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Document 62013CC0491

    Conclusões do advogado-geral Mengozzi apresentadas em 12 de Junho de 2014.
    Mohamed Ali Ben Alaya contra Bundesrepublik Deutschland.
    Pedido de decisão prejudicial: Verwaltungsgericht Berlin - Alemanha.
    Reenvio prejudicial - Espaço de liberdade, de segurança e de justiça - Diretiva 2004/114/CE - Artigos 6.º, 7.º e 12.º - Condições de admissão de nacionais de países terceiros para efeitos de estudos - Recusa de admissão de uma pessoa que cumpre as condições previstas na referida diretiva - Margem de apreciação das autoridades competentes.
    Processo C-491/13.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2014:1933

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

    PAOLO MENGOZZI

    apresentadas em 12 de junho de 2014 ( 1 )

    Processo C‑491/13

    Mohamed Ali Ben Alaya

    contra

    Bundesrepublik Deutschland

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Verwaltungsgericht Berlin (Alemanha)]

    «Espaço de liberdade, de segurança e de justiça — Diretiva 2004/114/CE — Condições de admissão de nacionais de países terceiros para efeitos de estudos — Recusa de admissão de uma pessoa que preenche as condições previstas pela Diretiva 2004/114/CE — Legislação de um Estado‑Membro que prevê uma margem de apreciação da Administração»

    1. 

    No âmbito da sua estratégia que visa promover, enquanto centro mundial de excelência para a investigação, o ensino e a formação profissional, a União Europeia dotou‑se de determinados instrumentos normativos que, ao mesmo tempo que se inserem no quadro da sua política de imigração, têm por objetivo favorecer a admissão e a mobilidade na União dos nacionais de países terceiros para efeitos de ensino e de investigação ( 2 ).

    2. 

    Esta estratégia enquadra‑se num contexto globalizado caracterizado atualmente por uma competição a nível mundial entre os países desenvolvidos para atrair os investigadores e os estudantes estrangeiros para os seus sistemas educativos ( 3 ). Com efeito, a capacidade de atrair este tipo de pessoas comporta alguns problemas de natureza política e económica. Por um lado, os investigadores e os estudantes constituem uma reserva de capital humano qualificado, ou potencialmente qualificado, considerado importante para o crescimento económico, o desenvolvimento e a inovação. Por outro lado, a atração de investigadores e estudantes estrangeiros — e o fluxo de conhecimento daí decorrente — pode contribuir substancialmente para o desenvolvimento dos sistemas educativos e de investigação, com impacto económico significativo ( 4 ).

    3. 

    Com a questão prejudicial que lhe é submetida pelo Verwaltungsgericht Berlin no presente processo, o Tribunal de Justiça é chamado a precisar o alcance de um dos instrumentos normativos de que a União se dotou para atingir estes objetivos, a saber, a Diretiva 2004/114/CE do Conselho, de 13 de dezembro de 2004, relativa às condições de admissão de nacionais de países terceiros para efeitos de estudos, de intercâmbio de estudantes, de formação não remunerada ou de voluntariado ( 5 ). Todavia, no presente processo, o Tribunal de Justiça deverá ponderar a prossecução dos objetivos legítimos acima referidos, com os riscos associados a uma utilização abusiva desse instrumento normativo para atingir objetivos que lhe são alheios.

    I – Quadro jurídico

    A – Direito da União

    4.

    Os considerandos 6, 8, 14, 15 e 17 da Diretiva 2004/114 enunciam:

    «(6)

    Um dos objetivos da [União] no domínio da educação consiste em promover a Europa no seu conjunto, enquanto centro mundial de excelência para o ensino e a formação profissional. Promover a mobilidade dos nacionais de países terceiros para a [União], para efeitos de estudos, constitui um elemento‑chave desta estratégia. A aproximação das legislações nacionais dos Estados‑Membros em matéria de condições de entrada e de residência é um dos seus elementos integrantes.

    […]

    (8)

    O termo admissão abrange a entrada e residência de nacionais de países terceiros para os efeitos enunciados na presente diretiva.

