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Document 62009CJ0521

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 29 de Septembro de 2011.
Elf Aquitaine SA contra Comissão Europeia.
Recurso de decisão do Tribunal Geral - Acordos, decisões e práticas concertadas - Artigos 81.º CE e 53.º do Acordo EEE - Mercado europeu do ácido monocloroacético - Regras relativas à imputabilidade das práticas anticoncorrenciais de uma filial à sua sociedade-mãe - Presunção do exercício efectivo de uma influência determinante - Direitos de defesa - Dever de fundamentação.
Processo C-521/09 P.

European Court Reports 2011 I-08947

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2011:620

Processo C‑521/09 P

Elf Aquitaine SA

contra

Comissão Europeia

«Recurso de decisão do Tribunal Geral – Acordos, decisões e práticas concertadas – Artigos 81.° CE e 53.° do Acordo EEE – Mercado europeu do ácido monocloroacético – Regras relativas à imputabilidade das práticas anticoncorrenciais de uma filial à sua sociedade‑mãe – Presunção do exercício efectivo de uma influência determinante – Direitos de defesa – Dever de fundamentação»

Sumário do acórdão

1.        Recurso de decisão do Tribunal Geral – Fundamentos – Fundamento apresentado pela primeira vez no âmbito do recurso – Inadmissibilidade

(Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, artigo 113.°, n.° 2)

2.        Concorrência – Regras da União – Infracções – Imputação – Sociedade‑mãe e filiais – Unidade económica – Critérios de apreciação – Presunção de influência determinante exercida pela sociedade‑mãe sobre as filiais por ela detidas a 100%

(Artigo 101.° TFUE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2)

3.        Concorrência – Regras da União – Infracções – Imputação – Sociedade‑mãe e filiais – Unidade económica – Critérios de apreciação – Presunção de influência determinante exercida pela sociedade‑mãe sobre as filiais por ela detidas a 100% – Carácter ilidível

(Artigo 101.° TFUE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2)

4.        Concorrência – Procedimento administrativo – Comunicação de acusações – Acesso ao processo – Objecto – Respeito dos direitos de defesa – Alcance

(Artigo 81.° CE)

5.        Concorrência – Procedimento administrativo – Respeito dos direitos de defesa – Observância de um prazo razoável

(Artigo 81.° CE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho)

6.        Actos das instituições – Fundamentação – Dever – Alcance

(Artigos 81.° CE e 253.° CE)

7.        Actos das instituições – Fundamentação – Dever – Alcance – Decisão que aplica coimas por infracção às regras da concorrência e que diz respeito a vários destinatários

(Artigos 81.° CE e 253.° CE)

1.        No recurso, não pode ser modificado o objecto do litígio submetido ao Tribunal Geral. Em sede de recurso de uma decisão do Tribunal Geral, a competência do Tribunal de Justiça encontra‑se efectivamente limitada à apreciação da solução jurídica dada aos fundamentos debatidos em primeira instância. Por conseguinte, uma parte não pode modificar o objecto do litígio, pois isso equivaleria a permitir‑lhe submeter ao Tribunal de Justiça, cuja competência em segunda instância é limitada, um litígio mais amplo do que o que foi submetido ao Tribunal Geral. Tal fundamento deve, por conseguinte, ser declarado inadmissível na fase do presente recurso.

(cf. n.os 35, 51, 78)

2.        O conceito de empresa abrange qualquer entidade que exerça uma actividade económica independentemente do seu estatuto jurídico e do seu modo de financiamento. A este respeito, por um lado, o conceito de empresa, no contexto do direito da concorrência da União, deve ser entendido no sentido de que designa uma unidade económica, mesmo que, do ponto de vista jurídico, essa unidade económica seja constituída por várias pessoas singulares ou colectivas, e, por outro, quando tal entidade económica infringe as regras da concorrência, incumbe‑lhe, de acordo com o princípio da responsabilidade pessoal, responder por essa infracção. O comportamento de uma filial pode ser imputado à sociedade‑mãe quando, designadamente, embora tendo uma personalidade jurídica distinta, esta filial não determina de forma autónoma o seu comportamento no mercado, mas aplica, no essencial, as instruções que lhe são dadas pela sociedade‑mãe, atendendo em especial aos vínculos económicos, organizacionais e jurídicos que unem essas duas entidades jurídicas.

No caso especial em que uma sociedade‑mãe detém 100% do capital da sua filial que cometeu uma infracção às regras da concorrência da União, por um lado, essa sociedade‑mãe pode exercer uma influência determinante no comportamento dessa filial e, por outro, existe uma presunção ilidível segundo a qual essa sociedade‑mãe exerce efectivamente essa influência. Nestas condições, basta que a Comissão prove que a totalidade do capital de uma filial é detida pela sua sociedade‑mãe para se presumir que esta exerce uma influência determinante na política comercial dessa filial. A Comissão pode, em consequência, considerar que a sociedade‑mãe é solidariamente responsável pelo pagamento da coima aplicada à sua filial, a menos que essa sociedade‑mãe, à qual incumbe ilidir a presunção, apresente elementos de prova suficientes susceptíveis de demonstrar que a sua filial se comporta de forma autónoma no mercado.

(cf. n.os 53‑54, 56‑57, 80, 96)

3.        A presunção do exercício efectivo de uma influência determinante que uma sociedade‑mãe pode exercer no comportamento de uma filial da qual detém 100% do capital tem nomeadamente por objectivo encontrar um equilíbrio, por um lado, entre a importância do objectivo de reprimir os comportamentos contrários às regras de concorrência, em particular o artigo 101.° TFUE, e prevenir a sua reprodução e, por outro, as exigências decorrentes de certos princípios gerais de direito da União como, nomeadamente, os princípios da presunção de inocência, da pessoalidade das penas e da segurança jurídica, bem como os direitos de defesa, incluindo o princípio da igualdade de armas. É, nomeadamente, por esta razão que, a presunção em causa é ilidível. Esta presunção baseia‑se numa constatação nos termos da qual, excepto em circunstâncias verdadeiramente excepcionais, uma sociedade que detenha a totalidade do capital de uma filial pode, pela simples razão desta participação no capital, exercer uma influência determinante no comportamento da filial e, por outro, que o motivo para o não exercício efectivo deste poder de influência pode, regra geral, ser utilmente procurado na esfera das entidades em relação às quais a presunção se aplica.

Neste contexto, se, para ilidir a presunção em causa, fosse suficiente que o interessado emitisse simples afirmações não sustentadas, a mesma seria amplamente privada da sua utilidade. Além do mais, ainda que seja difícil de ilidir, permanece dentro de limites razoáveis se for proporcionada ao objectivo legítimo prosseguido, se existir a possibilidade de produzir prova em contrário e se os direitos de defesa forem assegurados.

(cf. n.os 59‑62)

4.        No que respeita ao processo de aplicação do artigo 81.° CE, o procedimento administrativo na Comissão divide‑se em duas fases distintas e sucessivas, obedecendo cada uma delas a uma lógica interna própria, a saber, uma fase de instrução preliminar, por um lado, e uma fase contraditória, por outro. A fase de instrução preliminar, que se estende até à comunicação de acusações, visa permitir que a Comissão reúna todos os elementos pertinentes que confirmam ou não a existência de uma infracção às regras de concorrência e que tome uma primeira posição sobre a orientação bem como sobre o seguimento a dar ao processo. Quanto à fase contraditória, que vai desde a comunicação de acusações à adopção da decisão final, deve permitir à Comissão pronunciar‑se definitivamente sobre a infracção criticada.

No que respeita à fase de instrução preliminar, a mesma tem como ponto de partida a data em que a Comissão toma medidas, no exercício dos poderes que lhe foram conferidos pelo legislador da União, que implicam a censura da prática de uma infracção e que têm repercussões importantes na situação das entidades suspeitas. Apenas no início da fase contraditória administrativa é que a entidade em causa é informada, através da comunicação de acusações, de todos os elementos essenciais nos quais a Comissão se baseou nesta fase do processo. Por conseguinte, apenas após o envio da comunicação de acusações é que a empresa em causa pode fazer valer plenamente os direitos de defesa.

(cf. n.os 113‑115)

5.        No que respeita ao processo de aplicação do artigo 81.° CE, importa evitar que os direitos de defesa possam ficar irremediavelmente comprometidos nesta fase do procedimento administrativo, uma vez que as medidas de instrução adoptadas podem ser decisivas para a produção de provas da natureza ilegal dos comportamentos das empresas, susceptíveis de implicar a sua responsabilidade.

Assim, o exame da origem dos eventuais obstáculos ao exercício eficaz dos direitos de defesa não se deve limitar à fase contraditória do procedimento administrativo devendo alargar‑se a todo o procedimento cobrindo a duração total do mesmo.

Contudo, a Comissão não está sempre obrigada, antes da primeira medida adoptada em relação a determinada entidade, a avisar essa entidade da própria possibilidade das medidas de instrução ou das acusações baseadas no direito da concorrência da União, sobretudo se, com tal aviso, a eficácia do inquérito da Comissão puder ficar indevidamente comprometida.

Além disso, o princípio da responsabilidade pessoal não se opõe a que a Comissão pretenda começar por punir a sociedade autora de uma infracção às regras da concorrência antes de verificar se, eventualmente, a infracção pode ser imputada à sua sociedade‑mãe.

Assim, desde que, durante o procedimento administrativo contraditório, seja proporcionada ao destinatário de uma comunicação de acusações a possibilidade de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a existência e a pertinência dos factos bem como a respeito das circunstâncias alegadas pela Comissão, esta última não está em princípio obrigada a dirigir uma medida de inquérito a esse destinatário antes do envio da comunicação de acusações.

(cf. n.os 117‑122)

6.        O dever de fundamentar uma decisão individual tem por finalidade, além de permitir uma fiscalização jurisdicional, fornecer ao interessado indicações suficientes para saber se a decisão enferma eventualmente de um vício que permita contestar a sua validade. A fundamentação deve pois, em princípio, ser comunicada ao interessado, ao mesmo tempo que a decisão de acusação. A falta de fundamentação não pode ser considerada sanada pelo facto de o interessado tomar conhecimento dos fundamentos da decisão no decurso do processo perante os órgãos jurisdicionais da União.

A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço, designadamente do conteúdo do acto, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas a quem o acto diga directa e individualmente respeito podem ter em obter explicações. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto satisfaz as exigências do artigo 253.° CE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa. No entanto, a fundamentação de um acto deve ser lógica e não deve apresentar, nomeadamente, contradições internas que constituam um entrave à compreensão dos motivos que subjazem a este acto.

(cf. n.os 148‑151)

7.        Quando uma decisão de aplicação das regras da União em matéria de direito da concorrência diga respeito a uma pluralidade de destinatários e à imputabilidade da infracção, essa decisão deve ser suficientemente fundamentada no que diz respeito a cada um dos destinatários, particularmente daqueles que, nos termos dessa decisão, podem ser considerados responsáveis pela infracção. Assim, relativamente a uma sociedade‑mãe responsabilizada pelo comportamento ilícito da sua filial, a decisão deve, em princípio, conter uma exposição circunstanciada dos fundamentos susceptíveis de justificar a imputabilidade da infracção a esta sociedade. Em particular, no que respeita a uma decisão da Comissão que assenta exclusivamente, em relação a certos destinatários, na presunção do exercício efectivo de uma influência determinante, importa referir que, de qualquer modo, a Comissão está obrigada – sob pena de tornar esta presunção inilidível na prática – a expor de forma adequada a esses destinatários as razões pelas quais os elementos de facto e de direito invocados não foram suficientes para ilidir a referida presunção. O dever de a Comissão fundamentar as suas decisões a este respeito resulta, nomeadamente, do carácter ilidível da referida presunção, cuja inversão exige que os interessados produzam prova dos vínculos económicos, organizacionais e jurídicos entre as sociedades em causa. Assim sendo, importa recordar que, a Comissão não está, porém, obrigada, nesse contexto, a tomar posição sobre elementos manifestamente despropositados, desprovidos de significado ou claramente secundários.

Além disso, embora uma decisão da Comissão que se situe na linha de uma prática decisória constante possa ser fundamentada de forma sumária, nomeadamente fazendo referência a essa prática, quando a mesma vai sensivelmente mais longe que as decisões anteriores, a Comissão deve desenvolver o seu raciocínio de forma explícita.

