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Document 62015CJ0700

Acórdão do Tribunal de Justiça (Sexta Secção) de 15 de dezembro de 2016.
LEK Farmacevtska Družba d.d. contra Republika Slovenija.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Vrhovno sodišče Republike Slovenije.
Reenvio prejudicial — Nomenclatura Combinada — Classificação das mercadorias — Complementos alimentares da posição pautal 2106 — Princípio ativo como componente essencial — Classificação eventual no capítulo 30 da Nomenclatura Combinada — Apresentação e comercialização dos produtos como medicamentos.
Processo C-700/15.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2016:959

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

15 de dezembro de 2016 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Nomenclatura Combinada — Classificação das mercadorias — Complementos alimentares da posição pautal 2106 — Princípio ativo como componente essencial — Classificação eventual no capítulo 30 da Nomenclatura Combinada — Apresentação e comercialização dos produtos como medicamentos»

No processo C‑700/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Vrhovno sodišče (Supremo Tribunal, Eslovénia), por decisão de 10 de dezembro de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 31 de dezembro de 2015, no processo

LEK farmacevtska družba d.d.

contra

Republika Slovenija,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: E. Regan, presidente de secção, J.‑C. Bonichot e S. Rodin (relator), juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação da LEK farmacevtska družba d.d., por P. Pensa, odvetnik, e J. Zaplotnik, odvetnica,

em representação da Comissão Europeia, por A. Caeiros e M. Žebre, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Nomenclatura Combinada da pauta aduaneira comum (a seguir «NC») que figura no Anexo I do Regulamento (CEE) n.o 2658/87 do Conselho, de 23 de julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum (JO 1987, L 256, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 1006/2011 da Comissão, de 27 de setembro de 2011 (JO 2011, L 282, p. 1) (a seguir «Regulamento n.o 2658/87»).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a LEK farmacevtska družba d.d. (a segui «Lek») à Republika Slovenija relativamente às decisões de classificação pautal dos três produtos designados «Linex», «Linex Forte» e «Linex Baby Granulat».

Quadro jurídico

SH

3

O Conselho de Cooperação Aduaneira, atual Organização Mundial das Alfândegas (OMA), foi instituído pela Convenção para a criação de um Conselho de Cooperação Aduaneira, celebrada em Bruxelas, em 15 de dezembro de 1950. O Sistema Harmonizado de Designação e de Codificação de Mercadorias (a seguir «SH») foi elaborado pela OMA e instituído pela Convenção Internacional sobre o Sistema Harmonizado de Designação e Codificação de Mercadorias (a seguir «Convenção sobre o SH»), celebrada em Bruxelas, em 14 de junho de 1983, e aprovada, com o seu Protocolo de alteração de 24 de junho de 1986, em nome da Comunidade Económica Europeia, pela Decisão 87/369/CEE do Conselho, de 7 de abril de 1987 (JO 1987, L 198, p. 1).

4

Nos termos do artigo 3.o, n.o 1, da Convenção sobre o SH, cada parte contratante compromete‑se a alinhar as respetivas nomenclaturas pautal e estatística pelo SH, a utilizar todas as posições e subposições do mesmo, sem aditamentos nem modificações, bem como os respetivos códigos numéricos, e a respeitar a ordem numérica do referido sistema. Cada parte contratante compromete‑se também a aplicar as regras gerais de interpretação do SH, bem como todas as notas de secção, de capítulo e de subposição do SH e a não modificar a estrutura destes últimos.

5

A OMA aprova, nas condições fixadas pelo artigo 8.o da Convenção sobre o SH, as notas explicativas e os pareceres de classificação adotados pelo comité do SH.

6

A nota explicativa relativa à posição 21.06 do SH tem a seguinte redação:

«Desde que não se classifiquem em outras posições da Nomenclatura, a presente posição compreende:

[…]

B)

As preparações constituídas, inteira ou parcialmente, por substâncias alimentícias que entrem na preparação de bebidas ou de alimentos destinados ao consumo humano. Incluem‑se, nomeadamente, nesta posição as preparações constituídas por misturas de produtos químicos (ácidos orgânicos, sais de cálcio, etc.) com substâncias alimentícias (por exemplo, farinhas, açúcares, leite em pó), para serem incorporadas em preparações alimentícias […]

[…]

Classificam‑se, nomeadamente, nesta posição:

[…]

16)

As preparações designadas muitas vezes sob o nome de ‘complementos alimentares’, à base de extratos de plantas, concentrados de frutas, mel, frutose, etc., adicionados de vitaminas e, por vezes, de pequenas quantidades de compostos de ferro. Estas preparações apresentam‑se acondicionadas em embalagens, [das] quais consta que se destinam à manutenção da saúde e do bem‑estar geral. Excluem‑se as preparações semelhantes, próprias para evitar ou tratar doenças ou afeções (posições 30.03 ou 30.04).»