    […]

    (14)

    A admissão para os efeitos enunciados na presente diretiva pode ser recusada por motivos devidamente justificados. Em particular, poderá ser recusada se um Estado‑Membro considerar, com base numa avaliação dos factos, que o nacional de país terceiro em causa representa uma potencial ameaça para a ordem pública ou a segurança pública. O conceito de ordem pública pode abranger uma condenação por prática de crime grave. Neste contexto, cabe assinalar que os conceitos de ordem e segurança pública abrangem os casos em que o nacional de um país terceiro pertença ou tenha pertencido a uma associação que apoie o terrorismo, apoie ou tenha apoiado uma associação desse tipo, ou tenha ou tenha tido aspirações de caráter extremista.

    (15)

    Caso haja dúvidas a respeito dos fundamentos do pedido de admissão, os Estados‑Membros deverão poder exigir todas as provas necessárias à apreciação da sua coerência, em função concretamente dos estudos que o requerente se propõe efetuar, a fim de combater a utilização abusiva e indevida do procedimento estabelecido na presente diretiva.

    […]

    (17)

    Para autorizarem a primeira entrada no seu território, os Estados‑Membros deverão poder emitir em tempo útil uma autorização de residência ou, caso emitam autorizações de residência exclusivamente no seu território, um visto.

    […]»

    5.

    O artigo 1.o da Diretiva 2004/114, intitulado «Objeto», dispõe:

    «A presente diretiva tem por objeto definir:

    a)

    As condições de admissão de nacionais de países terceiros no território dos Estados‑Membros por um período superior a três meses, para efeitos de estudos, de intercâmbio de estudantes, de formação não remunerada ou de voluntariado;

    b)

    As regras respeitantes aos procedimentos de admissão de nacionais de países terceiros no território dos Estados‑Membros para os referidos efeitos.»

    6.

    O artigo 2.o, alíneas a), b) e g), da Diretiva 2004/114 contém, para efeitos desta diretiva, as seguintes definições:

    «a)

    ‘Nacional de um país terceiro’, a pessoa que não seja cidadão da União, na aceção do n.o 1 do artigo 17.o do Tratado;

    b)

    ‘Estudante do ensino superior’, o nacional de um país terceiro que tenha sido aceite por um estabelecimento de ensino superior e admitido no território de um Estado‑Membro para frequentar, a título de atividade principal, um programa de estudos a tempo inteiro conducente à obtenção de um título do ensino superior reconhecido pelo Estado‑Membro — nomeadamente, um diploma, um certificado ou um doutoramento — num estabelecimento de ensino superior, o que poderá abranger um curso de preparação para tais estudos nos termos da sua legislação nacional;

    […]

    g)

    ‘Autorização de residência’, qualquer autorização emitida pela autoridade de um Estado‑Membro que permita a um nacional de um país terceiro permanecer legalmente no seu território, em conformidade com o artigo 1.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento (CE) n.o 1030/2002 do Conselho [ ( 6 )].»

    7.

    O artigo 3.o da Diretiva 2004/114, intitulado «Âmbito de aplicação», prevê, no seu n.o 1, que esta é aplicável «aos nacionais de países terceiros que requeiram a admissão no território de um Estado‑Membro para efeitos de estudos. Os Estados‑Membros podem igualmente decidir aplicar a presente diretiva aos nacionais de países terceiros que requeiram a admissão para efeitos de intercâmbio de estudantes, de formação não remunerada ou de voluntariado.»

    8.

    O capítulo II da Diretiva 2004/114, intitulado «Condições de Admissão», inclui os artigos 5.° a 11.° Nos termos do artigo 5.o da Diretiva 2004/114, intitulado «Princípio», «[a] admissão dos nacionais de países terceiros ao abrigo da presente diretiva fica sujeita à verificação de provas documentais que demonstrem que essas pessoas preenchem as condições previstas no artigo 6.o e, consoante a categoria em causa, nos artigos 7.° a 11.°».

    9.

