequência da apresentação do relatório de auditoria referente ao orçamento‑programa.

94

Por outro lado, a recorrente alega que a Comissão violou o princípio da proporcionalidade ao não ter ponderado o impacto do crédito face ao valor do contrato de serviços e ao não ter em conta o facto de o contrato de prestação de serviços prever sanções no caso de a recorrente não cumprir as suas obrigações ao abrigo do referido contrato. A recorrente sustenta que a Comissão também não tomou em consideração o facto de as despesas consideradas inelegíveis terem sido incorridas e pagas por ela aos diferentes beneficiários finais e de o montante do crédito controvertido poder ir até 97% dos montantes pagos por ela aos referidos beneficiários.

95

A Comissão contesta os argumentos da recorrente. Considera que o relatório de auditoria referente ao orçamento‑programa estava correto e bem fundamentado, pelo que o podia aceitar, escusando‑se a comentários supérfluos. Quanto à tomada em consideração dos elementos relativos ao valor do contrato de serviços e às sanções previstas nesse mesmo contrato, recorda que o referido contrato e orçamento‑programa devem ser considerados documentos distintos.

96

Com o quinto fundamento, a recorrente alega que a Comissão cometeu erros manifestos de apreciação, na medida em que a Comissão apoiou as conclusões financeiras n.os 1, 2 e 8 do relatório de auditoria referente ao orçamento‑programa.

97

A este respeito, há que precisar que, no quadro da conclusão financeira n.o 1 do referido relatório de auditoria, intitulado «Superação de execução das rubricas orçamentais», o auditor identificou despesas inelegíveis, no montante de 200779,27 euros, por terem sido excedidas diversas rubricas do orçamento do orçamento‑programa, na sequência da reafetação de despesas inicialmente classificadas incorretamente pela recorrente.

98

No âmbito da conclusão financeira n.o 2, intitulada «Despesas relativas aos contratos de subvenção após o período das adendas n.os 1», o auditor considerou que as despesas realizadas durante o período de execução das adendas n.os 2 dos vários contratos de subvenção, no montante de 312265,42 euros, não eram elegíveis, com o fundamento de que não havia continuidade entre o termo das adendas n.os 1 (entre 24 de janeiro e 16 de abril de 2012) e o início das adendas n.os 2 (23 de maio de 2012).

99

No âmbito da conclusão financeira n.o 8, intitulada «Despesas fora do período contratual», o auditor concluiu que algumas despesas, no montante total de 32585 euros, tinham ocorrido após o final do orçamento‑programa e eram, por conseguinte, inelegíveis.

100

No que toca à conclusão financeira n.o 1, a recorrente sustenta que o ponto 3.5.2 do guia, o artigo 2.1.o do anexo I da convenção de financiamento e o artigo 4.12.o do orçamento‑programa permitiam apenas a reafetação de montantes entre as rubricas principais do orçamento ou no seio de uma mesma rubrica principal, de modo que não podia ser efetuada uma reafetação de montantes entre as rubricas do orçamento. No que respeita a alguns dos montantes reafetados, o auditor não forneceu uma fundamentação suficiente. Além disso, a recorrente afirma que, na sequência da reclassificação do montante indicado na rubrica orçamental 390000 para a rubrica orçamental 177000 pelo auditor, viu‑se obrigada a garantir os custos ligados à necessidade de, por um lado, manter depois do prazo previsto as duas primeiras garantias financeiras e, por outro, contrair uma terceira garantia financeira.

101

A Comissão alega que a dotação do orçamento‑programa deve ser considerada a soma dos seus elementos constitutivos e que as reclassificações e as correções contabilísticas introduzidas pelo auditor foram efetuadas com base numa análise rigorosa dos originais dos documentos comprovativos das despesas referidas.

102

No que toca à conclusão financeira n.o 2, a recorrente reconhece a falta de continuidade entre o termo das adendas n.os 1 e o início das adendas n.os 2 dos contratos de subvenção. Todavia, critica, em substância, a Comissão por recusar reconhecer caráter retroativo às adendas aos contratos de subvenção, que autorizou na adenda n.o 2 ao contrato de serviços para sanar o seu próprio atraso na celebração da adenda do referido contrato, o que a levou a prosseguir a execução da sua missão sem contrato de 1 de janeiro a 10 de fevereiro de 2012.