NC

7

A NC, instituída pelo Regulamento n.o 2658/87, baseia‑se no SH, cujas posições e subposições de seis algarismos reproduz, constituindo o sétimo e oitavo algarismos as únicas subdivisões que lhe são próprias.

8

O oitavo considerando do Regulamento n.o 2658/87 (nono considerando deste mesmo regulamento em língua eslovena) enuncia:

«Considerando que é indispensável que a [NC] e qualquer outra nomenclatura que a utilize total ou parcialmente, ou acrescida de subdivisões, sejam aplicadas de modo uniforme por todos os Estados‑Membros; que devem poder ser adotadas disposições para esse efeito a nível comunitário; que, por outro lado, as disposições comunitárias que têm por objetivo a aplicação uniforme da nomenclatura da pauta aduaneira comum são aplicáveis aos produtos abrangidos pelo Tratado que institui a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço de acordo com a Decisão 86/98/CECA […]»

9

A posição 2106 da NC abrange as «Preparações alimentícias não especificadas nem compreendidas em outras posições».

10

O capítulo 30 da NC respeita aos produtos farmacêuticos. A nota 1, alínea a), do referido capítulo tem a seguinte redação:

«O presente capítulo não compreende:

a)

Os alimentos dietéticos, alimentos enriquecidos, alimentos para diabéticos, complementos alimentares, bebidas tónicas e águas minerais, exceto as preparações nutritivas administradas por via intravenosa (Secção IV)».

11

A posição 3004 da NC tem a seguinte redação:

«Medicamentos (exceto os produtos das posições 3002, 3005 ou 3006) constituídos por produtos misturados ou não misturados, preparados para fins terapêuticos ou profiláticos, apresentados em doses (incluindo os destinados a serem administrados por via percutânea) ou acondicionados para venda a retalho».

12

A nota complementar 1 do capítulo 30 da NC estabelece o seguinte:

«A posição 3004 compreende as preparações à base de plantas e preparações à base das substâncias ativas seguintes: vitaminas, minerais, aminoácidos essenciais ou ácidos gordos, acondicionados para venda a retalho. Estas preparações são classificadas na posição 3004 se a etiqueta, a embalagem ou o modo de uso contiver as indicações seguintes:

a)

As doenças, afeções ou os seus sintomas, contra as quais elas devem ser empregues;

b)

A concentração da substância ativa ou das substâncias ativas que elas contêm;

c)

A posologia; e

d)

O modo de administração.

Esta posição compreende igualmente as preparações homeopáticas de uso médico nas condições a), c) e d) mencionadas acima.

No caso das preparações à base de vitaminas, minerais, aminoácidos essenciais e ácidos gordos, o nível de uma destas substâncias indicada na etiqueta, como sendo a dose diária recomendada, deve ser significativamente mais elevado que a porção diária recomendada, necessária para garantir a saúde em geral ou bem‑estar.»

Regulamento (CE) n. o 1264/98 e Regulamento de Execução (UE) n. o 727/2012

13

O ponto 5 do anexo do Regulamento (CE) n.o 1264/98 da Comissão, de 17 de junho de 1998, relativo à classificação de certas mercadorias na Nomenclatura Combinada (JO 1998, L 175, p. 4), classifica na posição 2106 da NC os complementos alimentares apresentados sob a forma de cápsulas de gelatina, contendo maltodextrina (70%), estereato de magnésio (3%) e ácido ascórbico (0,5%), adicionado de fermentos láticos (Bifidobacterium breve e B. longum, Lactobacillus acidophilus e L. rhamnosus, cerca de mil milhões, por grama).

