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Document 62015CP0215

    Tomada de posição do advogado-geral P. Mengozzi apresentada em 10 de setembro de 2015.

    Court reports – general ; Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2015:725

    TOMADA DE POSIÇÃO DO ADVOGADO‑GERAL

    PAOLO MENGOZZI

    apresentada em 10 de setembro de 2015 ( 1 )

    Processo C‑215/15

    Vasilka Ivanova Gogova

    contra

    Ilia Dimitrov Iliev

    «Competência dos órgãos jurisdicionais de um Estado‑Membro em matéria de responsabilidade parental — Regulamento (CE) n.o 2201/2003 — Litígio entre os progenitores quanto à possibilidade de a criança viajar para o estrangeiro e à emissão de documentos de identificação da criança — Artigo 1.o, n.o 1 — Conceito de matéria civil — Artigo 2.o, n.o 7 — Conceito de responsabilidade parental — Artigo 12.o — Não comparência do requerido — Não contestação da competência por parte do mandatário do requerido nomeado pelo órgão jurisdicional»

    1. 

    No presente processo, o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se sobre o âmbito de aplicação material do Regulamento (CE) n.o 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1347/2000 ( 2 ). Este processo dar‑lhe‑á a possibilidade de esclarecer a sua jurisprudência relativa a aplicabilidade deste regulamento às medidas que, do ponto de vista de direito de um Estado‑Membro, são do âmbito do direito público.

    2. 

    Em especial, este processo dará ao Tribunal de Justiça a oportunidade de se pronunciar sobre a extensão da competência, em matéria de responsabilidade parental, do tribunal do Estado‑Membro com o qual a criança tem uma ligação particular, prevista no artigo 12.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2201/2003. O Tribunal de Justiça deve determinar neste caso se é possível considerar que uma parte que não comparece em juízo aceitou a competência do tribunal, na aceção desta disposição, quando é representada por um mandatário nomeado por esse tribunal e tal mandatário não contesta a competência do mesmo. Esta questão foi já examinada no âmbito do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial ( 3 ), mas não do Regulamento n.o 2201/2003.

    I – Quadro jurídico

    A – Direito da União

    3.

    Segundo o artigo 1.o do Regulamento n.o 2201/2003:

    «1.   O presente regulamento é aplicável, independentemente da natureza do tribunal, às matérias civis relativas:

    a)

    […];

    b)

    À atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental.

    2.   As matérias referidas na alínea b) do n.o 1 dizem, nomeadamente, respeito:

    a)

    Ao direito de guarda e ao direito de visita;

    b)

    À tutela, à curatela e a outras instituições análogas;

    c)

    À designação e às funções de qualquer pessoa ou organismo encarregado da pessoa ou dos bens da criança e da sua representação ou assistência;

    d)

    À colocação da criança ao cuidado de uma família de acolhimento ou de uma instituição;

    e)

    Às medidas de proteção da criança relacionadas com a administração, conservação ou disposição dos seus bens.

    3.   O presente regulamento não é aplicável:

    a)

    Ao estabelecimento ou impugnação da filiação;

    b)

    Às decisões em matéria de adoção, incluindo as medidas preparatórias, bem como à anulação e revogação da adoção;

    c)

    Aos nomes e apelidos da criança;

    d)

    À emancipação;

    e)

    Aos alimentos;

    f)

    Aos fideicomissos (‘trusts’) e sucessões;

    g)

    Às medidas tomadas na sequência de infrações penais cometidas por crianças.»

    4.

    O artigo 2.o, n.o 7, do Regulamento n.o 2201/2003 define a «responsabilidade parental» como «o conjunto dos direitos e obrigações conferidos a uma pessoa singular ou coletiva por decisão judicial, por atribuição de pleno direito ou por acordo em vigor relativo à pessoa ou aos bens de uma criança. O termo compreende, nomeadamente, o direito de guarda e o direito de visita».

    5.

    O artigo 2.o, n.o 10, do Regulamento n.o 2201/2003 define o «direito de visita» como «nomeadamente o direito de levar uma criança, por um período limitado, para um lugar diferente do da sua residência habitual».

    6.

    Segundo o artigo 8.o do Regulamento n.o 2201/2003:

    «1.   Os tribunais de um Estado‑Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado‑Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal.

    2.   O n.o 1 é aplicável sob reserva do disposto nos artigos 9.°, 10.° e 12.°»

    7.

    O artigo 12.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003 prevê que «[o]s tribunais do Estado‑Membro que, por força do artigo 3.o, são competentes para decidir de um pedido de divórcio, de separação ou de anulação do casamento, são competentes para decidir de qualquer questão relativa à responsabilidade parental relacionada com esse pedido quando:

    a)

    Pelo menos um dos cônjuges exerça a responsabilidade parental em relação à criança; e

    b)

    A competência desses tribunais tenha sido aceite, expressamente ou de qualquer outra forma inequívoca pelos cônjuges ou pelos titulares da responsabilidade parental à data em que o processo é instaurado em tribunal, e seja exercida no superior interesse da criança».

    8.

    O artigo 12.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2201/2003 dispõe que «[o]s tribunais de um Estado‑Membro são igualmente competentes em matéria de responsabilidade parental em processos que não os referidos no n.o 1, quando:

    a)

    A criança tenha uma ligação particular com esse Estado‑Membro, em especial devido ao facto de um dos titulares da responsabilidade parental ter a sua residência habitual nesse Estado‑Membro ou de a criança ser nacional desse Estado‑Membro; e

    b)

    A sua competência tenha sido aceite explicitamente ou de qualquer outra forma inequívoca por todas as partes no processo à data em que o processo é instaurado em tribunal e seja exercida no superior interesse da criança».

    B – Legislação búlgara

    9.

    Segundo o artigo 127.o a do Código da Família búlgaro (Semeen kodeks, a seguir «SK»):

    «1.   As questões relacionadas com a viagem de uma criança para o estrangeiro e com a emissão dos documentos de identificação necessários para esse efeito são resolvidas por comum acordo entre os progenitores.

    2.   Caso os progenitores não cheguem ao acordo previsto no n.o 1, o litígio será dirimido pelo Rayonen sad [ ( 4 )] em que a criança tiver o seu domicílio.

    3.   O processo é iniciado mediante requerimento de um dos progenitores. O tribunal ouve o outro progenitor, salvo se este não comparecer sem motivo válido. O tribunal pode obter provas oficiosamente.

    4.   O tribunal pode autorizar a execução provisória da decisão proferida.»

    10.

    O artigo 45.o, n.o 1, da Lei relativa aos documentos de identificação (Zakon za balgarskite dokumenti za samolichnost/za balgarskite lichni dokumenti, a seguir «ZBLD») dispõe que o requerimento de um passaporte para menores deve ser pessoalmente apresentado pelos respetivos progenitores.

    11.

    Nos termos do artigo 78.o, n.o 1, conjugado como artigo 76.o, n.o 9, da ZBLD, o Ministro da Justiça ou, sendo caso disso, uma pessoa por este autorizada para o efeito, pode recusar a saída da criança do território nacional, quando não for exibida uma autorização escrita de saída da criança do território, subscrita pelos progenitores e reconhecida notarialmente.

    12.

    Segundo o artigo 47.o do Código de Processo Civil búlgaro (Grazhdanski protsesualen kodeks, a seguir «GPK»):

    «1.   Caso seja impossível encontrar o demandado no endereço constante dos autos e encontrar uma pessoa que aceite receber a citação, será afixada uma notificação na porta ou na caixa de correio da pessoa em causa; quando a estas não se tenha acesso a afixação será feita na porta de entrada do prédio, ou num local próximo visível. Quando se tenha acesso à carta de correio, será também aí deixada uma notificação.

    2.   A notificação em questão refere que o processo deu entrada na Secretaria do tribunal, quando a citação seja feita por um funcionário do tribunal ou por um oficial de justiça, ou que foi apresentado na Secretaria do município, quando seja feita por um funcionário municipal, e que pode aí ser levantado dentro do prazo de duas semanas a contar da data da afixação da notificação.

