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Document 62015CC0168

Conclusões do advogado-geral N. Wahl apresentadas em 14 de abril de 2016.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2016:260

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

NILS WAHL

apresentadas em 14 de abril de 2016 ( 1 )

Processo C‑168/15

Milena Tomášová

contra

Ministerstvo spravodlivosti SR

Pohotovosť s. r. o.

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Okresný súd Prešov (Tribunal Distrital de Prešov, Eslováquia)]

«Reenvio prejudicial — Proteção dos consumidores — Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores — Diretiva 93/13/CEE — Contrato de crédito ao consumo — Execução de uma sentença arbitral — Falta de apreciação pelo juiz da execução do caráter abusivo das cláusulas contidas no contrato — Responsabilidade de um Estado‑Membro por danos causados aos particulares por violações do direito da União imputáveis a um órgão jurisdicional nacional — Requisitos da responsabilidade — Existência de uma violação suficientemente caracterizada do direito da União»

I – Introdução sobre o objeto do processo principal, factos na origem do litígio no processo principal e questões prejudiciais

1.

O estabelecimento no direito da União da obrigação do juiz nacional, quando dispõe dos elementos de direito e de facto necessários para esse efeito, de apreciar oficiosamente a existência de uma cláusula abusiva num contrato que vincula um consumidor a um profissional, em virtude da Diretiva 93/13/CEE ( 2 ), constitui um avanço considerável na proteção dos consumidores.

2.

O presente processo convida o Tribunal de Justiça a determinar se a efetividade da Diretiva 93/13 implica necessariamente que seja acionada a responsabilidade extracontratual do Estado‑Membro devido ao facto de um órgão jurisdicional, no âmbito específico de um processo executivo, não ter apreciado oficiosamente a existência de uma cláusula abusiva contida num contrato de crédito ao consumo. Coloca‑se de um modo geral a questão de saber se e, em caso afirmativo, em que condições a violação pelos órgãos jurisdicionais nacionais da obrigação que lhes incumbe de apreciar oficiosamente a existência de uma cláusula abusiva num contrato que vincula um profissional a um consumidor pode ser sancionada determinando a responsabilidade do Estado‑Membro em questão.

3.

O presente processo tem origem num litígio entre Milena Tomášová e o Ministerstvo spravodlivosti SR (Ministério da Justiça da República Eslovaca) e a Pohotovosť s. r. o. relativamente à execução de uma sentença arbitral que condenou M. Tomášová no pagamento de montantes ligados à celebração de um contrato de crédito ao consumo.

4.

Resulta do despacho de reenvio que M. Tomášová é uma pensionista cujo único rendimento consiste numa pensão no montante de 347 euros. Em 2007, celebrou um contrato de crédito ao consumo com a Pohotovosť, junto da qual contraiu um empréstimo de 232 euros.

5.

Esse contrato apresentava‑se sob a forma de um contrato de adesão que incluía uma cláusula de arbitragem que estipulava a obrigação de submeter a resolução dos litígios relativos ao referido contrato a um tribunal arbitral com sede a mais de 400 km do domicílio de M. Tomášová. Por outro lado, segundo o referido contrato, os juros de mora eram de 91,25% por ano. Além disso, o contrato em causa não indicava a taxa anual efetiva global.

6.

Dado que M. Tomášová se atrasou a reembolsar o crédito e não pôde pagar os referidos juros de mora, contraiu outro empréstimo de 232,36 euros junto da Pohotovosť.

7.

Por decisões de 9 de abril e de 15 de maio de 2008 do Stálý rozhodcovský súd (tribunal permanente de arbitragem), M. Tomášová foi condenada a pagar à Pohotovosť vários montantes por não ter reembolsado os créditos em causa, os juros de mora e as custas processuais.

8.

Depois de estas decisões terem adquirido força de caso julgado e se terem tornado executórias, a Pohotovosť apresentou, em 13 e 27 de outubro de 2008, pedidos de execução no Okresný súd Prešov (Tribunal Distrital de Prešov, Eslováquia), que lhes deu provimento por decisões de 15 e 16 de dezembro de 2008.

9.

Segundo o despacho de reenvio, os processos executivos em causa ainda estavam pendentes no momento da introdução do presente pedido de decisão prejudicial.

10.

Em 9 de julho de 2010, M. Tomášová intentou uma ação contra o Ministério da Justiça da República Eslovaca em que pedia uma indemnização no montante de 2000 euros pelo prejuízo resultante, em sua opinião, de uma violação do direito da União pelo Okresný súd Prešov (Tribunal Distrital de Prešov), porque, no âmbito dos referidos processos, esse órgão jurisdicional julgou procedentes os pedidos de execução baseados numa cláusula de arbitragem abusiva e que tinham por objeto a cobrança de montantes com base numa cláusula abusiva.

11.

Por sentença de 22 de outubro de 2010, o Okresný súd Prešov (Tribunal Distrital de Prešov) julgou improcedente a ação de M. Tomášová por esta não ter esgotado todas as vias de recurso de que dispunha, pelo facto de os processos executivos em causa ainda não estarem decididos de modo definitivo e, por conseguinte, ainda não se colocava a questão do prejuízo, de modo que o referido pedido tinha sido apresentado prematuramente.

12.

M. Tomášová recorreu dessa sentença.

13.

Por decisão de 31 de janeiro de 2012, o Krajský súd v Prešove (tribunal regional de Prešov, Eslováquia) anulou a referida sentença e remeteu o processo ao Okresný súd Prešov (Tribunal Distrital de Prešov). Considerou que a argumentação do Okresný súd Prešov não era suficientemente convincente para fundamentar a improcedência da ação de indemnização apresentada por M. Tomášová.

14.

Foi nestas circunstâncias que o Okresný súd Prešov (Tribunal Distrital de Prešov) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

1)

Constitui uma violação grave do direito da União Europeia o facto de se exigir, em contradição com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, no âmbito de um processo executivo iniciado com base numa sentença arbitral, uma prestação decorrente de uma cláusula abusiva?

2)

Pode um Estado‑Membro ser considerado responsável por uma violação do direito [da União] antes de a parte no processo ter esgotado todos [as vias de recurso] de que dispõe no âmbito de um processo de execução em conformidade com o ordenamento jurídico do Estado‑Membro? Tendo em conta a situação factual do processo, pode a referida responsabilidade do Estado‑Membro, nesse caso, surgir antes de ter terminado o processo de execução de uma decisão e antes de a recorrente ter esgotado a possibilidade de exigir o reembolso por enriquecimento sem causa?

3)

Em caso de resposta afirmativa, constitui uma violação suficientemente caracterizada do direito [da União] o comportamento do órgão como o descrito pela recorrente, tendo em conta as circunstâncias do caso em apreço, em especial a passividade absoluta da recorrente e o facto de esta não ter esgotado [todas as vias de recurso] previstas no direito do Estado‑Membro?