14

O anexo do Regulamento de Execução (UE) n.o 727/2012 da Comissão, de 6 de agosto de 2012, relativo à classificação de determinadas mercadorias na Nomenclatura Combinada (JO 2012, L 213, p. 5), classifica na posição 2106 da NC as culturas de microrganismos apresentadas em cápsulas de gelatina, acondicionadas para a venda a retalho. O conteúdo de cada cápsula (percentagem por peso) deve ser composto pelos seguintes elementos: L. rhamnosus (3,36), L. acidophilus (3,36), L. plantarum (0,84), B. lactis (0,84), maltodextrina (50,6), celulose microcristalina (10), amido de milho (30) e estearato de magnésio (1). Os referidos produtos, de acordo com o rótulo, devem ser apresentados como complementos alimentares para consumo humano.

Diretiva 2001/83/CE

15

Os considerandos 2 a 5 da Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano (JO 2001, L 311, p. 67), conforme alterada pela Diretiva 2011/62/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2011 (JO 2011, L 174, p. 74) (a seguir «Diretiva 2001/83»), têm a seguinte redação:

«(2)

Toda a regulamentação em matéria de produção, de distribuição ou de utilização de medicamentos deve ter por objetivo essencial garantir a proteção da saúde pública.

(3)

Todavia, este objetivo deve ser atingido por meios que não possam travar o desenvolvimento da indústria farmacêutica e o comércio de medicamentos na Comunidade.

(4)

As disparidades entre certas disposições nacionais, e nomeadamente as disposições relativas aos medicamentos, com exceção das substâncias ou composições que são géneros alimentícios, alimentos destinados aos animais ou produtos de higiene, têm por efeito entravar o comércio de medicamentos na Comunidade e têm, devido a este facto, uma incidência direta sobre o funcionamento do mercado interno.

(5)

Importa, por conseguinte, eliminar estes entraves. Para atingir este objetivo, é necessária uma aproximação das disposições em causa.»

16

O artigo 1.o, ponto 2, da referida diretiva dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

2)

Medicamentos:

a)

Toda a substância ou associação de substâncias apresentada como possuindo propriedades curativas ou preventivas relativas a doenças em seres humanos; ou

b)

Toda a substância ou associação de substâncias que possa ser utilizada ou administrada em seres humanos com vista a […] restaurar, corrigir ou modificar funções fisiológicas ao exercer uma ação farmacológica, imunológica ou metabólica, ou a estabelecer um diagnóstico médico.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

17

A Lek é uma sociedade eslovena fabricante de produtos farmacêuticos. Em 4 de setembro de 2012, o Generalni carinski urad Carinske uprave Republike Slovenije (Direção‑Geral das Alfandegas da Administração Aduaneira da República da Eslovénia) emitiu três informações pautais vinculativas para os produtos com as denominações comerciais «Linex», «Linex Forte» e «Linex Baby Granulat». Os produtos em causa podem ser descritos da forma que segue.

18

Antes de mais, o produto denominado «Linex» apresenta‑se sob a forma de cápsulas de gelatina sólida, constituídas por determinadas bactérias probióticas com um produto veicular, isto é, um excipiente, destinadas a ser utilizadas em caso de distúrbio gastrointestinal. Cada cápsula contém pelo menos 1,2 x 107 unidades de bactérias lácteas vivas liofilizadas da estirpe Lactobacillus acidophilus, da espécie Lactobacillus gasseri, Bifidobacterium infantis e Enterococsus faecium, e utiliza como excipiente uma mistura de estearato de magnésio, lactose, dextrina e fécula de batata. Cada cápsula contém mais de 5%, em peso, de glucose ou de amido. O produto é embalado para venda a retalho numa embalagem blister de alumínio de dezasseis cápsulas e depois numa caixa de cartão.

19

Em seguida, o produto denominado «Linex Forte» apresenta‑se também sob a forma de cápsulas, contendo, cada uma, colónias de pelo menos dois mil milhões de bactérias lácteas vivas liofilizadas da estirpe Lactobacillus acidophilus e Bifidobacterium animalis subsp. lactis na proporção de 1:1, e utiliza como excipiente uma mistura de glucose, celulose microcristalina, fécula de batata, inulina, oligofrutose e estearato de magnésio. Cada cápsula contém mais de 5%, em peso, de glucose ou de amido. O produto é embalado para venda a retalho numa embalagem blister de alumínio de dezasseis cápsulas e depois numa caixa de cartão.

20

Por último, o produto denominado «Linex Baby Granulat» apresenta‑se sob a forma de granulado, acondicionado em saquetas de 1,5 g. Cada saqueta contém colónias de pelo menos dois mil milhões de bactérias lácteas vivas liofilizadas da estirpe Bifidobacterium, isto é, Lactobacillus acidophilus e Bifidobacterium animalis subsp. lactis e o excipiente maltodextrina. Cada saqueta contém mais de 5%, em peso, de glucose ou de amido. O produto é embalado para venda a retalho em caixas de cartão de dez saquetas.