    3.   Se o demandado não levantar os documentos, o tribunal notifica o demandante para fornecer informações sobre o domicílio daquele, salvo nos casos previstos nos artigos 40.°, n.o 2 e 41.°, n.o 1, em que a notificação é junta aos autos. Se o domicílio indicado não corresponder ao domicílio habitual ou atual da parte, o tribunal determina a realização da citação, nos termos dos n.os 1 e 2 no domicílio atual ou habitual.

    4.   Se o funcionário verificar que o demandado não reside no domicílio indicado, o tribunal notifica o demandante para apresentar informações sobre o domicílio daquele, sem prejuízo da afixação da nota de citação nos termos do n.o 1.

    5.   A citação considera‑se realizada após o decurso do prazo para o levantamento na Secretaria do tribunal ou do município.

    6.   Ao considerar a citação regularmente efetuada, o tribunal ordena a sua incorporação nos autos e designa um mandatário ao demandado, a expensas do demandante.»

    II – Factos, tramitação processual no processo principal e questões prejudiciais

    13.

    A recorrente, de nacionalidade búlgara, vive em Itália, onde coabitou durante vários anos com Ilia Dimitrov Iliev, também de nacionalidade búlgara. Têm uma filha, nascida em 2 de novembro de 2004.

    14.

    A recorrente e I. Iliev estão separados. A recorrente vive com a filha em Milão, onde tem um emprego estável, e a criança frequenta o quarto ano do ensino básico. I. Iliev vive também em Itália, onde tem emprego estável. Vê a filha de duas ou de três em três semanas.

    15.

    A criança tem nacionalidade búlgara. Obteve um passaporte búlgaro, válido até 5 de abril de 2012. I. Iliev não prestou o auxílio necessário para a renovação do passaporte da sua filha.

    16.

    A recorrente dirigiu‑se, portanto, ao Rayonen sad de Petrich, nos termos do artigo 127.o a do SK, pedindo a resolução do litígio entre os progenitores quanto à possibilidade de a sua filha viajar para o estrangeiro e à emissão dos documentos de identificação necessários para o efeito, suprindo a falta de consentimento do pai.

    17.

    Tendo o Rayonen sad verificado que estavam preenchidas os requisitos previstos no artigo 47.o, n.o 6, do GPK, nomeou um mandatário especial ao pai depois de a recorrente ter pago a respetiva remuneração, fixada pelo Rayonen sad. O mandatário especial não contestou a competência do tribunal búlgaro para conhecer do litígio.

    18.

    Por despacho de 10 de novembro de 2014, o Rayonen sad de Petrich julgou a ação inadmissível. Declarou‑se incompetente e extinguiu a instância. Constatou que, uma vez que o litígio respeitava ao exercício da responsabilidade parental e que a criança residia habitualmente em Itália, os tribunais italianos são exclusivamente competentes para conhecer do mesmo, nos termos do artigo 8.o do Regulamento n.o 2201/2003.

    19.

    A recorrente interpôs recurso do despacho do Rayonen sad de Petrich de 10 de novembro de 2014.

    20.

    O Okrazhen sad ( 5 ) de Blagoevgrad confirmou o despacho do Rayonen sad. Considerou, tal como o Rayonen sad, que o litígio respeitava à responsabilidade parental e que, residindo a criança habitualmente em Itália, o artigo 8.o do Regulamento n.o 2201/2003 indicava os tribunais italianos. Além disso, esclareceu que a extensão de competência prevista no artigo 12.o, n.o 1, alínea b), deste regulamento não era aplicável, na mediada em que não era o requerido que tinha comparecido, mas um mandatário nomeado pelo tribunal para o representar.

    21.

    A recorrente interpôs recurso do despacho do Okrazhen sad para o Varhoven kasatsionen sad, o Supremo Tribunal. Este questiona‑se sobre a aplicabilidade ao litígio do Regulamento n.o 2201/2003: levanta a questão de saber se a autorização da viagem para o estrangeiro da criança e a emissão de um passaporte se inserem no âmbito da responsabilidade parental, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, alínea b), deste regulamento.

    22.

    O Varhoven kasatsionen sad indica que esse tribunal proferiu dois despachos contraditórios, um em 1 de dezembro de 2010, em que declarou que uma ação instaurada nos termos do artigo 127.o a do SK, segundo o qual os progenitores podem dirigir‑se ao tribunal em caso de desacordo quanto à viagem de uma criança para o estrangeiro e à emissão dos documentos de identificação necessários para o efeito, não se inscreve no âmbito do conceito de responsabilidade parental, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 2201/2003, e não é, portanto, abrangida pelo âmbito de aplicação deste; o outro, de 9 de janeiro de 2014, em que declarou que tal ação se inscreve no conceito de responsabilidade parental.

    23.

    O Varhoven kasatsionen sad levanta também a questão de saber se a extensão de competência prevista no artigo 12.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 2201/2003 é aplicável quando o requerido, embora não tenha contestado a competência do tribunal búlgaro, esteja representado por um mandatário nomeado pelo tribunal.

    24.

    O Varhoven kasatsionen sad decidiu, portanto, suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    A possibilidade, prevista na lei, de os tribunais cíveis dirimirem um litígio entre os progenitores relativo à viagem para o estrangeiro de um filho de ambos e à emissão de documentos de identificação, sendo que o direito substantivo aplicável prevê o exercício conjunto destes direitos parentais em relação ao filho, constitui uma matéria relativa à «atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental», na aceção do artigo 1.o, n.o 1, alínea b), conjugado com o artigo 2.o, n.o 7, do Regulamento (CE) n.o 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, à qual é aplicável o artigo 8.o, n.o 1, do mesmo Regulamento?

    2)

    Verificam‑se os fundamentos da competência internacional em processos cíveis relativos à responsabilidade parental quando a decisão judicial supre um pressuposto legal necessário para um processo administrativo relativo à criança e o direito aplicável impõe que esse processo decorra num determinado Estado‑Membro da União Europeia?

    3)

    Deve entender‑se que há uma extensão da competência, nos termos do artigo 12.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 2201/2003, se o mandatário do recorrido não impugnar a competência do tribunal, quando esse mandatário não tiver sido constituído pelo recorrido, mas nomeado pelo tribunal, devido à dificuldade em citar o recorrido para comparecer pessoalmente ou constituir mandatário judicial?»

    25.

    O órgão jurisdicional de reenvio pediu ao Tribunal de Justiça que aplicasse a tramitação prejudicial urgente prevista no artigo 107.o do seu Regulamento de Processo. Em 20 de maio de 2015, o Tribunal de Justiça decidiu indeferir este pedido.

    26.

    Por despacho de 3 de julho de 2015 ( 6 ), o presidente do Tribunal de Justiça decidiu submeter o presente processo à tramitação acelerada prevista no artigo 105.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

    27.

    As questões prejudiciais foram objeto de observações escritas por parte do Governo espanhol e da Comissão Europeia. Os Governos espanhol e checo, bem como a Comissão, foram ouvidos na audiência realizada em 9 de setembro de 2015.

    III – Apreciação

    28.

    Através da primeira e segunda questões, que devem ser apreciadas conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça quanto ao âmbito de aplicação material do Regulamento n.o 2201/2003. Debruçar‑me‑ei, portanto, sobre a aplicabilidade deste regulamento ao caso em apreço. Seguidamente, examinarei a terceira questão prejudicial, que respeita a uma das condições da extensão da competência em matéria de responsabilidade parental dos tribunais do Estado‑Membro com o qual a criança tem uma ligação particular, prevista no artigo 12.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2201/2003.

    A – Quanto à primeira e segunda questões prejudiciais

    29.

    Através da primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça se a autorização para a criança viajar para fora do território nacional e o pedido de um passaporte para este efeito se inscrevem no conceito de responsabilidade parental, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, alínea b), e do artigo 2.o, n.o 7, do Regulamento n.o 2201/2003. Através da segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça, essencialmente, se a ação pela qual um dos progenitores pede ao tribunal que supra a falta de consentimento do outro progenitor para a viagem da criança e para o pedido de um passaporte se inscreve no conceito de matérias civis, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003, apesar de a decisão do tribunal se destinar a ser tomada em conta pela administração nacional para a emissão do passaporte da criança.