4)

Se existir no caso em apreço uma violação suficientemente caracterizada do direito [da União], o montante reclamado pela recorrente corresponde ao dano pelo qual o Estado‑Membro é responsável? É possível fazer coincidir o dano, entendido desta forma, com o crédito recuperado, que constitui um enriquecimento sem causa?

5)

A ação fundada em enriquecimento sem causa [prevalece], como meio jurídico de recurso, sobre a ação de indemnização?

15.

Apresentaram observações escritas os Governos eslovaco e checo e a Comissão Europeia.

16.

Em 18 de dezembro de 2015, o Tribunal de Justiça enviou ao órgão jurisdicional de reenvio um pedido de esclarecimentos, em aplicação do artigo 101.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Nesse pedido, convidava‑se o órgão jurisdicional de reenvio a precisar se e em que condições era chamado a decidir em última instância no âmbito do processo executivo em causa no litígio no processo principal. O órgão jurisdicional respondeu a esse pedido por carta que deu entrada no Tribunal de Justiça em 16 de fevereiro de 2016.

II – Análise

17.

O presente processo versa sobre os requisitos para acionar a responsabilidade de um Estado‑Membro com vista a solicitar a indemnização de danos causados a particulares por violações do direito da União imputáveis a um órgão jurisdicional nacional. As questões submetidas inserem‑se no contexto específico de um litígio relativo à execução de uma sentença arbitral que tem origem na celebração de um contrato de crédito ao consumo que alegadamente contém cláusulas abusivas, na aceção da Diretiva 93/13.

18.

Com as suas três primeiras questões que, na minha opinião, devem ser analisadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se e em que condições uma violação do direito da União resultante de uma decisão judicial, proferida no âmbito de um processo executivo baseado numa sentença arbitral, que julga procedente um pedido de cobrança de montantes em aplicação de uma cláusula que deve ser considerada abusiva constitui uma violação «suficientemente caracterizada» suscetível de dar lugar à responsabilidade extracontratual do Estado‑Membro em questão. Nesse contexto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se a circunstância de esse processo executivo não estar concluído, de a executada ter demonstrado uma passividade absoluta e de não ter esgotado todos os meios jurídicos e de recurso de que dispunha, tais como uma ação por enriquecimento sem causa, previstos no ordenamento jurídico em causa, tem alguma incidência a esse respeito.

19.

A quarta e a quinta questão versam sobre o alcance de uma eventual ação de indemnização pelo prejuízo sofrido devido à inação do juiz nacional, que consistiu no facto de este último não ter apreciado o caráter abusivo das cláusulas do contrato em causa, e à sua articulação com outras ações cíveis.

A – Quanto às três primeiras questões prejudiciais: oportunidade e requisitos para acionar a responsabilidade do Estado pelo incumprimento pelo juiz nacional do processo executivo da sua obrigação de apreciar oficiosamente a existência de uma cláusula abusiva em virtude da Diretiva 93/13

20.

A primeira, a segunda e a terceira questão prejudicial levam‑nos, em substância, a abordar a questão de saber se o facto de o juiz nacional encarregado da execução não ter apreciado oficiosamente se as cláusulas do contrato de consumo em causa no processo principal tinham caráter abusivo — e por conseguinte não as ter afastado no âmbito do processo executivo controvertido — é suscetível de desencadear a responsabilidade extracontratual do Estado‑Membro em questão.

21.

Na minha opinião, esta problemática envolve dois aspetos que analisarei em seguida.

22.

O primeiro aspeto refere‑se à questão de saber se, num caso como o dos autos, a responsabilidade extracontratual do Estado‑Membro por uma violação do direito da União pode ser acionada devido a um ato ou uma omissão de um órgão jurisdicional nacional que, ao que parece, não pode ser chamado a decidir em última instância.

23.

O segundo aspeto refere‑se à questão de saber se e, em caso afirmativo, em que condições a omissão de apreciar e de afastar a uma cláusula abusiva pode ser qualificada como «violação suficientemente caracterizada» de uma norma jurídica da União que tem por objeto conferir direitos aos particulares.

1. Quanto ao primeiro aspeto: a responsabilidade do juiz nacional da execução pode ser acionada antes de o processo executivo ter terminado e ainda que a parte supostamente lesada não tenha esgotado todos os meios de recurso nacionais colocados à sua disposição?

24.

No caso vertente, parece resultar das questões prejudiciais que o processo principal tem por objeto uma situação em que o órgão jurisdicional a quo não é chamado a decidir em última instância. Com efeito, essas questões só parecem fazer sentido no caso de se dever considerar que o processo executivo controvertido não terminou definitivamente. No meu entendimento dos autos, parece que ainda não foi proferida uma decisão quanto ao mérito definitiva e vinculativa para a recorrente no processo principal e que esta intentou uma ação de indemnização pelos prejuízos alegadamente sofridos em consequência de uma decisão judicial que era passível de recurso ordinário.

25.

No entanto, não resulta claramente dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça se, no litígio em causa no processo principal, o Okresný súd Prešov (Tribunal Distrital de Prešov) decide ou não em última instância.

26.

Na sua carta de resposta ao pedido de esclarecimentos do Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional de reenvio não respondeu de forma clara a esses aspetos. O direito nacional aplicável parece decorrer do despacho do juiz que indefere um pedido de autorização de execução pode ser objeto de recurso ( 3 ). Do mesmo modo, a decisão que acolhe as objeções do devedor pode ser objeto de um recurso ordinário ( 4 ). Daí resulta, como salientou o Governo eslovaco, que, segundo as circunstâncias do caso em apreço, o tribunal da execução cujo processo é objeto do presente litígio pode ser, mas não é necessariamente ( 5 ) o órgão jurisdicional que decide em última instância.

27.

Contudo, esta última consideração parece‑me estar no centro da problemática relativa ao surgimento da responsabilidade dos Estados‑Membros por um incumprimento cometido pelos seus órgãos jurisdicionais.

28.

É incontroverso que o princípio da responsabilidade dos Estados‑Membros pelos danos causados aos particulares por uma violação do direito da União, consagrado desde o acórdão Francovich e o. ( 6 ) nas condições estabelecidas no acórdão Brasserie du pêcheur e Factortame ( 7 ), é válida para qualquer caso de violação do direito da União por um Estado‑Membro, e seja qual for o órgão do Estado‑Membro cuja ação ou omissão está na origem do incumprimento ( 8 ).

29.

Assim, o Tribunal de Justiça declarou no acórdão Köbler ( 9 ) que esse princípio é igualmente aplicável, em certas condições, quando a violação do direito da União decorre de uma decisão de um órgão jurisdicional nacional.

30.