21

Resulta dos folhetos informativos dos três produtos em questão que estes são utilizados para prevenção e terapia de apoio em caso de diarreia, flatulência e outros distúrbios gastrointestinais, causados por um desequilíbrio da microflora intestinal, em caso de infeções virais ou bacteriológicas do sistema digestivo, ou em caso de tratamento com antibióticos de largo espetro ou com quimioterapia. Além disso, resulta desses folhetos informativos que a ingestão de probióticos ou de bactérias lácteas reduz eficazmente a frequência e a intensidade dos distúrbios fracos a moderados, causados pela destruição da microflora normal do intestino. Assim, a Javna agencija Republike Slovenije za zdravila in medicinske pripomočke (Agência pública dos medicamentos e dispositivos médicos da República da Eslovénia), baseando a sua decisão na lei nacional que transpõe a Diretiva 2001/83, emitiu uma autorização de introdução no mercado como medicamento para os três produtos em causa.

22

A autoridade aduaneira classificou os referidos produtos na posição 2106 90 98 da NC. Considerando que os produtos em causa devem ser classificados na posição 3002 90 50 da NC, a Lek interpôs um recurso da classificação efetuada por essa autoridade.

23

Por decisões de 28, 29 e 30 de novembro de 2012, o Ministério das Finanças negou provimento aos recursos da classificação efetuada pela referida autoridade.

24

Não satisfeita com as decisões do Ministério das Finanças, a Lek pediu ao Tribunal Administrativo de Primeira Instância que se pronunciasse sobre a classificação pautal dos produtos em causa alegando que estes deviam ser classificados na posição 3004 90 00 da NC. Em 28 de janeiro de 2014, esse órgão jurisdicional confirmou as referidas decisões.

25

A Lek interpôs um recurso de cassação dos acórdãos do referido órgão jurisdicional no órgão jurisdicional de reenvio.

26

Esse órgão jurisdicional observa que o critério decisivo para a classificação de uma mercadoria no capítulo 30 da NC é que esta tenha um perfil terapêutico ou profilático claramente definido, cujo efeito se concentre em funções precisas do organismo humano, ou ainda que seja suscetível de aplicação na prevenção ou no tratamento de uma doença ou de uma afeção. Segundo esse órgão jurisdicional, os produtos em causa no processo principal podem satisfazer esse critério na medida em que, em primeiro lugar, tratam determinados problemas do aparelho digestivo, em segundo lugar, o seu efeito concentra‑se no correto funcionamento do intestino e, em terceiro lugar, aplicam‑se na prevenção ou no tratamento de uma afeção determinada, concretamente, os desequilíbrios intestinais.

27

Em contrapartida, o referido órgão jurisdicional tem dúvidas quanto à classificação dos ditos produtos no capítulo 30 da NC na medida em que contêm princípios ativos, isto é, bactérias probióticas, que se encontram habitualmente nos complementos alimentares e que são utilizados de modo geral como princípios ativos com um efeito positivo geral na saúde.

28

O órgão jurisdicional de reenvio considera que a questão que se coloca no caso em apreço é a de saber se um produto que contém os mesmos princípios ativos que os complementos alimentares abrangidos pelo capítulo 21 da NC pode, todavia, ser classificado no capítulo 30 da NC uma vez que é utilizado para prevenir ou tratar determinados problemas de saúde e é comercializado como um medicamento. Além disso, esse órgão jurisdicional debruça‑se sobre as consequências da adoção da Diretiva 2001/83. Mais particularmente, considera que esta diretiva, que tem por finalidade garantir mecanismos cujo objetivo é assegurar uma atribuição uniforme das autorizações de introdução no mercado dos medicamentos, poderia alterar as conclusões do Tribunal de Justiça constantes do acórdão de 12 de março de 1998, Laboratoires Sarget (C‑270/96, EU:C:1998:103), segundo as quais a atribuição de uma autorização de introdução no mercado como medicamento não implica necessariamente que um produto deva ser classificado no capítulo 30 da NC.