    30.

    O artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003 dispõe que este «é aplicável, independentemente da natureza do tribunal, às matérias civis relativas: […] b) [à] atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental». Para seguir a letra desta disposição, que define o âmbito de aplicação do regulamento por referência, em primeiro lugar, às matérias civis e, seguidamente, à responsabilidade parental, passarei a examinar se a autorização para a criança viajar para fora do território nacional e o pedido de um passaporte para este efeito constituem «matérias civis» na aceção do artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003, antes de verificar se se inscrevem no conceito de «responsabilidade parental», como é definido pelo artigo 2.o, n.o 7, deste regulamento.

    1. Quanto ao conceito de «matérias civis» na aceção do artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003

    31.

    O Regulamento n.o 2201/2003 não define as matérias civis, nem nos artigos 1.° e 2.°, relativos, respetivamente, ao âmbito de aplicação do regulamento e à definição dos termos nele utilizados, nem nos seus considerandos. Limita‑se a enumerar, no artigo 1.o, n.o 3, as matérias às quais não é aplicável, concretamente, o estabelecimento ou impugnação da filiação, as decisões em matéria de adoção, incluindo as medidas preparatórias, bem como a anulação e revogação da adoção, os nomes e apelidos da criança, a emancipação, os alimentos, os fideicomissos (‘trusts’) e sucessões, e as medidas tomadas na sequência de infrações penais cometidas por crianças ( 7 ).

    32.

    O artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003 inspira‑se na Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, assinada em de 27 de setembro de 1968 ( 8 ) (a seguir «Convenção de Bruxelas de 1968»). O artigo 1.o, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas de 1968 dispõe, com efeito, que esta «[se] aplica em matéria civil e comercial e qualquer que seja a natureza do órgão jurisdicional». À semelhança do Regulamento n.o 2201/2003, a Convenção de Bruxelas de 1968 não define a matéria civil e comercial senão pela negativa ( 9 ), através das exclusões enumeradas no segundo parágrafo do seu artigo 1.o ( 10 ).

    33.

    Não há qualquer dúvida de que, como o Tribunal de Justiça declarou no seu acórdão C ( 11 ), o conceito de matérias civis, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003, deve ser interpretado autonomamente, única forma suscetível de assegurar a aplicação uniforme deste regulamento e, como salientou o Governo checo na audiência, de garantir a igualdade de todas as crianças ( 12 ), independentemente de residirem ou não no Estado‑Membro de que são nacionais.

    34.

    No caso em apreço, a ação submetida ao órgão jurisdicional de reenvio visa obter o suprimento da falta de consentimento do pai para a viagem da criança e para o pedido de um passaporte. Ora, a emissão de um passaporte é um ato administrativo. Convém, portanto, examinar se o litígio no processo principal se inscreve no conceito de matérias civis, caso em que o Regulamento n.o 2201/2003 lhe é aplicável, ou se deve ser excluído do âmbito de aplicação deste regulamento, por constituir matéria administrativa.

    35.

    Na minha opinião, o litígio no processo principal constitui matéria civil, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003, pelas razões que passo a expor.

    36.

    Em primeiro lugar, há que salientar que este litígio não está relacionado com nenhuma das matérias que o artigo 1.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2201/2003 exclui do seu âmbito de aplicação ( 13 ).

    37.

    Em segundo lugar, observo que, nos termos do considerando 10 do Regulamento n.o 2201/2003, este regulamento não se destina a ser aplicável «às medidas públicas de caráter geral em matéria de educação e saúde» ( 14 ). Daqui depreendo que se destina a ser aplicável a outras medidas públicas que não as de caráter geral relativas à educação e à saúde ( 15 ).

    38.

    Em terceiro lugar, saliento que o Regulamento n.o 44/2001 dispõe, no seu artigo 1.o, n.o 1, que «não abrange, nomeadamente, as matérias fiscais, aduaneiras e administrativas» ( 16 ). Esta reserva foi introduzida em 1978, aquando da adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte à Convenção de Bruxelas de 1968 ( 17 ), para tomar em conta o facto de o Reino Unido e a Irlanda ignorarem praticamente a distinção, corrente nos sistemas jurídicos dos Estados‑Membros originários, entre direito público e direito privado, convindo, portanto, esclarecer as matérias que não eram consideradas civis ( 18 ). Ao contrário do Regulamento n.o 44/2001, o Regulamento n.o 2201/2003 não prevê, no seu artigo 1.o, que não é aplicável a matérias administrativas. Ora, a adoção do Regulamento n.o 2201/2003, em 27 de novembro de 2003, é posterior à do Regulamento n.o 44/2001, em 22 de dezembro de 2000 e, sobretudo, à introdução, em 1978, da reserva relativa às matérias administrativas na Convenção de Bruxelas de 1968. Consequentemente, se a intenção do legislador tivesse sido a de excluir as matérias administrativas do âmbito de aplicação do Regulamento n.o 2201/2003, parece‑me que o teria previsto expressamente.

    39.

    Em quarto lugar, mesmo admitindo que o artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003 devesse ser interpretado no sentido de excluir do seu âmbito de aplicação as matérias administrativas, tal exclusão não poderia, na minha opinião, respeitar a todas as matérias administrativas: respeitaria apenas às manifestações de prerrogativas do poder público.

    40.

    Com efeito, no que respeita ao Regulamento n.o 44/2001 ( 19 ), o Tribunal de Justiça declarou que, para determinar se um litígio se insere no âmbito da matéria civil, na aceção do Regulamento n.o 44/2001, há que examinar a natureza das relações jurídicas entre as partes e o objeto do litígio. Daí concluiu que, embora determinados litígios que opõem uma autoridade pública a uma entidade privada possam entrar no âmbito desse conceito, o mesmo já não acontece se a autoridade pública atuar no exercício do poder público ( 20 ).

    41.

    Ora, parece‑me que o conceito de matérias civis, na aceção do Regulamento n.o 2201/2003, não pode ser interpretado mais estritamente do que o conceito de matéria civil, na aceção do Regulamento n.o 44/2001, na medida em que o Regulamento n.o 2201/2003 não prevê expressamente, ao contrário do Regulamento n.o 44/2001, a exclusão das matérias administrativas. Consequentemente, admitindo que o artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003 deva ser interpretado no sentido de que este regulamento não é aplicável às matérias administrativas, não bastaria, para excluir um litígio do âmbito do conceito de matérias civis, que opusesse uma autoridade pública a uma entidade de direito privado: seria necessário, além disso, que essa autoridade tivesse exercido o seu poder público.

    42.

    Para determinar se um litígio é abrangido pelo âmbito da matéria civil, na aceção do Regulamento n.o 44/2001, importa tomar em conta, como já referi, dois critérios: por um lado, a natureza das relações jurídicas entre as partes no litígio (se estas relações forem puramente de direito privado, o litígio constitui matéria civil), por outro, o objeto do litígio (se o litígio não tiver por objeto uma manifestação do poder público, constitui matéria civil).

    43.

    No que respeita, em primeiro lugar, à natureza jurídica das relações entre as partes, o Tribunal de Justiça aprecia‑a à luz da qualidade das partes, autoridades públicas ou entidades privadas, bem como do fundamento e das modalidades de exercício da ação ( 21 ).

    44.