Nestas condições, incumbia ao Tribunal de Primeira Instância dar especial atenção à questão de saber se uma decisão que aplica uma coima a uma empresa composta por uma sociedade‑mãe e pela sua filial, e que imputa à primeira os actos da segunda, por violação das regras da concorrência, contém uma exposição circunstanciada dos motivos pelos quais a Comissão considerava que os elementos apresentados pela recorrente não eram suficientes para ilidir a presunção aplicada nessa decisão. Num determinado caso particular, o Tribunal de Primeira Instância, comete um erro de direito ao não penalizar a falta de fundamentação de que padece uma decisão da Comissão que apenas consiste numa série de simples afirmações e negações, repetitivas e de forma alguma circunstanciadas. Com efeito, dada a falta de precisões complementares, essa série de afirmações e de negações não permite aos interessados conhecerem as justificações da medida tomada, ou ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização.

(cf. n.os 152‑155, 167‑170)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

29 de Setembro de 2011 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral – Acordos, decisões e práticas concertadas – Artigos 81.° CE e 53.° do Acordo EEE – Mercado europeu do ácido monocloroacético – Regras relativas à imputabilidade das práticas anticoncorrenciais de uma filial à sua sociedade‑mãe – Presunção do exercício efectivo de uma influência determinante – Direitos de defesa – Dever de fundamentação»

No processo C‑521/09 P,

que tem por objecto um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância (actualmente Tribunal Geral), interposto ao abrigo do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, entrado em 11 de Dezembro de 2009,

Elf Aquitaine SA, com sede em Courbevoie (França), representada por E. Morgan de Rivery, S. Thibault‑Liger e E. Lagathu, avocats,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por A. Bouquet e F. Castillo de la Torre, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: J. N. Cunha Rodrigues, presidente de secção, A. Arabadjiev, A. Rosas, A. Ó Caoimh (relator) e P. Lindh, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: B. Fülöp, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 25 de Novembro de 2010,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 17 de Fevereiro de 2011,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso, a sociedade Elf Aquitaine SA (a seguir «Elf Aquitaine» ou «recorrente») pede ao Tribunal de Justiça a anulação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias, de 30 de Setembro de 2009, Elf Aquitaine/Comissão (T‑174/05, a seguir «acórdão recorrido»), que negou provimento ao recurso da recorrente que tinha por objecto, a título principal, a anulação da Decisão C (2004) 4876 final da Comissão, de 19 de Janeiro de 2005, relativa a um processo de aplicação dos artigos 81.° [CE] e 53.° do Acordo EEE (processo COMP/E‑1/37.773 – AMCA) (a seguir «decisão controvertida») e, a título subsidiário, a anulação ou redução do montante da coima que lhe foi aplicada.

 Antecedentes do litígio e da decisão controvertida

2        Decorre das informações que figuram nos n.os 3 a 7 do acórdão recorrido, que o inquérito da Comissão Europeia sobre o cartel do ácido monocloroacético (a seguir «AMCA») teve início em finais de 1999, na sequência da denúncia de uma das empresas participantes no cartel. Em 14 e 15 de Março de 2000, a Comissão efectuou buscas nas instalações, entre outras, de uma filial da recorrente. Em 7 e 8 de Abril de 2004, enviou uma comunicação de acusações a doze sociedades, entre as quais a Elf Aquitaine e a referida filial (anteriormente denominada Elf Atochem SA, depois Atofina SA e, no momento do presente recurso, Arkema SA (a seguir «Atofina» ou «Arkema»).

3        Resulta do n.° 8 do acórdão recorrido que, na decisão controvertida, a Comissão considerou, no essencial, que as empresas em causa na decisão tinham participado num cartel, em violação do artigo 81.° CE.

4        Como resulta dos n.os 9 a 12 do acórdão recorrido, na decisão controvertida, a Comissão, rejeitando os argumentos em contrário avançados pela Elf Aquitaine, entendeu que o facto de esta última deter 98% das acções da Atofina era suficiente para lhe imputar a responsabilidade pelos actos da filial. Além disso, considerou que o facto de a Elf Aquitaine não ter participado na produção e na comercialização do AMCA não impedia que fosse considerada uma única entidade económica em conjunto com as unidades operativas do grupo.

5        Resulta do n.° 30 do acórdão recorrido que a coima aplicada na decisão controvertida à Elf Aquitaine e à Arkema, a título de responsabilidade conjunta e solidária, ascende a 45 milhões de euros.

 Recurso no Tribunal de Primeira Instância e acórdão recorrido

6        Com o acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância julgou improcedentes todos os onze fundamentos invocados e condenou a recorrente nas despesas. O Tribunal fez, designadamente, as considerações a seguir expostas.

7        Com o seu primeiro fundamento, a recorrente alegou que a decisão controvertida violava duplamente os seus direitos de defesa, na medida em que, por um lado, tinha sido adoptada na sequência de um procedimento no âmbito do qual o princípio da igualdade de armas foi violado (primeira parte) e, por outro, tinha sido adoptada pela Comissão em desrespeito da obrigação de atender aos elementos resultantes do procedimento administrativo (segunda parte).

8        Nos n.os 54 a 72 do acórdão recorrido, ao julgar integralmente improcedente o primeiro fundamento, o Tribunal declarou:

«64      Importa igualmente julgar improcedente o fundamento segundo o qual a imputação à recorrente da responsabilidade pela infracção cometida pela Arkema não se encontra suficientemente fundamentada na decisão [controvertida] de forma a justificar a sua responsabilidade. Com efeito, resulta expressamente [...] d[esta] decisão [...] que a Comissão recordou os princípios aplicáveis à imputação das infracções cometidas pelas filiais às suas sociedades‑mãe. O facto de a Comissão não ter conduzido nenhum inquérito a seu respeito, de não lhe ter dirigido nenhum pedido de informações e de não a ter contactado antes do envio da comunicação de acusações, não pode pôr em causa o facto de que a Comissão a podia informar das acusações formuladas contra si, pela primeira vez, na comunicação de acusações. Com efeito, a recorrente pôde dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista, durante o procedimento administrativo, a respeito da existência e pertinência dos factos e a respeito das circunstâncias alegadas pela Comissão na sua comunicação de acusações, tanto na sua resposta a essa comunicação de acusações, como durante a sua audição junto do consultor‑auditor.»

9        Ao julgar improcedente o segundo fundamento invocado, baseado em fundamentação insuficiente, o Tribunal declarou o seguinte:

«85      [...], decorre do considerando 258 da decisão [controvertida] que ‘a Comissão considera que o facto de a Elf Aquitaine deter 98% das acções da Atofina é suficiente, por si só, para imputar à Elf Aquitaine a responsabilidade pelos actos da Atofina. A Comissão considera que os argumentos referidos [pela Elf Aquitaine] não são prova bastante para afastar a presunção baseada na detenção de 98% das acções’. No mesmo considerando, a Comissão precisa que ‘esses argumentos são afirmações que não ilidem a presunção de que a Elf Aquitaine é responsável pelos actos da sua filial Atofina’ e que não considera que ‘documentos que dão uma visão geral da gestão comercial sejam suficientes para afastar a presunção’.

86      Há que constatar, que embora tenha expressamente afirmado, no considerando 258 da decisão [controvertida], que a detenção de 98% do capital era suficiente para imputar à Elf Aquitaine a responsabilidade pelos actos da Atofina, a Comissão precisou contudo, na sequência do referido considerando, que as provas apresentadas pela recorrente não permitiam ilidir a presunção. Ora, tais considerações estão na linha da jurisprudência comunitária relativa à imputação à sociedade‑mãe dos comportamentos infractores da sua filial. Daqui resulta que o raciocínio da Comissão é suficientemente explícito e permite a compreensão dos motivos pelos quais afastou os argumentos avançados pela Elf Aquitaine.

87      Quanto à alegada falta de fundamentação das razões pelas quais os argumentos da Elf Aquitaine foram rejeitados, há que constatar que, no considerando 257 da decisão [controvertida], a Comissão fez referência aos referidos argumentos tal como tinham sido expostos pela Elf Aquitaine na sua resposta à comunicação de acusações. A Comissão deu‑lhes resposta nos considerandos 258 a 261 da decisão [controvertida].

88      Em particular, importa realçar que a Comissão considerou que a Elf Aquitaine se tinha limitado a formular afirmações e que os documentos que fornecera apenas davam uma visão geral da gestão comercial da sociedade.

89      Esta resposta aos argumentos avançados pela Elf Aquitaine, ainda que sucinta, permite entender as razões pelas quais a Comissão os rejeitou. Com efeito, a Comissão respondeu aos pontos essenciais dos argumentos da Elf Aquitaine levando em consideração todos os elementos de prova por ela apresentados.

90      De qualquer modo, não incumbia à Comissão responder a todas as objecções da recorrente. Com efeito, a Comissão não é obrigada a tomar posição sobre todos os argumentos invocados perante ela pelos interessados, bastando‑lhe expor os factos e considerações jurídicas que assumam uma importância essencial na economia da decisão [...].»

10      Nos n.os 97 a 99 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância julgou improcedente o terceiro fundamento, baseado na contradição de fundamentos entre a imputação da infracção à Elf Aquitaine e o reconhecimento de um nível de responsabilidade pouco elevado da participação da Atofina na infracção. A este respeito, considerou, nomeadamente, no n.° 97 do acórdão recorrido, que:

«[…] pouco importa o nível de responsabilidade pessoal de quem participou no acordo, na medida em que não é uma relação de incentivo à infracção entre a sociedade‑mãe e a filial nem, por maioria de razão, uma implicação da primeira na referida infracção, mas o facto de constituírem uma única empresa na acepção do artigo 81.° CE que permite que a Comissão dirija à sociedade‑mãe a decisão que aplica coimas. Por conseguinte, o facto de a sociedade‑mãe não ter conhecimento da infracção cometida pela sua filial não é suficiente para afastar a sua responsabilidade.»

11      Semelhante raciocínio surge, noutros contextos, nos n.os 52, 167 e 186 do acórdão recorrido.

12      Como resulta do n.° 100 do acórdão recorrido, o quarto fundamento invocado no Tribunal de Primeira Instância, baseado numa violação das regras que regulam a imputabilidade a uma sociedade‑mãe das infracções cometidas pela sua filial, dividia‑se em três partes.

13      No âmbito da primeira parte, a recorrente defendeu, em particular, que a Comissão não goza de uma margem discricionária para determinar o critério pertinente da imputabilidade das infracções.

14      O Tribunal de Primeira Instância julgou improcedente esta parte do fundamento nos n.os 105 a 109 do acórdão recorrido. No n.° 105 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância observou que:

«[...] a Comissão não alega dispor de um poder discricionário para imputar a uma sociedade a responsabilidade pelas infracções cometidas por outra sociedade. Com efeito, apesar de a Comissão ter afirmado, no considerando 260 da decisão [controvertida], que dispunha de ‘uma margem discricionária a respeito da imputação da responsabilidade à sociedade‑mãe em tais circunstâncias’, só o fez depois de ter sublinhado, no considerando 258 da decisão [controvertida], que a recorrente não tinha conseguido ilidir a presunção de autonomia da sua filial. Além disso, decorre claramente da decisão [controvertida] que a observação formulada no considerando 260 apenas visava afastar o argumento baseado na não imputação, nas decisões anteriores dirigidas à Atofina, do comportamento desta última à sociedade‑mãe. Além do mais, durante a audiência e nos seus articulados, a Comissão indicou que considerava efectivamente que a sua margem de apreciação intervém na fase em que, podendo imputar a responsabilidade por uma infracção a várias sociedades de um grupo, decide imputá‑la a todas as sociedades do grupo ou apenas às que participaram directamente na infracção.»

15      Nos n.os 121 a 126 do acórdão recorrido, o Tribunal julgou improcedente a segunda parte do quarto fundamento, baseado no facto de a aplicação da presunção de imputabilidade, não fundada em elementos de prova concretos, violar o princípio da autonomia da filial.

16      A terceira parte do quarto fundamento baseava‑se numa violação do regime probatório aplicável à imputabilidade das infracções no interior dos grupos de sociedades. Esta parte do fundamento foi julgada improcedente pelo Tribunal de Primeira Instância nos n.os 150 a 176 do acórdão recorrido.

17      Neste contexto, no n.° 157 do acórdão recorrido, o Tribunal decidiu que:

«[...] o argumento da recorrente nos termos do qual a Comissão violou o regime probatório aplicável à imputabilidade das infracções no interior dos grupos de sociedades não pode ser acolhido. Com efeito, na medida em que era a Elf Aquitaine que detinha a quase totalidade do capital à época da infracção, a Comissão podia acertadamente presumir a sua falta de autonomia e considerar que pertencia à Elf Aquitaine apresentar elementos de prova que demonstrassem que a sua filial determinava de forma autónoma a sua linha de actuação no mercado.»