Por conseguinte, não pode excluir‑se à partida que, de forma geral, a responsabilidade do Estado surja devido a uma violação do direito da União decorrente de uma ação ou de uma omissão de um órgão jurisdicional nacional, independentemente da sua natureza ou do seu lugar na organização judiciária em causa.

31.

Apesar de, em teoria, qualquer decisão de um órgão jurisdicional nacional que viola o direito da União poder potencialmente fazer surgir a responsabilidade do Estado, no entanto, nem sempre é suficiente em todos os casos para desencadear essa responsabilidade.

32.

No caso de essa ação ou omissão ocorrer no exercício da função jurisdicional e poder ser impugnada, segundo as regras processuais aplicáveis a nível nacional, em sede de recurso ou de um recurso de cassação da sentença controvertida, é a decisão do órgão jurisdicional que julga em última instância que faz surgir, ultima ratio, uma ação ou uma omissão do Estado contrária ao direito da União.

33.

Resulta assim claramente do acórdão de 30 de setembro de 2003, Köbler (C‑224/01, EU:C:2003:513), bem como da jurisprudência posterior ( 10 ) que, em tais circunstâncias, esse princípio só é válido relativamente aos órgãos jurisdicionais que decidem em última instância.

34.

Assim, nesse acórdão de princípio, baseando‑se nomeadamente no papel essencial desempenhado pelo poder judicial na proteção dos direitos dos particulares decorrentes das regras da União e na circunstância de um órgão jurisdicional que decide em última instância constituir, por definição, a última instância perante a qual aqueles podem invocar os direitos que lhes confere o direito da União, o Tribunal de Justiça deduziu que a proteção desses direitos seria enfraquecida — e a plena eficácia das regras da União que conferem tais direitos tornaria a ser posta em causa — se estivesse excluído que os particulares pudessem, em certas condições, obter a reparação dos prejuízos que lhes são causados por uma violação do direito da União imputável a uma decisão de um órgão jurisdicional nacional que decide em última instância ( 11 ).

35.

No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça indicou claramente, no seu acórdão Traghetti del Mediterraneo ( 12 ), que, atentas a especificidade da função jurisdicional e as legítimas exigências da segurança jurídica, a responsabilidade do Estado, em tal hipótese, não é ilimitada. Nos termos desse acórdão, «essa responsabilidade só pode existir no caso excecional de o tribunal nacional [decidir] em última instância» ( 13 ).

36.

Mais recentemente, no acórdão Târșia ( 14 ), o Tribunal de Justiça declarou que é precisamente pelo facto de a decisão judicial que impôs a D. C. Târșia o pagamento de um imposto se ter tornado definitiva — decisão que, em substância, foi ulteriormente declarado incompatível com o direito da União — que deve ser tida em consideração a possibilidade de acionar a responsabilidade do Estado a fim de a pessoa em questão obter a proteção jurídica dos seus direitos.

37.

Apesar de terem surgido certas discussões doutrinais quanto à questão de saber se essa responsabilidade do Estado podia eventualmente resultar de decisões de órgãos jurisdicionais nacionais que não decidam necessariamente em última instância ( 15 ), parece‑me resultar da jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que a referida responsabilidade está claramente circunscrita às omissões dos órgãos jurisdicionais nacionais cujas decisões não são suscetíveis de recurso ordinário.

38.

Com efeito, a inovação introduzida pelo acórdão Köbler ( 16 ), que resulta da conceção extensiva e unitária que o Tribunal de Justiça tem do conceito de «Estado» quanto à responsabilidade extracontratual pela violação do direito da União, só tinha sentido no caso em apreço se existisse uma decisão imputável a um órgão jurisdicional nacional que decide em última instância — o que, todavia, não implica que se trate obrigatoriamente de um órgão jurisdicional supremo.

39.

Em meu entender, esta consideração resulta sem ambiguidade desse acórdão. Com efeito, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça insistiu, na minha opinião, no caráter definitivo da decisão dos órgãos jurisdicionais que decidem em última instância. O Tribunal de Justiça salientou, assim, «que um órgão jurisdicional [nacional] que decide em última instância constitui por definição a última instância perante a qual os particulares podem fazer valer os direitos que o direito comunitário lhes confere» e que «[não podendo] uma violação destes direitos por uma decisão desse órgão jurisdicional que se tornou definitiva geralmente ser sanada, os particulares não podem ser privados da possibilidade de acionarem a responsabilidade do Estado a fim de obterem por este meio uma proteção jurídica dos seus direitos» ( 17 ).

40.

Além disso, parece‑me que esta conclusão assegura um justo equilíbrio entre, por um lado, a necessidade de garantir de modo efetivo os direitos decorrentes para os particulares do direito da União, e, por outro, as especificidades que caracterizam a intervenção dos órgãos jurisdicionais em cada Estado‑Membro, bem como as dificuldades com que os juízes nacionais podem ser confrontados no exercício da sua função jurisdicional.

41.

Por outras palavras, só existe uma violação do direito da União suscetível de acionar a responsabilidade do Estado pelo dano causado por uma decisão judicial se a situação se traduzir no fracasso de um sistema judicial tomado no seu conjunto, ou seja, no caso de o órgão jurisdicional que decide em última instância não poder garantir efetivamente a proteção de um direito conferido pelo direito da União. Para que se conclua por um incumprimento do Estado imputável a um incumprimento judicial, considero necessário que se trate de uma decisão judicial proferida de modo definitivo e suscetível de regular para o futuro as situações jurídicas das pessoas interessadas ( 18 ).

42.

Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça ( 19 ), em minha opinião, essa conclusão parece‑me válida quer na hipótese de o órgão jurisdicional de reenvio não ter cumprido a obrigação de reenvio prejudicial que, em virtude do artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE, incumbe aos órgãos jurisdicionais cujas decisões não são suscetíveis de recurso jurisdicional de direito interno, quando tenham dúvidas sobre a interpretação do direito da União, quer no caso de estar em causa o respeito do direito substantivo da União, que impõe que os órgãos jurisdicionais, a título da efetividade da Diretiva 93/13 e em especial do seu artigo 6.o, n.o 1, apreciem o caráter abusivo de cláusulas contidas nos contratos de consumo e, eventualmente, não as aplicam.

43.

A necessidade de conferir proteção aos consumidores, parte tradicionalmente considerada vulnerável, uma proteção especial bem como o estatuto de norma de ordem pública conferido pelo Tribunal de Justiça às normas que asseguram a proteção dos consumidores em virtude da Diretiva 93/13 ( 20 ), são suscetíveis de infirmar essa conclusão ou de a moderar, tendo em conta os limites que se impõem ao princípio da autonomia processual quanto às condições concretas para acionar a responsabilidade do Estado?

44.

Não sou dessa opinião.

45.