103

A Comissão sustenta que, nos termos dos artigos 11.o e 14.1.o das Condições Gerais aplicáveis aos contratos de subvenção celebrados no âmbito das ações externas à União Europeia, conforme reproduzidas pelo orçamento‑programa e anexadas a cada contrato de subvenção, o período de execução das ações em causa não podia ser legalmente prorrogado.

104

No que toca à conclusão financeira n.o 8, a recorrente alega que as despesas suportadas prendem‑se com serviços realizados durante o período do orçamento‑programa, a saber, atividades de acompanhamento e de revisão dos trabalhos efetuados no âmbito de contratos de subvenção antes do fim do período operacional, em 30 de junho de 2012.

105

A Comissão afirma que a recorrente não pode invocar que presta os serviços em causa na sua totalidade, sem fornecer os relatórios finais sobre estes serviços antes da data prevista e apresentar elementos de prova em apoio do seu pedido.

106

Importa recordar que o princípio da boa gestão financeira dos recursos da União está consagrado no artigo 4.o do Regulamento Financeiro aplicável ao nono FED e no artigo 6.o, alínea d), do Regulamento Financeiro aplicável ao décimo FED. Como resulta do artigo 11.o deste último regulamento, ele inclui os princípios de economia, eficiência e eficácia.

107

A obrigação da Comissão de velar pela boa gestão financeira dos recursos da União, em conformidade com o artigo 317.o TFUE, e a necessidade de lutar contra a fraude aos financiamentos da União conferem uma importância fundamental aos compromissos relativos às condições financeiras (Acórdão de 17 de junho de 2010, CEVA/Comissão, T‑428/07 e T‑455/07, EU:T:2010:240, n.o 126).

108

Daqui resulta que, no caso em apreço, a obrigação da recorrente de apresentar despesas realizadas durante o período de execução do projeto e em conformidade com as exigências previstas no orçamento‑programa, o guia e a convenção de financiamento constituía um compromisso fundamental, destinado a permitir à Comissão dispor dos dados necessários para verificar se as contribuições eram elegíveis para financiamento do FED e exigir, se fosse caso disso, a cobrança dos créditos apurados.

109

Em conformidade com o princípio da boa gestão financeira e, em especial, o princípio da eficácia, não se pode criticar, por outro lado, a Comissão por esta ter invocado as conclusões do relatório de auditoria referente ao orçamento‑programa para reclamar os créditos de que era titular, na qualidade de entidade financiadora, desde que estas lhe parecessem exatas e justificadas.

110

Não obstante esta consideração, resulta do artigo 63.o, n.o 1, e do artigo 65.o, n.o 2, do Regulamento Financeiro aplicável ao décimo FED que o gestor competente designado pela Comissão era obrigado a verificar a veracidade e o montante da dívida e as condições de exigibilidade e podia anular ou ajustar o montante da dívida.

111

Assim, no âmbito do exercício do seu poder de apreciação aquando da cobrança de dívidas, a Comissão não pode escapar à fiscalização jurisdicional. Se fosse esse o caso, a margem de discricionariedade do gestor orçamental competente desta última tornar‑se‑ia na realidade um poder quase arbitrário, fora do controlo do juiz da União (v., neste sentido, Acórdão de 13 de julho de 2011, Grécia/Comissão, T‑81/09, não publicado, EU:T:2011:366, n.o 142).

112

É à luz destas considerações que há que examinar se foi efetuada uma análise autónoma e suficiente nos termos das disposições do Regulamento Financeiro aplicável ao décimo FED e, em caso afirmativo, se a Comissão considerou com razão que as irregularidades financeiras cometidas pela recorrente eram de uma gravidade suficiente para tornar necessária, à luz do princípio da proporcionalidade, a recuperação da integralidade das despesas não elegíveis identificadas no relatório de auditoria relativo ao orçamento‑programa.