18      No n.° 158 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância considerou que era neste contexto que deviam ser analisados os elementos de prova apresentados pela Elf Aquitaine para ilidir a presunção aplicada pela Comissão. Para esse efeito, observou o seguinte no n.° 159 do acórdão recorrido:

«[...] no considerando 257 da decisão [controvertida], a Comissão reproduz os argumentos apresentados pela Elf Aquitaine na sua resposta à comunicação de acusações, nomeadamente os argumentos segundo os quais a Elf Aquitaine nunca tinha participado, directa ou indirectamente, no acordo sobre o AMCA, era uma ‘holding pura’ sem funções operacionais, a Atofina gozava de completa autonomia no que respeita à sua política comercial e ao seu comportamento no mercado, referindo‑se os documentos do processo da Comissão exclusivamente à Atofina, e os terceiros consideravam igualmente que apenas a Atofina operava no mercado. No considerando seguinte, a Comissão concluiu que estes argumentos eram meras afirmações que não ilidiam a presunção de que a Elf Aquitaine era responsável pelos actos da sua filial, tendo sublinhado que documentos que fornecem uma visão geral da gestão comercial não são suficientes para ilidir a referida presunção.»

19      Em seguida, nos n.os 160 a 176 do acórdão recorrido, o Tribunal julgou improcedentes vários argumentos invocados pela recorrente destinados a ilidir a presunção que lhe tinha sido aplicada na decisão controvertida.

20      Nos n.os 184 a 188 e 192 a 199 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância julgou improcedentes as três partes do quinto fundamento, baseadas, respectivamente, na violação dos princípios da responsabilidade pessoal, da legalidade e da presunção de inocência.

21      Nos n.os 200 a 207 do acórdão recorrido, o Tribunal julgou improcedente o sexto fundamento, baseado na violação do princípio da boa administração.

22      Como decorre do n.° 208 do acórdão recorrido, com o sétimo fundamento invocado no Tribunal, a recorrente defendeu que a nova abordagem da Comissão, a respeito do critério de imputabilidade das infracções das filiais de grupos às suas sociedades‑mãe, tal como aplicado na decisão controvertida, criava insegurança jurídica, devendo o Tribunal anular a decisão controvertida na parte em que esta dizia respeito à recorrente. Com efeito, a Comissão tinha aplicado critérios de imputabilidade diferentes dos que tinha aplicado na decisão controvertida à Akzo Nobel NV e à Clariant AG e dos que tinha aplicado à Atofina na sua Decisão C (2003) 4570 final, de 10 de Dezembro de 2003, relativa um processo de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do Acordo EEE (processo COMP/E‑2/37.857 – Peróxidos orgânicos) (resumo publicado no JO 2005, L 110, p. 44, a seguir «decisão peróxidos orgânicos»).

23      Rejeitando, nos n.os 210 a 216 do acórdão recorrido, este fundamento, o Tribunal declarou, nomeadamente, no n.° 213 do referido acórdão, que:

«[n]o caso em apreço, embora a Comissão tenha decidido imputar a responsabilidade pela infracção em causa à empresa composta pela sociedade‑mãe e pela sua filial, e isto apesar de na sua prática anterior se ter abstido de o fazer, a sua decisão não viola contudo o princípio da segurança jurídica. [...]. Por conseguinte, no caso em apreço, a Comissão não violou o princípio da segurança jurídica na medida em que considerou acertadamente que a Elf Aquitaine e a sua filial Arkema constituíam uma única empresa, e aplicou conjunta e solidariamente a coima às duas sociedades.»

24      Nos n.os 220 e seguintes do acórdão recorrido, o Tribunal julgou improcedentes, um após outro, os oitavo a décimo primeiro fundamentos invocados, antes de concluir, no n.° 244 do acórdão recorrido, que devia ser negado provimento ao recurso na íntegra.

 Pedidos das partes

25      No presente recurso, a recorrente pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

–        a título principal, anular integralmente o acórdão recorrido;

–        julgar procedentes os pedidos apresentados em primeira instância;

–        anular, consequentemente, os artigos 1.°, alínea d), 2.°, alínea c), 3.° e 4.°, n.° 9, da decisão controvertida,

–        subsidiariamente, anular ou reduzir a coima de 45 milhões de euros aplicada conjunta e solidariamente à Arkema e à Elf Aquitaine no artigo 2.°, alínea c), da decisão controvertida ao abrigo do seu poder de plena jurisdição, e

–        de qualquer forma, condenar a Comissão nas despesas, incluindo as efectuadas pela recorrente no Tribunal de Primeira Instância.

26      A Comissão pede que o Tribunal de Justiça que se digne:

–        negar provimento ao recurso, e

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Quanto ao presente recurso

27      A título principal, a recorrente invoca cinco fundamentos, baseados, respectivamente:

–        num erro de direito do Tribunal de Primeira Instância, na medida em que não retirou as devidas consequências da natureza repressiva das coimas decorrentes da aplicação do artigo 101.° TFUE;

–        na violação dos seus direitos de defesa resultante de uma interpretação errónea dos princípios da equidade e da igualdade de armas;

–        em erros de direito sobre o dever de fundamentação;

–        numa violação do artigo 263.° TFUE resultante do desrespeito dos limites da fiscalização da legalidade, e

–        numa violação das normas que regulam a imputabilidade das sanções em matéria de direito da concorrência.

28      A título subsidiário, a recorrente invoca um sexto fundamento, alegando que os erros de direito e as violações cometidas pelo Tribunal de Primeira Instância, devem, pelo menos, conduzir à anulação ou à redução da coima aplicada à recorrente.

 Quanto ao primeiro fundamento, baseado num erro de direito do Tribunal de Primeira Instância na medida em que não retirou as devidas consequências da natureza repressiva das sanções decorrentes da aplicação do artigo 101.° TFUE

 Argumentos das partes

29      A recorrente alega que o carácter repressivo – na acepção do artigo 6.°, n.° 1, da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950 (a seguir «CEDH») ‑ das sanções aplicadas nos termos do artigo 101.° TFUE é incontestável.

30      Nestas condições, segundo a recorrente, o Tribunal aplicou de forma errónea, nomeadamente nos n.os 185 a 187 e nos n.os 194 e 197 do acórdão recorrido, os princípios da responsabilidade pessoal, da pessoalidade das penas e da presunção de inocência garantidos pelo artigo 6.°, n.os 1 e 2, da CEDH.

31      Assim, por um lado, de um modo geral, o Tribunal de Primeira Instância aplicou erradamente estes princípios apenas à empresa formada pelas sociedades Elf Aquitaine e Arkema, a saber, uma entidade sem personalidade jurídica, e não às duas sociedades enquanto pessoas colectivas distintas, que, individualmente, tinham os atributos necessários para beneficiar efectiva e concretamente dos direitos subjectivos decorrentes dos princípios acima referidos. Ao fazê‑lo, o Tribunal eliminou o carácter efectivo e concreto dos direitos subjectivos decorrentes desses princípios ao não permitir que as únicas entidades dotadas dos atributos para reivindicar o seu benefício o pudessem fazer, o que acabou por lhe permitir limitar o acesso à justiça.

32      Por outro lado, mais especificamente, a referida abordagem conduziu o Tribunal de Primeira Instância a excluir a recorrente do âmbito de aplicação:

–        do princípio da presunção de inocência, ao negar qualquer valor ao inquérito prévio no que diz respeito à recorrente, e

–        dos princípios da responsabilidade pessoal e da pessoalidade das penas, ao afirmar, nos n.os 97, 152, 167 e 186 do acórdão recorrido, que a imputação da responsabilidade a uma sociedade‑mãe não se baseia «numa relação de incentivo à infracção entre a sociedade‑mãe e a filial nem, por maioria de razão, numa implicação da primeira na referida infracção», afastando assim a pertinência do conjunto de indícios invocados pela recorrente para demonstrar que não tinha cometido pessoalmente qualquer infracção, que não tinha conhecimento da prática da infracção litigiosa e que a sua filial dispunha de autonomia no mercado.

33      Além disso, a recorrente defende que o Tribunal de Primeira Instância não podia invocar validamente, nos n.os 210 e 212 do acórdão recorrido, um princípio da eficácia do direito da concorrência da União contra um particular, enfraquecendo assim os seus direitos fundamentais em benefício de um reforço dos poderes da Comissão.

34      A Comissão defende, nomeadamente, que o primeiro fundamento de recurso não corresponde a um fundamento apresentado em primeira instância e que não visa directamente nenhuma parte do acórdão recorrido.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

35      Nos termos do artigo 113.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, no recurso não pode ser modificado o objecto do litígio submetido ao Tribunal Geral. Assim, em sede de recurso de uma decisão do Tribunal Geral, a competência do Tribunal de Justiça encontra‑se efectivamente limitada à apreciação da solução jurídica dada aos fundamentos debatidos em primeira instância. Por conseguinte, uma parte não pode modificar o objecto do referido litígio, invocando no Tribunal de Justiça, pela primeira vez, um fundamento que podia ter invocado no Tribunal Geral mas que não suscitou, pois isso equivaleria a permitir‑lhe submeter ao Tribunal de Justiça, cuja competência em segunda instância é limitada, um litígio mais amplo do que o que foi submetido ao Tribunal Geral (v., neste sentido, nomeadamente, acórdãos de 1 de Junho de 1994, Comissão/Brazzelli Lualdi e o., C‑136/92 P, Colect., p. I‑1981, n.° 59; de 30 de Março de 2000, VBA/VGB e o., C‑266/97 P, Colect., p. I‑2135, n.° 79; e de 14 de Outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão, C‑280/08 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 34). Tal fundamento deve, por conseguinte, ser declarado inadmissível na fase do presente recurso.

36      No caso em apreço, com o seu primeiro fundamento, a recorrente não critica o Tribunal de Primeira Instância pelo facto de ter negado o carácter «penal», na acepção da jurisprudência relativa ao artigo 6.° da CEDH, das coimas aplicadas ao abrigo do artigo 81.° CE, mas sim, no essencial, por ter violado os direitos fundamentais de que ela beneficia enquanto pessoa colectiva considerada responsável por uma infracção à qual estão associadas sanções que, na sua opinião, têm esse carácter. Na medida em que, nesta perspectiva, o presente fundamento não modifica o objecto do litígio no Tribunal de Primeira Instância, não há que declará‑lo inadmissível (v., por analogia, acórdão de 18 de Janeiro de 2007, PKK e KNK/Conselho, C‑229/05 P, Colect., p. I‑439, n.os 66 e 67).

37      Assim sendo, como resulta nomeadamente dos n.os 27, 87 e 99 do presente acórdão, as objecções específicas invocadas pela Elf Aquitaine no âmbito deste fundamento correspondem, em substância, às invocadas no âmbito de outros fundamentos do presente recurso, em particular, o segundo e o quinto. Não tendo essas críticas autonomia real em relação a esses outros fundamentos, não cabe examiná‑las aqui.

38      De igual modo, na medida em que o primeiro fundamento critica, de modo geral, o Tribunal de Primeira Instância por ter aplicado erradamente os princípios da responsabilidade pessoal, da pessoalidade das penas e da presunção de inocência não apenas à recorrente, mas à «empresa» constituída, nomeadamente, pela Elf Aquitaine e pela sua filial Arkema, este fundamento equivale a alegar uma violação substancial destes princípios em relação à recorrente e a contestar a interpretação do conceito de «empresa» na acepção do artigo 81.° CE levada a cabo pelo Tribunal de Primeira Instância. Na medida em que estas alegações correspondem a certos aspectos dos segundo e quinto fundamentos, importa abordá‑las no âmbito da análise destes últimos.

39      Quanto ao argumento constante do n.° 33 do presente acórdão, basta observar que, contrariamente ao que pretende a recorrente, o Tribunal de Primeira Instância não afirmou, nos n.os 210 e 212 do acórdão recorrido, que um princípio da eficácia do direito da concorrência da União podia ser invocado contra um particular para enfraquecer os seus direitos fundamentais.

40      Na medida em que o referido argumento repousa numa leitura errónea do acórdão recorrido, importa julgá‑lo improcedente.

41      Tendo em conta o que precede, deve analisar‑se em seguida o quinto fundamento.

 Quanto ao quinto fundamento, baseado numa violação das normas que regulam a imputabilidade das sanções em matéria de direito da concorrência

 Quanto à primeira parte do quinto fundamento, segundo a qual o carácter repressivo das sanções decorrentes da aplicação do artigo 101.° TFUE reforça a inadmissibilidade, no direito da União, da presunção de responsabilidade inilidível de facto, aplicada à recorrente

–       Argumentos das partes

42      A recorrente alega que o carácter repressivo das sanções decorrentes da aplicação do artigo 101.° TFUE e a confusão institucional de poderes no que respeita à autoridade competente em matéria de acusação deviam ter impedido, de forma dirimente, o Tribunal de Primeira Instância de validar a aplicação, pela Comissão, da presunção de responsabilidade, em vez de exigir prova do envolvimento da recorrente na gestão da sua filial.

