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Document 62013CJ0369

Acórdão do Tribunal de Justiça (Quinta Secção) de 12 de fevereiro de 2015.
N. F. Gielen e o.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Rechtbank Oost-Brabant ’s-Hertogenbosch.
Reenvio prejudicial ― Precursores de drogas ― Controlo do comércio entre os Estados‑Membros ― Regulamento (CE) n.° 273/2004 ― Controlo do comércio entre a União Europeia e os países terceiros ― Regulamento (CE) n.° 111/2005 ― Conceito de ‘substância inventariada’ ― Substância ‘alfa‑fenilacetato de acetonitrila’ (APAAN) ― Substância inventariada ‘l‑fenyl‑2‑propanona’ (BMK).
Processo C-369/13.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2015:85

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

12 de fevereiro de 2015 ( *1 )

«Reenvio prejudicial — Precursores de drogas — Controlo do comércio entre os Estados‑Membros — Regulamento (CE) n.o 273/2004 — Controlo do comércio entre a União Europeia e os países terceiros — Regulamento (CE) n.o 111/2005 — Conceito de ‘substância inventariada’ — Substância ‘alfa‑fenilacetato de acetonitrila’ (APAAN) — Substância inventariada ‘l‑fenyl‑2‑propanona’ (BMK)»

No processo C‑369/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Rechtbank Oost‑Brabant ’s‑Hertogenbosch (Países Baixos), por decisão de 21 de junho de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 1 de julho de 2013, nos processos‑crime contra

N. F. Gielen,

M. M. J. Geerings,

F. A. C. Pruijmboom,

A. A. Pruijmboom,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: M. T. von Danwitz, presidente de secção, C. Vajda, A. Rosas, E. Juhász e D. Šváby (relator), juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo neerlandês, por K. Bulterman e B. Koopman, na qualidade de agentes,

em representação do Governo espanhol, por L. Banciella Rodríguez‑Miñón, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por J.‑F. Brakeland e K. Talabér‑Ritz, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 2.o, alíneas a), b), d) e f), do Regulamento (CE) n.o 273/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, relativo aos precursores de drogas (JO L 47, p. 1), e do artigo 2.o, alíneas a) e f), do Regulamento (CE) n.o 111/2005 do Conselho, de 22 de dezembro de 2004, que estabelece regras de controlo do comércio de precursores de drogas entre a Comunidade e países terceiros (JO 2005, L 22, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de processos‑crime instaurados contra N. F. Gielen, M. M. J. Geerings, F. A. C. Pruijmboom e A. A. Pruijmboom, pela importação e/ou exportação, no território aduaneiro da União Europeia, de uma substância designada «alfa‑fenilacetato de acetonitrila» (a seguir «APAAN»), sem a licença exigida para o efeito, e, subsidiariamente, pela posse e introdução dessa mesma substância no mercado, igualmente sem licença.

Quadro jurídico

Direito da União

3

Para evitar o desvio de substâncias frequentemente utilizadas no fabrico ilegal de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, o legislador da União aprovou medidas de vigilância e de controlo com uma componente interna, sob a forma do Regulamento n.o 273/2004, e uma componente externa, sob a forma do Regulamento n.o 111/2005.

Regulamento n.o 273/2004

4

Os considerandos 13 e 17 do Regulamento n.o 273/2004 enunciam:

«(13)

Inúmeras outras substâncias, muitas delas ilegalmente comercializadas em grandes quantidades, foram identificadas como sendo precursores do fabrico ilegal de drogas sintéticas e de substâncias psicotrópicas. Submeter estas substâncias aos mesmos controlos estritos a que são submetidas as substâncias referidas no anexo criaria um obstáculo desnecessário ao comércio, implicando licenças para operar e documentação relativa às transações. Por conseguinte, deve ser estabelecido um mecanismo mais flexível a nível comunitário, através do qual as autoridades competentes dos Estados‑Membros sejam notificadas dessas transações.