113

A este respeito, há que recordar que, segundo a jurisprudência, o princípio da proporcionalidade exige que os atos das instituições da União não ultrapassem os limites do que é adequado e necessário para a realização dos objetivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa, entendendo‑se que, quando se proporcione uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos pretendidos (v. Acórdão de 26 de fevereiro de 2016, Bodson e o./BEI, T‑240/14 P, EU:T:2016:104, n.o 116 e jurisprudência referida).

114

No caso em apreço, há que apreciar se os atos de compensação não excediam o que era necessário para alcançar os objetivos de boa gestão financeira e de luta contra a fraude aos financiamentos da União, tal como recordados nos n.os 105 e 106 supra, na medida em que se fundavam no crédito controvertido nomeadamente composto pelas despesas inelegíveis nos termos das conclusões n.os 1, 2 e 8 do relatório de auditoria referente ao orçamento‑programa.

115

Tratando‑se, em primeiro lugar, da conclusão financeira n.o 1 do relatório de auditoria, há que reconhecer que o argumento da recorrente, nos termos do qual alega que teve de assumir todas as despesas de garantia bancária e das outras despesas ligadas às subvenções e às garantias orçamentadas, baseia‑se em afirmações erradas. Com efeito, a reafetação efetuada pelo auditor relativamente à rubrica orçamental 177000, intitulada «Outras despesas com subvenções e garantias», consistia em deduzir um montante de 53279,17 euros, pelo que o montante total executado, após correção, ascendia a 2672,17 euros. Na sequência das correções do auditor, nenhuma despesa inelegível incumbia, portanto, à recorrente ao abrigo da rubrica orçamental 177000.

116

[Conforme retificado por Despacho de 3 de outubro de 2018] Em suma, as correções do auditor introduzidas nas diferentes rubricas orçamentais levaram à identificação de despesas inelegíveis no montante de 80988,96 euros, que aumentaram ou causaram o incumprimento de certas rubricas do orçamento (para as rubricas orçamentais 250000, 320000, 340000, 350000, 370000, 112000 e 172000). Contudo, no caso de outras rubricas do orçamento, a reatribuição efetuada pelo auditor teve como consequência reduzir o excedente orçamental (rubricas orçamentais 154000, 174000 e 360000), ou de o suprimir (para as rubricas orçamentais 152000, 156000, 177000 e 390000).

117

Na sequência das correções do auditor, o montante de 50554,74 euros foi por conseguinte deduzido do montante total correspondente aos custos adicionais imputáveis à recorrente na execução do orçamento final do orçamento‑programa. Como tal, a reafetação efetuada pelo auditor representa apenas um montante de 30434,22 euros (correspondente à diferença entre 80988,96 mil euros e 50554,74 euros) sobre o montante total de 200779,27 euros, correspondente à totalidade das despesas não elegíveis identificadas no âmbito da conclusão financeira n.o 1.

118

Daqui resulta que não se pode criticar a Comissão por ter confirmado as correções do auditor na medida em que estas representavam apenas uma parte limitada do montante total correspondente aos custos adicionais imputáveis à recorrente, cuja existência ou dimensão esta não contestou. Além disso, uma vez que essas correções foram efetuadas pelo auditor com base nos documentos e nas faturas apresentadas, no local, pela recorrente ao auditor, a Comissão não podia, em qualquer caso, efetuar um exame adequado e detalhado dos montantes afetados a cada rubrica orçamental.

119

Por conseguinte, ao aprovar a conclusão financeira n.o 1 do relatório de auditoria, a Comissão não cometeu nenhuma violação do princípio da proporcionalidade. Também não pode ser acusada de não ter procedido a uma apreciação autónoma das conclusões do auditor, na medida em que não estava na posse de todos os documentos tidos em conta pelo auditor.

120

Do mesmo modo, quanto à conclusão financeira n.o 8 do relatório de auditoria, há que considerar que, uma vez que a recorrente não foi capaz de fornecer à Comissão os relatórios finais relativos aos serviços realizados antes do final do período contratual e apenas dispunha de faturas posteriores à data de execução do orçamento‑programa, não apresentou qualquer prova que permitisse concluir pela existência de um erro manifesto de apreciação da Comissão ou de uma violação do princípio da proporcionalidade.