    O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2004/114, estabelece as condições gerais para a admissão e prevê o seguinte:

    «Os nacionais de países terceiros que requeiram a admissão para os efeitos previstos nos artigos 7.° a 11.° devem:

    a)

    apresentar um documento de viagem válido, nos termos da legislação nacional. Os Estados‑Membros podem exigir que o período de validade do documento de viagem cubra pelo menos a duração prevista da estadia;

    b)

    no caso de serem menores de idade nos termos da legislação nacional do Estado‑Membro de acolhimento, apresentar uma autorização parental para a estadia prevista;

    c)

    dispor de um seguro de doença para todos os riscos habitualmente cobertos em relação aos nacionais do Estado‑Membro em questão;

    d)

    não ser considerados uma ameaça para a ordem pública, a segurança pública ou a saúde pública;

    e)

    se o Estado‑Membro em causa o exigir, apresentar prova do pagamento da taxa fixada para o tratamento do pedido, nos termos do artigo 22.o da presente diretiva.»

    10.

    Os artigos 7.° a 11.° da Diretiva 2004/114 respeitam às condições específicas de admissão aplicáveis aos estudantes do ensino superior e secundário, aos estagiários não remunerados e aos voluntários. O artigo 7.o desta diretiva prevê as condições específicas aplicáveis aos estudantes do ensino superior. Este artigo dispõe no seu n.o 1:

    «Para além das condições gerais referidas no artigo 6.o, os nacionais de países terceiros que requeiram a admissão para efeitos de estudos deverão:

    a)

    ter sido aceites por um estabelecimento de ensino superior para efetuar um programa de estudos;

    b)

    fornecer a prova solicitada por um Estado‑Membro de que disporão durante a sua estadia de recursos suficientes para cobrir as suas despesas de subsistência, de estudos e de regresso. Os Estados‑Membros tornarão público o montante mínimo dos recursos mensais exigidos para efeitos da presente disposição, sem prejuízo do exame individual de cada caso;

    c)

    se o Estado‑Membro o exigir, apresentar provas de que possuem conhecimentos suficientes da língua do programa de estudos frequentado;

    d)

    se o Estado‑Membro o exigir, apresentar prova do pagamento das propinas exigidas pelo estabelecimento.»

    11.

    O capítulo III da Diretiva 2004/114, intitulado «Autorizações de Residência», contém disposições relativas à autorização de residência emitida para cada uma das categorias de pessoas abrangidas por esta diretiva. Nos termos do artigo 12.o da referida diretiva, intitulado «Autorização de residência emitida para estudantes do ensino superior»:

    «1.   Será emitida uma autorização de residência para o estudante do ensino superior por um período igual ou superior a um ano, renovável se o seu titular continuar a preencher as condições estabelecidas nos artigos 6.° e 7.° Se a duração do programa de estudos for inferior a um ano, a autorização de residência deverá cobrir o período de estudos.

    2.   Sem prejuízo do disposto no artigo 16.o, uma autorização de residência poderá não ser renovada ou ser retirada no caso de o seu titular:

    a)

    não respeitar os limites impostos ao acesso a atividades económicas, nos termos do artigo 17.o da presente diretiva;

    b)

    não progredir de forma aceitável nos seus estudos, em conformidade com a legislação ou com a prática administrativa nacional.»

    12.

    Nos termos do artigo 16.o da Diretiva 2004/114, intitulado «Retirada ou não renovação das autorizações de residência»:

    «1.   Os Estados‑Membros poderão retirar ou recusar renovar uma autorização de residência emitida com base na presente diretiva se tiver sido obtida por meios fraudulentos ou se o seu titular não preencher ou deixar de preencher as condições de entrada e de residência estipuladas no artigo 6.o, bem como, segundo a categoria por que seja abrangido, nos artigos 7.° a 11.°

    2.   Os Estados‑Membros poderão retirar ou recusar renovar autorizações de residência por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública.»

    B – Direito nacional

    13.