[…]

(17)

Dado que os objetivos do presente regulamento, nomeadamente fiscalizar de forma harmonizada o comércio de precursores de drogas e impedir o seu desvio para o fabrico ilegal de drogas sintéticas e de substâncias psicotrópicas, não podem ser suficientemente atingidos pelos Estados‑Membros e podem, dada a sua natureza internacional e mutável, desse comércio, ser melhor alcançados a nível comunitário, a Comunidade pode adotar medidas, em conformidade com o princípio da subsidiariedade definido no artigo 5.o do Tratado. De acordo com o princípio d[a] proporcionalidade definido nesse mesmo artigo, o presente regulamento não excede o necessário para alcançar aqueles objetivos.»

5

O artigo 2.o, alíneas a), b), d) e f), deste regulamento dispõe:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por:

a)

‘Substância inventariada’: qualquer substância referida no Anexo I, incluindo as misturas e os produtos naturais que contêm essas substâncias. Excluem‑se os medicamentos (definidos na Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano [JO L 311, p. 67]), as preparações farmacêuticas, as misturas, os produtos naturais ou outras preparações com substâncias inventariadas cujo modo de composição impeça uma fácil utilização dessas substâncias ou a sua extração por meios facilmente exequíveis ou economicamente viáveis;

b)

‘Substância não inventariada’: qualquer substância que, embora não incluída no Anexo I[,] seja identificada como tendo sido utilizada no fabrico ilegal de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas;

[…]

d)

‘Operador’: a pessoa singular ou coletiva que se dedica à colocação no mercado de substâncias inventariadas;

[…]

f)

‘Licença especial’: uma licença concedida a um tipo particular de operador;

[…]»

6

Nos termos do artigo 3.o, n.o 2, do referido regulamento, «[s]erá requerido aos operadores que obtenham uma licença, a ser concedida pelas autoridades competentes, antes de poderem possuir ou colocar no mercado as substâncias inventariadas referidas na categoria 1 do Anexo I».

7

O artigo 9.o do mesmo regulamento dispõe:

«1.   A fim de facilitar a cooperação respetivamente entre as autoridades competentes, os operadores e a indústria química, nomeadamente no que respeita às substâncias não inventariadas, a Comissão deverá, em conformidade com o procedimento referido no n.o 2 do artigo 15.o, elaborar e atualizar orientações destinadas a apoiar a indústria química.

2.   As orientações incluirão nomeadamente:

a)

Informações sobre como reconhecer e notificar transações suspeitas;

b)

Uma lista regularmente atualizada de substâncias não inventariadas, para permitir à indústria fiscalizar, de forma voluntária, o comércio dessas substâncias;

c)

Outras informações que possam ser consideradas úteis.

[…]»

8

O Anexo I do Regulamento n.o 273/2004 elenca as «substâncias inventariadas», na aceção do artigo 2.o, alínea a), deste regulamento, entre as quais figura, na categoria I, o «1‑fenyl‑2‑propanona» (a seguir «BMK»). Em contrapartida, o APAAN não consta desse anexo.

Regulamento n.o 111/2005

9

O conceito de «substância inventariada», definido no artigo 2.o, alínea a), do Regulamento n.o 111/2005, é essencialmente idêntico ao constante do artigo 2.o, alínea a), do Regulamento n.o 273/2004. O anexo do Regulamento n.o 111/2005, para o qual remete o artigo 2.o, alínea a), do mesmo regulamento, também é idêntico, no essencial, ao Anexo I do Regulamento n.o 273/2004.

10

O artigo 2.o, alínea f), do Regulamento n.o 111/2005 define o conceito de «operador» como «qualquer pessoa singular ou coletiva envolvida na importação ou exportação de substâncias inventariadas ou em atividades intermédias a elas referentes, incluindo pessoas não assalariadas cuja atividade é a elaboração de declarações aduaneiras de clientes, quer a título principal quer a título acessório de uma outra atividade».