121

Em contrapartida, tratando‑se da conclusão financeira n.o 2 do relatório de auditoria, verifica‑se que, tal como a recorrente alegou, com razão, nos seus articulados e na audiência, a Comissão não teve em conta a circunstância de a celebração da adenda n.o 2 ao contrato de serviços ter sido igualmente objeto de um atraso, entre 1 de janeiro e 10 de fevereiro de 2012.

122

A este respeito, importa precisar que resulta de uma mensagem de correio eletrónico de 23 de janeiro de 2012 enviada à recorrente por um representante da Comissão, apresentada em anexo à petição, que a aprovação da prorrogação do contrato de serviços ainda não tinha ocorrido nessa data. Nessa mensagem, o representante da Comissão, adido para os Assuntos Políticos e as relações com os meios de comunicação social na Delegação da União Europeia na República da Guiné‑Bissau, lamentou o atraso e assegurou que a retroatividade da prorrogação do referido contrato «não estava em questão».

123

Daqui resulta que, ao ordenar a cobrança das despesas verificadas no âmbito da conclusão financeira n.o 2 do relatório de auditoria, a Comissão recusou, no essencial, alargar às adendas aos contratos de subvenção o direito à retroatividade que tinha concedido à adenda do contrato de serviços, com pleno conhecimento do caráter tardio da sua prorrogação.

124

Esta recusa podia legalmente basear‑se no texto das condições gerais aplicáveis aos contratos de subvenção celebrados no âmbito das ações externas da União Europeia, na medida em que, por um lado, nos termos do artigo 11.1.o das referidas condições gerais, a prorrogação do período de execução dos contratos de subvenção devia ser objeto de um pedido do beneficiário da subvenção, em conformidade com o artigo 9.o, que previa que «um contrato [de subvenção] não [podia] ser alterado durante o seu período de execução», e, por outro, nos termos do artigo 14.1.o dessas mesmas condições gerais, apenas os custos efetivamente incorridos durante «o período de execução da ação» podiam ser considerados elegíveis.

125

Esta recusa era no entanto suscetível de constituir uma violação do princípio da proporcionalidade, uma vez que, na mensagem de correio eletrónico de 23 de janeiro de 2012, o representante da Comissão tinha expressamente encorajado a recorrente a prosseguir a colaboração eficaz até ao termo do programa e elogiado a sua perseverança «apesar de todos os obstáculos e peripécias […] encontrados».

126

Nestas condições, e uma vez que a execução do projeto tinha por objeto in fine, nos termos do orçamento‑programa e, em especial, do seu ponto 1.5.4.3, a atribuição de subvenções pela recorrente aos beneficiários finais, a execução do projeto não podia prosseguir, segundo as garantias prestadas pela Comissão relativamente à retroatividade da adenda ao contrato de serviços, sem que a recorrente, por sua vez, garantisse a continuidade da execução dos contratos de subvenção.

127

A este respeito, importa ainda observar que as despesas inelegíveis nos termos da conclusão financeira n.o 2 representam um montante total de 312265,42 euros, que corresponde a metade do crédito controvertido e foi objeto de pagamentos aos beneficiários finais com os quais a recorrente celebrou os contratos de subvenção.

128

Tendo em conta estes elementos, há que concluir, no caso em apreço, por um lado, que não houve fraude aos financiamentos da União e, por outro, que os interesses da União relacionados com a necessidade de garantir o respeito do princípio da boa gestão financeira não foram afetados de modo significativo a este respeito.

129

Daqui resulta que a Comissão devia ter verificado, à luz das circunstâncias particulares do caso em apreço e, nomeadamente, do atraso na celebração da adenda ao contrato de serviços que lhe era imputável, bem como das consequências da decisão de cobrança para a recorrente, o caráter desproporcionado do ato de cobrança respeitante às conclusões do auditor no âmbito da conclusão financeira n.o 2 do relatório de auditoria.