29

Nestas condições, o Vrhovno sodišče (Supremo Tribunal, Eslovénia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Podem as disposições do capítulo 30 da NC ser interpretadas no sentido de que obstam à classificação nesse capítulo de um produto cujo componente essencial é um princípio ativo (bactérias probióticas) contido nos complementos alimentares classificados na posição pautal 2106 90 98 da NC?

2)

Para efeitos de classificação no capítulo 30 da NC, é suficiente que o produto, que contém um princípio ativo que tem efeitos benéficos na saúde em geral e que se encontra também nos complementos alimentares, seja apresentado pelo fabricante como medicamento e seja por este comercializado e vendido como tal?

3)

À luz da evolução do direito da União […] em matéria de regulamentação do mercado dos medicamentos, deve o conceito de ‘perfil terapêutico ou profilático claramente definido’ — que segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça […] é um requisito para a classificação no capítulo 30 da NC — ser interpretado no sentido de que corresponde ao conceito de medicamento que resulta das normas da União […] em matéria de medicamentos para uso humano?»

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à terceira questão

30

Com a sua terceira questão, que importa analisar em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a posição 3004 da NC deve ser interpretada no sentido de que devem ser automaticamente classificados nessa posição produtos abrangidos pelo conceito de «medicamento», na aceção da Diretiva 2001/83.

31

A este respeito, resulta, antes de mais, dos considerandos 2 a 5 da Diretiva 2001/83 que esta última pretende garantir a aproximação das legislações nacionais relativas aos medicamentos, assegurando a realização do objetivo essencial que é a garantia da saúde pública (v., neste sentido, acórdão de 16 de julho de 2015, Abcur,C‑544/13 e C‑545/13, EU:C:2015:481, n.o 76).

32

Em seguida, a classificação de um produto num Estado‑Membro como medicamento na aceção da Diretiva 2001/83 não exige que esse mesmo produto seja classificado, por outro Estado‑Membro, como medicamento na aceção de outros instrumentos de direito da União (v., neste sentido, acórdão de 3 de outubro de 2013, Laboratoires Lyocentre,C‑109/12, EU:C:2013:626, n.o 48).

33

Além disso, resulta do oitavo considerando do Regulamento n.o 2658/87 que as disposições da NC devem ser interpretadas de maneira idêntica por cada um dos Estados‑Membros (v., neste sentido, acórdão de 12 de março de 1998, Laboratoires Sarget,C‑270/96, EU:C:1998:103, n.o 24).

34

Por último, decorre da redação do artigo 1.o da Diretiva 2001/83 que um medicamento na aceção dessa diretiva inclui, por um lado, toda a substância ou associação de substâncias apresentada como possuindo propriedades curativas ou preventivas relativas a doenças em seres humanos e, por outro, toda a substância ou associação de substâncias que possa ser utilizada ou administrada em seres humanos com vista a restaurar, corrigir ou modificar funções fisiológicas ao exercer uma ação farmacológica, imunológica ou metabólica, ou a estabelecer um diagnóstico médico.

35

Assim, a referida definição não exige que os produtos por si abrangidos preencham imperativamente o requisito de classificação no capítulo 30 da NC, isto é, que tenham um perfil terapêutico ou profilático claramente definido, cujo efeito se concentre em funções precisas do organismo humano, ou que sejam suscetíveis de aplicação na prevenção ou no tratamento de uma doença ou de uma afeção.

36

Com efeito, a Diretiva 2001/83 prossegue objetivos diferentes dos da NC. Ora, a fim de preservar a coerência entre a interpretação da NC e do SH, que é adotado por uma Convenção internacional na qual a União Europeia é parte contratante, o facto de um produto ostentar uma autorização de introdução no mercado como medicamento na aceção da Diretiva 2001/83 não pode ser determinante para apreciar se esse produto é abrangido pela categoria dos «medicamentos», na aceção da posição 3004 da NC (v., neste sentido, acórdãos de 12 de março de 1998, Laboratoires Sarget,C‑270/96, EU:C:1998:103, n.o 25, e de 4 de março de 2015, Oliver Medical,C‑547/13, EU:C:2015:139, n.o 53).

37

Resulta das considerações expostas que há que responder à terceira questão que a posição 3004 da NC deve ser interpretada no sentido de que não devem ser automaticamente classificados nessa posição produtos abrangidos pelo conceito de «medicamento», na aceção da Diretiva 2001/83.

