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Document 62014CJ0304

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 13 de setembro de 2016.
Secretary of State for the Home Department contra CS.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Upper Tribunal (Immigration and Asylum Chamber) London.
Reenvio prejudicial — Cidadania da União — Artigo 20.° TFUE — Nacional de um Estado terceiro que tem a seu cargo um filho de tenra idade, cidadão da União — Direito de residência no Estado‑Membro de que o filho é nacional — Condenações penais do progenitor da criança — Decisão de afastamento do progenitor que tem como consequência o afastamento indireto da criança em causa.
Processo C-304/14.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2016:674

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

13 de setembro de 2016 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Cidadania da União — Artigo 20.o TFUE — Nacional de um Estado terceiro que tem a seu cargo um filho de tenra idade, cidadão da União — Direito de residência no Estado‑Membro de que o filho é nacional — Condenações penais do progenitor da criança — Decisão de afastamento do progenitor que tem como consequência o afastamento indireto da criança em causa»

No processo C‑304/14,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Upper Tribunal (Immigration and Asylum Chamber) [Tribunal Superior (Secção de Imigração e de Asilo), Reino Unido], por decisão de 4 de junho de 2014, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 24 de junho de 2014, no processo

Secretary of State for the Home Department

contra

CS,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

composto por: K. Lenaerts, presidente, R. Silva de Lapuerta, M. Ilešič, L. Bay Larsen, C. Toader, D. Šváby, F. Biltgen e C. Lycourgos, presidentes de secção, A. Rosas (relator), E. Juhász, A. Borg Barthet, M. Safjan, M. Berger, A. Prechal e K. Jürimäe, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 30 de junho de 2015,

vistas as observações apresentadas:

em representação de CS, por R. Husain, QC, L. Dubinsky, e P. Tridimas, barrister, mandatados por D. Furner, solicitor,

em representação do Governo do Reino Unido, por M. Holt e J. Beeko, na qualidade de agentes, assistidos por D. Blundell, barrister,

em representação do Governo dinamarquês, por C. Thorning e M. Wolff, na qualidade de agentes,

em representação do Governo francês, por D. Colas e R. Coesme, na qualidade de agentes,

em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, K. Pawłowska e M. Pawlicka, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por I. Martínez del Peral, C. Tufvesson e M. Wilderspin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 4 de fevereiro de 2016,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 20.o TFUE.

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe CS, nacional de um Estado terceiro, mãe de uma criança de tenra idade, cidadã da União que possui a nacionalidade de um Estado‑Membro em que sempre residiu, ao Secretary of State for the Home Department (Ministro do Interior, Reino Unido), a respeito de uma decisão que decreta a expulsão da interessada do território deste Estado‑Membro para um Estado terceiro, devido aos seus antecedentes penais.

Quadro jurídico

Direito da União

3

O artigo 3.o da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO 2004, L 158, p. 77; retificações no JO 2004, L 229, p. 35, e no JO 2005, L 197, p. 34), sob a epígrafe «Titulares», dispõe:

«1.   A presente diretiva aplica‑se a todos os cidadãos da União que se desloquem ou residam num Estado‑Membro que não aquele de que são nacionais, bem como aos membros das suas famílias, na aceção do ponto 2 do artigo 2.o, que os acompanhem ou que a eles se reúnam.

2.   Sem prejuízo de um direito pessoal à livre circulação e residência da pessoa em causa, o Estado‑Membro de acolhimento facilita, nos termos da sua legislação nacional, a entrada e a residência das seguintes pessoas:

a)

Qualquer outro membro da família, independentemente da sua nacionalidade, não abrangido pelo ponto 2 do artigo 2.o, que, no país do qual provenha, esteja a cargo do cidadão da União que tem direito de residência a título principal [...]

[…]

O Estado‑Membro de acolhimento procede a uma extensa análise das circunstâncias pessoais e justifica a eventual recusa de entrada ou de residência das pessoas em causa.»