Em meu entender, a efetividade da Diretiva 93/13 é assegurada pela faculdade, ou pela obrigação em determinados casos, atribuída ao juiz nacional de apreciar o caráter abusivo e a possibilidade do juiz que decide em última instância revogar uma decisão tomada em incumprimento dessa obrigação. Na minha opinião, seria excessivo prever acionar a responsabilidade extracontratual do Estado sempre que se alegue que um juiz, seja qual for o seu lugar na arquitetura jurisdicional nacional e o seu nível de intervenção, não cumpriu a sua obrigação de apreciar o caráter abusivo de uma cláusula contratual contida num contrato que vincula um consumidor a um profissional e, em certos casos, de afastar essa cláusula abusiva.

46.

No entanto, se o princípio da efetividade não é assim posto em causa, o mesmo poderia não suceder sob o ângulo do princípio da equivalência ( 21 ). Com efeito, se os requisitos para que seja acionada a responsabilidade estabelecidos pelo Tribunal de Justiça são necessários e suficientes para conferir a favor dos particulares um direito a obter uma indemnização, não pode excluir‑se que a responsabilidade do Estado possa ser acionada em condições menos restritivas com base no direito nacional. Assim, no caso de ser possível, a título do direito nacional aplicável, acionar a responsabilidade dos órgãos jurisdicionais que não decidem em última instância por violação das normas nacionais aplicáveis, essa possibilidade deve existir igualmente nas mesmas condições no caso de o juiz nacional ter violado os direitos conferidos aos particulares pelo direito da União, e, designadamente, os direitos decorrentes da Diretiva 93/13.

47.

Resulta das considerações precedentes que, sob reserva do respeito do princípio da equivalência, o direito da União não impõe em si mesmo ao Estado‑Membro a obrigação de reparar um dano resultante de uma decisão jurisdicional que ainda é passível de recurso ordinário.

48.

Em conclusão, a responsabilidade de um Estado‑Membro por um dano causado a um particular por uma violação do direito da União cometida por um órgão jurisdicional nacional só pode ser acionada no caso excecional de esse órgão jurisdicional decidir em última instância, o que, no litígio no processo principal, incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, tendo em conta as circunstâncias particulares desse litígio.

49.

Na hipótese de o órgão jurisdicional de reenvio dever ser considerado, no âmbito do processo principal, um órgão jurisdicional que decide em última instância, coloca‑se ainda a questão de saber em que medida este violou de modo suficientemente caracterizado uma norma jurídica que tem por objeto conferir direitos aos particulares.

2. Quanto ao segundo aspeto: em que condições a omissão de apreciar a existência de cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores e, se for caso disso, de as afastar pode ser qualificada de violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica da União que tem por objeto conferir direitos aos particulares?

50.

No que respeita aos requisitos para que seja acionada a responsabilidade de um Estado‑Membro devido a uma violação do direito da União, o Tribunal de Justiça julgou reiteradamente que os particulares lesados têm direito à reparação pelo prejuízo sofrido desde que estejam reunidas três requisitos, a saber, que a norma jurídica violada vise atribuir direitos aos particulares, que a violação seja suficientemente caracterizada e que exista um nexo de causalidade direto entre a violação da obrigação que incumbe ao Estado e o prejuízo sofrido pelas pessoas lesadas ( 22 ). A responsabilidade de um Estado‑Membro por danos causados pela decisão de um órgão jurisdicional nacional decidindo em última instância que viole uma regra de direito comunitário rege‑se pelos mesmos requisitos ( 23 ).

51.

A instituição de critérios que permitam determinar a responsabilidade dos Estados‑Membros pelos danos causados aos particulares por violações do direito da União deve, em princípio, ser feita pelos órgãos jurisdicionais nacionais, em conformidade com as orientações fornecidas para o efeito pelo Tribunal de Justiça ( 24 ).

52.

Essas orientações podem ser resumidas da seguinte maneira.

53.

Em primeiro lugar, há que determinar se a norma violada tem por objeto conferir direitos aos particulares. Tenho poucas dúvidas que as disposições da Diretiva 93/13 e as obrigações que se impõem aos juízes nacionais a fim de assegurar a plena efetividade gerem, para os particulares, direitos que os órgãos jurisdicionais nacionais devem salvaguardar.

54.

Em segundo lugar, e no que se refere ao requisito relativo à existência de uma violação «manifesta», é um dado adquirido que, tendo em conta a especificidade da função jurisdicional e as exigências legítimas da segurança jurídica, a responsabilidade do Estado pelos prejuízos causados aos particulares devido a uma violação do direito da União por uma decisão de um órgão jurisdicional nacional não é ilimitada. Assim, para além do facto anteriormente recordado de essa responsabilidade só poder ser acionada no caso excecional de o órgão jurisdicional nacional em causa decidir em última instância, há que apreciar se este último violou manifestamente o direito aplicável ( 25 ).

55.

E quanto à obrigação do juiz nacional de apreciar oficiosamente a existência de uma cláusula abusiva num contrato celebrado entre um consumidor e um profissional?

56.

Recordo que o sistema de proteção implementado pela Diretiva 93/13 assenta na ideia de que o consumidor se encontra numa situação de inferioridade relativamente ao profissional, no que respeita quer ao poder de negociação quer ao nível de informação, situação esta que o leva a aderir às condições redigidas previamente pelo profissional, sem poder influenciar o conteúdo destas ( 26 ).

57.

Tendo em consideração essa situação de inferioridade, o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 prevê que as cláusulas abusivas não vinculam os consumidores. Tal como resulta da jurisprudência, trata‑se de uma disposição imperativa que, tendo em conta a inferioridade de uma das partes no contrato, pretende substituir o equilíbrio formal que este estabelece entre os direitos e as obrigações das partes por um equilíbrio real suscetível de restabelecer a igualdade entre estas ( 27 ).

58.

A fim de assegurar a proteção consagrada pela Diretiva 93/13, o Tribunal de Justiça sublinhou igualmente em várias ocasiões que a situação de desigualdade existente entre o consumidor e o profissional só pode ser compensada por uma intervenção positiva, exterior às partes do contrato ( 28 ).

59.

À luz desses princípios, o Tribunal de Justiça considerou que o juiz nacional deve apreciar oficiosamente o caráter abusivo de uma cláusula contratual ( 29 ).

60.

No que se refere à questão de saber se um órgão jurisdicional cometeu uma «violação suficientemente caracterizada do direito da União» ao não apreciar, em circunstâncias como as descritas no despacho de reenvio, o caráter abusivo de uma cláusula contida num contrato de consumo, são vários, à luz da jurisprudência ( 30 ), os elementos pertinentes que penso poder classificar em duas categorias.

61.

