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Document 62014CC0543

    Conclusões da advogada-geral E. Sharpston apresentadas em 10 de março de 2016.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2016:157

    CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

    ELEANOR SHARPSTON

    apresentadas em 10 de março de 2016 ( *1 )

    Processo C‑543/14

    Ordre des barreaux francophones et germanophone e o.

    Vlaams Netwerk van Verenigingen waar armen het woord nemen ASBL e o.

    Jimmy Tessens e o.

    Orde van Vlaamse Balies

    Ordre des avocats du barreau d’Arlon e o.

    contra

    Conseil des ministres

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour constitutionnelle (Tribunal Constitucional da Bélgica)]

    «IVA — Diretiva 2006/112/CE — Validade e interpretação — Serviços prestados por advogados — Não isenção do IVA — Acesso à justiça — Direito à assistência de um advogado — Igualdade de armas — Assistência judiciária»

    1. 

    Nos termos de uma disposição transitória estabelecida originalmente na Sexta Diretiva IVA ( *2 ), que deveria ser aplicável por um período de cinco anos a contar de 1 de janeiro de 1978 mas que ainda consta da atual Diretiva IVA ( *3 ), a Bélgica isentou do IVA os serviços prestados por advogados até 31 de dezembro de 2013. Foi o único Estado‑Membro que recorreu a essa derrogação.

    2. 

    Algumas ordens de advogados belgas, juntamente com várias associações humanitárias e de defesa dos direitos humanos e alguns particulares que tinham incorrido em despesas com advogados sujeitas a IVA, impugnaram a abolição da referida isenção com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2014 perante a Cour constitutionnelle (Tribunal Constitucional). Essencialmente, argumentam que o aumento dos custos dos processos judiciais que daí resulta viola várias garantias do direito de acesso à justiça.

    3. 

    Antes de decidir do mérito desse argumento, a Cour constitutionnelle apresentou um pedido de decisão prejudicial sobre a interpretação e a validade de certas disposições da Diretiva IVA.

    Enquadramento jurídico

    Acordos internacionais

    4.

    O artigo 6.o, n.o 1, da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (a seguir «CEDH») ( *4 ) dispõe, em especial: «Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela.» Entre os direitos mínimos garantidos pelo artigo 6.o, n.o 3, a qualquer pessoa acusada de uma infração penal figura o direito de «[d]efender‑se a si próprio ou ter a assistência de um defensor da sua escolha e, se não tiver meios para remunerar um defensor, poder ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso, quando os interesses da justiça o exigirem».

    5.

    O artigo 14.o, n.o 1, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (a seguir «PIDCP») ( *5 ) dispõe, em especial: «Todos são iguais perante os tribunais de justiça. Todas as pessoas têm direito a que a sua causa seja ouvida equitativa e publicamente por um tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido pela lei, que decidirá quer do bem fundado de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra elas, quer das contestações sobre os seus direitos e obrigações de caráter civil.» Nos termos do artigo 14.o, n.o 3, alíneas b) e d), qualquer pessoa acusada de uma infração penal tem direito, em plena igualdade, a «comunicar com um advogado da sua escolha» e a «estar presente no processo e a defender‑se a si própria ou a ter a assistência de um defensor da sua escolha; se não tiver defensor, a ser informada do seu direito de ter um e, sempre que o interesse da justiça o exigir, a ser‑lhe atribuído um defensor oficioso, a título gratuito no caso de não ter meios para o remunerar».

    6.

    O artigo 9.o da Convenção sobre acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente (a seguir «Convenção de Aarhus») ( *6 ) tem por objeto o acesso à justiça.

    7.

    Os n.os 1 a 3 do referido artigo exigem que os membros do público tenham acesso a processos administrativos e/ou judiciais destinados a impugnar certos tipos de atos ou omissões no domínio do ambiente. Os n.os 1 e 2 especificam que cada parte na Convenção deve assegurar o acesso aos procedimentos em questão «nos termos da respetiva legislação nacional», ao passo que o n.o 3 menciona os «critérios estabelecidos no direito interno» e a violação do «disposto no respetivo direito interno do domínio do ambiente».

    8.

    O n.o 4 estabelece que os procedimentos referidos nos n.os 1 a 3 deverão «proporcionar soluções eficazes e adequadas, incluindo, se necessário, a reparação injuntiva do direito, ser justos, equitativos, céleres e não exageradamente dispendiosos», enquanto o n.o 5 exige que as partes «[considerem] a possibilidade de estabelecer mecanismos de assistência adequados para eliminar ou reduzir os entraves financeiros e outros ao acesso à justiça».

    Tratado da União Europeia

    9.

    O artigo 9.o TUE dispõe: «Em todas as suas atividades, a União respeita o princípio da igualdade dos seus cidadãos [...].»

    Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

    10.

    O artigo 20.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta«) ( *7 ) tem a seguinte redação: «Todas as pessoas são iguais perante a lei.»

    11.

    O artigo 47.o, com a epígrafe «Direito à ação e a um tribunal imparcial», dispõe:

    «Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal nos termos previstos no presente artigo.

    Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. Toda a pessoa tem a possibilidade de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo.

    É concedida assistência judiciária a quem não disponha de recursos suficientes, na medida em que essa assistência seja necessária para garantir a efetividade do acesso à justiça.»

    12.

    O artigo 51.o, n.o 1, estabelece que as disposições da Carta têm por destinatários as instituições, órgãos e organismos da União, na observância do princípio da subsidiariedade, bem como os Estados‑Membros, apenas quando apliquem o direito da União.

    13.

    Nos termos do artigo 52.o, n.o 1:

    «Qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela presente Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades. Na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros.»

    14.

    O artigo 52.o, n.o 3, dispõe:

    «Na medida em que a presente Carta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa Convenção. Esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma proteção mais ampla.»

    Diretiva IVA

    15.

    O artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva IVA dispõe:

    «O princípio do sistema comum do IVA consiste em aplicar aos bens e serviços um imposto geral sobre o consumo exatamente proporcional ao preço dos bens e serviços, seja qual for o número de operações ocorridas no processo de produção e de distribuição anterior ao estádio de tributação.

    Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido diretamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.

    O sistema comum do IVA é aplicável até ao estádio do comércio a retalho, inclusive.»

    16.

    O artigo 2.o, n.o 1, alínea c), estabelece que «[a]s prestações de serviços efetuadas a título oneroso no território de um Estado‑Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade» estão sujeitas ao IVA.

    17.

    Nos termos do artigo 97.o, a taxa normal do IVA não deverá ser inferior a 15%. Porém, nos termos do artigo 98.o, os Estados‑Membros podem aplicar uma ou duas taxas reduzidas às entregas de bens e às prestações de serviços das categorias constantes do anexo III. A lista que figura no anexo III não menciona os serviços prestados por advogados. Contudo, no ponto 15, menciona as «[e]ntregas de bens e prestações de serviços por organizações consideradas de beneficência pelos Estados—Membros, empenhadas em atividades de assistência social ou segurança social, desde que tais operações não estejam isentas ao abrigo dos artigos 132.°, 135.° e 136.°» ( *8 ).

    18.

    O artigo 132.o, n.o 1, enumera uma série de «[i]senções em benefício de certas atividades de interesse geral». Mais uma vez, essas atividades não incluem os serviços prestados por advogados. Incluem, nos termos da alínea g), «[a]s prestações de serviços e as entregas de bens estreitamente relacionadas com a assistência social e com a segurança social, incluindo as realizadas por centros de terceira idade, por organismos de direito público ou por outros organismos de caráter social reconhecidos como tal pelo Estado—Membro em causa».

    19.

    O artigo 168.o dispõe:

    «Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado‑Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

    a)

    O IVA devido ou pago nesse Estado‑Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

    […].»

    20.

    Nos termos do artigo 371.o, «[o]s Estados‑Membros que, em 1 de janeiro de 1978, isentavam as operações cuja lista consta da Parte B do Anexo X podem continuar a isentá‑las, nas condições em vigor no Estado‑Membro em causa nessa mesma data». A parte B do anexo X, com a epígrafe «Operações que os Estados‑Membros podem continuar a isentar» refere, no ponto 2), «[p]restações de serviços dos autores, artistas, intérpretes ou executantes de obras de arte, advogados e outros membros de profissões liberais que não sejam profissões médicas e paramédicas», com determinadas exceções que não são pertinentes para o presente processo ( *9 ).

    Direito belga

    21.

    O artigo 23.o, n.o 2, da Constituição belga garante a todos os cidadãos o direito a assistência judiciária.

    22.