43      Isso é tanto mais assim quanto a presunção é inilidível de facto, uma vez que esse carácter inilidível exclui, nomeadamente, as normas que regulam o ónus da prova e a presunção de inocência.

44      Segundo a recorrente, o carácter inilidível da presunção, como interpretada pelo Tribunal de Primeira Instância, resulta da combinação dos seguintes elementos:

–        a afirmação que figura nos n.os 86 e 150 do acórdão recorrido, nos termos da qual uma relação de capital é, por si só, suficiente para aplicar a presunção de falta de autonomia da filial;

–        a aceitação por parte do Tribunal de Primeira Instância, no n.° 105 do acórdão recorrido, de um poder discricionário da Comissão para imputar a responsabilidade pela infracção quando a sociedade‑mãe detém 98%, ou mais, do capital da sua filial, e

–        a forma como o Tribunal de Primeira Instância apreciou, nos n.os 160 e seguintes do acórdão recorrido, o conjunto de indícios apresentado pela recorrente, destinado a demonstrar a sua não interferência na gestão da sua filial.

45      A respeito deste último aspecto, segundo a recorrente, o Tribunal de Primeira Instância negou valor probatório ao referido conjunto de indícios ao exigir à recorrente provas da sua não interferência, que seriam necessariamente negativas. O Tribunal de Primeira Instância exige uma «probatio diabolica» que, de uma forma geral, é inadmissível no sistema de prova da União. Segundo a recorrente, esse sistema de prova inilidível deve, nomeadamente, ser abandonado, na medida em que viola o direito de acesso a uma fiscalização jurisdicional efectiva.

46      Segundo a recorrente, o Tribunal de Primeira Instância inverteu ilicitamente o ónus da prova que incumbia à autoridade de acusação, nomeadamente ao afastar, um após o outro, os indícios do conjunto que, de acordo com o acórdão de 10 de Setembro de 2009, Akzo Nobel e o./Comissão (C‑97/08 P, Colect., p. I‑8237, n.° 65), a recorrente apresentou à Comissão. Assim, segundo a recorrente, o Tribunal de Primeira Instância criou um desequilíbrio inadmissível entre, por um lado, a recorrente, sobre quem pesava um encargo impossível de assumir, e, por outro, a Comissão, à qual bastava recorrer a uma presunção de responsabilidade para aplicar sanções repressivas, ao mesmo tempo que gozava de um alegado poder discricionário na aplicação dessa presunção.

47      A recorrente alega, além disso, que o Tribunal de Primeira Instância, contrariamente ao que refere no n.° 171 do acórdão recorrido, não apreciou os elementos do conjunto de indícios na sua totalidade. Segundo a recorrente, de acordo com os termos do acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, já referido, esse conjunto dizia respeito aos vínculos organizacionais, económicos e jurídicos entre ela própria e a sua filial, que a recorrente considera susceptíveis de comprovar que elas não constituem uma entidade económica única. Ora, a força probatória deste conjunto resulta da concordância de todos os indícios e não necessariamente de cada um deles isoladamente considerados.

48      A Comissão considera que o Tribunal de Primeira Instância indicou, nos n.os 172 e 173 do acórdão recorrido, que a presunção de falta de autonomia da filial não era inilidível. Considera igualmente que o fundamento relativo à imputabilidade, invocado no Tribunal de Primeira Instância, foi julgado improcedente porque, como decorre nomeadamente dos n.os 163 a 165, 167 e 169 do acórdão recorrido, a recorrente se limitou a basear‑se em afirmações não sustentadas por elementos de prova. Segundo a Comissão, o mero facto de ter exigido elementos de prova em apoio de uma simples afirmação não transforma a presunção em causa numa presunção inilidível.

49      Segundo a Comissão, a detenção por uma sociedade‑mãe da totalidade ou da quase totalidade do capital de uma filial apenas permite presumir, até prova em contrário, que essas sociedades fazem parte de uma mesma «empresa» nos termos do artigo 101.°, n.° 1, TFUE. No caso em apreço, a recorrente não pode criticar a Comissão por ter considerado que a presunção não tinha sido ilidida, uma vez que a recorrente se limitou a fazer afirmações de «autonomia» insuficientemente sustentadas ou a apresentar argumentos sem pertinência para demonstrar que a filial e a sociedade‑mãe formavam uma única entidade económica.

50      No que diz respeito à argumentação da recorrente exposta no n.° 47 do presente acórdão, a Comissão defende que, na realidade, a recorrente parece contestar a apreciação das provas feita pelo Tribunal de Primeira Instância, o que é inadmissível em sede de recurso. De resto, o Tribunal de Primeira Instância fez uma apreciação de conjunto. Se não apreciou certos indícios alegados, tal deve‑se apenas ao facto de, segundo a Comissão, a maioria desses indícios não serem sustentados por elementos de prova.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

51      Na medida em que, na primeira parte do quinto fundamento, se alega uma confusão de papéis da Comissão em matéria de política de concorrência da União, importa constatar que com isso a recorrente tenta modificar o objecto do litígio no Tribunal, em violação do artigo 113.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Nesta medida, esta parte do fundamento deve ser declarada inadmissível em aplicação da jurisprudência exposta no n.° 35 do presente acórdão.

52      Contudo, a primeira parte do quinto fundamento deve ser considerada admissível por se dirigir, independentemente das considerações respeitantes a esta alegada confusão, contra a aplicação, no acórdão recorrido, de uma presunção nos termos da qual, em substância, uma sociedade‑mãe que detém a totalidade ou a quase totalidade do capital social da sua filial pode ser responsabilizada pelo comportamento infractor desta filial às regras da União em matéria de concorrência.

53      A este respeito, deve antes de mais recordar‑se que é jurisprudência constante que o conceito de empresa abrange qualquer entidade que exerça uma actividade económica independentemente do seu estatuto jurídico e do seu modo de financiamento. Quanto a este aspecto, o Tribunal de Justiça precisou, por um lado, que, neste contexto, o conceito de empresa deve ser entendido no sentido de que designa uma unidade económica, mesmo que, do ponto de vista jurídico, essa unidade económica seja constituída por várias pessoas singulares ou colectivas, e, por outro, que, quando tal entidade económica infringe as regras da concorrência, incumbe‑lhe, de acordo com o princípio da responsabilidade pessoal, responder por essa infracção (v., acórdãos de 20 de Janeiro de 2011, General Química e o./Comissão, C‑90/09 P, ainda não publicado na Colectânea, n.os 34, 35 e jurisprudência referida, e de 29 de Março de 2011, ArcelorMittal Luxembourg/Comissão e Comissão/ArcelorMittal Luxembourg e o., C‑201/09 P e C‑216/09 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 95).

54      Resulta de jurisprudência constante que o comportamento de uma filial pode ser imputado à sociedade‑mãe quando, designadamente, embora tendo uma personalidade jurídica distinta, esta filial não determina de forma autónoma o seu comportamento no mercado, mas aplica, no essencial, as instruções que lhe são dadas pela sociedade‑mãe, atendendo em especial aos vínculos económicos, organizacionais e jurídicos que unem essas duas entidades jurídicas (v. acórdãos já referidos Akzo Nobel e o./Comissão, n.° 58, e General Química e o./Comissão, n.° 37).

55      Com efeito, nessa situação, uma vez que a sociedade‑mãe e a sua filial fazem parte de uma mesma unidade económica e, portanto, formam uma única empresa na acepção do artigo 81.° CE, a Comissão pode dirigir à sociedade‑mãe uma decisão que aplica coimas, sem que seja necessário demonstrar o envolvimento pessoal desta última na infracção (v., neste sentido, acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, já referido, n.° 59, e General Química e o./Comissão, n.° 38).

56      A este respeito, o Tribunal de Justiça precisou que, no caso especial em que uma sociedade‑mãe detém 100% do capital da sua filial que cometeu uma infracção às regras da concorrência da União, por um lado, essa sociedade‑mãe pode exercer uma influência determinante no comportamento dessa filial e, por outro, existe uma presunção ilidível segundo a qual essa sociedade‑mãe exerce efectivamente essa influência (a seguir «presunção do exercício efectivo de uma influência determinante») (v., nomeadamente, acórdãos de 25 de Outubro de 1983, AEG‑Telefunken/Comissão, 107/82, Colect., p. 3151, n.° 50; Acórdão VGB e o./Comissão, já referido, n.° 60; Akzo Nobel e o./Comissão, já referido, n.° 60; General Química e o./Comissão, já referido, n.° 39, e ArcelorMittal Luxembourg/Comissão e Comissão/ArcelorMittal Luxembourg e o., já referido, n.° 97).

57      Nestas condições, basta que a Comissão prove que a totalidade do capital de uma filial é detida pela sua sociedade‑mãe para se presumir que esta exerce uma influência determinante na política comercial dessa filial. A Comissão pode, em consequência, considerar que a sociedade‑mãe é solidariamente responsável pelo pagamento da coima aplicada à sua filial, a menos que essa sociedade‑mãe, à qual incumbe ilidir a presunção, apresente elementos de prova suficientes susceptíveis de demonstrar que a sua filial se comporta de forma autónoma no mercado (v. acórdãos de 16 de Novembro de 2000, Stora Kopparbergs Bergslags/Comissão, C‑286/98 P, Colect., p. I‑9925, n.° 29; Akzo Nobel e o./Comissão, já referido, n.° 61; General Química e o./Comissão, já referido, n.° 40, e ArcelorMittal Luxembourg/Comissão e Comissão/ArcelorMittal Luxembourg e o., já referido, n.° 98).

58      Resulta igualmente da jurisprudência que, para apreciar se uma filial determina autonomamente o seu comportamento no mercado, têm de ser tidos em conta todos os factores pertinentes relativos aos vínculos económicos, organizacionais e jurídicos que unem essa filial à sociedade‑mãe, os quais podem variar de caso para caso e que, como tal, não podem ser objecto de uma enumeração exaustiva (v., neste sentido, acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, já referido, n.os 73 e 74).

59      A presunção do exercício efectivo de uma influência determinante tem nomeadamente por objectivo encontrar um equilíbrio, por um lado, entre a importância do objectivo de reprimir os comportamentos contrários às regras de concorrência, em particular o artigo 101.° TFUE, e prevenir a sua reprodução e, por outro, as exigências decorrentes de certos princípios gerais de direito da União como, nomeadamente, os princípios da presunção de inocência, da pessoalidade das penas e da segurança jurídica, bem como os direitos de defesa, incluindo o princípio da igualdade de armas. É, nomeadamente, por esta razão que, como resulta do exposto no n.° 56 do presente acórdão, a presunção em causa é ilidível.

60      Deve, além disso, recordar‑se que esta presunção se baseia numa constatação nos termos da qual, excepto em circunstâncias verdadeiramente excepcionais, uma sociedade que detenha a totalidade do capital de uma filial pode, pela simples razão desta participação no capital, exercer uma influência determinante no comportamento da filial e, por outro, que o motivo para o não exercício efectivo deste poder de influência pode, regra geral, ser utilmente procurado na esfera das entidades em relação às quais a presunção se aplica.

61      Neste contexto, se, para ilidir a presunção em causa, fosse suficiente que o interessado emitisse simples afirmações não sustentadas, a mesma seria amplamente privada da sua utilidade.

62      Além do mais, decorre da jurisprudência que uma presunção, ainda que seja difícil de ilidir, permanece dentro de limites razoáveis se for proporcionada ao objectivo legítimo prosseguido, se existir a possibilidade de produzir prova em contrário e se os direitos de defesa forem assegurados (v., neste sentido, acórdão de 23 de Dezembro de 2009, Spector Photo Group e Van Raemdonck, C‑45/08, Colect., p. I‑12073, n.os 43 e 44, bem como TEDH, acórdão Janosevic c. Suécia de 23 de Julho de 2002, Recueil des arrêts et décisions, 2002‑VII, §§ 101 e segs.).

63      No caso em apreço, decorre dos n.os 46 e 47 do presente acórdão que a recorrente não contesta, enquanto tal, a licitude da presunção do exercício efectivo de uma influência determinante, como exposta nos n.os 56 e 57 do presente acórdão. Também não contesta a aplicabilidade de semelhante presunção a uma sociedade‑mãe que detém 98% do capital da sua filial nas circunstâncias do caso em apreço.

64      Em contrapartida, a argumentação da recorrente exposta nos n.os 43 a 47 do presente acórdão tem por base a afirmação de que o Tribunal de Primeira Instância aplicou aos factos uma versão inilídivel desta presunção.