Quanto à primeira e segunda questões

38

Com a sua primeira e segunda questões, que importa analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio procura saber, em substância, se a NC deve ser interpretada no sentido de que produtos como os que estão em causa no processo principal, com efeitos benéficos na saúde em geral e cujo componente essencial é um princípio ativo contido em complementos alimentares classificados na posição pautal 2106 da NC, embora apresentados pelo seu fabricante como medicamentos e comercializados e vendidos como tais, podem ser classificados na posição 3004 da NC ou se são antes abrangidos pela posição 2106 da mesma.

39

A título preliminar, constitui jurisprudência constante que, no interesse da segurança jurídica e da facilidade dos controlos, o critério decisivo para a classificação pautal das mercadorias deve ser procurado, de uma maneira geral, nas suas características e propriedades objetivas, tal como definidas na redação da posição da NC e das notas de secção ou de capítulo (v. acórdão de 17 de fevereiro de 2016, Salutas Pharma,C‑124/15, EU:C:2016:87, n.o 29 e jurisprudência referida).

40

Assim, as notas de capítulo da NC constituem instrumentos importantes para assegurar uma aplicação uniforme da pauta aduaneira comum e fornecem, enquanto tais, elementos válidos para a sua interpretação. O teor das referidas notas deve, por conseguinte, estar em conformidade com as disposições da NC e não pode modificar o seu âmbito (v. acórdão de 17 de fevereiro de 2016, Salutas Pharma,C‑124/15, EU:C:2016:87, n.o 30 e jurisprudência referida).

41

Além disso, as notas explicativas elaboradas, no que respeita à NC, pela Comissão Europeia e, no que respeita ao SH, pela OMA contribuem significativamente para a interpretação do alcance das diferentes posições pautais, sem, contudo, serem juridicamente vinculativas (v. acórdão de 17 de fevereiro de 2016, Salutas Pharma,C‑124/15, EU:C:2016:87, n.o 31 e jurisprudência referida).

42

Para classificar os produtos no capítulo 30 da NC, há que averiguar se estes últimos têm um perfil terapêutico ou profilático claramente definido, cujo efeito se concentra em funções precisas do organismo humano, ou ainda se são suscetíveis de aplicação na prevenção ou no tratamento de uma doença ou de uma afeção (v., neste sentido, acórdão de 30 de abril de 2014, Nutricia,C‑267/13, EU:C:2014:277, n.o 20 e jurisprudência referida).

43

Além disso, quanto à posição 3004 da NC, resulta da redação da nota complementar 1 relativa a essa posição que a mesma compreende produtos à base de plantas ou à base das substâncias ativas enumeradas de forma exaustiva, isto é, vitaminas, minerais, aminoácidos essenciais ou ácidos gordos, desde que preencham também outros critérios de classificação na referida posição, ou seja, que a sua etiquetagem, embalagem ou modo de uso indiquem as doenças, as afeções ou os sintomas contra os quais devem ser empregues, a concentração da substância ativa ou das substâncias ativas que contêm, a posologia, o modo de administração e, no caso dos produtos à base de vitaminas, minerais, aminoácidos essenciais e ácidos gordos, desde que a dose recomendada seja significativamente mais elevada que a porção diária recomendada.

44

Ora, na medida em que os produtos em causa no processo principal têm como base culturas de microrganismos, não são abrangidos pela posição 3004 da NC, independentemente do facto de saber se preenchem outras condições de classificação constantes da nota complementar 1 relativa a essa posição.

45

A este respeito, o facto de os produtos em causa serem apresentados e comercializados como medicamentos não põe em causa a conclusão constante do número anterior. Com efeito, é pacífico que nem o texto da posição 3004 da NC nem as notas que figuram no início do capítulo 30 da NC fazem referência à apresentação do produto, não sendo consequentemente este elemento determinante para a sua classificação na NC (v. despacho de 9 de janeiro de 2007, Juers Pharma,C‑40/06, EU:C:2007:2, n.o 29 e jurisprudência referida).

46

Nessas condições, há que observar, em conformidade com a jurisprudência recordada nos n.os 39 a 41 do presente acórdão, que a nota complementar 1 relativa à posição 3004 da NC exclui da classificação nessa posição produtos como os que estão em causa no processo principal.

47

Além disso, na medida em que a nota 1, alínea a), do capítulo 30 da NC exclui desse capítulo complementos alimentares abrangidos pela posição 2106 da NC, há que verificar se os produtos em causa no processo principal se inserem nesta última posição.