    Assim, um litígio em que ambas as partes são particulares é necessariamente uma relação jurídica de direito privado. No acórdão Henkel, o Tribunal de Justiça considerou que constitui matéria civil a ação pela qual uma associação de consumidores pretende obter uma injunção que proíba um comerciante de utilizar cláusulas abusivas. O Tribunal de Justiça salientou, nomeadamente, que «uma associação de proteção de consumidores como a [que estava em causa] se reveste do caráter de um organismo de natureza privada» ( 22 ). De igual modo, no acórdão Frahuil, o Tribunal de Justiça declarou que é abrangida pelo âmbito da matéria civil a ação pela qual uma empresa que se constituiu fiadora, perante a administração aduaneira, quanto ao pagamento de direitos aduaneiros por parte de um transportador, pede o reembolso dos montantes pagos ao importador: o litígio opunha duas pessoas de direito privado ( 23 ). No acórdão flyLAL‑Lithuanian Airlines, o Tribunal de Justiça concluiu que é do domínio da matéria civil uma ação de indemnização intentada por uma transportadora aérea lituana contra a entidade gestora de um aeroporto letão pelos prejuízos causados por uma alegada violação do direito da concorrência. O Tribunal de Justiça salienta, nomeadamente, que, embora o Estado letão seja o acionista maioritário ou único dos requeridos, não é parte no litígio e que a requerente se queixava do montante excessivo das taxas pagas pela utilização das instalações aeroportuárias, ou seja, de um ato praticado pelos requeridos enquanto operador económico e que não implica o exercício de prerrogativas de autoridade pública ( 24 ).

    45.

    Se uma das partes no litígio for uma autoridade pública, o litígio não escapa, só por esta razão, à aplicação do Regulamento n.o 44/2001: só escapará se esta autoridade pública exercer, no âmbito do litígio, prerrogativas de poder público. Assim, no acórdão Sunico e o., o Tribunal de Justiça declarou que uma ação destinada a obter a cobrança de um crédito fiscal intentada pela administração fiscal britânica constitui matéria civil dado que, embora a requerente seja uma autoridade pública, atua apenas com fundamento no direito britânico da responsabilidade civil ( 25 ). De igual modo, no acórdão Sapir e o., o Tribunal de Justiça declarou que uma ação de indemnização das vítimas do regime nacional‑socialista intentada contra o Land de Berlim constitui matéria civil. Com efeito, era na qualidade de proprietário de imóveis onerados com direitos de restituição que o Land de Berlim era visado pela ação, e tinha a mesma obrigação de indemnizar que um proprietário privado ( 26 ).

    46.

    No que respeita, em segundo lugar, ao objeto do litígio, o litígio não constitui matéria civil se tiver por objeto uma manifestação do poder público, ou seja, se o pedido tiver origem direta num ato de poder público ( 27 ).

    47.

    Assim, no acórdão Lechouritou e o., o Tribunal de Justiça considerou que uma ação pela qual nacionais gregos pedem uma indemnização ao Estado alemão pelos prejuízos causados pelo massacre de civis por soldados das forças armadas alemãs em 1943 tem por objeto uma manifestação do poder público ( 28 ). Pelo contrário, no acórdão Apostolides, considerou que uma ação pela qual um particular, proprietário de um imóvel em Chipre que teve de abandonar por ocasião da invasão da ilha pelo exército turco em 1974, pede ao particular que adquiriu este imóvel a restituição imediata da posse, não tem por objeto uma manifestação do poder público ( 29 ). Se o Tribunal de Justiça adotou uma solução oposta nesses dois acórdãos tal deve‑se, na minha opinião, à circunstância de, no acórdão Lechouritou e o., o pedido ter por objeto a reparação de danos causados diretamente pelo ato de poder público (o massacre de civis), ao passo que, no acórdão Apostolides, o pedido tinha por objeto a posse de um imóvel adquirido na sequência de um ato de poder público (a invasão do exército), ou seja, o nexo entre o pedido e o ato de poder público era apenas indireto.

    48.

    A jurisprudência relativa ao conceito de matéria civil, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001 pode, como já se viu ( 30 ), ser transposta para o conceito de matérias civis, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003.

    49.

    No caso em apreço, o litígio submetido ao órgão jurisdicional de reenvio opõe dois particulares, os pais da criança. A mãe não poderia, evidentemente, exercer contra o pai qualquer prerrogativa que excedesse o direito comum. A relação jurídica entre as partes é, portanto, de puro direito privado.

    50.

    Há que salientar, além disso, que a ação intentada pela mãe visa obter do tribunal em causa o suprimento da falta de consentimento do pai para a emissão de um passaporte para a criança. O litígio não tem por objeto uma manifestação do poder público, uma vez que não se pede ao tribunal que emita esse passaporte, mas que supra a falta de consentimento do pai. Tem por objeto um desacordo entre os pais, pretendendo a mãe que a criança vá visitar a família à Bulgária e opondo‑se o pai a tal ou, pelo menos, não tomando as medidas necessárias para o efeito. O objeto do litígio é, portanto, estritamente de direito privado.

    2. Quanto ao conceito de «responsabilidade parental» na aceção do artigo 2.o, n.o 7, do Regulamento n.o 2201/2003

    51.

    O artigo 1.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 2201/2003 dispõe que as matérias civis relativas à atribuição, ao exercício, à delegação, à limitação ou à cessação da responsabilidade parental, às quais este regulamento é aplicável, dizem respeito, nomeadamente, ao direito de visita. O artigo 2.o, n.o 10, do Regulamento n.o 2201/2003 define o direito de vista como, nomeadamente, o direito de levar uma criança, por um período limitado, para um lugar diferente do da sua residência habitual.

    52.

    Ora, levar a criança de férias para junto da família, incluindo noutro Estado‑Membro (uma vez que o artigo 2.o, n.o 10, se refere simplesmente a «lugar diferente do da sua residência habitual»), e apresentar um pedido de passaporte para este efeito parece‑me corresponder perfeitamente à definição do direito de visita.

    53.

    Consequentemente, deve responder‑se ao órgão jurisdicional de reenvio no sentido de que uma ação pela qual um dos progenitores pede ao tribunal para suprir a falta de consentimento do outro progenitor para a viagem da criança e para o pedido de um passaporte é abrangida pelo âmbito das matérias civis relativas à responsabilidade parental, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, alínea b), e do artigo 2.o, n.os 7 e 10, do Regulamento n.o 2201/2003.

    B – Quanto à terceira questão prejudicial

    54.

    Através da sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, essencialmente, se se pode considerar que uma parte que não comparece aceitou a competência do tribunal, na aceção do artigo 12.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 2201/2003, quando é representada por um mandatário nomeado pelo tribunal e este não contesta a competência.

    55.

    Antes de examinar a terceira questão prejudicial, gostaria de apresentar alguns esclarecimentos quanto à repartição das competências em matéria de responsabilidade parental prevista pelo Regulamento n.o 2201/2003.

    56.

    O artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003 atribui competência, em matéria de responsabilidade parental, aos tribunais do Estado‑Membro no qual a criança resida habitualmente na data em que o processo seja instaurado. Porém, o artigo 8.o, n.o 2, deste regulamento dispõe que «o n.o 1 é aplicável sob reserva», nomeadamente, do artigo 12.o O artigo 12.o, n.o 1, prevê a competência, em matéria de responsabilidade parental, dos tribunais do Estado‑Membro que, por força do artigo 3.o ( 31 ), sejam competentes para decidir de um pedido de divórcio, de separação ou de anulação do casamento ( 32 ), ao passo que o artigo 12.o, n.o 3, prevê a competência, em matéria de responsabilidade parental, dos tribunais do Estado‑Membro com o qual a criança tenha uma ligação particular, nomeadamente devido ao facto de ser nacional desse Estado‑Membro.

    57.

    A competência dos tribunais do Estado‑Membro competentes para decidir um pedido de divórcio ou a dos tribunais do Estado‑Membro com o qual a criança tenha uma ligação particular, previstas no artigo 12.o, n.os 1 e 3, do Regulamento n.o 2201/2003, são, portanto, competências concorrentes da dos tribunais do Estado‑Membro da residência habitual da criança ( 33 ).

    58.

    Considero que, para fornecer uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, a terceira questão deve ser reformulada ( 34 ) de modo a ser examinada à luz do artigo 12.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2201/2003, e não do n.o 1 desta disposição. Passo a explicar a razão pela qual esta reformulação é necessária, antes de examinar a própria questão, ou seja, a de saber se se pode considerar que uma parte que não comparece mas está representada por um mandatário nomeado pelo tribunal, que não contesta a competência do tribunal, aceitou a competência desse tribunal, na aceção, portanto, do artigo 12.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2201/2003.

    1. Quanto à aplicabilidade do artigo 12.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2201/2003

    59.