Direito do Reino Unido

Lei das fronteiras

4

Nos termos da section 32(5) da UK Borders Act 2007 (Lei de 2007 relativa às fronteiras, a seguir «lei das fronteiras»), quando uma pessoa que não é cidadã britânica é considerada no Reino Unido culpada de uma infração e condenada a uma pena de prisão de pelo menos doze meses, o Ministro do Interior deve adotar uma decisão de expulsão a seu respeito.

5

Nos termos da section 33 da lei das fronteiras, esta obrigação é excluída quando o afastamento, por força da decisão de expulsão, da pessoa condenada:

(a)

violar os direitos de que uma pessoa é titular nos termos da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950; ou

(b)

violar as obrigações que incumbem ao Reino Unido nos termos da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra, em 28 de julho de 1951 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 189, p. 150, n.o 2545 [1954]); ou

(c)

violar os direitos de que o infrator é titular nos termos dos Tratados da União Europeia.

Regulamento sobre a imigração

6

Nos termos da regulation 15A(4A), dos Immigration (European Economic Area) Regulations 2006 [Regulamento de 2006 sobre a imigração (Espaço Económico Europeu)], na sua versão alterada durante o ano de 2012 (a seguir «regulamento sobre a imigração»), que toma em conta o acórdão de 8 de março de 2011, Ruiz Zambrano (C‑34/09, EU:C:2011:124), quem corresponder aos critérios previstos nesta regulation 15A(4A), beneficia de «um direito de residência derivado no Reino Unido».

7

Todavia, de acordo com a regulation 15A(9) desse regulamento, quem normalmente beneficiar de um direito de residência derivado em virtude, designadamente, da referida regulation 15A(4A), não beneficia deste direito «quando o Ministro do Interior tiver adotado uma decisão nos termos das regulations [19(3)(b), 20(1) ou 20A(1) do regulamento sobre a imigração]».

8

Nos termos da regulation 20(1), desse regulamento, o Ministro do Interior pode recusar emitir, revogar ou recusar renovar um certificado de registo, um título de residência, um documento que certifique a residência permanente ou um título de residência permanente «se a recusa ou a revogação for justificada por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública».

9

Nos termos da regulation 20(6) do regulamento sobre a imigração, tal decisão deve ser adotada em conformidade com a regulation 21 deste regulamento.

10

A regulation 21A do regulamento sobre a imigração aplica uma versão alterada da parte 4 deste regulamento às decisões adotadas em relação, nomeadamente, aos direitos de residência derivados. A regulation 21A(3)(a) do referido regulamento aplica esta parte 4 como se «as referências a um elemento ‘justificado por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública em conformidade com a regulation 21’ fizessem, ao invés, menção a um elemento que ‘contribui para o interesse geral’».

11

Resulta destas disposições que é possível recusar um direito de residência derivado a uma pessoa que normalmente pode invocar um direito de residência nos termos do artigo 20.o TFUE, tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 8 de março de 2011, Ruiz Zambrano (C‑34/09, EU:C:2011:124), quando tal contribua para o interesse geral.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

12

CS, nacional de um Estado terceiro, casou em 2002 com um cidadão britânico. Em setembro de 2003, foi‑lhe concedido um visto com base no seu casamento e entrou legalmente no Reino Unido, beneficiando de uma autorização para aí residir até 20 de agosto de 2005. Em 31 de outubro de 2005, foi‑lhe emitida uma autorização de residência por tempo indeterminado nesse Estado‑Membro.

13

Em 2011, nasceu um filho deste casamento no Reino Unido. CS assegura sozinha a guarda efetiva desse filho, cidadão britânico.

14

Em 21 de março de 2012, CS foi considerada culpada de uma infração penal. Em 4 de maio seguinte, foi condenada a uma pena de doze meses de prisão.

15

Em 2 de agosto de 2012, CS foi notificada de que, devido à sua condenação, devia ser expulsa do Reino Unido. Em 30 de agosto de 2012, CS apresentou um pedido de asilo nesse Estado‑Membro. Este pedido foi apreciado pela autoridade nacional competente, a saber, o Ministro do Interior.