    Até 31 de dezembro de 2013, o artigo 44.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Código do IVA belga dispunha que as prestações de serviços efetuadas por advogados ( *10 ) no exercício da sua atividade habitual estavam isentas de IVA. Essas prestações estavam isentas desde 1 de janeiro de 1971, data em que o IVA foi introduzido na Bélgica. Dos documentos parlamentares referidos no despacho de reenvio resulta que o objetivo do estabelecimento e, posteriormente, da manutenção da isenção era evitar o aumento do custo do acesso aos tribunais.

    23.

    Os artigos 60.° e 61.° (a seguir, coletivamente, «medida impugnada») da Lei de 30 de julho de 2013 ( *11 ) aboliram essa isenção com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2014. Dos documentos parlamentares referidos no despacho de reenvio resulta que o objetivo era, de um modo geral, regularizar uma situação anómala, alinhar a legislação belga com a dos outros Estados‑Membros e pôr termo a distorções da concorrência, prosseguindo simultaneamente um interesse de natureza orçamental.

    24.

    A taxa normal do IVA na Bélgica é de 21%.

    25.

    Nos termos do artigo 464.oter do Código Judiciário belga, os advogados fixam livremente os seus honorários «com o discernimento que deles se espera no cumprimento dos seus deveres». O montante não pode depender exclusivamente do desfecho do processo. Os honorários que ultrapassem um montante «justo e moderado» serão reduzidos pela ordem dos advogados competente.

    26.

    Na prática, os honorários são fixados por acordo entre o advogado e o cliente, através de um de quatro métodos: uma tarifa horária; uma tarifa fixa consoante a natureza do caso; um montante determinado por referência ao valor do pedido, mas que pode variar entre um montante mínimo e máximo previamente definido, de acordo com o desfecho do processo; e (para clientes habituais), honorários renováveis, a pagar com determinada periodicidade ou após a realização de um determinado volume de trabalho ( *12 ).

    Tramitação e questões prejudiciais

    27.

    Entre novembro de 2013 e fevereiro de 2014, deram entrada na Cour constitutionnelle quatro recursos de anulação da medida impugnada.

    28.

    O primeiro foi interposto pela Ordre des barreaux francophones et germanophone (Ordem dos advogados francófonos e germanófonos), juntamente com algumas associações que prosseguem objetivos relacionados, de um modo geral, com a área da justiça, incluindo a defesa dos direitos humanos e a defesa dos trabalhadores e das categorias socialmente menos favorecidas, e que não são sujeitos passivos que se encontrem em posição de deduzir o IVA se recorrerem aos serviços de advogados. O segundo recurso foi interposto por alguns particulares (a seguir «Jimmy Tessens e o.»), que tinham recorrido aos serviços de um advogado especializado em direito das expropriações com vista a impugnar decisões de expropriação de terrenos, e constataram que os honorários do advogado tinham sofrido um aumento de 21% que eles, enquanto particulares que atuavam nessa qualidade, não estavam em posição de deduzir. O terceiro recorrente é a Orde van Vlaamse Balies (Ordem dos advogados flamengos). O quarto recurso foi interposto por 11 ordens de advogados francófonas e por um advogado. O Conseil des barreaux européens (Conselho das Ordens de Advogados da União Europeia, a seguir «CCBE») foi autorizado a apresentar observações no segundo, terceiro e quarto processo, na qualidade de interveniente.

    29.

    No seu despacho de reenvio, a Cour constitutionnelle expõe os argumentos aduzidos pelos recorrentes que são pertinentes para o pedido de decisão prejudicial.

    30.

    Em primeiro lugar, alegam que, no contexto do direito a um processo equitativo, a medida impugnada dificulta o exercício do direito de acesso aos tribunais e do direito à assistência de um advogado, e não é compensada por um ajustamento do sistema de assistência judiciária.

    31.

    Em segundo lugar, a medida impugnada equipara os serviços dos advogados às entregas de bens e prestações de serviços normais, ao passo que as entregas e prestações relacionadas com o exercício de direitos fundamentais estão isentas de IVA, por razões de acessibilidade financeira.

    32.

    Em terceiro lugar, os serviços dos advogados não são comparáveis aos de outros profissionais liberais, dado que são característicos de um Estado de direito e essenciais ao seu bom funcionamento.

    33.

    Em quarto lugar, a medida impugnada discrimina os litigantes que, não sendo sujeitos passivos, utilizam os serviços de advogados para efeitos das suas operações tributáveis e que, consequentemente, não podem deduzir o IVA sobre esses serviços; além disso, essas pessoas têm geralmente menor poder económico.

    34.

    Em quinto lugar, a título subsidiário, alegam que deveria ter sido aplicado IVA à taxa reduzida, dado que, pela sua natureza, os serviços prestados pelos advogados são comparáveis aos dos médicos e o acesso aos mesmos é um direito fundamental, não um luxo.

    35.

    Por último, o legislador deveria ter previsto uma isenção no caso de processos instaurados por particulares contra uma autoridade pública, a fim de assegurar um equilíbrio equitativo entre as partes.

    36.

    A Cour constitutionnelle analisa uma série de acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (a seguir «Tribunal de Estrasburgo») sobre os artigos 6.° e 14.° da CEDH, e conclui que o legislador tem de dar expressão concreta a princípios gerais como o direito de acesso aos tribunais e a igualdade de armas entre litigantes.

    37.

    Sublinha que, para alguns litigantes, um aumento de 21% no custo dos serviços dos advogados afetaria o direito de acesso a aconselhamento jurídico. Além disso, o facto de alguns litigantes poderem deduzir o IVA sobre a prestação desses serviços enquanto outros não o podem fazer (embora alguns deles beneficiem de assistência judiciária), e de litigantes em lados opostos poderem estar em posições diferentes nesse aspeto, é suscetível de comprometer a igualdade de armas entre litigantes.

    38.

    A Cour constitutionnelle entende que a medida impugnada tinha essencialmente um objetivo orçamental. Nesse aspeto, o legislador dispunha de uma ampla discricionariedade, mas esse objetivo não poderia justificar, em termos razoáveis, a discriminação no acesso aos tribunais e ao aconselhamento jurídico ou em matéria de igualdade de armas entre os litigantes. Observa ainda que, no acórdão Comissão/França ( *13 ), o Tribunal de Justiça considerou que, ainda que os serviços prestados por advogados no âmbito da assistência judiciária revistam caráter beneficente e possam ser qualificados como «atividades de assistência social ou segurança social», tal não é suficiente para concluir que esses advogados podem ser qualificados como «organizações […] de beneficência […] empenhadas em atividades de assistência social ou segurança social» na aceção do ponto 15 do anexo III da Diretiva IVA. Contudo, o Tribunal de Justiça não analisou, nesse processo, a compatibilidade da diretiva com o direito a um processo equitativo. Por último, a Cour constitutionnelle refere que, uma vez que a Diretiva IVA é uma diretiva de harmonização, não cabe ao legislador belga definir, a nível nacional, regras diferentes, mas que a expressão «nas condições em vigor no Estado‑Membro em causa nessa mesma data» constante do artigo 371.o dessa diretiva poderá proporcionar alguma flexibilidade nessa matéria.

    39.

    Tendo em conta estas considerações, a Cour constitutionnelle pede ao Tribunal de Justiça que se pronuncie, a título prejudicial, sobre as seguintes questões:

    «1)

    a)

    Ao sujeitar os serviços prestados por advogados a IVA, sem tomar em consideração, à luz do direito à assistência de um advogado e do princípio da igualdade de armas, se o particular que não beneficia de apoio judiciário é ou não sujeito passivo de IVA, a [Diretiva IVA] é compatível com o artigo 47.o da [Carta], conjugado com o artigo 14.o do [PIDCP] e com o artigo 6.o da [CEDH], na medida em que este artigo reconhece a todas as pessoas o direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, a possibilidade de serem aconselhadas, de se defenderem e de serem representadas em juízo e o direito à assistência judiciária para aqueles que não dispõem de recursos suficientes, quando esse apoio seja necessário para garantir a efetividade do acesso à justiça?

    b)

    Pelos mesmos motivos, a [Diretiva IVA] é compatível com o artigo 9.o, n.os 4 e 5, da [Convenção de Aarhus], na medida em que estas disposições preveem um direito de acesso à justiça sem que o custo desses processos possa ser proibitivamente dispendioso e através do «estabelecimento de mecanismos de assistência apropriados para remover ou reduzir entraves financeiros e outros de acesso à justiça»?

    c)

    Os serviços prestados por advogados no âmbito de um regime nacional de assistência judiciária podem ser incluídos nos serviços referidos no artigo 132.o, n.o 1, alínea g), da [Diretiva IVA], que estão estreitamente relacionados com o apoio social e com a segurança social, ou podem ser isentos nos termos de outra disposição da diretiva? Em caso de resposta negativa a esta questão, a [Diretiva IVA], interpretada no sentido de que não permite isentar de IVA os serviços prestados por advogados a favor de particulares que beneficiam de apoio judiciário no âmbito de um regime nacional de assistência judiciária, é compatível com o artigo 47.o da [Carta], conjugado com o artigo 14.o do [PIDCP] e com o artigo 6.o da [CEDH]?