    O artigo 12.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003 não pode, na minha opinião, ser aplicado ao presente processo. Com efeito, esta disposição prevê, como já se viu, a competência em matéria de responsabilidade parental dos tribunais do Estado‑Membro competente, por força do artigo 3.o, para decidir de um pedido de divórcio. Ora, o pedido de decisão prejudicial indica simplesmente que V. Gogova e I. Iliev coabitaram, o que leva a crer que nunca foram casados. Consequentemente, esta disposição não é aplicável ao litígio no processo principal.

    60.

    Em contrapartida, a competência dos tribunais búlgaros deve ser examinada à luz do artigo 12.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2201/2003, o qual prevê, de resto, o mesmo requisito que o artigo 12.o, n.o 1, concretamente, a aceitação da competência do tribunal ao qual o litígio foi submetido. Esta disposição prevê que os tribunais de um Estado‑Membro são «competentes em matéria de responsabilidade parental em processos que não os referidos no n.o 1» quando, em primeiro lugar, a criança tenha uma ligação particular com esse Estado‑Membro, «em especial devido ao facto de […] a criança ser nacional desse Estado‑Membro», em segundo lugar, todas as partes no litígio tenham aceitado explicitamente ou de qualquer outra forma inequívoca a competência desses tribunais e esta competência seja exercida no superior interesse da criança ( 35 ). Ora, resulta dos autos que a criança tem nacionalidade búlgara: está preenchida o primeiro requisito de extensão da competência prevista no artigo 12.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2201/2003.

    61.

    Esclareço que, no acórdão L, o Tribunal de Justiça declarou que a extensão da competência prevista no artigo 12.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2201/2003, em matéria de responsabilidade parental, pode ser aplicada sem que seja necessário que o processo nesta matéria esteja ligado a outro processo já pendente no tribunal a favor do qual se pretende a extensão de competência ( 36 ). Pouco importa, portanto, que não esteja pendente nenhum pedido de divórcio nos tribunais búlgaros: tal circunstância não obsta à aplicabilidade do artigo 12.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2201/2003 ( 37 ).

    62.

    Consequentemente, a terceira questão prejudicial mantém a sua pertinência. Com efeito, o n.o 1 e n.o 3 do artigo 12.o do Regulamento n.o 2201/2003 submetem a extensão da competência ao mesmo requisito: a aceitação expressa ou de qualquer outra forma inequívoca desta competência pelos «cônjuges ou pelos titulares da responsabilidade parental» (n.o 1) ou por «todas as partes no processo» (n.o 3). Para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, basta examinar à luz do n.o 3, e não do n.o 1, a questão de saber se se deve considerar que uma parte que não comparece e está representada por um mandatário nomeado pelo tribunal, que não contesta a competência desse tribunal, aceita a sua competência.

    2. Quanto à aceitação expressa ou inequívoca da competência

    63.

    Na minha opinião, não se pode considerar que um requerido que não compareceu aceitou a competência do tribunal, na aceção do artigo 12.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 2201/2003, apenas por esse tribunal, que não conseguiu citá‑lo do ato introdutório da instância, ter nomeado oficiosamente um mandatário para o representar, tendo este apresentado uma defesa quanto ao mérito sem suscitar a incompetência do tribunal.

    a) Quanto à livre escolha das partes, base da extensão da competência

    64.

    Saliento que a intenção do legislador da União era a de permitir às partes escolher o Estado‑Membro cujos tribunais seriam competentes para se pronunciarem sobre a responsabilidade parental. Com efeito, o artigo 12.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2201/2003 permite‑lhes afastar a competência dos tribunais do Estado‑Membro da residência habitual da criança a favor dos tribunais do Estado‑Membro com o qual a criança tem uma ligação particular. A intenção do legislador da União era, portanto, a de promover a autonomia das artes, oferecendo‑lhes uma escolha, sujeita, é certo, ao requisito de a criança ter uma ligação particular com o Estado‑Membro cujos tribunais são escolhidos ( 38 ), mas, ainda assim, uma escolha. É o que resulta da exposição de motivos da proposta de regulamento apresentada pela Comissão, segundo a qual o artigo 12.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2201/2003 «visa favorecer um acordo entre as partes, pelo menos em relação ao tribunal competente para apreciar o caso, permitindo também uma certa margem de manobra aos titulares da responsabilidade parental» ( 39 ).

    65.

    Ora, uma vez que a competência do tribunal ao qual o processo é submetido assenta na vontade das partes, importa garantir que ambas as partes consentiram efetivamente nessa atribuição de competência ( 40 ). A intenção do legislador, concretamente, a de promover a autonomia das partes, milita a favor de uma interpretação estrita da aceitação «explícit[a] ou de qualquer outra forma inequívoca» da competência do tribunal ao qual o litígio foi submetido ( 41 ).

    66.

    Saliento que o artigo 12.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 2201/2003 dispõe que a competência dos tribunais do Estado‑Membro escolhido pelas partes deve ser exercida «no superior interesse da criança». Atendendo ao caráter central do superior interesse da criança no sistema de competências estabelecido pelo Regulamento n.o 2201/2003 ( 42 ), parece‑me que esta indicação deve ser entendida como uma verdadeira obrigação, para o tribunal ao qual o litígio foi submetido, de se assegurar de que as partes não exerceram a sua autonomia em prejuízo do superior interesse da criança ( 43 ). Esta obrigação confirma a exigência de uma interpretação estrita da aceitação da competência dos tribunais aos quais sejam submetidos litígios com base no artigo 12.o, n.o 3.

    67.

    Ora, parece‑me que considerar que o requerido aceitou a competência dos tribunais búlgaros quando não pôde ser citado do ato introdutório da instância, com fundamento em que o mandatário nomeado pelo tribunal não contestou a competência deste, não responderia à exigência de uma interpretação estrita do requisito de aceitação previsto no artigo 12.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 2201/2003.

    68.

    Não posso deixar de ficar surpreendido por o tribunal búlgaro ter recorrido à nomeação de um mandatário para representar o requerido, quando resulta da decisão de reenvio que o pai vê a filha de duas ou de três em três semanas. Constato que, nos termos do artigo 47.o, n.o 4, do GPK ( 44 ), quando o tribunal em questão verifica que o requerido não reside no domicílio indicado, «notifica o autor para apresentar informações» a este respeito. Parece estranho, no mínimo, que a mãe confie regularmente a criança ao seu pai, mas ignore o domicílio deste. Saliento que o artigo 18.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003 prevê que o tribunal deve suspender a instância enquanto não se estabelecer que o requerido foi devidamente notificado do ato introdutório da instância, ou que «foram efetuadas todas as diligências nesse sentido» ( 45 ).

    69.

    Tenho dificuldade em conceber que se possa considerar que um requerido aceitou a competência dos tribunais de um Estado‑Membro se até ignora a existência do processo contra si intentado ( 46 ). Duvido também que um mandatário nomeado pelo tribunal ao qual foi submetido o litígio possa validamente aceitar a competência deste, quando não tem qualquer contacto com o requerido e não dispõe, portanto, dos elementos que lhe permitiriam apreciar a competência do tribunal em questão ( 47 ).

    b) Quanto ao justo equilíbrio entre os direitos da defesa e o direito do requerente a um recurso jurisdicional efetivo

    70.

    Saliento que, decidindo da interpretação do artigo 24.o, primeira frase, do Regulamento n.o 44/2001, que prevê que, «[p]ara além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento, é competente o tribunal de um Estado‑Membro perante o qual o requerido compareça», o Tribunal de Justiça declarou, no recente acórdão A, que a comparência do curador nomeado, na ausência do requerido, por um tribunal austríaco, não equivalia à comparência em juízo do requerido na aceção desse artigo 24.o, ou seja, não implicava a competência do tribunal ao qual o processo tinha sido submetido ( 48 ).

    71.

    O artigo 12.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2201/2003 deve, na minha opinião, ser interpretado do mesmo modo que o artigo 24.o, primeira frase, do Regulamento n.o 44/2001.

    72.

    Com efeito, por um lado, o artigo 24.o, primeira frase, do Regulamento n.o 44/2001 prevê, tal como o artigo 12.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2201/2003, uma competência baseada numa escolha deliberada das partes ( 49 ).