65      Ora, contrariamente ao que defende a recorrente, no acórdão recorrido, a abordagem adoptada pelo Tribunal de Primeira Instância relativamente aos elementos por ela apresentados não configura, no seu conjunto, uma probatio diabolica. Com efeito, como resulta do n.° 58 do presente acórdão, incumbe às entidades que pretendem ilidir a presunção do exercício efectivo de uma influência determinante apresentar todos os elementos relativos aos vínculos económicos, organizacionais e jurídicos que unem a filial em questão à sociedade‑mãe, e que consideram susceptíveis de demonstrar que essas entidades não constituem uma entidade económica única.

66      A este respeito, a mera circunstância de uma entidade não apresentar, num caso concreto, elementos de prova susceptíveis de ilidir a presunção do exercício de uma influência determinante não significa que a referida presunção não possa ser ilidida em nenhum caso.

67      Nesta condições, na medida em que sustentam, no essencial, que a apreciação pelo Tribunal de Primeira Instância dos argumentos apresentados pela recorrente demonstra, pelo simples facto da sua conclusão – negativa na perspectiva da recorrente – a existência de uma probatio diabólica, os argumentos apresentados no terceiro travessão do n.° 44 e nos n.os 45 a 47 do presente acórdão devem ser julgados improcedentes.

68      Em contrapartida, na medida em que, na realidade, visam obter do Tribunal de Justiça uma nova apreciação dos factos apurados pelo Tribunal de Primeira Instância, os referidos argumentos devem ser considerados inadmissíveis na fase do presente recurso. Com efeito, resulta de jurisprudência constante que só o Tribunal de Primeira Instância é competente, por um lado, para apurar os factos, salvo no caso de uma inexactidão material das suas conclusões resultar dos documentos do dossier que lhe foram submetidos, e, por outro, para apreciar esses factos. A apreciação dos factos não constitui, portanto, excepto em caso de desvirtuação dos elementos que lhe foram submetidos, uma questão de direito sujeita, como tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça (v., nomeadamente, acórdão de 23 de Abril de 2009, AEPI/Comissão, C‑425/07 P, Colect. p. I‑3205, n.° 44 e jurisprudência referida).

69      Na medida em que estes mesmos argumentos possam, em alternativa, ser interpretados no sentido de que invocam uma violação, por parte do Tribunal de Primeira Instância, do alcance do seu controlo jurisdicional, coincidem com o quarto fundamento do presente recurso e, por conseguinte, não há que analisá‑los de forma independente no âmbito desta parte do quinto fundamento.

70      Por outro lado, no que respeita à crítica exposta no primeiro travessão do n.° 44 do presente acórdão, nos termos da qual o montante da participação no capital da filial é, por si só, suficiente para desencadear a aplicação da presunção do exercício efectivo de uma influência determinante, importa observar que o facto de ser difícil produzir a prova contrária necessária para ilidir a presunção não implica que esta presunção seja, em si mesma, inilidível, sobretudo quando as entidades em relação às quais a presunção opera são as mais bem situadas para procurar a referida prova na sua própria esfera de actividades.

71      No que respeita ao segundo elemento invocado pela recorrente para demonstrar o carácter inilidível da presunção aplicada pelo Tribunal de Primeira Instância, exposto no segundo travessão do n.° 44 do presente acórdão, importa realçar que, mesmo pressupondo que, no n.° 105 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância reconheceu a existência do poder discricionário da Comissão referido nesse segundo travessão, tal reconhecimento ou tal poder não teriam qualquer incidência na questão de saber se a presunção aplicada no acórdão recorrido é inilidível. Decorre daqui que esta argumentação não pode ser acolhida.

72      Tendo em conta as considerações precedentes, a primeira parte do quinto fundamento deve ser julgada improcedente.

 Quanto à segunda parte do quinto fundamento, segundo a qual a presunção de responsabilidade aplicada pelo Tribunal de Primeira Instância, baseada no conceito de empresa, exclui o princípio da autonomia das pessoas colectivas

–       Argumentos das partes

73      Segundo a recorrente, o acórdão recorrido viola o princípio da subsidiariedade ao perturbar consideravelmente um dos principais fundamentos jurídicos do direito das sociedades dos Estados‑Membros, o princípio da autonomia das pessoas colectivas.

74      O erro de direito do Tribunal de Primeira Instância consiste, segundo a recorrente, no facto de o Tribunal afirmar que dispunha do poder de se colocar no lugar da empresa para decidir não aplicar o princípio da autonomia e os direitos de defesa à pessoa colectiva que compõe esta empresa.

75      Por outro lado, segundo a recorrente, o Tribunal cometeu outro erro de direito ao considerar supérfluo exigir que, na sua decisão, a Comissão apresente provas dos indícios concretos da falta de autonomia da sua filial no mercado.

76      A Comissão alega que o princípio da subsidiariedade não foi invocado no Tribunal de Primeira Instância, de modo que a sua violação constitui um fundamento novo, inadmissível na fase do presente recurso. De qualquer forma, quanto ao seu mérito, este princípio não é aplicável no caso em apreço, na medida em que a União Europeia dispõe de uma competência exclusiva na matéria.

77      Por outro lado, o conceito de «empresa» na acepção do direito da concorrência é uma noção autónoma do direito da União. Além disso, a «autonomia» de uma sociedade não é incompatível com a presunção do controlo efectivo de uma sociedade‑mãe sobre algumas das suas filiais, formulada na jurisprudência.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

78      Na medida em que a presente parte do fundamento se baseia numa violação do princípio da subsidiariedade, deve, em aplicação da jurisprudência referida no n.° 35 do presente acórdão, ser julgada improcedente.

79      Em seguida, deve julgar‑se improcedente a crítica exposta no n.° 74 do presente acórdão, uma vez que diz respeito a uma consideração que o Tribunal não formulou, nem deixou subentender, no acórdão recorrido.

80      Além disso, no que respeita ao argumento exposto no n.° 75 do presente acórdão, decorre dos n.os 56 e 57 deste, que a Comissão não está obrigada, para aplicar a presunção do exercício efectivo de uma influência determinante num determinado caso, a apresentar indícios suplementares relativamente àqueles que demonstram a aplicabilidade e a concretização desta presunção (v. igualmente, neste sentido, acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, já referido, n.° 62). Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância não cometeu um erro ao não exigir, independentemente dos elementos relativos à aplicação da presunção em causa, indícios concretos suplementares da falta de autonomia da sua filial no mercado.

81      Por outro lado, na medida em que critica a não penalização da falta de fundamentação da decisão controvertida na parte que diz respeito à recorrente, o argumento exposto no referido n.° 75, reproduz o terceiro fundamento, pelo que não há que examiná‑lo no âmbito da presente parte do quinto fundamento.

82      Por conseguinte, a segunda parte do quinto fundamento deve ser julgada improcedente.

 Quanto à terceira parte do quinto fundamento, segundo a qual a margem de apreciação reconhecida à Comissão para aplicação da presunção de responsabilidade viola os princípios da legalidade e da segurança jurídica

–       Argumentos das partes

83      A recorrente alega que o acórdão recorrido viola as exigências de clareza da lei e de previsibilidade que os princípios da legalidade e da segurança jurídica impõem. Segundo a recorrente, decorre dos n.os 97, 152, 167, 186 e 194 do acórdão recorrido que o Tribunal de Primeira Instância considera que existem dois regimes de responsabilidade em matéria de infracções ao direito da concorrência. O primeiro penaliza a participação directa das sociedades‑mãe numa infracção ao direito da concorrência na qualidade de co‑autoras, sendo tal participação «a manifestação da sua vontade própria». O segundo penaliza as sociedades‑mãe enquanto cúmplices dos comportamentos ilícitos das suas filiais detidas a 100%, sem que, no entanto, seja necessário um acto material de cumplicidade, o que torna a situação comparável a um regime de responsabilidade por facto de outrem.

84      Segundo a recorrente, caso tal regime de responsabilidade por facto de outrem existisse em direito da concorrência da União, quod non, deveria ser perfeitamente definido e aplicado de forma clara e constante pelas instituições. Ora, o poder discricionário reconhecido pelo Tribunal de Primeira Instância no n.° 105 do acórdão recorrido é inconciliável com esta exigência de clareza e de constância.

85      A este respeito, a recorrente denuncia o que chama de «dupla confusão» do Tribunal no n.° 213 do acórdão recorrido, em primeiro lugar, entre a imputação da responsabilidade à sociedade‑mãe e a responsabilidade desta última pelo pagamento da coima e, em segundo lugar, entre a imputação da responsabilidade e a fixação das coimas, na medida em que o Tribunal de Primeira Instância justifica a alegada margem de apreciação da Comissão para imputar a responsabilidade através da margem de apreciação em matéria de coimas.

86      A Comissão considera que, no acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância não deixa margem de apreciação ou poder discricionário à Comissão para apreciar se estão reunidas as condições para imputar a uma sociedade‑mãe a responsabilidade por uma infracção. A «margem de apreciação» só surge numa fase em que, podendo a Comissão imputar a responsabilidade por uma infracção a várias sociedades de um grupo, opta por imputar a todas as sociedades do grupo ou apenas a algumas delas.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

87      Contrariamente ao que defende a recorrente, quer no âmbito da presente parte do quinto fundamento quer no do primeiro fundamento apresentado no Tribunal de Justiça, o Tribunal de Primeira Instância não consagrou, nos n.os 97, 152, 167, 186 e 194 do acórdão recorrido, «um regime de responsabilidade por facto de outrem» no direito da concorrência da União.

88      A este respeito, importa recordar, como o Tribunal de Primeira Instância indicou, no essencial, nos n.os 97, 152, 167 e 186 do acórdão recorrido e como decorre dos n.os 53 a 55 do presente acórdão, que quando uma sociedade‑mãe e sua filial fazem parte de uma única «empresa», na acepção do artigo 101.° TFUE, não é necessariamente uma relação de incentivo à infracção entre a sociedade‑mãe e a sua filial nem, por maioria de razão, uma implicação da primeira na referida infracção que permite que a Comissão dirija à sociedade‑mãe a decisão que aplica coimas, mas sim o facto de as sociedades em causa constituírem uma única empresa na acepção do artigo 101.° TFUE.

89      Além disso, resulta do n.° 105 do referido acórdão que o Tribunal de Primeira Instância também não reconheceu um «poder discricionário para imputar a uma sociedade a responsabilidade pelas infracções cometidas por outra sociedade», criticado na argumentação da recorrente exposta no n.° 84 do presente acórdão. Com efeito, no referido n.° 105, o Tribunal realçou, no essencial, que a observação feita no considerando 260 da decisão controvertida apenas visava afastar o argumento baseado no facto de, em decisões anteriores dirigidas à Atofina, o comportamento desta não ter sido imputado à sociedade‑mãe. Ao limitar‑se a realçar, no essencial, que a Comissão não alegava dispor de um poder discricionário nos termos invocados pela recorrente, o Tribunal de Primeira Instância não afirmou, contrariamente ao que sugere a recorrente no âmbito da presente parte do quinto fundamento, que existe no direito da concorrência da União «um regime de responsabilidade por facto de outrem».

90      Os argumentos expostos nos n.os 83 e 84 do presente acórdão têm por base premissas erradas e devem ser julgados improcedentes.

91      Decorre daqui que, ainda que se considere que a crítica reproduzida no n.° 85 do presente acórdão não é inadmissível por falta de clareza, a mesma deve, de qualquer forma, ser julgada improcedente, na medida em que está relacionada com os argumentos expostos nos n.os 83 e 84 do presente acórdão.

92      Por conseguinte, a terceira parte do quinto fundamento deve ser julgada improcedente.

 Quanto à quarta parte do quinto fundamento, segundo o qual a presunção de responsabilidade viola o princípio da igualdade de tratamento

–        Argumentos das partes

93      A recorrente alega uma violação do princípio da igualdade de tratamento na medida em que o Tribunal de Primeira Instância afirmou que a recorrente e as outras sociedades‑mãe visadas na decisão controvertida foram tratadas de forma análoga.

94      Segundo a Comissão, o simples facto de, na decisão controvertida, além da referência à presunção de controlo a 100% exercido pela sociedade‑mãe sobre as suas filiais, terem sido acrescentados mais indícios contra a sociedade‑mãe do grupo Akzo Nobel não significa que a Comissão ou o Tribunal tenham cometido uma discriminação contra a recorrente. Tal significa simplesmente que os indícios que permitiram imputar à Akzo Nobel NV a responsabilidade pela infracção eram mais «fortes», o que não implica que os elementos que permitiram imputar à recorrente a responsabilidade pelo comportamento ilícito da Atofina fossem insuficientes.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

95      Como recordado no n.° 63 do presente acórdão, no caso em apreço, a recorrente não contesta nem a licitude da presunção do exercício efectivo de uma influência determinante, exposta nos n.os 56 e 57 do presente acórdão, enquanto tal, nem a sua aplicabilidade a um caso em que uma sociedade‑mãe detém 98% do capital da sua filial.