    2)

    Em caso de resposta negativa às questões referidas no n.o 1, o artigo 98.o da [Diretiva IVA], na medida em que não prevê a possibilidade de aplicar uma taxa reduzida de IVA aos serviços prestados por advogados, se for caso disso consoante o particular que não beneficia de apoio judiciário seja ou não sujeito passivo de IVA, é compatível com o artigo 47.o da [Carta], conjugado com o artigo 14.o do [PIDCP] e com o artigo 6.o da [CEDH], por este artigo reconhecer a todas as pessoas o direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, a possibilidade de serem aconselhadas, de se defenderem e de serem representadas em juízo e o direito à assistência judiciária para aqueles que não dispõem de recursos suficientes, quando esse apoio seja necessário para garantir a efetividade do acesso à justiça?

    3)

    Em caso de resposta negativa às questões referidas no n.o 1, o artigo 132.o da [Diretiva IVA] é compatível com o princípio da igualdade e da não discriminação consagrado nos artigos 20.° e 21.° da [Carta] e com o artigo 9.o do Tratado da União Europeia, conjugado com o artigo 47.o desta Carta, por não prever, de entre as atividades de interesse geral, a isenção de IVA dos serviços prestados por advogados, ao passo que outras prestações de serviços estão isentas enquanto atividades de interesse geral, por exemplo, as prestações efetuadas pelos serviços públicos postais, diferentes prestações médicas ou ainda prestações relacionadas com o ensino, o desporto ou a cultura, e ao passo que essa diferença de tratamento entre os serviços prestados por advogados e as prestações isentas nos termos do artigo 132.o da diretiva suscita dúvidas suficientes uma vez que os serviços prestados por advogados concorrem para o respeito de determinados direitos fundamentais?

    4)

    a)

    Em caso de resposta negativa às questões referidas nos n.os 1 e 3, o artigo 371.o da [Diretiva IVA] pode ser interpretado, nos termos do artigo 47.o da [Carta], no sentido de que autoriza um Estado‑Membro da União a manter parcialmente a isenção dos serviços prestados por advogados quando essas prestações sejam efetuadas a favor de particulares que não são sujeitos passivos de IVA?

    b)

    O artigo 371.o da [Diretiva IVA] pode também ser interpretado, nos termos do artigo 47.o da [Carta], no sentido de que autoriza um Estado‑Membro da União a manter parcialmente a isenção dos serviços prestados por advogados quando essas prestações sejam efetuadas a favor de particulares que beneficiam de apoio judiciário no âmbito de um regime nacional de assistência judiciária?»

    40.

    Foram apresentadas observações escritas ao Tribunal de Justiça pela Ordre des barreaux francophones et germanophone e o., pela Orde van Vlaamse Balies, pelo CCBE, pelos Governos belga, francês e grego, pelo Conselho da União Europeia e pela Comissão Europeia. Na audiência de 16 de dezembro de 2015, estas partes (à exceção dos Governos francês e grego), às quais se juntaram Jimmy Tessens e o., apresentaram observações orais.

    Apreciação

    41.

    Considero preferível abordar em primeiro lugar os aspetos das questões submetidas que dizem respeito à interpretação da Diretiva IVA na redação em vigor, ao invés de analisar as diversas questões suscitadas quanto à compatibilidade das disposições dessa diretiva que se opõem à isenção dos serviços prestados por advogados, ou à sua tributação a uma taxa reduzida, com certos princípios fundamentais consagrados em instrumentos que vinculam as instituições da União.

    Questão 4 (possibilidade de manter uma isenção com alcance reduzido)

    42.

    Embora o órgão jurisdicional de reenvio só suscite esta questão em caso de resposta negativa às questões 1 e 3, poderá ser conveniente abordá‑la primeiro, independentemente da resposta àquelas duas questões.

    43.

    É pacífico que, nos termos do artigo 28.o, n.o 3, alínea b), da Sexta Diretiva e, posteriormente, do artigo 371.o da Diretiva IVA, a Bélgica estava autorizada a manter a isenção por ela estabelecida para os serviços prestados por advogados por um período, na prática, indeterminado, após 1 de janeiro de 1978, e que o fez até 31 de dezembro de 2013, data em que aboliu a isenção.

    44.

    O órgão jurisdicional de reenvio pergunta essencialmente se um Estado‑Membro que tenha assim mantido licitamente a isenção integral para os serviços de advogados pode, tendo em conta o artigo 47.o da Carta, manter posteriormente a isenção em moldes mais limitados.

    45.

    A resposta a essa pergunta, nos termos em que está formulada, é inquestionavelmente afirmativa, sem que seja necessário invocar o artigo 47.o da Carta.

    46.

    O Tribunal de Justiça considerou que, uma vez que o artigo 28.o, n.o 3, alínea b), da Sexta Diretiva autorizava os Estados‑Membros a continuarem a aplicar algumas isenções do IVA existentes, também os autorizava a manterem essas isenções com um alcance reduzido, mas não a introduzir novas isenções ou a alargar o alcance das isenções existentes ( *14 ). Esta conclusão é agora aplicável em relação ao artigo 371.o da Diretiva IVA.

    47.

    Porém, conforme salientam o Governo francês e a Comissão, a questão é colocada numa altura em que a isenção já tinha sido abolida, na totalidade, na Bélgica.

    48.

    Consequentemente, se a questão for interpretada literalmente, não pode ser pertinente para o processo principal, uma vez que já não existe qualquer possibilidade concreta de manter a isenção, quer o seu alcance seja reduzido ou não. Por esse motivo, tal como o Governo francês e a Comissão, também considero que a questão é inadmissível.

    49.

    No entanto, se for interpretada no sentido de inquirir se a isenção, tendo sido abolida, pode ser reintroduzida em moldes mais limitados, a resposta é claramente negativa. Isso corresponderia a estabelecer aquilo que seria agora uma nova isenção não prevista na Diretiva IVA, uma medida que não é permitida pelo artigo 371.o

    Questão 1, alínea c), primeira parte (possibilidade de isentar serviços prestados no âmbito de um regime nacional de assistência judiciária)

    50.

    O órgão jurisdicional de reenvio pergunta se os serviços prestados por advogados no âmbito de um regime nacional de assistência judiciária devem estar isentos ao abrigo do artigo 132.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva IVA, como serviços estreitamente relacionados com a assistência social e segurança social, ou ao abrigo de qualquer outra disposição dessa diretiva.

    51.

    A resposta deve ser claramente negativa.

    52.

    No que respeita, em primeiro lugar, ao artigo 132.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva IVA, o Tribunal de Justiça tem sistematicamente entendido que as isenções previstas no artigo 132.o têm como objetivo favorecer certas atividades de interesse geral; não têm por objeto todas as atividades de interesse geral, mas unicamente as que aí são enumeradas e descritas de maneira muito detalhada. Os termos usados para designar as referidas isenções são de interpretação estrita, dado que as isenções constituem exceções ao princípio geral segundo o qual o IVA é cobrado sobre cada prestação de serviços efetuada pelo sujeito passivo a título oneroso. Todavia, esta regra de interpretação estrita não significa que os termos utilizados para definir as isenções previstas no artigo 132.o devam ser interpretados de um modo que as prive dos seus efeitos. Assim, esses termos devem ser interpretados à luz do contexto em que se inscrevem, das finalidades e da economia da Diretiva IVA, tendo especialmente em conta a ratio legis da isenção em questão ( *15 ).

    53.

    O artigo 132.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva IVA isenta «[a]s prestações de serviços e as entregas de bens estreitamente relacionadas com a assistência social e com a segurança social, incluindo as realizadas por centros de terceira idade, por organismos de direito público ou por outros organismos de caráter social reconhecidos como tal pelo Estado—Membro em causa».

    54.

    O Tribunal de Justiça ainda não tinha tido a oportunidade de se pronunciar sobre a aplicação daquela disposição aos serviços prestados por advogados no âmbito de um regime nacional de assistência judiciária.

    55.

    Porém, já se pronunciou sobre a aplicabilidade do ponto 15 do anexo III da Diretiva IVA (que, lido em conjugação com o artigo 98.o dessa diretiva, autoriza os Estados‑Membros a aplicarem uma taxa reduzida de IVA às «[e]ntregas de bens e prestações de serviços por organizações consideradas de beneficência pelos Estados—Membros, empenhadas em atividades de assistência social ou segurança social, desde que tais operações não estejam isentas ao abrigo dos artigos 132.° […]») às prestações de serviços por advogados, pelos quais estes são total ou parcialmente compensados pelo Estado no âmbito do apoio judiciário ( *16 ).