A primeira categoria refere‑se ao grau geral de clareza e de precisão da regra violada, o que implica, se for caso disso, determinar se existe uma jurisprudência inequívoca do Tribunal de Justiça sobre a questão jurídica submetida ao juiz nacional. A segunda categoria diz respeito ao conjunto das circunstâncias particulares que caracterizam a situação em causa, tais como a margem de apreciação deixada aos órgãos nacionais pela regra violada, o caráter flagrante, intencional e/ou desculpável do incumprimento alegado, bem como o conjunto dos elementos de facto e de direito levados ao conhecimento do juiz nacional, em particular pelas partes no litígio. Quanto a este segundo aspeto, o Tribunal de Justiça indicou que incumbe ao juiz nacional chamado a pronunciar‑se sobre um pedido de indemnização, ter em conta todos os elementos que caracterizam a situação que lhe é submetida ( 31 ).

62.

Em primeiro lugar, quanto à questão de saber se a regra violada é suficientemente clara e precisa, é inegável que uma violação do direito da União é manifestamente caracterizada quando perdurou apesar de ter sido proferido um acórdão que declara o incumprimento imputado ou um acórdão num reenvio prejudicial ou apesar de existir uma jurisprudência bem assente do Tribunal de Justiça na matéria, dos quais resulte o caráter ilícito do comportamento em causa ( 32 ).

63.

No caso vertente, no que se refere à obrigação do juiz da execução de uma sentença arbitral de apreciar oficiosamente o caráter abusivo de uma cláusula contratual, considero que essa regra, que foi estabelecida de maneira pretoriana pelo Tribunal de Justiça, não estava necessariamente caracterizada, à data das decisões que autorizaram a execução em causa no processo principal, pelo grau de clareza e de precisão exigidos. Em especial, não é evidente concluir que, no momento da adoção das decisões jurisdicionais em causa no processo principal, que datam respetivamente de 15 e 16 de dezembro de 2008, a referida regra resultava de forma inequívoca da jurisprudência.

64.

Duas razões principais levam‑me a esta conclusão.

65.

Em primeiro lugar, parece‑me que o Tribunal de Justiça, no âmbito dos reenvios prejudiciais para interpretação das disposições da Diretiva 93/13 com origem em litígios de natureza muito variada, nem sempre deu uma resposta clara à questão de saber se o juiz nacional «devia» ou «podia» apreciar uma cláusula que considere abusiva e, em caso afirmativo, se podia ou devia não aplicar a mesma. Embora a jurisprudência mais recente se pronuncie indiscutivelmente a favor da obrigação do juiz de apreciar o caráter abusivo de uma cláusula em certas circunstâncias ( 33 ) e, se for caso disso, de retirar disso todas as consequências, nem sempre foi assim. As fórmulas utilizadas pelo Tribunal de Justiça foram marcadas durante muito tempo por uma certa ambiguidade, que se explica com frequência pelas circunstâncias próprias de cada caso ( 34 ).

66.

Por outro lado, em numerosos processos, a questão da obrigação do juiz de apreciar o caráter abusivo das cláusulas submetidas à sua apreciação só foi suscitada em circunstâncias muito concretas. Segundo uma fórmula já consagrada, o juiz nacional deve apreciar oficiosamente o caráter abusivo de uma cláusula contratual abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 93/13 e, deste modo, suprir o desequilíbrio que existe entre o consumidor e o profissional, desde que disponha dos elementos jurídicos e de facto necessários para esse efeito ( 35 ).

67.

Em segundo lugar, essa consagração de uma «obrigação» é ainda menos evidente no caso dos processos executivos, como o que está em causa no processo principal, que implica frequentemente uma intervenção marginal ( 36 ), ou mesmo inexistente ( 37 ), do juiz nacional competente. Como já tive ocasião de mencionar, pode acontecer que, nesses processos, de tramitação simplificada, o juiz não esteja em posição de ter conhecimento de todos os elementos de facto e de direito pertinentes.

68.

Com efeito, há que salientar que só no seu despacho Pohotovosť ( 38 ) é que o Tribunal de Justiça examinou uma situação como a que está em causa no processo principal e, nomeadamente, declarou que na medida em que o juiz nacional chamado a conhecer de uma ação executiva tendente à execução coerciva de uma decisão arbitral definitiva deva, segundo as regras processuais internas, apreciar oficiosamente se uma cláusula arbitral é contrária às regras nacionais de ordem pública, incumbe‑lhe igualmente apreciar oficiosamente o caráter abusivo dessa cláusula à luz do artigo 6.o da Diretiva 93/13, desde que disponha dos elementos jurídicos e de facto necessários para esse efeito.

69.

Sendo certo que esse despacho se refere à jurisprudência desenvolvida até então pelo Tribunal de Justiça ( 39 ) para responder às questões que eram colocadas, não pode excluir‑se que, para o juiz nacional, as obrigações que lhe são impostas tenham podido suscitar algumas interrogações.

70.

A este respeito, parece‑me que o facto de o Tribunal de Justiça ter considerado oportuno decidir o processo C‑76/10, Pohotovost’ ( 40 ) por meio de um despacho proferido com base no artigo 104.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, na sua versão em vigor à data do referido processo ( 41 ), não é de modo nenhum determinante para considerar que as obrigações que se impunham ao juiz da execução de uma sentença arbitral resultavam «de maneira clara e precisa» da jurisprudência.

71.

Com efeito, na minha opinião, a apreciação da questão de saber se o juiz nacional estava perante uma norma jurídica clara e precisa nada tem a ver com a escolha do Tribunal de Justiça de recorrer a uma tramitação processual simplificada para interpretar essa norma. O simples facto de poder ter sido apresentado um pedido de decisão prejudicial leva a presumir que, pelo menos para uma parte dos juízes nacionais, a norma jurídica em causa podia suscitar dificuldades de interpretação.

72.

Tal como afirmou o advogado‑geral no processo que deu lugar ao acórdão de 4 de junho de 2002, Lyckeskog (C‑99/00, EU:C:2002:329) ( 42 ), no que se refere à conexão que podia estabelecer‑se entre a questão da evidência da existência de uma dúvida razoável que impõe ao juiz nacional que proceda a um reenvio prejudicial em virtude da jurisprudência Cilfit e o. ( 43 ) e a redação do artigo 104.o, n.o 3, do antigo Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, «[de facto], no primeiro caso, atende‑se à qualidade e consistência das dúvidas que o tribunal nacional deve ter relativamente a uma questão de direito comunitário, para decidir se há de ou não submetê‑la ao Tribunal de Justiça; no segundo, atende‑se às dúvidas que a solução pode eventualmente suscitar no Tribunal de Justiça para efeitos de escolha do processo a adotar na resposta» ( 44 ).

73.

Em segundo lugar, e mesmo supondo que a norma jurídica que tem por objeto conferir direitos aos particulares aqui em causa seja considerada bem estabelecida à data dos factos pertinentes, o segundo aspeto que, na minha opinião, há que examinar para determinar se existe efetivamente uma «violação manifesta» de uma norma jurídica, refere‑se ao conjunto das circunstâncias que envolvem o caso em apreço.