96      Ora, decorre dos n.os 56, 57 e 80 do presente acórdão que a aplicação da presunção do exercício efectivo de uma influência determinante não se encontra subordinada à produção de indícios suplementares relativos ao exercício efectivo de uma influência pela sociedade‑mãe (v. igualmente, neste sentido, acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, já referido, n.° 62).

97      Nestas condições, o simples facto de que a Comissão dispunha desses indícios suplementares no que respeita a certas sociedades‑mãe, e não outros, e os mencionou na decisão controvertida não constitui um erro jurídico que o Tribunal estivesse obrigado a penalizar no acórdão recorrido.

98      Decorre daqui que a quarta parte do quinto fundamento e, por conseguinte, a totalidade do fundamento, devem ser julgados improcedentes.

 Quanto ao segundo fundamento, baseado numa violação dos direitos de defesa resultante de uma interpretação errónea dos princípios da equidade e da igualdade de armas

99      Com o seu segundo fundamento a recorrente alega que o n.° 64 do acórdão recorrido está ferido de erro de direito por violação do princípio da igualdade de armas por parte do Tribunal de Primeira Instância. Como resulta expressamente do presente recurso, esta parte do fundamento corresponde à crítica suscitada no âmbito do primeiro fundamento apresentado no Tribunal de Justiça, que é exposta no n.° 32, primeiro travessão, do presente acórdão.

100    No essencial, o segundo fundamento divide‑se em duas partes, que devem ser tratadas conjuntamente.

 Argumentos das partes

101    A primeira parte do fundamento baseia‑se numa violação dos direitos de defesa da recorrente desde a primeira fase do procedimento administrativo.

102    Segundo a Elf Aquitaine, no que respeita aos seus direitos de defesa, o Tribunal de Primeira Instância negou qualquer valor ao inquérito conduzido antes do envio da comunicação de acusações. A recorrente critica o Tribunal por ter considerado que o princípio da igualdade de armas tinha sido respeitado, apesar de a recorrente ter sido informada das suspeitas que pesavam sobre ela, pela primeira vez, na comunicação de acusações.

103    Tal violação dos direitos de defesa da recorrente desde a primeira fase do procedimento administrativo é inaceitável por três razões:

–        antes de mais, o carácter repressivo das sanções decorrentes da aplicação do artigo 101.° TFUE não autoriza o Tribunal de Primeira Instância a considerar que basta que as garantias decorrentes do artigo 6.° da CEDH se aplicam a partir do envio da comunicação de acusações, com exclusão da fase prévia de inquérito.

–        em seguida, o direito de ser simultaneamente informado e ouvido desde o início do inquérito impunha‑se, segundo a recorrente, de forma reforçada, uma vez que não estava implicada na infracção e ignorava quando é que a mesma tinha sido cometida, e

–        por fim, não tendo sido avisada do inquérito e tendo sido informada pela primeira vez das suspeitas que pesavam sobre ela apenas na fase da comunicação de acusações, a recorrente não tinha podido tomar as medidas necessárias para preparar utilmente a sua defesa. A este respeito, o Tribunal não respondeu aos argumentos, desenvolvidos pela recorrente durante as alegações orais, segundo os quais esta pode ter deixado deteriorar possíveis provas da autonomia da sua filial durante os quatro anos de inquérito que precederam a comunicação de acusações, o que afectou irremediavelmente os seus direitos de defesa.

104    A Comissão alega que, na medida em que, no caso em apreço, não conduziu actos de inquérito relativamente à recorrente, não estava, por conseguinte, obrigada a comunicar‑lhe as suas suspeitas desde a fase de inquérito preliminar.

105    Por outro lado, a Comissão alega, nomeadamente, que, em qualquer caso, admitindo a existência da alegada irregularidade invocada pela recorrente, ainda seria necessário verificar se essa irregularidade foi de natureza a afectar concretamente os seus direitos de defesa no âmbito do procedimento controvertido. Ora, a possibilidade de a recorrente tentar ilidir a presunção em causa ou de defender a sua inaplicabilidade, em nada foi afectada pelo facto de apenas ter tido conhecimento das suspeitas que pesavam sobre si no momento em que foi notificada da comunicação de acusações. Segundo a Comissão, na medida em que a alegada perda de elementos de prova da autonomia da filial durante o período em causa só foi referida na audiência, o argumento baseado nessa perda é inadmissível. Além disso, esta alegação não é sustentada por nenhum indício.

106    A segunda parte do segundo fundamento baseia‑se na negação da necessidade de um inquérito imparcial.

107    A recorrente defende, a este respeito, que o Tribunal de Primeira Instância negou a própria necessidade de a Comissão conduzir um inquérito preliminar de forma imparcial.

108    Segundo a recorrente, tal negação não é aceitável uma vez que, em primeiro lugar, um inquérito imparcial constitui uma etapa prévia, considerada necessária para que a Comissão possa, sendo caso disso, levar a cabo um acto processual, como é o caso da uma comunicação de acusações.

109    Em segundo lugar, ao negar a necessidade desse inquérito, o Tribunal de Primeira Instância violou, segundo a recorrente, a exigência da condução imparcial do inquérito, exigência esta que decorre, nomeadamente do princípio da igualdade de armas. Com a sua posição, o Tribunal de Primeira Instância desvinculou‑se, em desrespeito do direito a um processo equitativo e do princípio da igualdade, de qualquer fiscalização do carácter imparcial do inquérito. A falta dessa fiscalização do carácter imparcial do inquérito da Comissão pelo Tribunal de Primeira Instância tem origem, segundo a recorrente, no facto de o Tribunal ter validado a aplicação da presunção de responsabilidade contra a recorrente desde o início do inquérito, ou mesmo no momento em que a infracção foi denunciada pela primeira vez à Comissão.

110    A este respeito, a recorrente alega que o carácter necessariamente parcial do inquérito dirigido contra ela resulta da concentração, na Direcção‑geral da Concorrência da Comissão, de três poderes distintos, a saber, de inquérito, de acusação e de decisão. Segundo a recorrente, não se pode aceitar essa confusão de poderes no seio da Comissão, atendendo ao carácter claramente repressivo das sanções decorrentes da aplicação do artigo 101.° TFUE.

111    Por seu lado, a Comissão considera que a recorrente não conseguiu demonstrar que o Tribunal de Primeira Instância se recusou a fiscalizar a imparcialidade do seu inquérito. No que respeita à argumentação da recorrente baseada na concentração de poderes no seio da Comissão (v. n.° 110 do presente acórdão), esta última alega, a título principal, que a referida argumentação é inadmissível e, a título subsidiário, que a mesma é, de qualquer modo, desprovida de fundamento.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

112    De acordo com jurisprudência constante, e tal como confirmado pelo artigo 6.°, n.° 3, TUE, os direitos fundamentais são parte integrante dos princípios gerais de direito cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça. Assim, o Tribunal de Justiça decidiu repetidamente que o respeito dos direitos de defesa na condução dos procedimentos administrativos em matéria de política de concorrência constitui um princípio geral do direito da União (v., nomeadamente, acórdão de 3 de Setembro de 2009, Prym e Prym Consumer/Comissão, C‑534/07 P, Colect. p. I‑7415, n.° 26 e jurisprudência referida).

113    No que respeita ao processo de aplicação do artigo 81.° CE, decorre da jurisprudência que o procedimento administrativo na Comissão se divide em duas fases distintas e sucessivas, obedecendo cada uma delas a uma lógica interna própria, a saber, uma fase de instrução preliminar, por um lado, e uma fase contraditória, por outro. A fase de instrução preliminar, que se estende até à comunicação de acusações, visa permitir que a Comissão reúna todos os elementos pertinentes que confirmam ou não a existência de uma infracção às regras de concorrência e que tome uma primeira posição sobre a orientação e o seguimento ulterior a dar ao processo. Quanto à fase contraditória, que vai desde a comunicação de acusações à adopção da decisão final, deve permitir à Comissão pronunciar‑se definitivamente sobre a infracção criticada (v. nomeadamente, neste sentido, acórdãos de 15 de Outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, Colect. p. I‑8375, n.os 181 a 183, e Prym e Prym Consumer/Comissão, já referido, n.° 27).

114    No que respeita à fase de instrução preliminar, o Tribunal de Justiça precisou que esta tem como ponto de partida a data em que a Comissão toma medidas, no exercício dos poderes que lhe foram conferidos pelo legislador da União, que implicam a censura da prática de uma infracção e que têm repercussões importantes na situação das entidades suspeitas (v. acórdãos Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, já referido, n.° 182, bem como de 21 de Setembro de 2006, Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied/Comissão, C‑105/04 P, Colect., p. I‑8725, n.° 38).

115    Apenas no início da fase contraditória administrativa é que a entidade em causa é informada, através da comunicação de acusações, de todos os elementos essenciais nos quais a Comissão se baseou nesta fase do processo. Por conseguinte, apenas após o envio da comunicação de acusações é que a empresa em causa pode fazer valer plenamente os direitos de defesa (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, n.os 315 e 316; Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied/Comissão, n.° 47; e acórdão de 25 de Janeiro de 2007, Dalmine/Comissão, C‑407/04 P, Colect., p. I‑829, n.° 59).

116    Assim sendo, as medidas de instrução adoptadas pela Comissão durante a fase de instrução preliminar, em particular as medidas de confirmação e os pedidos de informações, podem, em determinadas circunstâncias, implicar, por natureza, a censura de uma infracção às regras da União em matéria de concorrência, e são susceptíveis de ter repercussões significativas na situação das entidades em causa.

117    Importa, por conseguinte, evitar que os direitos de defesa possam ficar irremediavelmente comprometidos nesta fase do procedimento administrativo, uma vez que as medidas de instrução adoptadas podem ser decisivas para a produção de provas da natureza ilegal dos comportamentos das empresas, susceptíveis de implicar a sua responsabilidade (v., neste sentido, acórdãos de 21 de Setembro de 1989, Hoechst/Comissão, 46/87 e 227/88, Colect., p. 2859, n.° 15, e de 7 de Janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colect., p. I‑123, n.° 63).

118    Assim, quanto ao respeito de um prazo razoável, o Tribunal de Justiça decidiu, no essencial, que o exame da origem dos eventuais obstáculos ao exercício eficaz dos direitos de defesa não se deve limitar à fase contraditória do procedimento administrativo devendo alargar‑se a todo o procedimento cobrindo a duração total do mesmo (v., neste sentido, acórdãos Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied/Comissão, já referido, n.os 49 e 50, e de 21 de Setembro de 2006, Technische Unie/Comissão, C‑113/04 P, Colect. p. I‑8831, n.os 54 e 55).

119    Semelhantes considerações são aplicáveis à questão de saber se, e em que medida, a Comissão é obrigada, desde a fase de instrução preliminar, a fornecer à entidade em causa certas informações sobre o objecto e a finalidade da instrução, informações essas que permitiriam à referida entidade preservar a eficácia da sua defesa no âmbito da fase contraditória.

120    Tal não significa, contudo, que a Comissão esteja sempre obrigada, antes da primeira medida adoptada em relação a determinada entidade, a avisar essa entidade da própria possibilidade das medidas de instrução ou das acusações baseadas no direito da concorrência da União, sobretudo se, com tal aviso, a eficácia do inquérito da Comissão puder ficar indevidamente comprometida (v., neste sentido, acórdão Dalmine/Comissão, já referido, n.° 60).

121    Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou que o princípio da responsabilidade pessoal não se opõe a que a Comissão pretenda começar por punir a sociedade autora de uma infracção às regras da concorrência antes de verificar se, eventualmente, a infracção pode ser imputada à sua sociedade‑mãe (v. acórdão de 24 de Setembro de 2009, Erste Group Bank e o./Comissão, C‑125/07 P, C‑133/07 P, C‑135/07 P e C‑137/07 P, Colect., p. I‑8681, n.° 82).

122    Assim, desde que, durante o procedimento administrativo contraditório, seja proporcionada ao destinatário de uma comunicação de acusações a possibilidade de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a existência e a pertinência dos factos bem como a respeito das circunstâncias alegadas pela Comissão, esta última não está em princípio obrigada, contrariamente ao que defende a recorrente, a dirigir uma medida de inquérito a esse destinatário antes do envio da comunicação de acusações.

123    No caso em apreço, esta conclusão não pode ser posta em causa pelos argumentos expostos nos n.os 109 e 110 do presente acórdão.

124    Com efeito, o argumento exposto no n.° 110 do presente acórdão deve ser considerado inadmissível, por identidade de fundamentos com os argumentos que figuram nos n.os 35 e 51 deste acórdão.