    56.

    Nesse contexto, invocou a jurisprudência relativa à isenção atualmente prevista no artigo 132.o, n.o 1, alínea g), da Diretiva IVA em apoio da conclusão de que, no âmbito do apoio judiciário, os advogados não estão, a priori, excluídos da categoria mencionada no ponto 15 do anexo III pelo simples facto de se tratar de entidades privadas que prosseguem um fim lucrativo, e de que os Estados‑Membros dispõem de um poder de apreciação para reconhecer caráter beneficente a certos organismos. Todavia, esse poder de apreciação deve ser exercido no respeito pelos limites consentidos pela Diretiva IVA ( *17 ).

    57.

    No que respeita a esses limites, o Tribunal de Justiça observou que o legislador pretendia que a faculdade de aplicar uma taxa reduzida de IVA respeitasse apenas às prestações de serviços realizadas por organizações que satisfizessem a dupla exigência de serem elas próprias de beneficência e de estarem empenhadas em atividades de assistência social ou segurança social. Considerou que essa vontade seria contrariada se um Estado‑Membro fosse livre de qualificar como organizações, na aceção do ponto 15, entidades privadas que prosseguem um fim lucrativo, pelo simples facto de estas entidades prestarem também serviços de caráter beneficente. Por conseguinte, a fim de respeitar os termos do referido ponto, um Estado‑Membro não podia aplicar uma taxa reduzida de IVA a prestações de serviços realizadas por entidades privadas que prosseguem um fim lucrativo, com base na simples apreciação do caráter destes serviços, sem ter em conta, designadamente, os objetivos prosseguidos por estas entidades, considerados na sua globalidade, e a estabilidade do seu compromisso social. Não se podia considerar que a categoria profissional dos advogados, na sua generalidade, tivesse caráter beneficente. Assim, ainda que os serviços prestados pelos advogados no âmbito do apoio judiciário revestissem caráter beneficente e pudessem ser qualificados como «atividades de assistência social ou segurança social», essa circunstância não era suficiente para concluir que os referidos advogados podiam ser qualificados como «organizações […] de beneficência […] empenhadas em atividades de assistência social ou segurança social», na aceção do ponto 15 do anexo III da Diretiva IVA ( *18 ).

    58.

    Resulta claramente da jurisprudência, e da necessidade, em princípio, de interpretar coerentemente disposições da Diretiva IVA com redação semelhante, que o artigo 132.o, n.o 1, alínea g), não autoriza um Estado‑Membro a isentar os serviços prestados por advogados no âmbito do apoio judiciário.

    59.

    No que respeita, em segundo lugar, a «qualquer outra disposição da diretiva», a resposta é necessariamente a mesma. Conforme salienta o Governo francês, por um lado, o órgão jurisdicional de reenvio não indicou qualquer outra disposição que permitisse essa isenção e, por outro lado, se tal disposição existisse, contrariaria o artigo 371.o da Diretiva IVA, na medida em que autorizaria um Estado‑Membro a estabelecer uma nova isenção para os serviços prestados por advogados, ao passo que o artigo 371.o permite unicamente a manutenção de uma isenção previamente existente que não esteja prevista noutra disposição da diretiva.

    Questões 1 a 3 (compatibilidade da Diretiva IVA com instrumentos internacionais e princípios fundamentais, na medida em que não permite que os Estados‑Membros isentem os serviços prestados por advogados ou a tributação desses serviços a uma taxa reduzida)

    60.

    Nas questões 1 a 3, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o facto de os serviços prestados por advogados não estarem isentos de IVA, nem poderem ser sujeitos a uma taxa reduzida de IVA, é compatível com alguns dos princípios fundamentais consagrados na CEDH, no PIDCP, na Convenção de Aarhus, no Tratado da União Europeia e na Carta ( *19 ).

    61.

    A questão 1, alínea a), e a questão 2 referem‑se ao direito a um processo equitativo, incluindo os direitos a aconselhamento jurídico e a patrocínio judiciário, e o direito a assistência judiciária para aqueles que não possuam recursos suficientes. A questão 1, alínea b), diz respeito ao direito de acesso à justiça que não seja «exageradamente dispendioso» no contexto da Convenção de Aarhus, e a questão 1, alíneas a) e b), diz respeito à igualdade de armas entre litigantes, ao passo que a questão 1, alínea c), tem por objeto o direito a assistência judiciária para aqueles que não possuam recursos suficientes. A questão 3 tem por objeto o princípio geral da igualdade e da não discriminação (que também pode ser expresso como «neutralidade fiscal») no contexto da diferença de tratamento em termos de IVA da prestação de serviços possivelmente comparáveis.

    62.

    A análise individual e sucessiva da questão 1, alíneas a), b) e c) e das questões 2 e 3 envolveria uma certa repetição, uma vez que são suscitadas várias vezes as mesmas questões ou questões semelhantes em contextos que apresentam apenas ligeiras diferenças. Por conseguinte, prefiro abordar essas questões da perspetiva dos diferentes princípios fundamentais envolvidos, que são, todos eles, aspetos do direito subjacente a um processo equitativo.

    63.

    Começarei por declarar que compreendo e subscrevo as preocupações expressas e os objetivos prosseguidos pelos recorrentes no processo principal. O acesso à justiça é efetivamente um direito fundamental, que deve ser garantido (embora nunca possa ser absoluto nem prevalecer sobre todo e qualquer outro interesse) pelas leis dos Estados‑Membros e da União. O aumento do custo do aconselhamento jurídico e do patrocínio judiciário devido à abolição de uma isenção fiscal dificulta inevitavelmente o exercício desse direito.

    64.

    No entanto, pelos motivos que irei explicar, considero que não existe qualquer incompatibilidade entre o princípio de sujeitar os serviços dos advogados ao IVA e qualquer aspeto do direito fundamental de acesso à justiça.

    65.

    Nessa matéria, algumas das observações apresentadas ao Tribunal de Justiça atribuem mais importância ao modo como a Bélgica aboliu a isenção excecional do IVA de que beneficiavam os serviços dos advogados do que à abolição propriamente dita. Por exemplo, foi alegado que deveriam ter sido adotadas medidas transitórias ou de acompanhamento para minimizar as dificuldades emergentes daquela súbita mudança, ou que o sistema de assistência judiciária deveria ter sido reformado.

    66.

    Entendo que teria sido aconselhável adotar medidas destinadas a minimizar o impacto da sujeição dos serviços dos advogados ao IVA sobre o custo económico do acesso à justiça na Bélgica, e que essas medidas poderiam ter contribuído para assegurar o cumprimento, por esse Estado‑Membro, das obrigações que lhe incumbem nos termos da Carta e da CEDH. Porém, o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se sobre a compatibilidade do princípio, na Diretiva IVA, de que os serviços dos advogados devem estar sujeitos ao IVA com os direitos fundamentais invocados, e não sobre o modo como a Bélgica pôs termo à isenção até então aplicada sob a forma de derrogação.

    O direito a assistência judiciária

    67.

    O direito a assistência judiciária de que beneficiam aqueles que não dispõem de recursos suficientes para pagar os serviços de um advogado está consagrado no artigo 6.o, n.o 3, da CEDH, no artigo 14.o, n.o 3, alínea d), do PIDCP e no artigo 47.o da Carta. É também mencionado, embora de forma menos perentória, no artigo 9.o, n.o 5, da Convenção de Aarhus, que exige que as partes «[considerem] a possibilidade de estabelecer mecanismos de assistência adequados para eliminar ou reduzir os entraves financeiros e outros ao acesso à justiça».

    68.

    Os regimes nacionais de assistência judiciária — ao contrário do que acontece com o seguro de proteção jurídica e com a prestação voluntária de serviços jurídicos gratuitos por advogados em regime pro bono — são predominantemente, se não mesmo exclusivamente, financiados por verbas públicas. As disposições do Código Judiciário citadas pelo Governo belga indicam claramente que é esse o caso da Bélgica. Consequentemente, os advogados que prestam serviços no âmbito desse regime são pagos pelo Estado. Se os seus honorários aumentarem em 21% devido à cobrança de IVA sobre esses montantes, o Estado terá de pagar mais 21%. No entanto, é o próprio Estado que cobra esses 21%, pelo que o custo suportado pelo Estado com o financiamento do regime nacional de assistência judiciária não sofre alterações.

    69.

    Com efeito, na audiência foi revelado que, a fim de evitar esses pagamentos circulares, a Bélgica sujeitou os honorários pagos no âmbito da assistência judiciária a IVA à taxa de 0% ( *20 ).

    70.