11

O artigo 6.o, n.o 1, desse regulamento dispõe:

«Os operadores estabelecidos na Comunidade que participem na importação, na exportação ou em atividades intermédias que envolvam substâncias inventariadas constantes da categoria 1 do anexo, com exceção dos despachantes oficiais e dos transportadores que atuem exclusivamente nessa qualidade, devem possuir uma licença. A licença será emitida pela autoridade competente do Estado‑Membro em que o operador se encontre estabelecido.

[…]»

12

O artigo 10.o do referido regulamento enuncia:

«1.   Para facilitar a cooperação entre as autoridades competentes dos Estados‑Membros, os operadores estabelecidos na Comunidade e a indústria química, designadamente no que respeita às substâncias não inventariadas, a Comissão, em consulta com os Estados‑Membros, elaborará e atualizará diretrizes.

2.   Essas diretrizes fornecerão, nomeadamente:

a)

Informações sobre como reconhecer e notificar transações suspeitas;

b)

Uma lista, periodicamente atualizada, de substâncias não inventariadas que permita que a indústria controle voluntariamente o comércio de tais substâncias.

[…]»

13

Os Regulamentos (UE) n.o 1258/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de novembro de 2013 (JO L 330, p. 21), e (UE) n.o 1259/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de novembro de 2013 (JO L 330, p. 30), modificaram, respetivamente, os Regulamentos n.os 273/2004 e 111/2005. Para além das alterações relativas à definição do conceito de «substância inventariada», na aceção destes dois regulamentos, procederam à inscrição do APAAN na lista das «substâncias inventariadas» incluídas no Anexo I do Regulamento n.o 273/2004 e no anexo do Regulamento n.o 111/2005. Todavia, como os Regulamentos n.os 1258/2013 e 1259/2013 só entraram em vigor em 30 de dezembro de 2013, não são aplicáveis ao litígio no processo principal.

Direito neerlandês

14

A lei para a prevenção do abuso de substâncias químicas (Wet Voorkoming Misbruik Chemicaliën, a seguir «WVMC») deu execução aos Regulamentos n.os 273/2004 e 111/2005.

15

O artigo 2.o, alínea a), da WVMC dispõe:

«É proibido atuar com inobservância das condições fixadas pelos ou por força dos:

a.

artigos 3.°, n.os 2 e 3, e 8.° do Regulamento n.o 273/2004 e artigos 6.°, n.o 1, 8.°, n.o 1, 9.°, 12.°, n.o 1, e 20.° do Regulamento n.o 111/2005 […]»

16

A violação dolosa desta disposição constitui um crime económico punível com uma pena de prisão até seis anos.

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

17

Com fundamento no artigo 2.o da WVMC, N. F. Gielen, M. M. J. Geerings, F. A. C. Pruijmboom e A. A. Pruijmboom foram acusados da importação e/ou exportação de APAAN no território aduaneiro da União Europeia, substância que as autoridades neerlandesas consideram caber na qualificação de «substância inventariada» que figura na categoria 1 do Regulamento n.o 111/2005. Subsidiariamente e com base no mesmo fundamento jurídico, são igualmente acusados da posse e da colocação no mercado, sem licença, dessa mesma substância, considerada abrangida pela categoria 1 do Anexo I do Regulamento n.o 273/2004.

18

Em 2 de janeiro de 2013, o Openbaar Ministerie (Ministério Público) notificou os arguidos, que se encontram atualmente em «prisão preventiva suspensa», para comparecerem no órgão jurisdicional de reenvio.

19

No âmbito desse processo, o Rechtbank Oost‑Brabant ’s‑Hertogenbosch constatou que o APAAN não figura expressamente na lista das «substâncias inventariadas» mencionadas na categoria 1 do Anexo I do Regulamento n.o 273/2004 e do anexo do Regulamento n.o 111/2005. Por conseguinte, em aplicação, designadamente, do princípio da legalidade, as operações referentes a esta substância não deviam poder dar lugar a acusações fundadas no artigo 2.o, alínea a), da WVMC.