74.

Com efeito, o juiz só está obrigado a apreciar oficiosamente o caráter abusivo de uma cláusula — e, se for caso disso, a não a aplicar — no caso de dispor de todos os elementos de facto e de direito pertinentes. Essa tomada em consideração do conjunto das circunstâncias é determinante e é a razão pela qual o Tribunal de Justiça, embora aceitando interpretar os critérios gerais utilizados pelo legislador europeu no artigo 3.o da Diretiva 93/13 se absteve, de uma forma geral, para definir o conceito de cláusula abusiva, de se pronunciar sobre a aplicação desses critérios a uma cláusula em particular ( 45 ).

75.

Considero que, entre os elementos de facto que devem ser tidos em consideração, figuram a reatividade ou pelo contrário a passividade do consumidor visado. Com efeito, o Tribunal de Justiça precisou que embora a Diretiva 93/13 exija, nos litígios que envolvem um profissional e um consumidor, uma intervenção positiva, alheia às partes no contrato, por parte do juiz nacional perante quem foi proposta a ação, o respeito pelo princípio da efetividade não pode implicar o suprimento integral da passividade total do consumidor em causa. Por conseguinte, o facto de o consumidor só poder invocar a tutela das disposições legislativas relativas às cláusulas abusivas se intentar um processo judicial não pode ser considerado, em si, contrário ao princípio da efetividade ( 46 ).

76.

Essa última exigência, que impõe que a pessoa alegadamente lesada se esforce no sentido de evitar, ou pelo menos limitar, o alcance do dano sofrido, foi estabelecida precisamente pelo Tribunal de Justiça ( 47 ) e está inegavelmente ligada à necessidade de estar em presença de uma decisão jurisdicional emanada de um órgão jurisdicional que decide em última instância ( 48 ).

77.

Em definitivo, há que constatar que a obrigação de apreciar oficiosamente o caráter abusivo de cláusulas contratuais em aplicação da Diretiva 93/13 só existe no caso de o órgão jurisdicional nacional dispor dos elementos de facto ou de direito necessários para esse efeito.

78.

Essa apreciação é eminentemente subjetiva e incumbe ao juiz nacional. Para que seja possível concluir que a omissão do juiz de apreciar e, se for caso disso, de afastar as cláusulas abusivas contidas nos contratos celebrados entre consumidores e profissionais é manifesta e pode ser sancionada em sede da responsabilidade do Estado por violação do direito da União, deverá ter‑se em consideração o caráter desculpável ou não dessa omissão.

79.

O facto de ter sido chamada a atenção do juiz a quo para esse aspeto, quer pelo próprio consumidor quer por qualquer outro canal de informação, reveste também uma grande importância.

B – Quanto à quarta e à quinta questão

80.

Tal como referi anteriormente, a quarta e a quinta questão referem‑se ao alcance de um eventual pedido de indemnização do prejuízo sofrido devido à passividade do juiz e a articulação deste pedido com outras ações.

81.

Com efeito, com sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o dano causado pela eventual violação do direito da União em causa no processo principal corresponde ao montante da reparação pedida por M. Tomášová e se esse montante pode ser assimilado ao crédito recuperado, a saber, ao enriquecimento sem causa. Com a sua quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se uma ação por enriquecimento sem causa, como meio jurídico de recurso, prevalece sobre a indemnização do dano.

82.

Parece‑me que estas interrogações do órgão jurisdicional de reenvio se referem a aspetos que entram no âmbito da autonomia processual dos Estados‑Membros.

83.

A este respeito, há que recordar que, quando estão preenchidos os requisitos da responsabilidade do Estado, o que cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais determinar, é no âmbito do direito nacional que incumbe ao Estado reparar as consequências do prejuízo causado, entendendo‑se que os requisitos estabelecidos pelas legislações nacionais em matéria de reparação dos prejuízos não podem ser menos favoráveis do que os aplicáveis a reclamações semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência) nem ser organizados de maneira a, na prática, tornarem impossível ou excessivamente difícil a obtenção da reparação (princípio da efetividade) ( 49 ).

84.

Daqui resulta que as regras relativas à avaliação de um dano causado por uma violação do direito da União são determinadas pelo direito nacional de cada Estado‑Membro, entendendo‑se que as regulamentações nacionais em matéria de reparação dos danos que fixam essas regras devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade.

85.

Do mesmo modo, a articulação entre uma ação de indemnização do dano alegadamente sofrido devido a uma violação de uma norma jurídica com as outras ações disponíveis em virtude do direito nacional, em particular as ações por enriquecimento sem causa que poderiam ser intentadas em virtude do direito nacional, é determinada pelos direitos nacionais, no respeito dos princípios da equivalência e da efetividade.

86.

Assim, incumbe ao ordenamento jurídico interno de cada Estado‑Membro, no respeito dos princípios da equivalência e da efetividade, fixar os critérios que permitem verificar e avaliar o prejuízo causado por uma violação do direito da União.

III – Conclusão

87.

Proponho responder às questões submetidas pelo Okresný súd Prešov (Tribunal Distrital de Prešov, Eslováquia), do seguinte modo:

1)

Um Estado‑Membro não pode ser considerado responsável pelo facto de um órgão jurisdicional nacional, que intervém no âmbito de um processo executivo baseado numa sentença arbitral, não ter afastado uma cláusula contratual declarada abusiva em virtude da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, quando a parte devedora no processo em causa não esgotou todas as vias de recurso ordinárias de que dispunha nos termos do direito nacional aplicável.

2)

Para ser qualificada de violação suficientemente caracterizada suscetível de acionar a responsabilidade do Estado, a omissão, pelo juiz que decide em última instância no âmbito de um processo executivo, de apreciar o caráter abusivo de uma cláusula contratual em virtude da Diretiva 93/13, deve ter em conta o conjunto dos elementos de facto e de direito levados ao seu conhecimento na data da sua decisão. Tal violação do direito da União não pode ser considerada suficientemente caracterizada quando a omissão do juiz nacional de apreciar o caráter abusivo de uma cláusula contida num contrato que vincula um profissional a um consumidor for de caráter desculpável. Em contrapartida, essa omissão pode ser qualificada de violação suficientemente caracterizada, quando apesar das informações que foram levadas ao seu conhecimento, quer pelo próprio consumidor ou por outros meios, o órgão jurisdicional chamado a decidir em última instância, não apreciou oficiosamente o caráter abusivo de uma cláusula contratual contida em tal contrato.

3)

Incumbe ao ordenamento jurídico interno de cada Estado‑Membro, no respeito dos princípios da equivalência e da efetividade, fixar os critérios que permitem verificar e avaliar o prejuízo causado por uma violação do direito da União.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) Diretiva do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29).

( 3 ) V. artigos 44.° e 45.° da Lei n.o 233/1995 relativa aos agentes da execução e ao processo executivo, que altera e completa outras leis.