16

Em 2 de novembro de 2012, CS foi libertada, após ter cumprido a sua pena de prisão e, em 9 de janeiro de 2013, o Ministro do Interior indeferiu o pedido de asilo apresentado pela interessada. A decisão de expulsão de CS do Reino Unido para um Estado terceiro foi adotada ao abrigo da section 32(5) da lei das fronteiras. CS interpôs recurso da referida decisão no First‑tier Tribunal (Immigration and Asylum Chamber) [Tribunal de Primeira Instância (Secção da Imigração e do Asilo), Reino Unido]. Em 3 de setembro de 2013, foi dado provimento ao recurso de CS por a expulsão da interessada conduzir a uma violação da Convenção relativa ao estatuto dos refugiados, dos artigos 3.° e 8.° da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, bem como dos Tratados.

17

Na sua decisão, o First‑tier Tribunal (Immigration and Asylum Chamber) [Tribunal de Primeira Instância (Secção da Imigração e do Asilo)], constatou que, em caso de adoção de uma medida de afastamento relativamente a CS, nenhum outro membro da família poderia cuidar do seu filho no Reino Unido, pelo que este deveria seguir a sua mãe para o Estado de origem desta. Referindo‑se aos direitos do filho de CS, ligados à cidadania da União deste, nos termos do artigo 20.o TFUE, como interpretado pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 8 de março de 2011, Ruiz Zambrano (C‑34/09, EU:C:2011:124), este órgão jurisdicional de primeira instância declarou que um «cidadão da União Europeia não pode, em nenhuma circunstância, ser objeto de uma expulsão implícita do território da União [...], [na medida em que] esta obrigação não admite nenhuma exceção, incluindo quando [...] os pais têm antecedentes penais [...], [e em que], por conseguinte, a decisão de expulsão em causa não está em conformidade com a lei, uma vez que viola os direitos da criança nos termos do artigo 20.o TFUE.»

18

Foi admitido o recurso do Ministro do Interior para o Upper Tribunal (Immigration and Asylum Chamber) [Tribunal Superior (Secção da Imigração e do Asilo), Reino Unido]. O recorrente defendeu que o órgão jurisdicional de primeira instância cometeu um erro de direito ao acolher o recurso de CS, designadamente, nas suas apreciações relativas aos direitos de que o filho daquela beneficia nos termos do artigo 20.o TFUE, ao acórdão de 8 de março de 2011, Ruiz Zambrano (C‑34/09, EU:C:2011:124), e aos direitos derivados de que CS beneficia. O Ministro do Interior alegou, nomeadamente, que o direito da União não se opõe a que CS seja expulsa para o seu Estado de origem, mesmo que isto privasse o seu filho, cidadão da União, do gozo efetivo do essencial dos direitos associados a este estatuto.

19

Nestas condições, o Upper Tribunal (Immigration and Asylum Chamber) [Tribunal Superior (Secção da Imigração e do Asilo)], suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O direito da União Europeia, em especial o artigo 20.o [TFUE], impede um Estado‑Membro de expulsar do seu território para um país que não pertence à União um nacional de um país terceiro que é o progenitor que tem a guarda efetiva de um menor cidadão desse Estado‑Membro (e, por conseguinte, um cidadão da União), quando essa expulsão privar o menor do gozo efetivo do essencial dos seus direitos enquanto cidadão da União Europeia?

2)

Em caso de resposta negativa à primeira questão, em que circunstâncias essa expulsão pode ser permitida nos termos do direito da União Europeia?

3)

Em caso de resposta negativa à primeira questão, em que medida, se for caso disso, os artigos 27.° e 28.° da Diretiva [2004/38] servem de fundamento à resposta a dar à segunda questão?»