20

Contudo, e apesar de uma prática jurisprudencial contrária, esse órgão jurisdicional não exclui que essa substância possa, mesmo assim, ser qualificada de «substância inventariada», na aceção do artigo 2.o, alínea a), do Regulamento n.o 273/2004 e do artigo 2.o, alínea a), do Regulamento n.o 111/2005, atendendo a que, por um lado, o APAAN pode facilmente ser transformado em BMK — substância inventariada abrangida pela categoria 1 dos anexos relevantes desses regulamentos — e, por outro, se podem obter vantagens económicas consideráveis com essa transformação.

21

Partindo do pressuposto de que o APAAN deve ser qualificado de «substância inventariada», na aceção do artigo 2.o, alínea a), dos referidos regulamentos, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se igualmente sobre o conceito de «operador», definido no artigo 2.o, alínea d), do Regulamento n.o 273/2004 e no artigo 2.o, alínea f), do Regulamento n.o 111/2005.

22

Nestas circunstâncias, o Rechtbank Oost‑Brabant ‘s‑Hertogenbosch decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

a)

Pode o composto químico [APAAN] ser equiparado [ao BMK]? Em especial, o Rechtbank pretende saber se o termo [neerlandês] ‘bevatten’ [contenham], correspondente ao termo inglês ‘containing’ e ao termo francês ‘contenant’, deve ser interpretado no sentido de que o composto BMK deverá já existir enquanto tal no composto APAAN.

b)

Em caso de resposta negativa [à primeira questão, alínea a)]:

Deve o composto APAAN ser considerado (uma) ‘substância […], compost[a] de forma a que ta[l] substânci[a] não poss[a] ser facilmente utilizad[a] ou extraíd[a] através de meios acessíveis e economicamente viáveis’ e como ‘substanc[e] that [is] compounded in such a way that [it] cannot be easily used or extracted by readily applicable or economically viable means’ e como ‘[une] autr[e] préparatio[n] contenant un[e] [ou] plus […] substances classifiées qui sont composées de manière telle que ces substances ne peuvent pas être facilement utilisées, ni extraites par des moyens aisés à mettre en oeuvre ou économiquement viables’? Do Anexo 3 resulta que, segundo a polícia, se trata de um processo de transformação bastante simples, se não mesmo fácil.

c)

Na resposta à [primeira questão, alínea b)], designadamente: a parte ‘meios economicamente viáveis/economically viable means/moyens économiquement viables’, é relevante que a transformação de APAAN em BMK permita ganhos financeiros — ainda que ilegais — consideráveis, quando a transformação continuada de APAAN em BMK e/ou anfetaminas é bem sucedida, e/ou através da comercialização (ilegal) do BMK obtido à partir do APAAN?

2)

O conceito de ‘operador [de mercado]’ é definido no artigo 2.o, alínea d), do Regulamento n.o 273/2004 e no artigo 2.o, alínea f), do Regulamento n.o 111/2005. O Rechtbank solicita ao Tribunal de Justiça que, ao responder à questão que se segue, parta do pressuposto de que se trata de uma substância inventariada na aceção do artigo 2.o, alínea a), ou de uma substância equiparada na aceção do ‘Anexo 1 substâncias inventariadas na aceção da alínea a) do artigo 2.o’ dos regulamentos.

Deve igualmente incluir‑se neste conceito de ‘operador’ uma pessoa singular que, em associação ou não com outra(s) pessoa(s) singular(es) ou coletiva(s), tenha (dolosamente) na sua posse uma substância inventariada, sem para tal ter licença, mesmo que não se verifiquem quaisquer outras circunstâncias suspeitas?»