    O § 6 da Gesetz über den Aufenthalt, die Erwerbstätigkeit und die Integration von Ausländern im Bundesgebiet (Lei relativa à permanência, ao trabalho e à integração dos estrangeiros no território federal, a seguir «AufenthG») ( 7 ), intitulado «Visto», prevê no seu n.o 3:

    «Para efeitos de permanência de longa duração, é necessário um visto para o território federal (visto nacional), que deve ser obtido antes da entrada no território. Este visto é concedido em conformidade com as prescrições em vigor em matéria de autorização de residência, cartão azul europeu, autorização de estabelecimento e autorização de residência permanente — UE. […]»

    14.

    O § 16.°, n.o 1, da AufenthG, intitulado «Estudos, cursos de línguas, escolaridade», dispõe:

    «Pode ser concedido a um estrangeiro um visto para estudar num estabelecimento de ensino superior estatal ou reconhecido pelo Estado ou num organismo de formação comparável. A finalidade da residência para prosseguir estudos inclui os cursos de línguas preparatórios dos estudos, bem como a frequência de uma escola preparatória de estudos universitários para estudantes estrangeiros (medidas preparatórias de estudos universitários). A autorização de residência para prosseguir estudos só pode ser concedida se o nacional estrangeiro tiver sido admitido pelo estabelecimento de ensino; é suficiente uma admissão condicional. Não é exigida prova de conhecimento da língua em que a formação é ministrada, se os conhecimentos linguísticos já tiverem sido tomados em consideração para a decisão de admissão ou se estiver prevista a sua aquisição no âmbito das medidas preparatórias dos estudos. Na primeira atribuição e por ocasião da renovação, a validade da autorização de residência para prosseguir estudos é de, pelo menos, um ano e não deve exceder dois anos para os estudos e as medidas preparatórias dos estudos; pode ser prorrogada, se o objetivo da formação prosseguida ainda não tiver sido alcançado e ainda puder sê‑lo num lapso de tempo adequado.»

    II – Elementos de facto, tramitação do processo principal e questão prejudicial

    15.

    M. Ben Alaya é um cidadão tunisino, nascido em 1989 na Alemanha, onde residem os seus pais. Em 1995, deixou a Alemanha para ir viver para a Tunísia, onde prosseguiu os seus estudos até obter, em 2010, o diploma de fim de estudos do ensino secundário.

    16.

    Após a conclusão do ensino secundário, M. Ben Alaya inscreveu‑se na Universidade de Tunes para estudar informática. Paralelamente, encetou diligências para iniciar estudos na Alemanha. Assim, foi por várias vezes admitido a estudar na Technische Universität Dortmund, na área de «matemáticas».

    17.

    M. Ben Alaya apresentou, junto das autoridades alemãs competentes, vários pedidos de concessão de um visto de estudante. Todavia, os seus pedidos foram sempre indeferidos. A última decisão de recusa de visto foi adotada, em 22 de julho de 2011, pela Embaixada da República da Alemanha em Tunes, e confirmada em 23 de setembro de 2011. Nessa decisão, as autoridades alemãs recusaram a concessão do visto com fundamento, no essencial, nas dúvidas quanto à motivação de M. Ben Alaya para prosseguir os seus estudos na Alemanha. Salientaram, em especial, que, nas matérias importantes para os estudos que pretendia prosseguir, M. Ben Alaya só tinha obtido notas insuficientes. Atendendo a esse facto, as referidas autoridades expressaram dúvidas quanto à capacidade de M. Ben Alaya para iniciar estudos numa língua que lhe é estranha ou para aprender alemão a tempo de iniciar os estudos. Consideraram também que não era possível detetar nele uma vontade séria de enfrentar as dificuldades relacionadas com os estudos superiores no estrangeiro, e que era difícil perceber em que medida estudos superiores na Alemanha lhe permitiram realizar a sua ambição de trabalhar como professor de matemática na Tunísia.

    18.

    M. Ben Alaya, que contesta a apresentação do seu rendimento escolar feita pelas autoridades consulares alemãs, interpôs recurso de anulação no Verwaltungsgericht Berlin, o órgão jurisdicional de reenvio, contra estas últimas decisões de indeferimento.