Quanto às questões prejudiciais

20

Com as suas questões, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 20.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro que impõe expulsar do território desse Estado‑Membro, para um Estado terceiro, um nacional desse Estado que foi objeto de uma condenação penal por uma infração de uma certa gravidade, ainda que este assegure a guarda efetiva de uma criança de tenra idade, nacional desse Estado‑Membro, onde reside desde o seu nascimento sem ter exercido o seu direito de livre circulação, quando a expulsão pretendida imponha a essa criança abandonar o território da União, privando‑a, assim, do gozo efetivo do essencial dos seus direitos enquanto cidadã da União.

Quanto às disposições do direito da União relativas à cidadania da União

21

Em primeiro lugar, há que constatar que o artigo 3.o da Diretiva 2004/38, sob a epígrafe «Titulares», dispõe, no seu n.o 1, que esta se aplica a todos os cidadãos da União que «se desloquem ou residam num Estado‑Membro que não aquele de que são nacionais, bem como aos membros das suas famílias».

22

Daqui resulta que a referida diretiva não se aplica numa situação como a que está em causa no processo principal, uma vez que o cidadão da União em causa nunca fez uso do seu direito de livre circulação e sempre residiu num Estado‑Membro de que possui a nacionalidade (v. acórdão de 8 de março de 2011, Ruiz Zambrano, C‑34/09, EU:C:2011:124, n.o 39). Na medida em que um cidadão da União não está abrangido pelo conceito de «titular» na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, um membro da sua família também não está abrangido por esse conceito, uma vez que os direitos conferidos por esta diretiva aos membros da família de um titular não são direitos próprios dos referidos membros, mas direitos derivados, adquiridos na sua qualidade de membros da família do titular (v. acórdãos de 5 de maio de 2011, McCarthy, C‑434/09, EU:C:2011:277, n.o 42; de 15 de novembro de 2011, Dereci e o., C‑256/11, EU:C:2011:734, n.o 55; e de 8 de maio de 2013, Ymeraga e o., C‑87/12, EU:C:2013:291, n.o 31).

23

Em segundo lugar, no que respeita ao artigo 20.o TFUE, o Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de declarar que a situação de um cidadão da União que, como o filho de nacionalidade britânica de CS, não fez uso do direito de livre circulação não pode, por esse simples motivo, ser equiparada a uma situação puramente interna, a saber, uma situação que não apresenta nenhum elemento de conexão com qualquer das situações previstas pelo direito da União (v. acórdãos de 5 de maio de 2011, McCarthy, C‑434/09, EU:C:2011:277, n.o 46; de 15 de novembro de 2011, Dereci e o., C‑256/11, EU:C:2011:734, n.o 61; e de 6 de dezembro de 2012, O e o., C‑356/11 e C‑357/11, EU:C:2012:776, n.o 43).

24

Com efeito, o filho de CS, enquanto nacional de um Estado‑Membro, goza, nos termos do artigo 20.o, n.o 1, TFUE, do estatuto de cidadão da União, que tende a ser o estatuto fundamental dos nacionais dos Estados‑Membros, e pode portanto invocar, mesmo relativamente ao Estado‑Membro de que tem a nacionalidade, os direitos relativos a tal estatuto (v. acórdãos de 5 de maio de 2011, McCarthy, C‑434/09, EU:C:2011:277, n.o 48; de 15 de novembro de 2011, Dereci e o., C‑256/11, EU:C:2011:734, n.o 63; e de 6 de dezembro de 2012, O e o., C‑356/11 e C‑357/11, EU:C:2012:776, n.o 44).

25

A cidadania da União confere a cada cidadão da União um direito fundamental e individual de circular e residir livremente no território dos Estados‑Membros, sujeito às limitações e restrições estabelecidas no Tratado e às medidas adotadas em sua execução (v., neste sentido, acórdãos de 7 de outubro de 2010, Lassal, C‑162/09, EU:C:2010:592, n.o 29, e de 16 de outubro de 2012, Hungria/Eslováquia, C‑364/10, EU:C:2012:630, n.o 43).