130

A título subsidiário, o Tribunal Geral recorda que, quando se trata de atos ou de decisões cuja elaboração se efetua em várias fases, nomeadamente no termo de um processo interno, só constituem, em princípio, um ato impugnável as medidas que fixam definitivamente a posição da instituição no termo desse procedimento, com exclusão das medidas intermédias cujo objetivo é preparar a decisão final (v. Despacho de 8 de fevereiro de 2010, Alisei/Comissão, T‑481/08, EU:T:2010:32, n.o 48 e jurisprudência referida).

131

Como a recorrente alegou, com razão, na audiência, o relatório de auditoria não é um ato impugnável. Um relatório de auditoria mais não faz do que verificar as eventuais irregularidades já existentes, bem como os créditos daí resultantes e, como tal, não alterará em nada a situação jurídica do devedor desses créditos (v., neste sentido, Despacho de 8 de fevereiro de 2010, Alisei/Comissão, T‑481/08, EU:T:2010:32, n.o 67).

132

É, nomeadamente, por esta razão que, como resulta do n.o 107 supra e da jurisprudência (v., neste sentido, Despacho de 8 de fevereiro de 2010, Alisei/Comissão, T‑481/08, EU:T:2010:32, n.o 53), a Comissão apenas pode invocar, no quadro da adoção do ato de compensação que fixa definitivamente a sua posição, as conclusões da auditoria se estas lhe parecem corretas e justificadas. Neste contexto, a Comissão não pode eximir‑se, como fez no caso em apreço, de apreciar as conclusões do relatório de auditoria à luz do princípio da proporcionalidade.

133

Por conseguinte, há que dar provimento ao recurso com base no terceiro e quinto fundamentos, unicamente na parte em que diz respeito à conclusão financeira n.o 2 do relatório de auditoria relativo ao orçamento‑programa.

– Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do princípio da boa administração

134

A recorrente alega, no essencial, que a Comissão não respeitou as garantias processuais estabelecidas no artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

135

Em primeiro lugar, a recorrente alega que a Comissão não comunicou os fundamentos com base nos quais decidiu manter a sua posição expressa no ofício de 29 de outubro de 2014, na sequência das suas observações detalhadas, contidas na sua carta de 7 de novembro de 2014 e na sua mensagem de correio eletrónico de 14 de dezembro de 2014.

136

Em segundo lugar, a recorrente acusa a Comissão de se ter limitado a apresentar uma resposta de duas páginas à sua carta de 6 de maio de 2015, quando esta última incluía sete páginas de argumentos detalhados. Acrescenta que a referida resposta só foi comunicada por carta de 2 de outubro de 2015, ou seja, após um prazo de cinco meses, o que a terá deixado na dúvida. Nesta última carta, é, além disso, indicado que «estavam em curso estudos adicionais», o que significa que a Comissão ia prosseguir a análise do processo.

137

Em terceiro lugar, a recorrente alega que o relatório de auditoria, e, em particular, a sua conclusão financeira n.o 1, não foi acompanhado de uma fundamentação suficiente. Considera não ter estado em condições de compreender o alcance desta constatação e das decisões impugnadas e de exercer o seu direito a ser ouvida.

138

A Comissão alega que as observações da recorrente quanto ao desenrolar do procedimento que determinou o crédito controvertido e respetiva compensação por créditos que invoca estão erradas. A este respeito, recorda que a carta da recorrente de 7 de novembro de 2014 e a mensagem de correio eletrónico de 14 de dezembro de 2014 lhe foram enviados em resposta ao seu ofício de 29 de outubro de 2014, no qual comunicou a sua intenção de proceder à cobrança da referida dívida e a convidava a apresentar as suas observações.

139

Segundo a Comissão, a recorrente não apresenta nenhum elemento de prova suscetível de demonstrar que a carta de 2 de outubro de 2015 não fornecia uma resposta satisfatória às suas observações de 6 de maio de 2015. Além disso, a referência aos «estudos adicionais» em curso teria tido como único objetivo cobrir a eventualidade de novas razões justificarem a reabertura do processo.