    Consequentemente, afigura‑se que a abolição da isenção aplicável aos serviços prestados por advogados não afetou o alcance da prestação de assistência judiciária na Bélgica.

    71.

    No entanto, embora a aplicação de IVA aos serviços dos advogados seja, no essencial, neutra em termos de custos para o Estado no contexto do financiamento do regime de assistência judiciária, é provável que gere receitas adicionais no caso dos serviços prestados fora desse regime. Assim sendo, um Estado‑Membro na posição da Bélgica terá provavelmente ao seu dispor recursos acrescidos, que poderá utilizar, se assim o desejar, para reforçar o financiamento do regime de assistência judiciária, por exemplo aumentando o limite estabelecido para beneficiar do regime se a aplicação do IVA se revelasse injustificadamente penosa para aqueles com uma situação financeira ligeiramente superior a esse limite. Sublinho, porém, que essa escolha caberia ao Estado‑Membro em causa, que a deveria exercer à luz de todas as circunstâncias que rodeiam o financiamento dos custos dos processos judiciais no seu ordenamento jurídico, não sendo imposta nem excluída pela aplicação do sistema comum do IVA estabelecido na Diretiva IVA ( *21 ).

    72.

    Por último, gostaria de acrescentar que a aplicação do IVA aos serviços prestados por advogados não afeta os serviços prestados em regime pro bono, uma vez que não são prestados a título oneroso, e que qualquer aumento no custo do seguro de proteção jurídica é uma matéria que abordarei seguidamente, na secção dedicada aos custos do acesso à justiça sem recurso à assistência judiciária.

    73.

    Consequentemente, entendo que a aplicação do IVA aos serviços prestados por advogados não afeta o direito a assistência judiciária garantido pelo artigo 47.o da Carta ou por qualquer outro instrumento vinculativo para as instituições da União.

    Custo do acesso à justiça sem recurso à assistência judiciária

    74.

    É evidente que o direito a um processo judicial equitativo pressupõe que o litigante ou arguido não está impedido, por razões económicas, de beneficiar de aconselhamento jurídico e patrocínio judiciário adequados.

    75.

    Também é um facto que (além dos serviços prestados pro bono por opção de cada advogado) o aconselhamento jurídico e o patrocínio judiciário têm de ser pagos.

    76.

    Em alguns casos, os custos incorridos por litigantes carenciados são suportados, no todo ou em parte, por verbas públicas e, tal como já expliquei, não há motivo para que a aplicação do IVA aos serviços em causa comprometa, seja de forma for, essa situação.

    77.

    Em contrapartida, nos casos em que o litigante tem de pagar os serviços de um advogado, no todo ou em parte, do seu próprio bolso, qualquer aumento no custo desses serviços resultará, em maior ou menor grau, num aumento dos encargos financeiros suportados no exercício do direito de acesso a um tribunal e a um processo equitativo. Nesse contexto, a aplicação do IVA aos honorários dos advogados, nos casos em que estivessem anteriormente isentos, é suscetível de aumentar o custo dos seus serviços para aqueles que não sejam sujeitos passivos ou para os sujeitos passivos que não possam deduzir esse montante a título de imposto pago a montante porque os serviços em causa não são elementos constitutivos do custo das suas operações tributáveis.

    78.

    Porém, nessa matéria, importa chamar a atenção para alguns aspetos.

    79.

    Em primeiro lugar, o próprio órgão jurisdicional de reenvio refere, e os Governos francês e grego salientam, que, no contexto da CEDH, o Tribunal de Justiça sustentou que o direito de acesso aos tribunais não é absoluto. Pode estar sujeito a limites, uma vez que o direito de acesso, por natureza, tem de ser regulamentado pelo Estado, que goza de uma certa margem de apreciação, desde que os limites aplicados não restrinjam nem reduzam esse acesso de uma forma ou a um ponto que o direito fique afetado na sua própria essência, e que prossigam um objetivo legítimo e exista uma relação razoável de proporcionalidade entre os meios utilizados e o objetivo visado ( *22 ).

    80.

    O Tribunal de Justiça também sustentou que o princípio da proteção jurisdicional efetiva, tal como consagrado no artigo 47.o da Carta, poderá — relativamente a uma possível isenção do pagamento das custas judiciais e/ou dos honorários de advogados — estar sujeito a condições, desde que estas não constituam uma restrição ao direito de acesso à justiça que viole a própria essência desse direito, que prossigam um objetivo legítimo e que exista um grau razoável de proporcionalidade entre os meios utilizados e o objetivo prosseguido ( *23 ).

    81.

    Creio que um aumento do custo dos serviços dos advogados, ainda que ascenda a 21%, não pode ser descrito como uma violação da própria essência do direito de acesso à justiça. No que respeita ao objetivo prosseguido, tão‑pouco pode uma finalidade orçamental (que é, no fundo, o objetivo fundamental de qualquer imposto) ou a vontade de alinhar a legislação belga com a dos outros Estados‑Membros (e com o regime estabelecido por uma diretiva de harmonização) ou de pôr termo a distorções da concorrência ser considerada algo que não seja um objetivo legítimo para efeitos do direito da União. Por último, a este propósito, não se pode considerar que a imposição da taxa normal do IVA estabelecida a nível nacional seja, de forma alguma, desproporcional em face desses objetivos.

    82.

    Em segundo lugar, conforme salienta, em especial, o Governo belga, os advogados belgas que passaram a estar sujeitos ao IVA em 1 de janeiro de 2014 também adquiriram o direito de deduzir o IVA a montante sobre os bens e serviços adquiridos para efeitos dos serviços por eles prestados. Por conseguinte, os seus próprios custos sofreram uma redução equivalente ao montante do IVA que pagaram sobre essas aquisições. Partindo do princípio de que não fizeram qualquer outro ajustamento, limitando‑se a aplicar a taxa normal do IVA aos seus honorários líquidos e a deduzir o imposto pago a montante, os referidos honorários deveriam ter aumentado não 21%, mas sim 21% menos uma determinada percentagem correspondente ao montante do IVA a montante que podiam agora deduzir. É certo que os custos de produção tributáveis suportados pelos advogados poderão não ser tão elevados quanto os de muitos outros operadores económicos, mas o efeito não pode ser totalmente ignorado.

    83.

    Em terceiro lugar, é do conhecimento geral que, não obstante a teoria fiscal subjacente ao sistema do IVA, os operadores económicos que fornecem bens ou prestam serviços a pessoas que não são sujeitos passivos (ou seja, aos consumidores finais) normalmente não determinam os seus preços antes de impostos de forma independente e acrescentam mecanicamente a taxa do IVA aplicável a esses preços. Em qualquer mercado competitivo de bens de consumo, eles têm de ter em conta — para indicar apenas dois exemplos — o preço incluindo impostos mais elevado que o mercado poderá suportar e o preço mais baixo que lhes proporcionará um volume de negócios suficiente para justificar uma margem de lucro mais baixa. Assim, quando as taxas do IVA sobem ou baixam, os operadores económicos nem sempre repercutem o impacto (total) dessas alterações nos consumidores.

    84.

    Na prática, por conseguinte, não se pode afirmar que exista uma relação automática e direta entre um aumento na taxa de IVA aplicável (no presente caso, de uma situação em que não era cobrado IVA mas sem direito de dedução, para uma taxa de 21% com direito a dedução total) e um aumento no custo dos bens fornecidos ou dos serviços prestados aos consumidores.

    85.

    Na Bélgica, os honorários dos advogados não são regulados por lei, sendo antes acordados entre o advogado e o cliente. Nesse contexto, os advogados devem atuar «com o discernimento que deles se espera no cumprimento dos seus deveres» e os honorários não devem «ultrapassar os limites de uma justa moderação» ( *24 ). Entre os possíveis métodos de cálculo dos honorários contam‑se a fixação de uma tarifa horária pelo trabalho prestado, de uma tarifa fixa consoante o tipo de processo em causa ou de uma percentagem do montante em causa no processo, e é possível alterar o valor cobrado em função do desfecho do processo (mas não fazer depender os honorários unicamente desse desfecho). Poderão ser tomados em consideração outros critérios para ajustar o valor dos honorários — por exemplo, a situação financeira do cliente ou a experiência, especialização ou reputação do advogado ( *25 ). Mesmo antes desses ajustamentos, o valor dos honorários parece variar consideravelmente na Bélgica ( *26 ).

    86.

    Por conseguinte, afigura‑se pouco provável que a abolição da isenção dos honorários dos advogados do IVA resulte inevitavelmente num aumento generalizado dos custos de acesso à justiça. Além disso, conforme salientou a Comissão, os litigantes atribuirão provavelmente mais importância à qualidade do serviço prestado e à relação custo‑benefício do valor cobrado do que ao mero custo (negociável) do serviço.

    87.