26

Como o Tribunal de Justiça declarou no n.o 42 do acórdão de 8 de março de 2011, Ruiz Zambrano (C‑34/09, EU:C:2011:124), o artigo 20.o TFUE opõe‑se a medidas nacionais que tenham por efeito privar os cidadãos do gozo efetivo do essencial dos direitos que o estatuto de cidadão da União lhes confere.

27

Em contrapartida, as disposições do Tratado relativas à cidadania da União não conferem nenhum direito autónomo aos nacionais de Estados terceiros (acórdãos de 8 de novembro de 2012, Iida, C‑40/11, EU:C:2012:691, n.o 66, e de 8 de maio de 2013, Ymeraga e o., C‑87/12, EU:C:2013:291, n.o 34).

28

Com efeito, os eventuais direitos contidos aos nacionais de Estados terceiros pelas disposições do Tratado sobre a cidadania da União não são direitos próprios dos referidos nacionais, mas direitos derivados dos direitos de que goza o cidadão da União. A finalidade e a justificação dos referidos direitos derivados têm por base a constatação de que não os reconhecer pode afetar, designadamente, a liberdade de circulação do cidadão da União (acórdãos de 8 de novembro de 2012, Iida, C‑40/11, EU:C:2012:691, n.os 67 e 68, e de 8 de maio de 2013, Ymeraga e o., C‑87/12, EU:C:2013:291, n.o 35).

29

A este respeito, o Tribunal de Justiça já constatou que existem situações muito específicas nas quais, apesar de o direito secundário relativo ao direito de residência dos nacionais de Estados terceiros não ser aplicável e de o cidadão da União em causa não ter utilizado a sua liberdade de circulação, o direito de residência deve no entanto ser atribuído ao nacional de um Estado terceiro, membro da família do referido cidadão, sob pena de o efeito útil da cidadania da União ser posto em causa, se, como consequência de tal recusa, esse cidadão viesse, na prática, a ser obrigado a abandonar o território da União considerado no seu todo, sendo desse modo privado do gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos pelo estatuto de cidadão da União (v., neste sentido, acórdãos de 8 de março de 2011, Ruiz Zambrano, C‑34/09, EU:C:2011:124, n.os 43 e 44; de 15 de novembro de 2011, Dereci e o., C‑256/11, EU:C:2011:734, n.os 66 e 67; de 8 de novembro de 2012, Iida, C‑40/11, EU:C:2012:691, n.o 71; de 8 de maio de 2013, Ymeraga e o., C‑87/12, EU:C:2013:291, n.o 36; e de 10 de outubro de 2013, Alokpa e Moudoulou, C‑86/12, EU:C:2013:645, n.o 32).

30

As situações acima referidas caracterizam‑se pelo facto de, apesar de serem regidas por legislação que, a priori, é da competência dos Estados‑Membros, concretamente, a legislação relativa ao direito de entrada e de residência dos nacionais de Estados terceiros, que não é abrangida pelo âmbito de aplicação das disposições do direito derivado e que, em certas condições, prevê a atribuição desse direito, terem, contudo, uma relação intrínseca com a liberdade de circulação e de residência de um cidadão da União, que se opõe a que o referido direito de entrada e de residência seja recusado aos referidos nacionais no Estado‑Membro onde reside o cidadão da União, para que a sua liberdade de circulação não seja afetada (v., neste sentido, acórdãos de 8 de novembro de 2012, Iida, C‑40/11, EU:C:2012:691, n.o 72, e de 8 de maio de 2013, Ymeraga e o., C‑87/12, EU:C:2013:291, n.o 37).

31

No caso em apreço, o filho de CS beneficia do direito, enquanto cidadão da União, de circular e de residir livremente no território da União e qualquer limitação a esse direito está abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União.

32

Ora, da expulsão da mãe desta criança, que assegura efetivamente a sua guarda, poderia resultar uma restrição aos direitos conferidos pelo estatuto de cidadão da União, uma vez que a referida criança pode ser obrigada, de facto, a acompanhá‑la e assim a abandonar o território da União considerado no seu todo. Neste sentido, a expulsão da mãe desta mesma criança privá‑la‑ia do gozo efetivo do essencial dos direitos que lhe confere o seu estatuto de cidadã da União.