    73.

    Por outro lado, no acórdão A, o Tribunal de Justiça procedeu a uma ponderação entre os direitos de defesa e o direito do requerente a um recurso jurisdicional efetivo, previsto no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ( 50 ). Salientou que era verdade que o domicílio do requerido era desconhecido, o que impedia os requerentes de determinar o tribunal competente e de exercer o seu direito a um recurso efetivo. Todavia, continuou o seu raciocínio para destacar que, caso se considerasse que a comparência do curador equivalia à comparência do requerido, na aceção do artigo 24.o, primeira frase, do Regulamento n.o 44/2001, o requerido deixaria de ser considerado revel. Não seria considerado revel na aceção do artigo 24.o deste regulamento, mas também na aceção do seu artigo 34.o, n.o 2, que prevê que uma decisão não será reconhecida se o ato que iniciou a instância não tiver sido notificado ao requerido revel. Consequentemente, o requerido não poderia invocar o artigo 34.o, n.o 2, para se opor ao reconhecimento da decisão. O Tribunal de Justiça concluiu que tal interpretação do artigo 24.o do Regulamento n.o 44/2001 não estabelecia um justo equilíbrio entre o direito do requerente a um recurso jurisdicional efetivo e os direitos de defesa ( 51 ).

    74.

    Ora, no caso em apreço, saliento que a competência dos tribunais do Estado‑Membro com o qual a criança tem uma ligação particular, prevista no artigo 12.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2201/2003, é uma competência concorrente da dos tribunais do Estado‑Membro da residência habitual da criança, prevista no artigo 8.o, n.o 8, deste regulamento. Consequentemente, no caso em apreço, se os tribunais búlgaros se considerassem incompetentes com fundamento em que o pai não tinha aceitado a sua competência, a mãe poderia recorrer aos tribunais italianos: não haveria denegação de justiça.

    75.

    Além disso, saliento que, se os tribunais búlgaros se considerassem competentes com base no artigo 12.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2201/2003, o pai ver‑se‑ia impossibilitado de interpor um recurso.

    76.

    Com efeito, o artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003 prevê que uma decisão proferida num Estado‑Membro, se for homologada no Estado‑Membro de origem, é reconhecida e goza de força executória noutro Estado‑Membro sem necessidade de qualquer declaração que lhe reconheça essa força e sem que seja possível contestar o seu reconhecimento. Ora, o artigo 41.o, n.o 2, alínea a), submete a emissão da certidão de homologação ao requisito da notificação ao requerido do ato introdutório da instância. Todavia, caso se considere que o requerido aceitou a competência dos tribunais búlgaros, na aceção do artigo 12.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 2201/2003, tal significa que este não é considerado revel: não pode, portanto, ser considerado revel na aceção do artigo 41.o, n.o 2, alínea a), deste regulamento. Consequentemente, se os tribunais búlgaros fossem considerados competentes com base no artigo 12.o, n.o 3, emitiriam a certidão que permite o reconhecimento e a execução da decisão em Itália.

    77.

    Se assim fosse, o pai não poderia opor‑se à execução da decisão dos tribunais búlgaros. Por um lado, o artigo 43.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2201/2003 prevê que a emissão de uma certidão não é suscetível de recurso. Por outro lado, o artigo 41.o, n.o 1, deste regulamento dispõe que não é possível contestar o reconhecimento de uma decisão homologada no Estado‑Membro de origem ( 52 ).

    78.

    Consequentemente, caso se considerasse que o pai aceitou a competência dos tribunais búlgaros, na aceção do artigo 12.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 2201/2003, a lesão dos direitos de defesa seria, na minha opinião, desproporcionada.

    79.

    Não se pode retirar nenhum argumento contra esta conclusão do acórdão Hypoteční banka, em que o Tribunal de Justiça declarou que o Regulamento n.o 44/2001 não se opõe a uma disposição nacional que permite intentar uma ação contra uma pessoa cujo domicílio é desconhecido, através da nomeação de um tutor pelo tribunal que conhece do litígio ( 53 ). Com efeito, como o Tribunal de Justiça sublinhou expressamente no acórdão A, se, no acórdão Hypoteční banka, o requerido tinha a possibilidade de se opor ao reconhecimento da sentença com base neste artigo 34.o, n.o 2, no acórdão A esta possibilidade não existia. Com efeito, a possibilidade de invocar o artigo 34.o, n.o 2, «pressupõe […] a revelia do requerido e que os atos processuais levados a cabo pelo tutor ou pelo curador do ausente não equivalham à comparência deste último na aceção do [...] regulamento [n.o 44/2001]» ( 54 ). Ora, se o tribunal que conhece do litígio for competente com base no artigo 24.o deste regulamento, o requerido não é considerado revel.

    IV – Conclusão

    80.

    Atendendo a todas as considerações anteriores, sugiro ao Tribunal de Justiça que responda às questões submetidas pelo Varhoven kasatsionen sad, do seguinte modo:

    «1)

    Uma ação pela qual um dos progenitores pede ao tribunal que supra a falta de consentimento do outro progenitor para a viagem da criança para o estrangeiro e pede um passaporte para este efeito é abrangida pelo conceito de matérias civis relativas ao exercício da responsabilidade parental, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, alínea b), e do artigo 2.o, n.os 7 e 10, do Regulamento (CE) n.o 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1347/2000.

    1)

    Não se pode considerar que um requerido que não compareceu aceitou de forma inequívoca a competência do tribunal que conhece do litígio na aceção do artigo 12.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento n.o 2201/2003, apenas por esse tribunal, que não conseguiu citá‑lo do ato introdutório da instância, ter nomeado oficiosamente um mandatário, e por este ter apresentado uma defesa quanto ao mérito sem suscitar a incompetência do tribunal.»


    ( 1 )   Língua original: francês.

    ( 2 )   JO L 338, p. 1.

    ( 3 )   JO 2001, L 12, p. 1.

    ( 4 )   O Rayonen sad é o tribunal de primeira instância.

    ( 5 )   O Okrazhen sad é um tribunal regional.

    ( 6 )   Despacho Ivanova Gogova (C‑215/15, EU:C:2015:466).

    ( 7 )   Observo, a este respeito, que a definição do âmbito de aplicação material por referência às matérias civis foi introduzida, no que respeita às regras relativas à responsabilidade parental, pelo Regulamento n.o 2201/2003. Com efeito, o conceito de matérias civis não figura no Regulamento (CE) n.o 1347/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e de regulação do poder paternal em relação a filhos comuns do casal (JO L 160, p. 19), revogado pelo Regulamento n.o 2201/2003. Também não figura na Convenção estabelecida com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia, relativa à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial, de 28 de maio de 1998 (JO 1998, C 221, p. 2, a seguir «Convenção Bruxelas II»), substituída entre os Estados‑Membros pelo Regulamento n.o 1347/2000. Tanto o Regulamento n.o 1347/2000 como a Convenção Bruxelas II preveem que se aplicam aos «processos cíveis» relativos, nomeadamente, à responsabilidade paternal e precisam que são assimilados a tais processos os processos não judiciais oficialmente reconhecidos num Estado‑Membro (v. artigo 1.o, n.os 1 e 2, e considerando 9 do Regulamento n.o 1347/2000, bem como artigo 1.o da Convenção Bruxelas II).

    ( 8 )   JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186.

    ( 9 )   A este respeito, o relatório sobre a Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, assinada em Bruxelas em 27 de setembro de 1968, elaborado por P. Jenard (JO 1979, C 59, p. 1, a seguir «relatório Jenard»), indica que o comité de peritos que redigiu esta convenção «não especificou o que deverá entender‑se por ‘matéria civil e comercial’, nem resolveu o problema da qualificação pela determinação da lei segundo a qual o conteúdo dessa expressão deve ser apreciado. Seguiu nesse aspeto o método adotado nas convenções existentes» (p. 9).