    Em quarto lugar, em certos casos, alguns advogados poderão pôr em prática, até certo ponto, um sistema de subsidiação cruzada nos seus escritórios, ajustando os seus honorários para compensar a aplicação do IVA aos seus serviços e para minimizar os seus efeitos sobre litigantes que, de outro modo, dificilmente poderiam suportar o custo desses serviços. De acordo com o sítio web da Ordre des barreaux francophones et germanophone, a situação financeira do cliente é o primeiro fator que os advogados têm em consideração na fixação dos seus honorários dentro dos limites de uma justa moderação; consequentemente, é possível estabelecer, para os clientes que não beneficiem de assistência judiciária, uma tabela de honorários que garanta que ninguém será privado do direito fundamental de acesso à justiça por razões meramente económicas. No entanto, aceito plenamente o argumento aduzido na audiência pelo representante de Jimmy Tessens e o. de que nem todos os advogados poderão ter essa opção, tudo dependendo da clientela de cada um.

    88.

    Consequentemente, não encontro nada na Diretiva IVA, ou na decisão da Bélgica de pôr termo ao exercício da faculdade que lhe era conferida por essa diretiva de isentar os serviços dos advogados, que seja suscetível de violar o artigo 47.o da Carta com fundamento no facto de a imposição do IVA sobre esses serviços aumentar o custo do acesso à justiça.

    89.

    Essencialmente, estas considerações também são válidas para o artigo 9.o, n.os 4 e 5, da Convenção de Aarhus. Contudo, afiguram‑se oportunas algumas observações específicas sobre essa matéria.

    90.

    Em primeiro lugar, o conceito de «não exageradamente dispendioso» (utilizado no artigo 9.o, n.o 4, da Convenção de Aarhus) foi interpretado pelo Tribunal de Justiça no contexto do artigo 10.o‑A da Diretiva 85/337 ( *27 ) no sentido de que as pessoas nele visadas não devem ser impedidas de interpor ou de dar continuidade a um processo judicial devido ao encargo financeiro que daí poderia resultar. Na apreciação das questões relacionadas com essa exigência, os órgãos jurisdicionais nacionais devem ter em conta o interesse da pessoa que deseja defender os seus direitos e o interesse geral ligado à proteção do ambiente. Nessa apreciação, não se podem basear unicamente na situação económica do demandante, devendo também proceder a uma análise objetiva do montante das despesas. Além disso, podem levar em conta a situação das partes em causa, as hipóteses razoáveis de sucesso do demandante, a gravidade do que está em causa para este e para a proteção do ambiente, a complexidade do direito e do processo aplicáveis, o eventual caráter temerário do processo nas suas diferentes fases, bem como a existência de um sistema nacional de apoio judiciário ou de um regime de proteção em matéria de despesas ( *28 ).

    91.

    Assim, é evidente que a apreciação concreta do cumprimento da exigência de que os meios de recurso judiciais não sejam exageradamente dispendiosos deve ser realizada caso a caso. O Tribunal de Justiça sustentou, ainda assim, que não se poderia considerar que a referida exigência tinha sido corretamente transposta para o direito nacional a menos que «o juiz nacional esteja vinculado por uma regra jurídica no sentido de garantir que o processo não tenha para o autor um custo exageradamente dispendioso» ( *29 ). No presente caso, nenhuma das partes no processo principal alegou que a exigência tinha sido incorretamente transposta para o direito belga.

    92.

    Além disso, o artigo 9.o, n.o 4, da Convenção de Aarhus diz respeito aos processos referidos nos n.os 1 a 3 desse artigo, sendo que cada um deles menciona os critérios estabelecidos no direito nacional. O Tribunal de Justiça entendeu que, por aquele motivo, o artigo 9.o, n.o 3, não contém nenhuma obrigação incondicional e suficientemente precisa suscetível de reger diretamente a situação jurídica dos particulares e está dependente, na sua execução ou nos seus efeitos, da intervenção de um ato posterior. Consequentemente, não pode ser invocado para questionar a validade de uma disposição do direito da União ( *30 ).

    93.

    No que respeita ao artigo 9.o, n.o 5, da Convenção de Aarhus, basta referir que essa disposição apenas exige que as partes «considerem a possibilidade» de estabelecer mecanismos de assistência adequados para eliminar ou reduzir os entraves financeiros e outros ao acesso à justiça. Por conseguinte, não pode ser invocada para impugnar a validade de qualquer disposição de direito da União efetivamente adotada.

    Igualdade de armas entre os litigantes

    94.

    Essencialmente, a questão que aqui se coloca prende‑se com o facto de os sujeitos passivos que recorrem aos serviços de um advogado para efeitos das suas operações tributáveis terem direito a deduzir o IVA (a montante) pago sobre esses serviços ao IVA (a jusante) que têm de declarar às autoridades fiscais, ao passo que os consumidores finais (ou os sujeitos passivos que recorrem aos serviços de um advogado para outros efeitos) não gozam desse direito de dedução. Consequentemente, segundo os recorrentes no processo principal, aqueles que se inserem na última categoria encontram‑se numa situação de desvantagem (financeira) em qualquer litígio contra aqueles que se inserem na primeira categoria.

    95.

    Conforme reconheceu o Tribunal de Estrasburgo no contexto do artigo 6.o da CEDH, o conceito de processo equitativo incorpora a exigência de igualdade de armas, no sentido de um equilíbrio justo entre as partes num litígio, e significa que deve ser dada a cada parte a possibilidade razoável de apresentar a sua causa em condições que não a coloquem numa situação de clara desvantagem relativamente ao seu adversário ( *31 ). Na sua jurisprudência, esse tribunal foi várias vezes chamado a pronunciar‑se sobre casos em que a exigência da igualdade de armas foi violada ( *32 ), mas, tanto quanto sei, nunca teve de apreciar uma situação em que o custo dos serviços jurídicos estivesse sujeito a um imposto ad valorem que afetava claramente uma parte, mas não a outra.

    96.

    A situação mais próxima afigura‑se ser o processo «McDonald’s Two» ( *33 ), em que foi negado acesso a assistência judiciária a dois particulares no âmbito de uma ação de difamação contra eles intentada pela cadeia de fast food McDonald’s por terem publicado um folheto criticando a empresa ( *34 ). Baseando‑se sobretudo na extraordinária duração e complexidade jurídica do processo, o Tribunal de Estrasburgo concluiu que a recusa de assistência judiciária tinha privado os réus da oportunidade de exporem eficazmente os seus argumentos e tinha contribuído para uma desigualdade de armas inaceitável entre eles e a McDonald’s; existia, assim, uma violação do artigo 6.o, n.o 1, da CEDH.

    97.

    Contudo, não creio que essa decisão seja particularmente útil para os recorrentes no processo principal no presente caso. É certo que diz respeito a uma situação em que uma das partes pode suportar o custo dos serviços de um advogado com mais facilidade do que a outra. Porém, no seu acórdão, o Tribunal de Estrasburgo admitiu claramente que um certo grau de desigualdade de armas devido a diferenças na capacidade para pagar tais serviços pode, e deve mesmo, ser tolerado. A decisão de que tinha havido uma violação do artigo 6.o, n.o 1, da CEDH tinha sido baseada nas circunstâncias específicas daquele caso, que envolviam um processo longo e complexo, intentado por uma multinacional com elevados recursos financeiros contra dois particulares com baixos rendimentos, a quem tinha sido negado acesso a assistência judiciária, não obstante a possibilidade de conceder discricionariamente tal assistência.

    98.

    Tal como já referi, as regras aplicáveis à assistência judiciária são independentes das regras aplicáveis à sujeição dos serviços prestados pelos advogados ao IVA. No entanto, os Estados‑Membros podem utilizar o sistema de assistência judiciária para compensar a desigualdade de armas e, em alguns casos, poderão estar obrigados a fazê‑lo (como, por exemplo, no processo McDonald’s Two). Não creio, porém, que a jurisprudência do Tribunal de Estrasburgo possa ser interpretada no sentido de exigir que os Estados‑Membros se abstenham de aplicar uma taxa de 21%, que poderá ser recuperada por alguns litigantes, mas não por outros.

    99.

    Além disso, entendo que, embora um diferencial máximo de custos de 121:100 coloque efetivamente um litigante em desvantagem em relação ao seu adversário, não infringe a própria essência do direito de acesso à justiça. De qualquer modo, o Estado não está obrigado a assegurar uma igualdade absoluta de armas.

    100.