33

Por conseguinte, há que considerar que a situação em causa no processo principal pode desencadear a privação, para o filho de CS, do gozo efetivo do essencial dos direitos que lhe confere o seu estatuto de cidadão da União e que, por conseguinte, é abrangida pelo âmbito de aplicação do direito da União.

Quanto à possibilidade de introduzir limitações a um direito de residência derivado que decorre do artigo 20.o TFUE

34

O Governo do Reino Unido considera que a prática de uma infração penal pode excluir um processo do âmbito de aplicação do princípio estabelecido pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 8 de março de 2011, Ruiz Zambrano (C‑34/09, EU:C:2011:124). Embora o Tribunal de Justiça tenha considerado que este princípio é aplicável numa situação como a que está em causa no processo principal o mesmo é suscetível de limitações. A este respeito, o Governo do Reino Unido alegou que a decisão de expulsão de CS devido ao seu comportamento criminoso de uma certa gravidade corresponde a uma razão de ordem pública, na medida em que este comportamento representa uma ameaça clara para um interesse legítimo deste Estado‑Membro, concretamente, o respeito da coesão social e dos valores da sua sociedade. O referido governo salientou, assim, que, no caso em apreço, a Court of Appeal (England & Wales) (Criminal Division) [Tribunal de Recurso (Inglaterra e País de Gales) (Secção Penal), Reino Unido], na decisão que negou provimento ao recurso interposto por CS da sua condenação a uma pena de prisão, reconheceu a gravidade da infração cometida pela interessada.

35

Neste contexto, o Governo do Reino Unido salienta que os artigos 27.° e 28.° da Diretiva 2004/38 enquadram a possibilidade de os Estados‑Membros expulsarem do seu território um cidadão da União, em especial, quando ele tiver cometido uma infração penal. Ora, não reconhecer a possibilidade de introduzir limitações a um direito de residência derivado que resulta diretamente do artigo 20.o TFUE e de adotar uma medida de expulsão implica que um Estado‑Membro não está em condições de expulsar um nacional de um Estado terceiro, culpado dessa infração, se este for progenitor de uma criança, cidadã da União, residente no Estado‑Membro de que é nacional. Nestas condições, o nível de proteção contra o afastamento do território deste Estado‑Membro seria mais elevado para um nacional de um Estado terceiro beneficiário de um direito de residência derivado do que para um cidadão da União. Por conseguinte, segundo o Governo do Reino Unido, um Estado‑Membro deve ter o direito de derrogar o direito de residência derivado que resulta do artigo 20.o TFUE e de expulsar do seu território esse nacional de um Estado terceiro em caso de prática de uma infração penal de uma certa gravidade, ainda que tal implique que a criança em causa deve abandonar o território da União, desde que essa decisão seja proporcionada e respeite os direitos fundamentais.

36

Há que sublinhar que o artigo 20.o TFUE não afeta a possibilidade de os Estados‑Membros invocarem uma exceção ligada, nomeadamente, à manutenção da ordem pública e à salvaguarda da segurança pública. Assim sendo, na medida em que a situação de CS é abrangida pelo direito da União, a sua apreciação deve tomar em conta o direito ao respeito da vida privada e familiar, como enunciado no artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), devendo este artigo ser lido em conjugação com a obrigação de tomar em consideração o interesse superior da criança, reconhecido no artigo 24.o, n.o 2, desta Carta (v., neste sentido, acórdão de 23 de dezembro de 2009, Detiček, C‑403/09 PPU, EU:C:2009:810, n.os 53 e 54).