23

No seu pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio requereu a aplicação da tramitação acelerada prevista no artigo 105.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

24

Todavia, face à inexistência de urgência, esse pedido foi indeferido por despacho do presidente do Tribunal de Justiça, Gielen e o. (C‑369/13, EU:C:2013:708).

Quanto às questões prejudiciais

Quanto à primeira questão

25

Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 2.o, alínea a), do Regulamento n.o 273/2004 e o artigo 2.o, alínea a), do Regulamento n.o 111/2005 devem ser interpretados no sentido de que a qualificação de «substância inventariada», na aceção destas disposições, não se aplica a uma substância, como o APAAN, não prevista no Anexo I do Regulamento n.o 273/2004 ou no anexo do Regulamento n.o 111/2005, mas que, através de meios facilmente exequíveis ou economicamente viáveis, na aceção destes regulamentos, pode ser transformada numa substância prevista nos referidos anexos.

26

A título preliminar, importa recordar que o conceito de «substância inventariada» está definido no artigo 2.o, alínea a), do Regulamento n.o 273/2004 e no artigo 2.o, alínea a), do Regulamento n.o 111/2005 como qualquer substância referida nos anexos relevantes desses regulamentos, incluindo as misturas e os produtos naturais que contêm tais substâncias, exceto os medicamentos definidos na Diretiva 2001/83, as preparações farmacêuticas, as misturas, os produtos naturais ou outras preparações que contêm substâncias inventariadas cujo modo de composição impeça uma fácil utilização dessas substâncias ou a sua extração por meios facilmente exequíveis ou economicamente viáveis.

27

Resulta da redação destas disposições que a lista de substâncias que figura nos anexos relevantes dos Regulamentos n.os 273/2004 e 111/2005 é taxativa e, por conseguinte, só as substâncias que figuram expressamente na lista constante dos referidos anexos podem dar lugar à qualificação de «substâncias inventariadas», na aceção desses regulamentos, com exclusão de qualquer substância equiparada a uma substância inventariada.

28

Esta interpretação estrita é corroborada, por um lado, pelo facto de os Regulamentos n.os 273/2004 e 111/2005 não conterem nenhuma indicação que prove que o legislador da União pretendeu consagrar tal conceito de substância equiparada e, por outro, pelo considerando 13 do Regulamento n.o 273/2004, nos termos do qual o legislador da União salienta que submeter todas as substâncias precursoras de drogas sintéticas ou de substâncias psicotrópicas aos mesmos controlos estritos a que são submetidas as substâncias referidas no Anexo I do Regulamento n.o 273/2004 criaria um obstáculo desnecessário ao comércio.

29

Resulta igualmente do sentido ordinário do termo «contêm» empregue na definição de «substância inventariada» que, estando em causa preparações farmacêuticas, misturas, produtos naturais ou outras preparações, a qualificação de «substância inventariada» desses produtos requer que uma substância que figure nos anexos relevantes desses regulamentos esteja incluída, enquanto tal, nos mesmos, isto é, que faça parte dos seus componentes.

30

No caso vertente, é ponto assente, por um lado, que o APAAN não figura na lista de substâncias inventariadas, na aceção do artigo 2.o, alínea a), do Regulamento n.o 273/2004 e do artigo 2.o, alínea a), do Regulamento n.o 111/2005, elencadas nos anexos relevantes destes regulamentos, nas respetivas versões aplicáveis ao litígio no processo principal, e, por outro, que o BMK, enquanto tal, não entra na composição do APAAN.

31

A este respeito, resulta da decisão de reenvio, confirmada quanto a este ponto pelas observações de todos os interessados que apresentaram observações no presente processo, que o fabrico do BMK a partir do APAAN não é feito através de uma operação de extração, mas sim da hidrólise do APAAN, que pressupõe a transformação deste.