48

A este respeito, importa salientar que a posição 2106 da NC compreende «Preparações alimentícias não especificadas nem compreendidas em outras posições» e que abrange, também, as preparações designadas muitas vezes sob o nome de «complementos alimentares», que se apresentam acondicionadas em embalagens, das quais consta que se destinam à manutenção da saúde ou do bem‑estar (v., neste sentido, acórdão de 17 de dezembro de 2009, Swiss Caps,C‑410/08 a C‑412/08, EU:C:2009:794, n.o 31).

49

Por outro lado, é jurisprudência constante que um regulamento de classificação tem alcance geral na medida em que se aplica não a determinado operador, mas à generalidade de produtos idênticos ao que foi examinado pelo comité do código aduaneiro. Para determinar, no âmbito da interpretação de um regulamento de classificação, o respetivo âmbito de aplicação, há que atender, designadamente, à sua fundamentação (v. acórdão de 4 de março de 2015, Oliver Medical,C‑547/13, EU:C:2015:139, n.o 55 e jurisprudência referida).

50

É certo que o Regulamento n.o 1264/98 e o Regulamento de Execução n.o 727/2012 não são diretamente aplicáveis aos produtos em causa no processo principal. Com efeito, esses produtos não são idênticos aos visados nesses regulamentos, uma vez que deles se distinguem pelos seus excipientes e pelas concentrações de microrganismos.

51

Não obstante, a aplicação por analogia de um regulamento de classificação, como o Regulamento n.o 1264/98 e o Regulamento de Execução n.o 727/2012, aos produtos análogos aos visados por estes regulamentos favorece uma interpretação coerente da NC, bem como a igualdade de tratamento dos operadores (v., neste sentido, acórdão de 4 de março de 2015, Oliver Medical,C‑547/13, EU:C:2015:139, n.o 57 e jurisprudência referida).

52

Resulta, por um lado, da redação do ponto 5 do anexo do Regulamento n.o 1264/98 e, por outro, da redação do anexo do Regulamento de Execução n.o 727/2012 que os produtos compostos por diferentes colónias de bactérias e de excipientes se devem classificar na posição 2106 da NC tendo em conta as regras gerais de interpretação da NC, a redação da nota 1, alínea a), do capítulo 30 e as posições 2106, 2106 90 e 2106 90 98 da NC. Assim, há que observar que os produtos em causa no processo principal têm o mesmo princípio ativo que os produtos classificados pelo Regulamento n.o 1264/98 e o Regulamento de Execução n.o 727/2012 e que a distinção entre os dois consiste unicamente na concentração de microrganismos e excipientes utilizados.

53

Daqui resulta que os produtos como os que estão em causa no processo principal, cujo componente essencial é um princípio ativo contido em complementos alimentares classificados na posição pautal 2106 da NC, e que têm efeitos benéficos na saúde em geral, são abrangidos pela posição 2106 da NC.

54

Resulta das considerações expostas que há que responder à primeira e segunda questões que a NC deve ser interpretada no sentido de que produtos como os que estão em causa no processo principal, com efeitos benéficos na saúde em geral e cujo componente essencial é um princípio ativo contido em complementos alimentares classificados na posição pautal 2106 da NC, embora apresentados pelo seu fabricante como medicamentos e comercializados e vendidos como tais, são abrangidos por essa posição.

Quanto às despesas

55

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

 

1)

A posição 3004 da Nomenclatura Combinada da pauta aduaneira comum que figura no Anexo I do Regulamento (CEE) n.o 2658/87 do Conselho, de 23 de julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum, conforme alterado pelo Regulamento (UE) n.o 1006/2011 da Comissão, de 27 de setembro de 2011, deve ser interpretada no sentido de que não devem ser automaticamente classificados nessa posição produtos abrangidos pelo conceito de «medicamento», na aceção da Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano, conforme alterada pela Diretiva 2011/62/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2011.

 

2)

A Nomenclatura Combinada da pauta aduaneira comum que figura no Anexo I do Regulamento n.o 2658/87, conforme alterado pelo Regulamento n.o 1006/2011, deve ser interpretada no sentido de que produtos como os que estão em causa no processo principal, com efeitos benéficos na saúde em geral e cujo componente essencial é um princípio ativo contido em complementos alimentares classificados na posição pautal 2106 dessa nomenclatura, embora apresentados pelo seu fabricante como medicamentos e comercializados e vendidos como tais, são abrangidos por essa posição.

 

Assinaturas


( *1 ) * Língua do processo: esloveno.

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