    Recordo ainda que a desigualdade de armas, na prática, também estará provavelmente condicionada por outros fatores, especialmente por diferenças na relação custo‑benefício dos serviços prestados por diferentes advogados e pelos recursos financeiros globais de cada parte. Por exemplo: num processo judicial entre um consumidor abastado e um comerciante com dificuldades financeiras, é pouco provável que o facto de o comerciante poder deduzir o IVA incluído nos honorários do seu advogado o coloque numa situação de vantagem em relação ao consumidor se não tiver meios para contratar um advogado com a mesma qualidade que o advogado que representa o seu adversário. Em contrapartida, se um cidadão comum tiver como adversário um gigante multinacional implacável, o facto de este poder deduzir o IVA incluído nos honorários dos advogados externos dificilmente será um fator decisivo na manifesta desigualdade de armas.

    Igualdade de tratamento, não discriminação e neutralidade fiscal

    101.

    Na questão 3, pergunta‑se se o facto de os serviços dos advogados não estarem isentos do IVA constitui uma discriminação proibida desses serviços em comparação com outras «atividades de interesse geral» enumeradas no artigo 132.o, n.o 1, da Diretiva IVA.

    102.

    Segundo jurisprudência assente, «o princípio da igualdade de tratamento, do qual o princípio da neutralidade fiscal constitui a tradução em matéria de IVA, exige que situações comparáveis não sejam tratadas de forma diferente, a menos que uma diferenciação se justifique objetivamente» ( *35 ).

    103.

    Já chamei a atenção para o facto de as isenções previstas no artigo 132.o, n.o 1, da Diretiva IVA não terem por objeto todas as atividades de interesse geral, mas apenas algumas delas: aquelas que «aí são enumeradas e descritas de maneira muito detalhada» ( *36 ). Nessa matéria, nas minhas conclusões no processo Horizon College e Haderer, referi que a lista de isenções não tem natureza sistemática, pelo que não pode necessariamente extrapolar‑se, de uma isenção para outra, deduções quanto à intenção do legislador ( *37 ) .

    104.

    Imaginemos, contudo, por hipótese, que as minhas conclusões naquele processo não estavam corretas ou que, pelo menos, tinham sido expressas em termos demasiado genéricos. É possível discernir alguma lógica interna nas isenções previstas no artigo 132.o, n.o 1?

    105.

    Essas isenções abrangem em resumo: serviços postais [alínea a)]; vários serviços de saúde e relacionados com a saúde [alíneas b) a e) e p)]; agrupamentos de pessoas que exerçam atividades isentas [alínea f)]; assistência social e segurança social [alínea g)]; o bem‑estar e a educação das crianças e dos jovens [alíneas h) a j)], juntamente com as suas atividades desportivas [alínea m)]; atividades religiosas, culturais e conexas [alíneas k), l) e n)]; angariação de fundos para as atividades referidas nas alíneas b), g) a i) e l) a n) [alínea o)]; e atividades dos organismos públicos de radiodifusão [alínea q)].

    106.

    Algumas das atividades em causa só estão isentas se não tiverem fins lucrativos [v., por exemplo, as alíneas g) e h)], ao passo que outras podem ser realizadas com fins comerciais [v., por exemplo, a alínea j)]. Em alguns casos, exige‑se que as atividades não sejam suscetíveis de provocar distorções da concorrência [alíneas f), l) e o)].

    107.

    Na medida em que se possa afirmar que existe um fio condutor entre essas atividades, poderão ser identificados quatro grupos, a saber: comunicações públicas, saúde e bem‑estar, educação e cultura em sentido lato. Nada justifica a afirmação de que, de um modo geral, os serviços dos advogados se enquadram em qualquer um dos grupos acima descritos ou que estão em concorrência ou apresentam semelhanças com algum deles ( *38 ), e muito menos que correspondem a qualquer uma das atividades enumeradas de maneira detalhada.

    108.

    Em qualquer caso, considerar que há atividades não enumeradas e descritas no artigo 132.o, n.o 1, que deveriam beneficiar da isenção por analogia implicaria um desvio considerável da jurisprudência segundo a qual «os termos usados para designar as referidas isenções são de interpretação estrita, dado que constituem exceções ao princípio geral segundo o qual o IVA é cobrado sobre cada prestação de serviços efetuada pelo sujeito passivo a título oneroso» ( *39 ).

    109.

    No meu entender, daqui decorre que não há justificação para considerar que o facto de os serviços dos advogados não estarem incluídos na lista constante do artigo 132.o, n.o 1, da Diretiva IVA envolve o tratamento diferente de situações semelhantes.

    Conclusão

    110.

    À luz de todas as considerações precedentes, considero que o Tribunal de Justiça deve responder às questões suscitadas pela Cour constitutionnelle nos seguintes termos:

    1)

    O artigo 371.o da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que um Estado‑Membro que, em conformidade com essa disposição, tenha continuado a isentar do IVA a prestação de serviços por advogados, pode limitar o alcance dessa isenção sem a abolir na totalidade. Porém, se abolir totalmente a isenção, esse Estado‑Membro não poderá reintroduzir a mesma isenção com um alcance mais limitado.

    2)

    Nem o artigo 132.o, n.o 1, alínea g), nem qualquer outra disposição da Diretiva 2006/112 autoriza os Estados‑Membros a isentar do IVA a prestação de serviços por advogados no âmbito de um regime nacional de assistência judiciária com fundamento na sua qualificação como serviços estreitamente relacionados com a assistência social e com a segurança social.

    3)

    A análise das questões submetidas não revelou nada suscetível de afetar a validade da Diretiva 2006/112.


    ( *1 ) Língua original: inglês.

    ( *2 ) Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO 1977 L 145, p. 1).

    ( *3 ) Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006 L 347, p. 1).

    ( *4 ) Assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950. Todos os Estados‑Membros são signatários da CEDH, mas a União Europeia, enquanto tal, ainda não aderiu a essa convenção; v. parecer 2/13, EU:C:2014:2454.

    ( *5 ) Adotado em 16 de dezembro de 1966 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, United Nations Treaty Series, vol. 999, p. 171 e vol. 1057, p. 407. Todos os Estados‑Membros da União Europeia são partes no Pacto, que entrou em vigor em 23 de março de 1976.

    ( *6 ) Assinada em Aarhus em 25 de junho de 1998 e aprovada em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de fevereiro de 2005 (JO 2005 L 124, p. 1). Foi transposta para o direito da União pela Diretiva 2003/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de maio de 2003, que estabelece a participação do público na elaboração de certos planos e programas relativos ao ambiente e que altera, no que diz respeito à participação do público e ao acesso à justiça, as Diretivas 85/337/CEE e 96/61/CE do Conselho (JO 2003 L 156, p. 17).

    ( *7 ) JO 2010 C 83, p. 389.

    ( *8 ) As isenções previstas nos artigos 135.° e 136.° não estão em causa no presente processo.

    ( *9 ) Até 1 de janeiro de 2007, as mesmas disposições constavam do artigo 28.o, n.o 3, alínea b), da Sexta Diretiva IVA e do respetivo anexo F.

    ( *10 ) Ou seja, avocats/advokaten. Os serviços dos notários e dos oficiais de justiça também tinham estado isentos até 31 de dezembro de 2011, data em que essa isenção foi abolida.

    ( *11 ) Loi du 30 juillet 2013 portant des dispositions diverses.

    ( *12 ) V., por exemplo, sítio Web da Ordre des barreaux francophones et germanophone, http://www.avocats.be/fr/combien‑ça‑coûte.

    ( *13 ) Acórdão Comissão/França, C‑492/08, EU:C:2010:348, n.os 45 a 47.

    ( *14 ) V. acórdãos Kerrutt, 73/85, EU:C:1986:295, n.o 17; Norbury Developments, C‑136/97, EU:C:1999:211, n.o 19; e Idéal tourisme, C‑36/99, EU:C:2000:405, n.o 32. V., também, por analogia, acórdão Danfoss e AstraZeneca, C‑371/07, EU:C:2008:711, n.os 24 a 44 (relativo à possibilidade comparável de manter exclusões do direito à dedução do IVA pago a montante).

    ( *15 ) V., por exemplo, acórdão Žamberk, C‑18/12, EU:C:2013:95, n.os 17 a 20 e jurisprudência aí referida.

    ( *16 ) Acórdão Comissão/França, C‑492/08, EU:C:2010:348.

    ( *17 ) Acórdão Comissão/França, C‑492/08, EU:C:2010:348, n.os 36 a 41 e jurisprudência aí referida.

    ( *18 ) Acórdão Comissão/França, C‑492/08, EU:C:2010:348, n.os 43 a 47.