32

Ora, como decorre do n.o 29 do presente acórdão, não pode ser qualificado de «substância inventariada», na aceção do artigo 2.o, alínea a), do Regulamento n.o 273/2004 e do artigo 2.o, alínea a), do Regulamento n.o 111/2005, um produto que não contém, enquanto tal, uma substância que figura no Anexo I do Regulamento n.o 273/2004 e no anexo do Regulamento n.o 111/2005, mas a partir do qual é obtida essa substância, através de uma operação de transformação.

33

Consequentemente, na falta de referência expressa do APAAN nos anexos relevantes dos Regulamentos n.os 273/2004 e 111/2005, esta substância não pode ser qualificada de «substância inventariada», na aceção do artigo 2.o, alínea a), destes regulamentos, ou de substância equiparada a uma substância desta natureza.

34

A este respeito e tendo em conta a inexistência de BMK, enquanto tal, na composição do APAAN, é irrelevante o facto, evidenciado pelo órgão jurisdicional de reenvio, de a operação de transformação do APAAN em BMK ser simples e economicamente viável.

35

Esta conclusão não pode ser posta em causa pela finalidade prosseguida pelos Regulamentos n.os 273/2004 e 111/2005, como resulta do considerando 13 deste primeiro regulamento, ou pela natureza mutável do comércio de drogas, mencionada no considerando 17 do mesmo regulamento, como defende o Reino dos Países Baixos.

36

Embora, é certo, estes regulamentos tenham por objetivo combater o desvio de substâncias comummente utilizadas no fabrico ilegal de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas, instituindo um sistema de fiscalização do comércio dessas substâncias, acompanhado de sanções eficazes, proporcionadas e dissuasivas, não é menos verdade que o objetivo repressivo dos referidos regulamentos não pode influenciar a definição do conceito de «substância inventariada» nem a eventual qualificação da substância em causa como substância inventariada com base nessa definição (v., por analogia, acórdão D. e G., C‑358/13 e C‑181/14, EU:C:2014:2060, n.o 49).

37

Tanto mais assim é que o legislador da União, no artigo 9.o do Regulamento n.o 273/2004 e no artigo 10.o do Regulamento n.o 111/2005, previu um mecanismo de cooperação entre os Estados‑Membros, os operadores e a indústria química, para fiscalizar a circulação de «substâncias não inventariadas», definidas no artigo 2.o, alínea b), desses regulamentos como qualquer substância que, embora não conste dos anexos relevantes dos referidos regulamentos, seja identificada como tendo sido utilizada no fabrico ilegal de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas.

38

Com base nas considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 2.o, alínea a), do Regulamento n.o 273/2004 e o artigo 2.o, alínea a), do Regulamento n.o 111/2005 devem ser interpretados no sentido de que a qualificação de «substância inventariada», na aceção destas disposições, não se aplica a uma substância como o APAAN, não incluída no Anexo I do Regulamento n.o 273/2004 ou no anexo do Regulamento n.o 111/2005, mesmo que se admita que, através de meios facilmente exequíveis ou economicamente viáveis, na aceção destes regulamentos, aquela pode facilmente ser transformada numa substância prevista nos referidos anexos.

Quanto à segunda questão

39

Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não é necessário responder à segunda.

Quanto às despesas

40

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:

 

O artigo 2.o, alínea a), do Regulamento (CE) n.o 273/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2004, relativo aos precursores de drogas, e o artigo 2.o, alínea a), do Regulamento (CE) n.o 111/2005 do Conselho, de 22 de dezembro de 2004, que estabelece regras de controlo do comércio de precursores de drogas entre a Comunidade e países terceiros, devem ser interpretados no sentido de que a qualificação de «substância inventariada», na aceção destas disposições, não se aplica a uma substância como o alfa‑fenilacetato de acetonitrila, não incluída no Anexo I do Regulamento n.o 273/2004 ou no anexo do Regulamento n.o 111/2005, mesmo que se admita que, através de meios facilmente exequíveis ou economicamente viáveis, na aceção destes regulamentos, aquela pode facilmente ser transformada numa substância prevista nos referidos anexos.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: neerlandês.

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