37

Além disso, há que recordar que, enquanto justificação de uma derrogação ao direito de residência dos cidadãos da União ou dos membros das suas famílias, os conceitos de «ordem pública» e de «segurança pública» devem ser entendidos em sentido estrito, pelo que o seu alcance não pode ser determinado unilateralmente por cada um dos Estados‑Membros sem fiscalização por parte das instituições da União (v., neste sentido, acórdãos de 4 de dezembro de 1974, van Duyn, 41/74, EU:C:1974:133, n.o 18; de 27 de outubro de 1977, Bouchereau, 30/77, EU:C:1977:172, n.o 33; de 29 de abril de 2004, Orfanopoulos e Oliveri, C‑482/01 e C‑493/01, EU:C:2004:262, n.os 64 e 65; de 27 de abril de 2006, Comissão/Alemanha, C‑441/02, EU:C:2006:253, n.o 34, e de 7 de junho de 2007, Comissão/Países Baixos, C‑50/06, EU:C:2007:325, n.o 42).

38

O Tribunal de Justiça declarou assim que o conceito de «ordem pública» pressupõe, em qualquer caso, além da perturbação da ordem social que qualquer infração à lei constitui, a existência de uma ameaça real, atual e suficientemente grave para um interesse fundamental da sociedade.

39

Quanto ao conceito de «segurança pública», decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o mesmo compreende quer a segurança interna de um Estado‑Membro quer a sua segurança externa, e que, portanto, uma ameaça ao funcionamento das instituições e dos serviços públicos essenciais, bem como a sobrevivência da população, tal como o risco de uma perturbação grave das relações externas ou da coexistência pacífica dos povos, ou ainda uma ameaça a interesses militares, podem afetar a segurança pública (v., neste sentido, acórdão de 23 de novembro de 2010, Tsakouridis, C‑145/09, EU:C:2010:708, n.os 43 e 44, e de 15 de fevereiro de 2016, N., C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.os 65 e 66). O Tribunal de Justiça declarou igualmente que a luta contra a criminalidade ligada ao tráfico de estupefacientes em associação criminosa (v., neste sentido, acórdão de 23 de novembro de 2010, Tsakouridis, C‑145/09, EU:C:2010:708, n.os 45 e 46) ou contra o terrorismo (v., neste sentido, acórdão de 26 de novembro de 2002, Oteiza Olazabal, C‑100/01, EU:C:2002:712, n.os 12 e 35) está incluída no conceito de «segurança pública».

40

Neste contexto, há que considerar que, se a decisão de expulsão se basear na existência de uma ameaça real, atual e suficientemente grave para a ordem pública ou segurança pública, tendo em conta as infrações penais cometidas por um nacional de um Estado terceiro que tem a guarda exclusiva dos filhos, cidadãos da União, essa decisão pode ser conforme com o direito da União.

41

Em contrapartida, essa conclusão não pode ser retirada de maneira automática apenas com base nos antecedentes penais do interessado. Apenas pode resultar, se for o caso, de uma apreciação concreta, pelo órgão jurisdicional de reenvio, de todas as circunstâncias atuais e pertinentes do caso em apreço, à luz do princípio da proporcionalidade, do interesse superior da criança e dos direitos fundamentais cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça.

42

Esta apreciação deve assim, designadamente, tomar em consideração o comportamento da pessoa em causa, a duração e o caráter legal da residência do interessado no território do Estado‑Membro em causa, a natureza e a gravidade da infração cometida, o grau de perigosidade atual do interessado para a sociedade, a idade da criança em causa e o seu estado de saúde, assim como a respetiva situação familiar e económica.

43

No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio refere que, de acordo com a legislação nacional em causa no processo principal, a adoção pelo Ministro do Interior de uma decisão de expulsão relativamente a um nacional de um Estado que não o Reino Unido, reconhecido culpado de uma infração e condenado a uma pena de prisão de uma duração de pelo menos doze meses, é obrigatória, salvo se esta exceção «violar os direitos do delinquente condenado a título dos Tratados da União».

44

Esta legislação parece assim estabelecer um nexo sistemático e automático entre a condenação penal da pessoa em causa e a medida de afastamento que lhe é aplicável ou, em todo o caso, existe uma presunção de que o nacional em causa deve ser expulso do Reino Unido.