140

Importa recordar que, nos termos do artigo 41.o, n.o 1, da Carta, «[t]odas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições, órgãos e organismos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável». O artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta precisa que este direito inclui «o direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afete desfavoravelmente».

141

Em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o respeito dos direitos de defesa exige que sejam dadas aos destinatários de decisões, que afetem de modo sensível os seus interesses, condições de darem a conhecer utilmente o seu ponto de vista (v. Acórdãos de21 de setembro de 2000, Mediocurso/Comissão, C‑462/98 P, EU:C:2000:480, n.o 36 e jurisprudência referida, e de 26 de setembro de 2013, Texdata Software, C‑418/11, EU:C:2013:588, n.o 83 e jurisprudência referida).

142

No caso em apreço, a Comissão, por carta de 29 de outubro de 2014, convidou a recorrente a, no prazo de duas semanas a contar da receção da mesma, apresentar as suas observações relativamente à sua intenção de proceder à cobrança do crédito controvertido. Em 7 de novembro e 14 de dezembro de 2014, bem como em 6 de maio e 22 de junho de 2015, a recorrente estava em condições de enviar quatro cartas à Comissão antes da adoção das decisões impugnadas. Além disso, a Comissão deixou decorrer um prazo razoável entre a carta da recorrente de 6 de maio de 2015 e a adoção das decisões impugnadas, a partir de 25 de agosto de 2015.

143

Daí decorre que a recorrente esteve em condições de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista e, portanto, de exercer o seu direito a ser ouvida antes da adoção das decisões impugnadas.

144

Esta conclusão não pode ser posta em causa pelo facto de a recorrente apenas ter obtido uma resposta à sua carta de 6 de maio de 2015 após a adoção das decisões impugnadas.

145

Com efeito, o direito de ser ouvido não inclui o direito a um debate contraditório entre o autor dos atos impugnados e o destinatário das mesmas, mas garante que qualquer pessoa tenha a possibilidade de dar a conhecer, de maneira útil e efetiva, o seu ponto de vista no decurso de um procedimento administrativo e antes da adoção de qualquer decisão suscetível de afetar desfavoravelmente os seus interesses (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de dezembro de 2014, Boudjlida, C‑249/13, EU:C:2014:2431, n.o 36, e de 9 de fevereiro de 2017, M, C‑560/14, EU:C:2017:101, n.os 25 e 31).

146

Atendendo a todas as considerações precedentes, há que concluir que a Comissão não violou o direito de a recorrente ser ouvida, consagrado no artigo 41.o, n.o 2, da Carta.

147

Além disso, quanto aos argumentos da recorrente com os quais alega que a Comissão se limitou a apresentar uma carta de duas páginas em resposta à sua carta de 6 de maio de 2015 e a responder sumariamente às suas explicações pormenorizadas de 7 de novembro e 14 de dezembro de 2014, prendem‑se antes com a apreciação do dever de fundamentação da Comissão previsto no artigo 41.o, n.o 2, da Carta e no artigo 296.o TFUE.

148

A este respeito, resulta da jurisprudência que a fundamentação exigida pelo artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE deve revelar de forma clara e inequívoca o raciocínio da instituição autora do ato, por forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização (v., neste sentido, Acórdão de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, EU:C:1998:154, n.o 63 e jurisprudência referida).

149

No âmbito de decisões individuais, o dever de fundamentar uma decisão individual tem por finalidade, além de permitir uma fiscalização jurisdicional, fornecer ao interessado indicações suficientes para saber se a decisão enferma eventualmente de um vício que permita contestar a sua validade (v. Acórdão de 29 de setembro de 2011, Elf Aquitaine/Comissão, C‑521/09 P, EU:C:2011:620, n.o 148 e jurisprudência referida).

150

No caso em apreço, a recorrente não pode basear‑se unicamente na extensão da resposta da Comissão à sua carta de 6 de maio de 2015, uma vez que esta não pode constituir, em si mesma, um elemento pertinente para determinar uma violação do dever de fundamentação na aceção do artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE. Além disso, a recorrente não pode omitir a circunstância de, como resulta das decisões impugnadas, o raciocínio da Comissão ter por base o relatório de auditoria referente ao orçamento‑programa, que foi comunicado à recorrente, bem como as explicações do auditor financeiro que dela constem.