    19.

    O referido órgão jurisdicional observa que, para ser admitido no território alemão para efeitos de estudos, M. Ben Alaya precisa de um visto nacional, cujas condições de atribuição são reguladas pelo § 16.°, n.o 1, da AufenthG. Todavia, segundo a interpretação dos órgãos jurisdicionais alemães, de acordo com a letra desta disposição, a Administração dispõe de um poder discricionário a este respeito, na medida em que tem a possibilidade, mas não a obrigação, de conceder um visto para prosseguir estudos nas condições indicadas no referido artigo.

    20.

    O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a compatibilidade desta interpretação com a Diretiva 2004/114. Interroga‑se, em especial, sobre a questão de saber se, na hipótese de estarem preenchidas as condições de admissão enunciadas nos artigos 6.° e 7.° da Diretiva 2004/114/CE, como no caso de M. Ben Alaya, esta diretiva confere o direito à concessão do visto de estudante, por força do seu artigo 12.o, sem que a Administração nacional disponha de poder de apreciação.

    21.

    Nestas condições, o Verwaltungsgericht Berlin decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «A Diretiva [2004/114] confere um direito[, decorrente de uma competência associada, à] concessão de um visto para efeitos de estudos e à subsequente autorização de residência, nos termos do artigo 12.o [da Diretiva 2004/114], quando estiverem preenchidas as ‘condições de admissão’, isto é, as condições previstas nos artigos 6.° e 7.°, e não existir qualquer motivo para recusar a admissão, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, alínea d), da [Diretiva 2004/114]?»

    III – Tramitação processual no Tribunal de Justiça

    22.

    A decisão de reenvio deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça, em 13 de setembro de 2013. Os Governos alemão, belga, estónio, grego, polaco e do Reino Unido, assim como a Comissão Europeia, apresentaram observações escritas.

    IV – Análise jurídica

    23.

    Com a sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se as autoridades competentes de um Estado‑Membro podem recusar a concessão de um visto para efeitos de estudos a um nacional de um país terceiro e, em conformidade com o artigo 12.o da Diretiva 2004/114, a correspondente autorização de residência, quando este preencha as condições de admissão, constantes dos artigos 6.° e 7.° da mesma diretiva, e não exista motivo para recusar a admissão, nos termos do artigo 6.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2004/114. O órgão jurisdicional de reenvio procura também saber se as referidas autoridades nacionais beneficiam de uma certa margem de apreciação aquando do exame do pedido de admissão.

    24.

    Resulta da decisão de reenvio que o órgão jurisdicional nacional pende a favor de uma interpretação da Diretiva 2004/114 no sentido de reconhecer um direito de admissão a um nacional de um país terceiro quando este preencha as condições de admissão nela previstas, sem que as autoridades dos Estados‑Membros possam exercer um poder discricionário a respeito dessa decisão. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, militam a favor desta interpretação a letra de algumas disposições da Diretiva 2004/114, os objetivos por ela prosseguidos, bem como a circunstância de que a referida diretiva tinha dado origem a uma harmonização parcial do sistema de admissão dos nacionais de países terceiros para efeitos de estudos.

    25.

    Os intervenientes no Tribunal de Justiça têm posições partilhadas. Com efeito, enquanto a Comissão adere, no essencial, à posição defendida pelo órgão jurisdicional de reenvio, todos os Governos que apresentaram observações escritas no Tribunal de Justiça sustentam, em contrapartida, que as autoridades dos Estados‑Membros devem dispor de uma ampla margem de apreciação para decidir sobre a admissão dos nacionais de países terceiros para efeitos de estudos.

    26.

    No presente processo, o Tribunal de Justiça é, portanto, confrontado com uma questão de interpretação da Diretiva 2004/114 que o deve levar a determinar se esta diretiva previu uma lista exaustiva de critérios de admissão dos nacionais de países terceiros para efeitos de estudos na União ou se se limitou a estabelecer condições mínimas, de forma que os Estados‑Membros podem acrescentar unilateralmente critérios de admissão para efeitos de estudos além dos previstos na Diretiva 2004/114. A questão prejudicial levanta também o problema do grau de poder discricionário eventualmente concedido às autoridades dos Estados‑Membros na sua análise para decidir sobre a admissão dos nacionais de países terceiros para efeitos de estudos.