45

No entanto, como resulta dos n.os 40 a 42 do presente acórdão, a mera existência de antecedentes penais não pode, por si só, justificar uma decisão de afastamento suscetível de privar o filho de CS do gozo efetivo do essencial dos direitos conferidos pelo estatuto de cidadão.

46

Tendo em conta as considerações que figuram no n.o 40 do presente acórdão, cabe, antes de mais, ao órgão jurisdicional de reenvio averiguar o que, no comportamento de CS ou na infração que cometeu, constitui uma ameaça real, atual e suficientemente grave a um interesse fundamental da sociedade ou do Estado‑Membro de acolhimento, que possa justificar, em nome da proteção da ordem pública ou da segurança pública, uma decisão de expulsão do Reino Unido.

47

Incumbe a este título ao órgão jurisdicional de reenvio avaliar, por um lado, o grau de perigosidade para a sociedade do comportamento criminoso de CS e, por outro, as eventuais consequências que esse comportamento pode ter na ordem pública ou na segurança pública de Estado‑Membro em causa.

48

No âmbito da ponderação que lhe incumbe efetuar, o órgão jurisdicional de reenvio deve igualmente ter em conta os direitos fundamentais cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça, em especial, o direito ao respeito da vida privada e familiar, como enunciado no artigo 7.o da Carta (v., neste sentido, acórdão de 23 de novembro de 2010, Tsakouridis, C‑145/09, EU:C:2010:708, n.o 50), e garantir o respeito do princípio da proporcionalidade.

49

No caso em apreço, na ponderação dos interesses em presença, há que tomar em conta o superior interesse da criança. Uma atenção particular deve ser atribuída à sua idade, à sua situação no Estado‑Membro em causa e ao seu grau de dependência em relação ao progenitor (v., neste sentido, TEDH, 3 de outubro de 2014, Jeunesse c. Países Baixos, CE:ECHR:2014:1003JUD001273810, § 118).

50

Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 20.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado‑Membro que impõe expulsar do território desse Estado‑Membro, para um Estado terceiro, um nacional desse Estado que foi objeto de uma condenação penal, ainda que este assegure a guarda efetiva de uma criança de tenra idade, nacional desse Estado‑Membro, onde reside desde o seu nascimento sem ter exercido o seu direito de livre circulação, quando a expulsão do interessado imponha a essa criança abandonar o território da União, privando‑a, assim, do gozo efetivo do essencial dos seus direitos enquanto cidadã da União. Todavia, em circunstâncias excecionais, um Estado‑Membro pode adotar uma medida de expulsão na condição de que esta se baseie no comportamento pessoal deste nacional de um Estado terceiro, o qual deve constituir uma ameaça real, atual e suficientemente grave que lese um interesse fundamental da sociedade desse Estado‑Membro, e que assente numa tomada em consideração dos diferentes interesses em presença, o que cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar.

Quanto às despesas

51

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

O artigo 20.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado‑Membro que impõe expulsar do território desse Estado‑Membro, para um Estado terceiro, um nacional desse Estado que foi objeto de uma condenação penal, ainda que este assegure a guarda efetiva de uma criança de tenra idade, nacional desse Estado‑Membro, onde reside desde o seu nascimento sem ter exercido o seu direito de livre circulação, quando a expulsão do interessado imponha a essa criança abandonar o território da União Europeia, privando‑a, assim, do gozo efetivo do essencial dos seus direitos enquanto cidadã da União. Todavia, em circunstâncias excecionais, um Estado‑Membro pode adotar uma medida de expulsão na condição de que esta se baseie no comportamento pessoal deste nacional de um Estado terceiro, o qual deve constituir uma ameaça real, atual e suficientemente grave que lese um interesse fundamental da sociedade desse Estado‑Membro, e que assente numa tomada em consideração dos diferentes interesses em presença, o que cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.

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