151

De qualquer forma, a recorrente não pode pretender ter fornecido explicações pormenorizadas por carta de 7 de novembro de 2014 e mensagem de correio eletrónico de 14 de dezembro de 2014, na medida em que resulta claramente deste último que este tinha por objeto, antes de mais, solicitar que o artigo 40.o do contrato de serviços, que previa a possibilidade de uma resolução amigável, fosse aplicado a respeito do crédito controvertido. Limitava‑se a alegar que as conclusões dos relatórios de auditoria eram «erradas, juridicamente inaceitáveis, tendenciosas e decorrentes de um raciocínio unilateral», sem apresentar elementos de prova ou argumentos adicionais.

152

Foi, portanto, com razão que a Comissão considerou que podia manter a sua posição, sem apresentar motivos suplementares à recorrente na sequência das cartas ou mensagens de correio eletrónico em causa.

153

Por conseguinte, há que julgar improcedente o quarto fundamento.

Quanto aos pedidos destinados a obter a restituição de quantias alegadamente ligadas a um enriquecimento sem causa da União

154

[Conforme retificado por Despacho de 3 de outubro de 2018] Com o segundo fundamento, suscitado em apoio do pedido destinado a obter a restituição das montantes formados pelo crédito controvertido, a recorrente sustenta que, na medida em que as decisões impugnadas são desprovidas de base jurídica e tiveram como consequência melhorar o património da Comissão, num montante total de 624388,73 euros, a saber, o montante do crédito controvertido, que era de 607096,08 euros, acrescido de juros —, pode validamente pedir a restituição dos montantes relacionados com esse enriquecimento sem causa.

155

A Comissão afirma ter demonstrado que o crédito controvertido se baseava numa base jurídica sólida e era imputável à recorrente. Por isso, não pode ser invocada, no presente processo, nenhuma violação do princípio da proibição de enriquecimento sem causa.

156

Segundo jurisprudência assente, uma ação de restituição fundada em enriquecimento sem causa da União exige, para ser acolhida, a prova de um enriquecimento sem base legal válida da União e de um empobrecimento do recorrente ligado ao referido enriquecimento (v. Acórdão de 28 de julho de 2011, Agrana Zucker, C‑309/10, EU:C:2011:531, n.o 53 e jurisprudência referida).

157

Com efeito, segundo os princípios comuns aos direitos dos Estados‑Membros, o direito à restituição por parte da pessoa enriquecida depende da falta de fundamento jurídico para o enriquecimento em causa [v., neste sentido, Acórdão de 16 de dezembro de 2008, Masdar (UK)/Comissão, C‑47/07 P, EU:C:2008:726, n.os 44 a 46 e 49].

158

No caso em apreço, não se pode considerar que a compensação de créditos efetuada pela Comissão era desprovida de fundamento jurídico, na medida em que, como resulta da análise do primeiro fundamento supra, as decisões impugnadas foram adotadas em conformidade com as disposições do Regulamento Financeiro aplicável ao décimo FED e do Regulamento n.o 966/2012. Além disso, a recorrente comprometeu‑se unilateralmente, no orçamento‑programa, a reembolsar à Comissão as despesas inelegíveis para o financiamento do FED.

159

Daqui resulta que a Comissão não pode estar sujeita, em razão de um enriquecimento sem causa da União, à obrigação de restituir o montante do crédito controvertido, constituído pelas despesas inelegíveis identificadas no relatório de auditoria referente ao orçamento‑programa.

160

Em contrapartida, a Comissão deverá extrair as consequências da anulação parcial das decisões de compensação, baseada na violação do princípio da proporcionalidade.

161

Por conseguinte, há que julgar improcedente o segundo fundamento assim como o pedido destinado a obter a restituição dos montantes formados pelo crédito controvertido, acrescido de juros de mora, fixados à taxa do BCE, acrescida de dois pontos.