( 4 ) V. artigo 50.o da lei acima referida, e artigo 202.o, n.o 2, da Lei n.o 99/1993 que aprova o Código de Processo Civil.

( 5 ) V., a esse respeito, a sentença do Okresný súd Prešov (Tribunal Distrital de Prešov) de 22 de outubro de 2010, já referida (n.o 11 das presentes conclusões), que julga improcedente, por ter sido apresentado prematuramente, a ação de indemnização da recorrente no processo principal, designadamente, porque esta não tinha esgotado todas as vias de recurso que tinha à sua disposição, tais como um recurso de anulação da sentença arbitral controvertida.

( 6 ) Acórdãos de 19 de novembro de 1991 (C‑6/90 e C‑9/90, EU:C:1991:428, n.os 31 a 37).

( 7 ) Acórdãos de 5 de março de 1996 (C‑46/93 e C‑48/93, EU:C:1996:79, n.o 74).

( 8 ) V., designadamente, acórdão de 5 de março de 1996, Brasserie du pêcheur e Factortame (C‑46/93 e C‑48/93, EU:C:1996:79, n.o 34).

( 9 ) Acórdão de 30 de setembro de 2003 (C‑224/01, EU:C:2003:513, n.os 33 a 36).

( 10 ) V. acórdãos de 13 de junho de 2006, Traghetti del Mediterraneo (C‑173/03, EU:C:2006:391, n.o 31); de 24 de novembro de 2011, Comissão/Itália (C‑379/10, EU:C:2011:775); de 9 de setembro de 2015, Ferreira da Silva e Brito e o. (C‑160/14, EU:C:2015:565, n.o 47); e de 6 de outubro de 2015, Târșia (C‑69/14, EU:C:2015:662, n.o 40).

( 11 ) Acórdão de 30 de setembro de 2003, Köbler (C‑224/01, EU:C:2003:513, n.os 33 a 36).

( 12 ) Acórdão de 13 de junho de 2006 (C‑173/03, EU:C:2006:391, n.o 32).

( 13 ) O sublinhado é meu.

( 14 ) Acórdão de 6 de outubro de 2015, C‑69/14, EU:C:2015:662, n.o 40.

( 15 ) V., designadamente, Beutler, B., «State Liability for Breaches of Community Law by National Courts: Is the Requirement of a Manifest Infringement of the Applicable Law an Insurmountable Obstacle»Common Market Law Review 46, 2009, n.o 3, pp. 773 a 804 (nomeadamente, p. 789), e Huglo, J.‑G., «La responsabilité des États membres du fait des violations du droit communautaire commises par les juridictions nationales: un autre regard», Gazette du Palais, 12 juin 2004, I Jur., p. 34.

( 16 ) Acórdão de 30 de setembro de 2003 (C‑224/01, EU:C:2003:513).

( 17 ) Acórdão de 30 de setembro de 2003, Köbler (C‑224/01, EU:C:2003:513, n.o 34).

( 18 ) Como afirma o advogado‑geral Geelhoed nas suas conclusões apresentadas no processo Comissão/Itália (C‑129/00, EU:C:2003:319, n.o 63), à semelhança da ratio da estrutura do artigo 234.o CE (atual artigo 267.o TFUE), tratando‑se da obrigação de reenvio prejudicial, a ideia é que as decisões individuais dos órgãos jurisdicionais nacionais inferiores que fazem uma aplicação incorreta do direito da União podem ainda ser corrigidas no quadro da hierarquia jurisdicional nacional. Mesmo que essa correção não se verifique, uma única decisão errónea de um órgão jurisdicional inferior não implica necessariamente que, no Estado‑Membro, se ponha em causa o efeito útil da disposição comunitária em questão. Em contrapartida, essas consequências são manifestamente prováveis no caso de uma jurisprudência nacional contrária do órgão jurisdicional nacional supremo, que, com efeito, será considerada pelos outros órgãos jurisdicionais nacionais como vinculante no ordenamento jurídico nacional.

( 19 ) Assim, nos processos que deram origem aos acórdãos de 13 de junho de 2006, Traghetti del Mediterraneo (C‑173/03, EU:C:2006:391), e de 24 de novembro de 2011, Comissão/Itália (C‑379/10, EU:C:2011:775), o incumprimento censurado ao órgão jurisdicional nacional que decide em última instância residia na sua interpretação das disposições legais.

( 20 ) V. acórdão de 4 de junho de 2015, Faber (C‑497/13, EU:C:2015:357, n.o 56).

( 21 ) A este respeito, sublinho que foi precisamente em virtude do princípio da equivalência que foi consagrada no acórdão de 6 de outubro de 2009, Asturcom Telecomunicaciones (C‑40/08, EU:C:2009:615, n.os 49 a 59), a obrigação do juiz nacional, ao qual tenha sido submetido um recurso em execução de uma sentença arbitral que adquiriu força de caso julgado, de apreciar o caráter abusivo da cláusula de arbitragem contida num contrato celebrado entre um profissional e um consumidor.

( 22 ) V., designadamente, acórdãos de 5 de março de 1996, Brasserie du pêcheur e Factortame (C‑46/93 e C‑48/93, EU:C:1996:79, n.o 51); de 30 de outubro de 2003, Köbler (C‑224/01, EU:C:2003:513, n.o 51); de 12 de outubro de 2009, Test Claimants in the FII Group Litigation (C‑446/04, EU:C:2006:774, n.o 209); de 25 de novembro de 2010, Fuß (C‑429/09, EU:C:2010:717, n.o 47); e de 14 de março de 2013, Leth (C‑420/11, EU:C:2013:166, n.o 41).

( 23 ) V. acórdão de 30 de setembro de 2003, Köbler (C‑224/01, EU:C:2003:513, n.o 52).

( 24 ) V. acórdãos de 30 de setembro de 2003, Köbler (C‑224/01, EU:C:2003:513, n.o 100); de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation (C‑446/04, EU:C:2006:774, n.o 210); e de 25 de novembro de 2010, Fuß (C‑429/09, EU:C:2010:717, n.o 48).

( 25 ) V. acórdãos de 30 de setembro de 2003, Köbler (C‑224/01, EU:C:2003:513, n.o 53), e de 13 de junho de 2006, Traghetti del Mediterraneo (C‑173/03, EU:C:2006:391, n.os 32 e 42).

( 26 ) Acórdãos de 27 de junho de 2000, Océano Grupo Editorial e Salvat Editores (C‑240/98 a C‑244/98, EU:C:2000:346, n.o 25), e de 26 de outubro de 2006, Mostaza Claro (C‑168/05, EU:C:2006:675, n.o 25).

( 27 ) Acórdãos de 26 de outubro de 2006, Mostaza Claro (C‑168/05, EU:C:2006:675, n.o 36), e de 4 de junho de 2009, Pannon GSM (C‑243/08, EU:C:2009:350, n.o 25).