125    Do mesmo modo, quanto à argumentação constante do n.° 109 do presente acórdão, embora seja verdade que resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Primeira Instância que a recorrente referiu a inexistência de qualquer medida prévia de inquérito directamente adoptada a seu respeito, não resulta, contudo, dos referidos autos que a recorrente lhe tenha pedido que penalizasse uma alegada falta de imparcialidade da instrução do processo por parte da Comissão ou a referida inexistência de medidas de inquérito.

126    Resulta daqui que a argumentação exposta no n.° 109 deve ser declarada inadmissível em aplicação da jurisprudência exposta no n.° 35 do presente acórdão.

127    No que toca ao argumento exposto no primeiro travessão do n.° 103 do presente acórdão, basta observar que o mesmo diz respeito a uma consideração que o Tribunal não emitiu nem deixou subentender no acórdão recorrido, pelo que deve ser julgado improcedente.

128    Em seguida, no que diz respeito aos argumentos expostos no segundo travessão do n.° 103 do presente acórdão, resulta dos n.os 88 e 121 do presente acórdão que a responsabilidade pessoal não se opõe a que a Comissão, depois de ter previsto, num primeiro momento, punir a sociedade autora de uma infracção às regras da concorrência, verifique se, eventualmente, a infracção pode ser imputada à sua sociedade‑mãe.

129    Por fim, quanto aos argumentos que figuram no terceiro travessão do n.° 103 do presente acórdão, e mesmo pressupondo que, apesar da jurisprudência exposta no n.° 35 do presente acórdão esses fundamentos são admissíveis por resultarem de uma ampliação, na audiência no Tribunal de Primeira Instância, de um fundamento invocado na petição inicial em primeira instância, impõe‑se observar que se trata de meras afirmações que não são sustentadas por nenhum elemento concreto.

130    Esta argumentação genérica, abstracta e não detalhada, não é susceptível de provar a existência, no caso em apreço, de uma violação dos direitos de defesa, a qual deve ser examinada em função das circunstâncias específicas de cada caso concreto (v., por analogia, acórdão Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied/Comissão, já referido, n.os 52 a 61).

131    À luz do que precede, há que julgar o segundo fundamento improcedente.

 Quanto ao terceiro fundamento baseado em erros de direito a respeito do dever de fundamentação

 Quanto à primeira parte do terceiro fundamento, baseada num erro de direito sobre o conceito de fundamentação e numa inexactidão material das constatações do Tribunal pelo facto de este último ter considerado a fundamentação sucinta da decisão controvertida suficiente


 Argumentos das partes

132    Com a primeira parte do seu terceiro fundamento, a recorrente alega, em primeiro lugar, que o Tribunal de Primeira Instância se baseou numa concepção errónea do dever de fundamentação.

133    A Elf Aquitaine considera que o Tribunal de Primeira Instância devia ter declarado que a fundamentação da decisão controvertida a respeito da imputabilidade da infracção em causa não era suficiente para lhe permitir saber se essa decisão era fundada ou se sofria eventualmente de um vício quanto ao mérito ou quanto à forma.

134    Contrariamente ao que o Tribunal de Primeira Instância declarou nos n.os 81, 82 e 89 do acórdão recorrido, segundo a recorrente, no caso em apreço não bastava que ela pudesse simplesmente entender a decisão controvertida no sentido de que a Comissão a censurava por ter exercido uma influência determinante na política comercial da Atofina. Pelo contrário, não sendo a decisão controvertida, ao contrário da comunicação de acusações, um acto preparatório, a sua fundamentação deveria ter sido suficientemente precisa para permitir, por um lado, que a recorrente conhecesse os motivos pelos quais a decisão tinha sido tomada e pudesse avaliar a sua argumentação de forma a decidir se interpunha ou não recurso e, por outro, que o Tribunal levasse a cabo a sua fiscalização de legalidade, caso a decisão controvertida lhe viesse a ser submetida.

135    Com efeito, segundo a Elf Aquitaine, esta fundamentação devia ser precisa, por maioria de razão, pelo facto de: i) a recorrente não ter sido avisada das acusações dirigidas contra ela antes de receber a comunicação de acusações; ii) essas acusações terem como exclusivo fundamento uma presunção de responsabilidade não confirmada por qualquer elemento factual concreto, responsabilidade que veio a revelar‑se impossível de ilidir; iii) a Comissão se ter afastado da sua prática decisória habitual, e iv) a decisão controvertida ter posto em causa vários direitos fundamentais da recorrente.

136    No que respeita ao terceiro argumento referido no número anterior, alínea iii), a recorrente alega novamente que a Comissão reconheceu, no considerando 574 da sua decisão, de 1 de Outubro de 2008, relativa a um processo de aplicação dos artigos 81.° [CE] e 53.° do Acordo EEE (COMP/C.39181 – Cera para velas) (resumo publicado no JO 2009, C 295, p. 17) que a decisão controvertida marca uma ruptura relativamente à prática decisória anterior da Comissão, nomeadamente em relação à recorrente. A este respeito, a recorrente remete igualmente para a decisão peróxidos orgânicos (referida no n.° 22 do presente acórdão) na qual, em circunstâncias muito semelhantes às do caso em apreço, não lhe foi dirigida qualquer acusação pelo comportamento colusório da sua filial, a Atofina.

137    A Elf Aquitaine alega, em segundo lugar, que a declaração por parte do Tribunal de Primeira Instância, do carácter suficiente da fundamentação da decisão controvertida, repousa em constatações factuais materialmente inexactas, na medida em que, segundo a recorrente, esta fundamentação é, não apenas sucinta, mas insuficiente ou mesmo totalmente inexistente.

138    Por um lado, a decisão controvertida não deu qualquer resposta a certos argumentos específicos invocados na sequência da comunicação de acusações.

139    Por outro lado, na decisão controvertida, a Comissão limitou‑se a afastar em bloco, sem explicação e de forma geral e indiscriminada, os demais argumentos da recorrente. A Comissão não indicou, por exemplo, quais os documentos que, entre aqueles que lhe foram apresentados, apenas davam, no seu entender, «uma visão geral da gestão comercial».

140    Por conseguinte, segundo a recorrente, o Tribunal de Primeira Instância devia ter anulado a decisão controvertida por falta de fundamentação.

141    A Comissão considera, antes de mais, que a presente parte do fundamento deve ser declarada inadmissível, uma vez que não identifica de forma precisa os elementos do acórdão recorrido que são criticados ou os argumentos jurídicos invocados em seu apoio.

142    Defende, em seguida, que a jurisprudência e a prática decisória da Comissão em matéria de responsabilidade das sociedades‑mãe eram bem conhecidas desde o início do procedimento que conduziu à decisão controvertida.

143    Apesar de, segundo a Comissão, do ponto de vista dos factos pertinentes, não parecer existirem importantes diferenças objectivas entre o procedimento que conduziu à decisão controvertida e aquele que esteve na origem da decisão peróxidos orgânicos, a diferente abordagem da Comissão na decisão controvertida pode ser explicada, por um lado, pelo facto de o acórdão do Tribunal de Primeira Instância, de 30 de Setembro de 2003, Michelin/Comissão (T‑203/01, Colect., p. II‑4071) ter sido proferido entre a data da comunicação de acusações na decisão peróxidos orgânicos e a data da comunicação de acusações na decisão controvertida e, por outro, pela mudança de abordagem por parte da Comissão por volta dos anos 2002 e 2003.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

144    Segundo jurisprudência constante, resulta dos artigos 256.° TFUE, 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça e 112.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça que o recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância deve indicar de modo preciso os elementos contestados do acórdão cuja anulação é pedida, bem como os argumentos jurídicos em que se apoia especificamente esse pedido (v., nomeadamente, acórdão de 1 de Julho de 2010, Knauf Gips/Comissão, C‑407/08 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 43 e jurisprudência referida).

145    Contrariamente à afirmação da Comissão exposta no n.° 141 do presente acórdão, a presente parte do fundamento satisfaz as exigências desta jurisprudência e é admissível.

146    Quanto ao mérito, importa antes de mais recordar que o dever de fundamentação previsto no artigo 253.° CE constitui uma formalidade essencial que deve ser distinguida da questão da procedência da fundamentação, a qual faz parte da legalidade em sede de mérito do acto litigioso (v. acórdãos de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colect., p. I‑1719, n.° 67, e de 22 de Março de 2001, França/Comissão, C‑17/99, Colect., p. I‑2481, n.° 35).

147    Nesta perspectiva, a fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve ser adaptada à natureza do acto em causa e deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição, autora do acto, de forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adoptada e ao órgão jurisdicional competente exercer o seu controlo (v. acórdãos já referidos, França/Comissão, n.° 35, e Deutsche Telekom/Comissão, n.° 130).

148    Assim, no âmbito das decisões individuais, resulta de jurisprudência constante que o dever de fundamentar uma decisão individual tem por finalidade, além de permitir uma fiscalização jurisdicional, fornecer ao interessado indicações suficientes para saber se a decisão enferma eventualmente de um vício que permita contestar a sua validade (v. nomeadamente, neste sentido, acórdãos de 2 de Outubro de 2003, Corus UK/Comissão, C‑199/99 P, Colect., p. I‑1177, n.° 145, e de 28 de Junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colect., p. I‑5425, n.° 462).

149    A fundamentação deve pois, em princípio, ser comunicada ao interessado, ao mesmo tempo que a decisão de acusação. A falta de fundamentação não pode ser considerada sanada pelo facto de o interessado tomar conhecimento dos fundamentos da decisão no decurso do processo perante os órgãos jurisdicionais da União (v. acórdãos de 26 de Novembro de 1981, Michel/Parlamento, 195/80, Colect., p. 2861, n.° 22; de 26 de Setembro de 2002, Espanha/Comissão, C‑351/98, Colect., p. I‑8031, n.° 84; de 29 de Abril de 2004, IPK‑München e Comissão, C‑199/01 P e C‑200/01 P, Colect., p. I‑4627, n.° 66; e Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido, n.° 463).

150    É jurisprudência constante que a exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço, designadamente do conteúdo do acto, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas a quem o acto diga directa e individualmente respeito podem ter em obter explicações. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto satisfaz as exigências do artigo 253.° CE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v., nomeadamente, acórdãos Comissão/Sytraval e Brink’s France, já referido, n.° 63; de 10 de Julho de 2008, Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, C‑413/06 P, Colect. p. I‑4951, n.os 166 e 178; e Deutsche Telekom/Comissão, já referido, n.° 131).

151    Resulta igualmente da jurisprudência que a fundamentação de um acto deve ser lógica, não apresentando, nomeadamente, contradições internas que constituam um entrave à compreensão dos motivos que subjazem a este acto (v., por analogia, Bertelsmann et Sony Corporation of America/Impala, já referido, n.° 169 e jurisprudência referida).

152    Quando, como no caso em apreço, uma decisão de aplicação das regras da União em matéria de direito da concorrência diga respeito a uma pluralidade de destinatários e à imputabilidade da infracção, essa decisão deve ser suficientemente fundamentada no que diz respeito a cada um dos destinatários, particularmente daqueles que, nos termos dessa decisão, podem ser considerados responsáveis pela infracção. Assim, relativamente a uma sociedade‑mãe responsabilizada pelo comportamento ilícito da sua filial, a decisão deve, em princípio, conter uma exposição circunstanciada dos fundamentos susceptíveis de justificar a imputabilidade da infracção a esta sociedade (v., por analogia, acórdão de 2 de Outubro de 2003, Aristrain/Comissão, C‑196/99 P, Colect., p. I‑11005, n.os 93 a 101).

153    Em particular, no que respeita a uma decisão da Comissão que assenta exclusivamente, em relação a certos destinatários, na presunção do exercício efectivo de uma influência determinante, importa referir que, de qualquer modo, a Comissão está obrigada – sob pena de tornar esta presunção inilidível na prática – a expor de forma adequada a esses destinatários as razões pelas quais os elementos de facto e de direito invocados não foram suficientes para ilidir a referida presunção. O dever de a Comissão fundamentar as suas decisões a este respeito resulta, nomeadamente, do carácter ilidível da referida presunção, cuja inversão exige que os interessados produzam prova dos vínculos económicos, organizacionais e jurídicos entre as sociedades em causa.

154    Assim sendo, importa recordar que, a Comissão não está, porém, obrigada, nesse contexto, a tomar posição sobre elementos manifestamente despropositados, desprovidos de significado ou claramente secundários (v., por analogia, acórdãos Comissão/Sytraval e Brink’s France, já referido, n.° 64; de 1 de Julho de 2008, Chronopost e La Poste/UFEX e o., C‑341/06 P e C‑342/06 P, Colect., p. I‑4777, n.° 89; e Bertelsmann e Sony Corporation of America/Impala, já referido, n.° 167).