    ( 10 )   O artigo 1.o, segundo parágrafo, da Convenção de Bruxelas de 1968 exclui do seu âmbito de aplicação, em primeiro lugar, o estado e a capacidade das pessoas singulares, os regimes matrimoniais, os testamentos e as sucessões, em segundo lugar, as falências, as concordatas e outros processos análogos, em terceiro lugar, a segurança social, em quarto lugar, a arbitragem.

    ( 11 )   C‑435/06, EU:C:2007:714, n.o 46.

    ( 12 )   V. considerando 5 do Regulamento n.o 2201/2003.

    ( 13 )   V. n.o 3 das presentes conclusões.

    ( 14 )   Saliente‑se que o considerando 10 do Regulamento n.o 2201/2003 é idêntico ao artigo 4.o, alínea h), da Convenção de Haia relativa à Competência, à Lei Aplicável, ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em Matéria de Responsabilidade Parental e Medidas de Proteção das Crianças, adotada em 19 de outubro de 1996 (JO 2008, L 151, p. 39, a seguir «Convenção de Haia de 1996»). Nos termos do artigo 4.o, alínea h), da Convenção de Haia de 1996, esta não se aplica a «medidas públicas de caráter geral em matéria de educação ou saúde». A este respeito, o relatório explicativo de Paul Lagarde sobre a Convenção de Haia de 1996 (disponível no sítio da Conferência de Haia sobre o Direito Internacional Privado, no endereço seguinte: http://www.hcch.net/index_fr.php) esclarece que são aqui visadas, por exemplo, as medidas «que imponham a escolaridade ou a vacinação obrigatórias».

    ( 15 )   V. acórdãos C (C‑435/06, EU:C:2007:714, n.o 52) e A (C‑523/07, EU:C:2009:225, n.o 28).

    ( 16 )   O sublinhado é meu. Esclareço que o Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (reformulação) (JO L 351, p. 1), que revoga o Regulamento n.o 44/2001, dispõe, no artigo 1.o, n.o 1, segundo período, que «[n]ão abrange, nomeadamente, as matérias fiscais, aduaneiras ou administrativas, nem a responsabilidade do Estado por atos ou omissões no exercício da autoridade do Estado (‘acta jure imperii’)». O Regulamento n.o 1215/2012 retoma aqui uma jurisprudência à qual voltarei mais adiante.

    ( 17 )   Convenção relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte à Convenção relativa à competência jurisdicional e à execução de decisões em matéria civil e comercial, bem como ao Protocolo relativo à sua interpretação pelo Tribunal de Justiça, assinada em 9 de outubro de 1978 (JO 1978, L 304, p. 1; EE 01 F2 p. 131). V. artigo 3.o desta convenção.

    ( 18 )   A este respeito, o relatório sobre a Convenção relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte à Convenção relativa à competência jurisdicional e à execução de decisões em matéria civil e comercial, bem como ao Protocolo relativo à sua interpretação pelo Tribunal de Justiça, assinada em 9 de outubro de 1978, elaborado pelo Professor Dr. P. Schlosser (JO 1979, C 59, p. 71), esclarece que «[o]s sistemas jurídicos dos Estados‑Membros originários conhecem bem a distinção entre matérias civis e comerciais, por um lado, e matérias de direito público, por outro. Apesar de existirem diferenças importantes, esta distinção é feita, no seu conjunto, em função de critérios análogos […]. Foi por esta razão que os autores do texto original da Convenção e o relatório Jenard não especificaram as matérias civis e comerciais […]. Mas […] o Reino Unido e a Irlanda ignoram praticamente a distinção — corrente nos sistemas jurídicos dos Estados‑Membros originários — entre direito público e direito privado. Os problemas de adaptação não podiam, portanto, ser resolvidos por mero reenvio para os princípios de qualificação. Atendendo ao acórdão [LTU, 29/76, EU:C:1976:137, n.o 3], proferido durante a fase final das negociações e que preconiza uma interpretação que não se refira a um direito nacional ‘aplicável’, o grupo limitou‑se a especificar no artigo 1.o, n.o 1, que as matérias fiscais, aduaneiras e administrativas não são matérias civis e comerciais na aceção da convenção» (n.o 23).

    ( 19 )   O Tribunal de Justiça raramente teve de apreciar o conceito de matérias civis na aceção do artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003. Nos acórdãos C (C‑435/06, EU:C:2007:714, n.o 51); A (C‑523/07, EU:C:2009:225, n.o 27), e C. (C‑92/12 PPU, EU:C:2012:255, n.o 60), declarou que o conceito de matérias civis, na aceção do artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003, deve ser interpretado no sentido de que pode mesmo abranger medidas que, segundo o direito nacional de um Estado‑Membro, pertencem ao âmbito do direito público. Porém, todos estes três acórdãos respeitavam a uma decisão de entrega de uma criança, quer se tratasse de uma decisão dos serviços de ação social de um município sobre a colocação ao cuidado de uma família de acolhimento (acórdãos C, C‑435/06, EU:C:2007:714, e A, C‑523/07, EU:C:2009:225) ou da decisão de um órgão jurisdicional sobre a colocação numa instituição de prestação de cuidados terapêuticos e educativos em regime de internamento (acórdão C., C‑92/12 PPU, EU:C:2012:255). Ora, o artigo 1.o, n.o 2, alínea d), do Regulamento n.o 2201/2003 prevê expressamente que o mesmo se aplica à «colocação da criança ao cuidado de uma família de acolhimento ou de uma instituição». Não pode, portanto, deduzir‑se destes três acórdãos que o Regulamento n.o 2201/2003 se aplica a todas as matérias administrativas, quaisquer que sejam. É por esta razão que me parece interessante examinar a jurisprudência relativa ao conceito de matéria civil na aceção do Regulamento n.o 44/2001.

    ( 20 )   Acórdãos LTU (29/76, EU:C:1976:137, n.o 4); Rüffer (814/79, EU:C:1980:291, n.os 8 e 14); Rich (C‑190/89, EU:C:1991:319, n.o 26); Sonntag (C‑172/91, EU:C:1993:144, n.o 20); Henkel (C‑167/00, EU:C:2002:555, n.o 26); Baten (C‑271/00, EU:C:2002:656, n.os 29 e 30); Préservatrice foncière TIARD (C‑266/01, EU:C:2003:282, n.os 21 e 22); Frahuil (C‑265/02, EU:C:2004:77, n.o 20); Lechouritou e o. (C‑292/05, EU:C:2007:102, n.os 30 e 31); Apostolides (C‑420/07, EU:C:2009:271, n.os 42 a 44); Realchemie Nederland (C‑406/09, EU:C:2011:668, n.o 39); Sapir e o. (C‑645/11, EU:C:2013:228, n.os 32 e 33); Sunico e o. (C‑49/12, EU:C:2013:545, n.os 33 e 34); e flyLAL‑Lithuanian Airlines (C‑302/13, EU:C:2014:2319, n.os 26 e 30).

    ( 21 )   Acórdãos Baten (C‑271/00, EU:C:2002:656, n.o 31); Préservatrice foncière TIARD (C‑266/01, EU:C:2003:282, n.o 23); Frahuil (C‑265/02, EU:C:2004:77, n.o 20); Sapir e o. (C‑645/11, EU:C:2013:228, n.o 34); Sunico e o. (C‑49/12, EU:C:2013:545, n.o 35); e conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Sunico e o. (C‑49/12, EU:C:2013:231, n.o 41).

    ( 22 )   C‑167/00, EU:C:2002:555, n.o 30.

    ( 23 )   C‑265/02, EU:C:2004:77, n.o 21.

    ( 24 )   C‑302/13, EU:C:2014:2319, n.os 28, 29 e 37.

    ( 25 )   C‑49/12, EU:C:2013:545, n.os 37 a 40.

    ( 26 )   C‑645/11, EU:C:2013:228, n.os 35 e 36. V. igualmente acórdãos Sonntag (C‑172/91, EU:C:1993:144, n.o 22); Baten (C‑271/00, EU:C:2002:656, n.os 31 a 37); e Préservatrice foncière TIARD (C‑266/01, EU:C:2003:282, n.os 30 a 36).