( 28 ) V. acórdãos de 27 de junho de 2000, Océano Grupo Editorial e Salvat Editores (C‑240/98 a C‑244/98, EU:C:2000:346, n.o 27); de 26 de outubro de 2006, Mostaza Claro (C‑168/05, EU:C:2006:675, n.o 26); de 6 de outubro de 2009, Asturcom Telecomunicaciones (C‑40/08, EU:C:2009:615, n.o 31); e de 14 de junho de 2012, Banco Español de Crédito (C‑618/10, EU:C:2012:349, n.o 41).

( 29 ) V., designadamente, acórdãos de 4 de junho de 2009, Pannon GSM (C‑243/08, EU:C:2009:350, n.o 32), e de 6 de outubro de 2009, Asturcom Telecomunicaciones (C‑40/08, EU:C:2009:615, n.o 32).

( 30 ) V. acórdãos de 30 de setembro de 2003, Köbler (C‑224/01, EU:C:2003:513, n.os 53 a 55), e de 13 de junho de 2006, Traghetti del Mediterraneo (C‑173/03, EU:C:2006:391, n.o 32).

( 31 ) V. acórdão de 30 de setembro de 2003, Köbler (C‑224/01, EU:C:2003:513, n.o 54).

( 32 ) V., nesse sentido, acórdão de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation (C‑446/04, EU:C:2006:774, n.o 214 e jurisprudência citada).

( 33 ) V., designadamente, acórdãos de 14 de março de 2013, Aziz (C‑415/11, EU:C:2013:164, n.o 46); de 30 de maio de 2013, Asbeek Brusse e de Man Garabito (C‑488/11, EU:C:2013:341, n.o 49); de 27 de fevereiro de 2014, Pohotovosť (C‑470/12, EU:C:2014:101, n.o 34); de 30 de abril de 2014, Barclays Bank (C‑280/13, EU:C:2014:279, n.o 34); de 17 de julho de 2014, Sánchez Morcillo e Abril García (C‑169/14, EU:C:2014:2099, n.o 24); de 9 de julho de 2015, Bucura (C‑348/14, EU:C:2015:447, não publicado, n.os 43 e 44); e despacho de 16 de julho de 2015, Sánchez Morcillo e Abril García (C‑539/14, EU:C:2015:508, n.os 26 a 28).

( 34 ) Parece que foi a partir do acórdão de 4 de junho de 2009, Pannon GSM (C‑243/08, EU:C:2009:350, n.o 32), que o Tribunal de Justiça se pronunciou claramente no sentido de uma «obrigação» do juiz nacional, para além da possibilidade que lhe tinha sido reconhecida nos processos anteriores.

( 35 ) V., designadamente, acórdão de 14 de março de 2013, Aziz (C‑415/11, EU:C:2013:164, n.o 46 e jurisprudência citada).

( 36 ) Tal como salientei na minha tomada de posição apresentada no processo Sánchez Morcillo e Abril García (C‑169/14, EU:C:2014:2110, n.o 53), importa ter presente que o processo de execução em questão no caso em apreço, que tem por objeto a cobrança de uma dívida com um título executivo pretensamente válido, é, pela sua própria natureza, bastante diferente do processo declarativo.

( 37 ) V., designadamente, acórdão de 1 de outubro de 2015, ERSTE Bank Hungary (C‑32/14, EU:C:2015:637), relativo a um procedimento simplificado de execução coerciva notarial existente na Hungria.

( 38 ) Despacho de 16 de novembro de 2010 (C—76/10, EU:C:2010:685, n.o 51).

( 39 ) Acórdãos de 27 de junho de 2000, Océano Grupo Editorial e Salvat Editores (C‑240/98 a C‑244/98, EU:C:2000:346); de 21 de novembro de 2002, Cofidis (C‑473/00, EU:C:2002:705); de 26 de outubro de 2006, Mostaza Claro (C‑168/05, EU:C:2006:675); de 4 de junho de 2009, Pannon GSM (C‑243/08, EU:C:2009:350); e de 6 de outubro de 2009, Asturcom Telecomunicaciones (C‑40/08, EU:C:2009:615).

( 40 ) Despacho de 16 de novembro de 2010 (EU:C:2010:685).

( 41 ) Essa disposição previa que, quando a resposta a uma questão apresentada a título prejudicial possa ser claramente deduzida da jurisprudência ou quando a resposta à questão não suscite nenhuma dúvida razoável, o Tribunal pode, depois de ouvir o advogado‑geral, decidir por meio de despacho fundamentado.

( 42 ) Conclusões do advogado‑geral Tizzano apresentadas no processo Lyckeskog (C‑99/00, EU:C:2002:108, n.o 74).

( 43 ) Acórdão de 6 de outubro de 1982, Cilfit e o. (283/81, EU:C:1982:335).

( 44 ) O sublinhado é meu.

( 45 ) Acórdão de 1 de abril de 2004, Freiburger Kommunalbauten (C‑237/02, EU:C:2004:209, n.os 22 e 23).

( 46 ) Acórdão de 1 de outubro de 2015, ERSTE Bank Hungary (C‑32/14, EU:C:2015:637, n.o 62 e jurisprudência citada).

( 47 ) V. acórdão de 5 de março de 1996, Brasserie du pêcheur e Factortame (C‑46/93 e C‑48/93, EU:C:1996:79, n.os 84 e 85).

( 48 ) No acórdão de 24 de março de 2009, Danske Slagterier (C‑445/06, EU:C:2009:178, n.o 69), o Tribunal de Justiça declarou que «[o direito comunitário não se opõe] à aplicação de uma regulamentação nacional que dispõe que um particular não pode obter a reparação de um dano cuja ocorrência, intencionalmente ou por negligência, não evitou através do recurso a um meio processual, desde que a utilização desse meio processual possa ser razoavelmente exigida ao lesado, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, tendo em conta as circunstâncias do processo principal. A probabilidade de o juiz nacional apresentar um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.o CE ou a pendência de uma ação por incumprimento no Tribunal de Justiça não podem, só por si, constituir uma razão suficiente para se concluir que não é razoável exercer um meio processual».

( 49 ) V. acórdãos de 19 de novembro de 1991, Francovich e o. (C‑6/90 e C‑9/90, EU:C:1991:428, n.o 42); de 30 de setembro de 2003, Köbler (C‑224/01, EU:C:2003:513, n.o 58); de 24 de março de 2009, Danske Slagterier (C‑445/06, EU:C:2009:178, n.o 31); de 25 de novembro de 2010, Fuß (C‑429/09, EU:C:2010:717, n.o 62); e de 9 de setembro de 2015, Ferreira da Silva e Brito e o. (C‑160/14, EU:C:2015:565, n.o 50).

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