155    Além disso, resulta da jurisprudência que, embora uma decisão da Comissão que se situe na linha de uma prática decisória constante possa ser fundamentada de forma sumária, nomeadamente fazendo referência a essa prática, quando a mesma vai sensivelmente mais longe que as decisões anteriores, a Comissão deve desenvolver o seu raciocínio de forma explícita (v., nomeadamente, acórdãos de 26 de Novembro de 1975, Groupement des fabricants de papiers peints de Belgique e o./Comissão, 73/74, Colect., p. 1491, n.° 31, e de 11 de Dezembro de 2008, Comissão/Département du Loiret, C‑295/07 P, Colect., p. I‑9363, n.° 44).

156    Na presente parte do terceiro fundamento, a recorrente defende, no essencial, que o Tribunal de Primeira Instância devia ter penalizado a fundamentação insuficiente de que padecia a decisão controvertida, na parte em que esta diz respeito à recorrente.

157    Como resulta do n.° 87 do acórdão recorrido e dos elementos dos autos no Tribunal de Primeira Instância, os argumentos invocados pela recorrente, em resposta à comunicação de acusações, para ilidir a presunção aplicada pela Comissão, estão sucintamente enumerados no considerando 257 da decisão controvertida. A tomada de posição da Comissão em relação a estes elementos consta dos considerandos 258 a 261 dessa decisão.

158    Atendendo a estes considerandos, o Tribunal de Primeira Instância, depois de expor os aspectos essenciais do considerando 258 da referida decisão no n.° 85 do acórdão recorrido, conclui, no número seguinte, que «ainda que a Comissão tenha expressamente afirmado, [no referido considerando], que a detenção de 98% do capital era suficiente para imputar à Elf Aquitaine a responsabilidade pelos actos da Atofina, precisou, contudo, no seguimento do referido considerando, que as provas apresentadas pela recorrente não permitiam ilidir a presunção.»

159    Embora seja verdade que, nos considerandos 259 a 261 da decisão controvertida, a Comissão responde a certos argumentos invocados pela recorrente, não é menos verdade que esses considerandos não respondem a muitos outros argumentos em relação aos quais a única tomada de posição na decisão controvertida é composta pelo referido considerando 258. Em conformidade com a jurisprudência exposta nos n.os 54 a 58 do presente acórdão, esses argumentos diziam em particular respeito a aspectos económicos, organizacionais e jurídicos destinados a demonstrar que, à época dos factos controvertidos, a Atofina determinava o seu comportamento no mercado de forma autónoma e, no essencial, não aplicava as instruções que lhe eram dadas pela sua sociedade‑mãe.

160    No essencial, os argumentos eram os seguintes:

–        a Elf Aquitaine é uma mera «holding pura» sem funções operacionais no interior de um grupo caracterizado por uma gestão descentralizada das suas filiais;

–        a gestão da actividade da Atofina no mercado não esteve subordinada às instruções da Elf Aquitaine;

–        a Atofina não informou a Elf Aquitaine da sua actuação no mercado;

–        a Atofina tinha o poder de celebrar contratos sem autorização prévia da Elf Aquitaine;

–        a Atofina dispunha de uma autonomia financeira em relação à Elf Aquitaine;

–        a Atofina sempre definiu a sua estratégia jurídica de forma autónoma, e

–        a percepção dos terceiros.

161    É certo que, como resulta dos n.os 50 e 154 do presente acórdão, e como refere o Tribunal no n.° 90 do acórdão recorrido, a Comissão não é necessariamente obrigada a tomar posição sobre todos os argumentos invocados perante ela pelos interessados.

162    Contudo, decorre igualmente do n.° 150 do presente acórdão que a exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto.

163    Segundo a recorrente, a decisão controvertida e o procedimento na qual se insere são caracterizados, em particular, pelo facto de a referida decisão, que se apoia, nomeadamente em relação à recorrente, apenas numa presunção de responsabilidade pelos actos da sua filial, sem apresentar elementos suplementares destinados a demonstrar um envolvimento no comportamento comercial dessa filial, se ter afastado da prática decisória habitual da Comissão.

164    A este respeito, a Comissão defende que a jurisprudência e a sua prática decisória em matéria de responsabilidade das sociedades‑mãe eram bem conhecidas desde o início do procedimento que conduziu à decisão controvertida. Contudo, indicou nos seus articulados que «a prática da Comissão quanto à utilização da presunção baseada na detenção da totalidade do capital nem sempre foi idêntica». Além disso, embora afirme ter decidido, «por volta de 2002‑2003», aplicar essa presunção de forma mais sistemática, a Comissão não remete para nenhuma decisão ou outro documento que demonstre essa mudança de abordagem. Por outro lado, a Comissão não se pronuncia directamente sobre a afirmação da recorrente nos termos da qual o considerando 574 da decisão de 1 de Outubro de 2008, referida no n.° 136 do presente acórdão, reconheceu que a decisão controvertida marca uma ruptura com a prática decisória anterior, nomeadamente em relação à recorrente.

165    De qualquer modo, no caso em apreço, é pacífico, como resulta nomeadamente dos n.os 136 e 143 do presente acórdão, que na decisão peróxidos orgânicos não foi aplicada à recorrente nenhuma coima conjunta e solidariamente com a sua filial pelo comportamento ilícito desta última, embora não existam diferenças objectivas, pelo menos na perspectiva da recorrente, a respeito dos vínculos entre a recorrente e a sua filial nos dois casos.

166    A decisão controvertida e o procedimento em que se insere são, além disso, caracterizados pelas seguintes circunstâncias:

–        uma vez que a coima relativa ao comportamento ilícito da Atofina foi aplicada conjunta e solidariamente a esta última e à recorrente, é utilizado um factor multiplicador mais elevado para o cálculo do montante de partida da coima, pelo que o montante final dessa coima pode ser muito mais elevado que no caso de a filial ser a única destinatária da coima,

–        a coima é aplicada à recorrente com base no fundamento único de uma «presunção segundo a qual a Elf Aquitaine é responsável pelos actos da sua filial Atofina», presunção essa que não se aplica necessariamente de forma idêntica à presunção do exercício efectivo de uma influência determinante, exposta nos n.os 56 e 57 do presente acórdão,

–        como resulta da parte do presente acórdão consagrada ao segundo fundamento, a recorrente só foi formalmente avisada da possibilidade de lhe ser imputada a responsabilidade pelo comportamento ilícito da sua filial na fase da comunicação de acusações, ou seja, quatro anos depois do início dos inquéritos da Comissão;

–        em resposta à comunicação de acusações a recorrente apresentou, como decorre do autos no Tribunal de Primeira Instância, uma série de argumentos sobre a prática decisória da Comissão e sobre certos documentos juntos em anexo, apoiando‑se, nomeadamente, na jurisprudência da União.

167    Nestas condições, como decorre dos n.os 146 a 155 do presente acórdão, em particular dos seus n.os 148, 152, 153 e 155, tendo em conta todas as circunstâncias do caso em apreço e em particular a mudança de abordagem em relação à recorrente – não contestada no presente processo – entre a decisão peróxidos orgânicos e a decisão controvertida, incumbia ao Tribunal de Primeira Instância dar especial atenção à questão de saber se essa última decisão continha uma exposição circunstanciada dos motivos pelos quais a Comissão considerava que os elementos apresentados pela recorrente não eram suficientes para ilidir a presunção aplicada nessa decisão.

168    Ora, como decorre do n.° 85 do acórdão recorrido, o considerando 258 da decisão controvertida, o qual é a única tomada de posição da Comissão que corresponde aos argumentos enumerados no n.° 160 do presente acórdão, consiste apenas numa mera série de simples afirmações e negações, repetitivas e de forma alguma circunstanciadas. Nas circunstâncias particulares do caso em apreço, dada a falta de precisões complementares, essa série de afirmações e de negações não permite aos interessados conhecerem as justificações da medida tomada, ou ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização. Por exemplo, devido à formulação do referido considerando é muito difícil, ou mesmo impossível saber, em particular, se o conjunto de indícios apresentado pela recorrente para ilidir a presunção que lhe é aplicada pela Comissão foi rejeitado porque não era convincente ou porque, na opinião da Comissão, o simples facto de a recorrente deter 98% do capital da Atofina era suficiente para imputar a responsabilidade pela actuação da Atofina à recorrente, independentemente dos indícios apresentados por esta última em resposta à comunicação de acusações.

169    Por conseguinte, não se pode interpretar o considerando 258 da decisão controvertida no sentido de que fundamenta de forma suficiente a posição da Comissão a respeito de vários argumentos detalhados da recorrente.

170    Atendendo ao acima exposto, impõe‑se concluir que, nas circunstâncias particulares do caso em apreço, o Tribunal de Primeira Instância, tendo em conta a jurisprudência exposta nos n.os 147 a 155 do presente acórdão, cometeu um erro de direito ao considerar, no n.° 91 do acórdão recorrido, que a decisão controvertida era conforme ao artigo 253.° CE e ao não penalizar a falta de fundamentação de que padece a decisão controvertida no que respeita à coima aplicada à recorrente.

171    Resulta daqui que a primeira parte do terceiro fundamento deve ser julgada procedente.

 Quanto à segunda parte do terceiro fundamento e quanto ao quarto e sexto fundamentos

172    No essencial, a segunda parte do terceiro fundamento baseia‑se no carácter incompreensível e circular de certos elementos do raciocínio do Tribunal de Primeira Instância.

173    Com o seu quarto fundamento, a recorrente alega que, nos n.os 160 e seguintes do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância ultrapassou os limites da sua fiscalização da legalidade ao substituir a sua própria fundamentação à fundamentação, insuficiente, da Comissão.

174    Como resulta do n.° 27 do presente acórdão, o sexto fundamento é invocado a título subsidiário.

175    Tendo em conta a resposta dada à primeira parte do terceiro fundamento, não há que analisar a sua segunda parte nem os quarto ou sexto fundamentos.

176    Atendendo ao conjunto das considerações precedentes, há que dar provimento ao recurso e anular o acórdão recorrido.

 Quanto ao recurso no Tribunal de Primeira Instância

177    Em conformidade com o artigo 61.°, primeiro parágrafo, segundo período, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, este último pode, em caso de anulação da decisão do Tribunal de Primeira Instância, decidir definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado. Assim acontece no caso presente.

178    Como decorre do n.° 9 do presente acórdão, o segundo fundamento invocado no Tribunal de Primeira Instância baseia‑se numa insuficiência de fundamentação. Com este fundamento, a recorrente alega, no essencial, que a decisão controvertida padece de uma fundamentação insuficiente, na medida em que imputa à recorrente a responsabilidade pelo comportamento ilícito da sua filial apenas com fundamento no nível de detenção do capital desta última, sem mais explicações.

179    Tendo em conta as observações que figuram nos n.os 144 a 171 do presente acórdão, no âmbito da primeira parte do terceiro fundamento de recurso, o referido segundo fundamento invocado no Tribunal de Primeira Instância deve ser julgado procedente.

180    Por conseguinte, deve anular‑se a decisão controvertida na parte em que imputa à recorrente a infracção em questão e lhe aplica uma coima sem fundamentação adequada às circunstâncias do caso concreto.

181    Nestas condições, não há que examinar os outros fundamentos de recurso apresentados no Tribunal de Primeira Instância.

 Quanto às despesas

182    O primeiro parágrafo do artigo 122.°, do Regulamento de Processo prevê que, se o recurso for julgado improcedente, ou for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

183    Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do mesmo regulamento, aplicável aos processos de recursos de decisões do Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 118.° do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. O artigo 69.°, n.° 3, primeiro parágrafo, deste mesmo regulamento precisa contudo que, se cada parte obtiver vencimento parcial, ou em circunstâncias excepcionais, o Tribunal pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes, ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas.

184    Uma vez que tanto a recorrente como a Comissão foram parcialmente vencidas no âmbito do presente recurso, há que decidir que as mesmas suportarão as suas próprias despesas no âmbito deste processo.

185    Em contrapartida, no que respeita às despesas relativas ao recurso em primeira instância, tendo a Comissão sido vencida, e na medida em que a recorrente o requereu, há que condenar a Comissão nas despesas do processo em primeira instância.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

1)      O acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias, de 30 de Setembro de 2009, Elf Aquitaine/Comissão (T‑174/05), é anulado.

2)      A Decisão C (2004) 4876 final da Comissão, de 19 de Janeiro de 2005, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° [CE] e do artigo 53.° do Acordo EEE (processo COMP/E‑1/37.773 – AMCA) é anulada na parte em que imputa à Elf Aquitaine SA a infracção em questão e lhe aplica uma coima.

3)      A Elf Aquitaine SA e a Comissão Europeia suportarão as suas próprias despesas no presente recurso.

4)      A Comissão Europeia é condenada nas despesas da primeira instância.

Assinaturas


** Língua do processo: francês.

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