    ( 27 )   V. conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Sunico e o. (C‑49/12, EU:C:2013:231, n.o 46): «Só quando a pretensão invocada tem a sua origem num ato de autoridade pública é que esta não releva do âmbito da matéria civil e comercial. A este respeito, não é, todavia, suficiente uma qualquer relação direta com o exercício do poder público. Pelo contrário, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, é decisivo que o ato concreto gerador da pretensão constitua uma manifestação do poder público».

    ( 28 )   C‑292/05, EU:C:2007:102, n.os 37 e 38. V. igualmente acórdão LTU (29/76, EU:C:1976:137, n.o 4).

    ( 29 )   C‑420/07, EU:C:2009:271, n.o 45.

    ( 30 )   V. n.o 41 das presentes conclusões.

    ( 31 )   O artigo 3.o do Regulamento n.o 2201/2003 respeita à competência geral em matéria de divórcio, separação ou anulação do casamento.

    ( 32 )   Para maior facilidade, referir‑me‑ei seguidamente a um pedido de divórcio, ou a um processo de divórcio, devendo estas expressões ser entendidas como um pedido de divórcio, de separação ou de anulação do casamento, ou como um processo de divórcio, de separação ou de anulação do casamento.

    ( 33 )   A este respeito, v. Gallant, E., «Règlement Bruxelles II bis (matières matrimoniales et responsabilité parentale)», n.o 138, em Répertoire Dalloz de droit international; Corneloup, S., «Les règles de compétence relatives à la responsabilité parentale», n.os 8 e 11, em Le nouveau droit communautaire du divorce et de la responsabilité parentale, Dalloz, 2005, e Joubert, N., «Autorité parentale — Conflits de juridictions», n.o 31, Jurisclasseur Droit international, fascículo 549‑20.

    ( 34 )   Acórdão Abcur (C‑544/13 e C‑545/13, EU:C:2015:481, n.o 33).

    ( 35 )   Esclareço que a faculdade de as partes se dirigirem aos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro com o qual a criança tem uma ligação particular não existia no Regulamento n.o 1347/2000 nem na Convenção de Haia de 1996: foi introduzida pelo Regulamento n.o 2201/2003.

    ( 36 )   C‑656/13, EU:C:2014:2364, n.o 45.

    ( 37 )   Antes de o Tribunal de Justiça se pronunciar sobre este aspeto no acórdão L, referido na nota anterior, a questão de saber se a extensão da competência prevista no artigo 12.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2201/2003 é aplicável na falta de um processo pendente no órgão jurisdicional em causa não deixou de ser objeto de discussão. V., a este respeito, Gallant, E., Responsabilité parentale et protection des enfants en droit international privé, Defrénois, 2004, n.o 226. V. igualmente Corneloup, S., «Les règles de compétence relatives à la responsabilité parentale», nota 39, em Le nouveau droit communautaire du divorce et de la responsabilité parentale, Dalloz, 2005.

    ( 38 )   V., a este respeito, Gallant, E., Responsabilité parentale et protection des enfants en droit international privé, Defrénois, 2004, n.o 227.

    ( 39 )   Proposta de Regulamento do Conselho relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento n.o 1347/2000 e altera o Regulamento n.o 44/2001 em matéria de obrigação de alimentos, Exposição de motivos, [COM(2002) 222 final/2].

    ( 40 )   Tanto mais que um mecanismo assente na vontade das partes é raro em direito internacional privado da família. V., a este respeito, Pataut, É., «Article 12», n.o 45, em European Commentaries on Private International Law — Brussels II Regulation, editado por Magnus, U., e Mankowski, P., Sellier European Law Publishers, 2012.

    ( 41 )   A favor de uma interpretação estrita, v. acórdão E. (C‑436/13, EU:C:2014:2246, n.o 48): «destinando‑se o referido artigo 12.o, n.o 3, a permitir que os titulares da responsabilidade parental submetam de comum acordo e sob certas outras condições a um tribunal assuntos abrangidos pela responsabilidade parental para cuja apreciação o mesmo não é, em princípio, competente, não se pode presumir que tal acordo subsiste, em todos os casos, após a conclusão do processo e no que respeita a outros assuntos que possam surgir posteriormente».

    ( 42 )   V. considerando 12 do Regulamento n.o 2201/2003, que esclarece que «[a]s regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade». V., igualmente, artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2201/2003, que prevê a possibilidade de os tribunais de um Estado‑Membro competentes nos termos deste regulamento abdicarem da sua competência a favor de um tribunal de outro Estado‑Membro, com o qual a criança tenha uma «ligação particular», «e se tal servir o superior interesse da criança». V., por fim, acórdão L (C‑656/13, EU:C:2014:2364, n.o 49) e conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo A (C‑184/14, EU:C:2015:244, nota 13).

    ( 43 )   V. acórdão E. (C‑436/13, EU:C:2014:2246, n.o 47): «quando é submetido a um tribunal um processo nos termos do artigo 12.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2201/2003, o superior interesse da criança só pode ser preservado através de uma análise, em cada caso concreto, da questão de saber se a prorrogação de competência pretendida é compatível com esse superior interesse».

    ( 44 )   V. n.o 12 das presentes conclusões.

    ( 45 )   V., por analogia, acórdão G (C‑292/10, EU:C:2012:142, n.os 53 a 55).

    ( 46 )   V., a este respeito, acórdão Hendrikman e Feyen (C‑78/95, EU:C:1996:380, n.o 18): «um requerido que ignora o processo contra si iniciado e em representação do qual comparece, perante o juiz de origem, um advogado que não foi mandatado, encontra‑se na impossibilidade absoluta de se defender».

    ( 47 )   V. acórdão A (C‑112/13, EU:C:2014:2195), ao qual voltarei mais adiante, nomeadamente o seu n.o 55: «um requerido ausente que ignora a ação intentada contra si e a nomeação do curador de ausentes não pode fornecer a esse curador todas as informações necessárias para apreciar a competência internacional do órgão jurisdicional que conhece do processo e permitir‑lhe contestar efetivamente essa competência ou aceitá‑la com perfeito conhecimento de causa».

    ( 48 )   C‑112/13, EU:C:2014:2195, n.o 61.

    ( 49 )   Ibidem, n.o 54, onde o Tribunal de Justiça salienta que «a extensão tácita da competência nos termos do artigo 24.o, primeiro período, do Regulamento n.o 44/2001 baseia‑se numa escolha deliberada das partes no litígio relativa a essa competência». É certo que a competência prevista no artigo 24.o do Regulamento n.o 44/2001 assenta apenas na escolha das partes, ao passo que a competência prevista no artigo 12.o, n.o 3, do Regulamento n.o 2201/2003 assenta não só na escolha das partes como também numa ligação particular da criança ao Estado‑Membro cujos órgãos jurisdicionais são escolhidos.

    ( 50 )   Ibidem (n.o 58).

    ( 51 )   Acórdão A (C‑112/13, EU:C:2014:2195, n.o 60): «Esta possibilidade de recurso com base no artigo 34.o, n.o 2, do [...] regulamento [n.o 44/2001] pressupõe, contudo, […] a revelia do requerido e que os atos processuais levados a cabo pelo tutor ou pelo curador do ausente não equivalham à comparência deste último na aceção do mesmo regulamento. Em contrapartida, no caso em apreço, os atos processuais levados a cabo pelo curador de ausentes nos termos do [direito nacional] têm por efeito que se deve considerar que A compareceu no tribunal a que foi submetido o processo ao abrigo da legislação nacional». V. igualmente conclusões do advogado‑geral Y. Bot no processo A (C‑112/13, EU:C:2014:207, n.o 50): «caso se considerasse a comparência do curador de ausentes uma comparência na aceção do artigo 24.o do Regulamento n.o 44/2001, o requerido, ou seja, A, já não poder[ia] contestar a competência dos tribunais austríacos».

    ( 52 )   V. acórdão Aguirre Zarraga (C‑491/10 PPU, EU:C:2010:828, n.o 56).

    ( 53 )   C‑327/10, EU:C:2011:745, n.os 48 a 55.

    ( 54 )   C‑112/13, EU:C:2014:2195, n.o 60.

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