    ( *19 ) É certo que a CEDH e o PIDCP não foram formalmente integrados na ordem jurídica da União (v. acórdão Inuit Tapiriit Kanatami e o./Comissão, C‑398/13 P, EU:C:2015:535, n.o 45 e a jurisprudência aí referida). Porém, o facto de os direitos garantidos pela Carta e os correspondentes direitos garantidos pela CEDH terem o mesmo significado e o mesmo alcance levou o Tribunal de Justiça a invocar sistematicamente esta convenção e a jurisprudência do Tribunal de Estrasburgo no contexto da interpretação da Carta. Além disso, o Tribunal de Justiça referiu que a Carta reveste um significado especial no contexto dos direitos humanos e que o PIDCP é um dos instrumentos internacionais que tem em conta na aplicação dos princípios gerais do direito da União (v., por exemplo, acórdão Parlamento/Conselho, C‑540/03, EU:C:2006:429, n.os 35 a 38 e jurisprudência aí referida).

    ( *20 ) Embora, da perspetiva do Estado, essa abordagem tenha o mesmo resultado que a cobrança de IVA e o reinvestimento dos montantes cobrados no regime de assistência judiciária, tenho algumas dúvidas quando à sua compatibilidade com a Diretiva IVA. Além de ser formalmente incompatível, poderá também afetar a cobrança dos recursos próprios da União, que incluem uma percentagem da base do IVA determinada de maneira harmonizada [v. artigo 2.o, alínea b), da Decisão 2007/436/CE, Euratom, do Conselho, de 7 de junho de 2007, relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades Europeias (JO 2007 L 163, p. 17)]. Contudo, essa questão não é suscitada pelo órgão jurisdicional nacional nem é pertinente para as questões por ele submetidas no presente processo.

    ( *21 ) O financiamento e a cobertura dos regimes de assistência judiciária variam extraordinariamente entre os Estados‑Membros. V., por exemplo, Study on the functioning of judicial systems in the EU Member States, Facts and figures from the CEPEJ 2012‑2014 evaluation exercise, elaborado pela Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça (CEPEJ), do qual resulta que, em 2012, o orçamento da Áustria para assistência judiciária ascendia a 2,25 EUR por habitante, totalizando um montante muito inferior à receita do Estado proveniente de impostos ou taxas judiciais, ao passo que o orçamento da Suécia era de 24,74 EUR por habitante, dos quais apenas 1% era suportado por impostos ou taxas judiciais. No entanto, à luz do atual direito da União, essas matérias são da exclusiva competência dos Estados‑Membros, desde que a Carta, a CEDH e a jurisprudência do Tribunal de Estrasburgo sejam respeitadas; v., por exemplo, considerando 48 da Diretiva 2013/48/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2013, relativa ao direito de acesso a um advogado em processo penal e nos processos de execução de mandados de detenção europeus, e ao direito de informar um terceiro aquando da privação de liberdade e de comunicar, numa situação de privação de liberdade, com terceiros e com as autoridades consulares (JO 2013 L 294, p. 1).

    ( *22 ) V., por exemplo, acórdão Jones e o. c. Reino Unido, processos n.os 34356/06 e 40528/06, § 186, TEDH 2014.

    ( *23 ) V., por exemplo, despacho proferido no processo GREP, C‑156/12, EU:C:2012:342, n.o 35 e segs., e dispositivo. V. também, no que respeita ao direito à ação consagrado no artigo 47.o da Carta, acórdão Orizzonte Salute, C‑61/14, EU:C:2015:655, n.o 49.

    ( *24 ) Artigo 446.oter do Código Judiciário belga.

    ( *25 ) V. sítio web da Ordre des barreaux francophones et germanophone, http://www.avocats.be/fr/combien‑ça‑coûte.

    ( *26 ) Assim, o Estudo relativo à transparência dos custos dos processos cíveis na UE, realizado para a Comissão Europeia em dezembro de 2007, refere que, na Bélgica, as tarifas horárias dos advogados, excluindo impostos, variavam, em média, entre 100 EUR e 250 EUR (v. https://e‑justice.europa.eu/content_costs_of_proceedings‑37‑pt.do). Em 2015, de acordo com uma consulta efetuada a diversos sítios web de advogados, as tarifas horárias de base fora de Bruxelas variavam entre, no mínimo, 80 EUR e 150 EUR, ao passo que, segundo uma notícia recente relativa a uma sociedade de advogados de Bruxelas contratada pelo Governo belga, a tarifa cobrada por essa sociedade variava entre 225 EUR e 600 EUR por hora, após descontos mas antes de impostos (v. http://www.rtbf.be/info/belgique/detail_la‑ministre‑galant‑appelee‑a‑s‑expliquer‑a‑la‑chambre‑sur‑ses‑frais‑d‑avocats?id=9120926).

    ( *27 ) Diretiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projetos públicos e privados no ambiente (JO 1985 L 175, p. 40); v. nota 6 supra. O quinto parágrafo do artigo 10.o‑A exige que o processo seja «justo, equitativo, atempado e não exageradamente dispendioso».

    ( *28 ) Acórdão Edwards e Pallikaropoulos, C‑260/11, EU:C:2013:221, n.o 36 e segs. e dispositivo.

    ( *29 ) Acórdão Comissão/Reino Unido, C‑530/11, EU:C:2014:67, n.o 55.

    ( *30 ) V., por exemplo, acórdão Conselho e o./Vereniging Milieudefensie e Stichting Stop Luchtverontreiniging Utrecht, C‑401/12 P a C‑403/12 P, EU:C:2015:4, n.os 54 e 55 e jurisprudência aí referida.

    ( *31 ) V., por exemplo, acórdãos Dombo Beheer B.V. c. Países Baixos, de 27 de outubro de 1993, processo n.o 14448/88, § 33, Série A, n.o 274; Ankerl c. Suíça, de 23 de outubro de 1996, § 38, Coletânea dos acórdãos e decisões 1996‑V; Kress c. França [GS], petição n.o 39594/98, § 72, TEDH 2001; e Komanický c. Eslováquia, de 4 de junho de 2002, processo n.o 32106/96, § 45. Na sua análise do princípio da igualdade de armas, o Tribunal de Justiça adotou uma posição idêntica: v. acórdãos Otis e o., C‑199/11, EU:C:2012:684, n.o 71, e Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão, C‑580/12 P, EU:C:2014:2363, n.o 31.

    ( *32 ) Por exemplo, nos casos em que: uma das partes não foi notificada da interposição de recurso pela outra parte (acórdão Beer c. Áustria, de 6 de fevereiro de 2011, processo n.o 30428/96, § 19); a contagem de um prazo foi interrompida apenas em relação a uma das partes (acórdãos Platakou c. Grécia, processo n.o 38460/97, § 48, TEDH 2001‑I; Wynen c. Bélgica, processo n.o 32576/96, § 32, TEDH 2002‑VIII); apenas uma das duas testemunhas principais foi autorizada a depor (acórdão Dombo Beheer B.V. c. Países Baixos, de 27 de outubro de 1993, processo n.o 14448/88, §§ 34 e 35, Série A, n.o 274); uma das partes gozava de vantagens significativas no acesso a informações pertinentes, ocupava uma posição dominante no processo e tinha uma influência considerável sobre a apreciação do tribunal (acórdão Yvon c. França, processo n.o 44962/98, § 37, TEDH 2003‑V); ou uma das partes exercia cargos ou desempenhava funções que a colocavam numa situação de vantagem e o tribunal, ao não autorizar a outra parte a produzir provas documentais ou testemunhais relevantes, tinha comprometido a probabilidade de sucesso da ação intentada pela outra parte (acórdão De Haes e Gijsels c. Bélgica, de 24 de fevereiro de 1997, processo n.o 19983/92, §§ 54 e 58, Coletânea dos acórdãos e decisões 1997‑I).

    ( *33 ) Steel e Morris c. Reino Unido, processo n.o 68416/01, §§ 59 a 72, TEDH 2005‑II.

    ( *34 ) Embora os réus preenchessem os critérios gerais para a concessão de assistência judiciária, os processos de difamação estavam, em princípio, excluídos do sistema de assistência judiciária e não tinha sido exercido o poder discricionário de conceder tal assistência em casos excecionais.

    ( *35 ) V., como exemplo recente, acórdão Jetair e BTW‑eenheid BTWE Travel4you, C‑599/12, EU:C:2014:144, n.o 53.

    ( *36 ) V. n.o 52 supra.

    ( *37 ) C‑434/05 e C‑445/05, EU:C:2007:149, n.o 64.

    ( *38 ) V., nessa matéria, acórdão Marks & Spencer, C‑309/06, EU:C:2008:211, n.o 49, em que o Tribunal de Justiça observou que «enquanto a violação do princípio da neutralidade fiscal apenas pode ser considerada entre operadores económicos concorrentes […] a violação do princípio geral da igualdade de tratamento pode ser caracterizada, em matéria fiscal, por outros tipos de discriminações afetando operadores económicos que não são forçosamente concorrentes, mas que se encontram todavia numa situação comparável noutros aspetos».

    ( *39 ) V. n.o 52 supra.

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