Quanto aos pedidos de indemnização

162

A recorrente considera que sofreu um prejuízo não patrimonial, devido à incerteza causada pelo atraso da resposta da Comissão à sua correspondência de 6 de maio de 2015 e uma ofensa à sua imagem e à sua reputação. Alega que as decisões impugnadas puseram em causa a sua legitimidade enquanto agente e parceiro habitual da Comissão.

163

A Comissão alega que o pedido de indemnização da recorrente é puramente simbólico e não cumpre os três requisitos previstos nos artigos 268.o e 340.o TFUE, segundo os quais há que demonstrar a ilegalidade do comportamento censurado à Comissão, a existência de um dano real e um nexo de causalidade entre o comportamento em causa e o prejuízo invocado.

164

No que respeita à indemnização simbólica pelo prejuízo não patrimonial, resulta do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE que a responsabilização da União a título de responsabilidade extracontratual e o exercício do direito ao ressarcimento do prejuízo sofrido estão subordinados a um conjunto de requisitos relativos à ilegalidade do comportamento censurado às instituições, à efetividade do dano e à existência de um nexo de causalidade entre esse comportamento e o prejuízo invocado. Não se pode considerar que a União incorre em responsabilidade sem estarem preenchidos todos os requisitos a que está subordinada a obrigação de ressarcimento definida na referida disposição (v. Acórdão de 11 de dezembro de 2014, Heli‑Flight/AESA, T‑102/13, EU:T:2014:1064, n.o 116 e jurisprudência referida).

165

Por outro lado, a anulação de um ato ferido de ilegalidade pode constituir em si mesma a reparação adequada e, em princípio, suficiente de quaisquer prejuízos morais que esse ato possa ter causado, a menos que o recorrente demonstre ter sofrido um prejuízo moral independente da ilegalidade que fundamenta a anulação e insuscetível de ser integralmente reparado por essa anulação (v. Acórdão de 14 de setembro de 2017, Bodson e o./BEI, T‑504/16 e T‑505/16, EU:T:2017:603, n.o 77 e jurisprudência referida).

166

[Conforme retificado por Despacho de 3 de outubro de 2018] No caso em apreço, importa salientar, em primeiro lugar, no que respeita à ilegalidade do comportamento censurado à Comissão, que a recorrente não invoca qualquer outro elemento para além dos fundamentos invocados em apoio do pedido de anulação, em segundo lugar, que só o terceiro e quinto fundamentos foram parcialmente acolhidos e, em terceiro lugar, que a anulação das decisões impugnadas constitui, em si, uma reparação adequada do prejuízo moral invocado, na medida em que a recorrente não apresentou nenhum elemento de prova suscetível de demonstrar a existência de um prejuízo moral independente da ilegalidade que fundamenta a anulação parcial das decisões impugnadas.

167

Atendendo a todas as considerações precedentes, há que julgar improcedente o pedido de indemnização da recorrente.

Quanto às despesas

168

Nos termos do artigo 134.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, se as partes obtêm vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas.

169

No caso em apreço, na medida em que as decisões impugnadas devem ser anuladas apenas parcialmente, o Tribunal Geral decide que cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

decide:

 

1)

As decisões de compensação constantes das cartas da Comissão Europeia de 27 de agosto, 7, 16, 23 e 25 de setembro de 2015, visando a cobrança do montante de 624388,73 euros, correspondente ao montante de uma parte dos adiantamentos pagos à recorrente no quadro de um programa de apoio às iniciativas culturais na Guiné‑Bissau, financiado pelo nono Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED), acrescido de juros de mora, são parcialmente anuladas, na medida em que preveem a restituição de um montante de 312265,42 euros, correspondente ao montante de despesas inelegíveis identificadas na conclusão financeira n.o 2 do relatório de auditoria FED 2007/20859 relativo ao orçamento‑programa de cruzeiro e de encerramento com a referência FED/2010/249‑005.

 

2)

É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

 

3)

A Comissão e a Transtec suportarão cada uma as suas próprias despesas.

 

Pelikánová

Valančius

Öberg

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 3 de julho de 2018.

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: francês.

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