    27.

    A fim de responder às questões suscitadas pelo pedido de decisão prejudicial apresentado pelo órgão jurisdicional de reenvio, considero necessário proceder a uma análise global da Diretiva 2004/114, que comporta tanto uma análise literal do texto das suas disposições pertinentes, como uma análise sistémica, contextual e teleológica.

    A – Análise literal

    28.

    O juiz de reenvio considera que a interpretação seguida por alguns órgãos jurisdicionais alemães e defendida pelos Estados‑Membros intervenientes no Tribunal de Justiça, segundo a qual a Diretiva 2004/114 só uniformiza as condições mínimas que devem ser preenchidas por um nacional de um país terceiro para ser admitido a prosseguir estudos num Estado‑Membro, não tem suficientemente em conta a letra de certas disposições da referida diretiva. O órgão jurisdicional de reenvio refere especificamente os artigos 5.° e 12.° da Diretiva 2004/114.

    29.

    A título preliminar, é possível salientar que, como observa a Comissão, o texto do artigo 1.o da Diretiva 2004/114, sem ser decisivo, tende a apoiar a tese defendida pelo órgão jurisdicional de reenvio. Com efeito, nos termos desta disposição, a referida diretiva tem por objeto definir as condições de admissão de nacionais de países terceiros no território dos Estados‑Membros para efeitos, designadamente, de estudos ( 8 ). Ora, de um ponto de vista literal, partilho da opinião da Comissão, segundo a qual uma formulação deste tipo pode militar a favor da tese de que a Diretiva 2004/114 determina a totalidade das condições de admissão dos estudantes do ensino superior e não apenas algumas condições, entre outras que possam ser acrescentadas livremente pelos Estados‑Membros. Todavia, não nos podemos contentar sem lugar a dúvidas com esta constatação.

    30.

    O primeiro artigo da Diretiva 2004/114 que o órgão jurisdicional de reenvio refere é o artigo 5.o, intitulado «Princípio», que constitui o primeiro artigo do capítulo II da Diretiva 2004/114 relativo às condições de admissão para efeitos desta. Da formulação deste artigo o referido órgão jurisdicional infere que a admissão para efeitos de estudos não é uma simples possibilidade, mas um direito de um nacional de um país terceiro que preencha as condições previstas nos artigos 6.° e 7.° da Diretiva 2004/114.

    31.

    Todavia, embora o texto da versão alemã desta disposição possa ser invocado em apoio da tese do juiz de reenvio, a formulação desta mesma disposição nas outras versões linguísticas deixa, na minha opinião, espaço à ambiguidade ( 9 ). Com efeito, no meu entender, a única certeza que se pode deduzir da análise literal da disposição em causa é que o respeito das condições previstas nos artigos 6.° e 7.° da Diretiva 2004/114 é obrigatório e necessário para efeitos da admissão de um nacional de um país terceiro na qualidade de estudante. Todavia, a formulação desta disposição não permite tomar definitivamente posição sobre a questão de saber se essas exigências constituem condições mínimas, a que se podem acrescer outras, ou se são as únicas condições que devem ser preenchidas pelo nacional de um país terceiro que peça a admissão para efeitos de estudos.

    32.

    Em seguida, o órgão jurisdicional de reenvio refere‑se ao artigo 12.o da Diretiva 2004/114. Resulta desta disposição que é [ndt: na versão portuguesa desta disposição, o tempo verbal utilizado é o futuro («será»)] emitida uma autorização de residência para o estudante do ensino superior que preencha as condições estabelecidas nos artigos 6.° e 7.°, por um período mínimo de um ano. Ora, como salienta a Comissão, a utilização do tempo [futuro] do verbo «ser» milita a favor de uma interpretação desta disposição, nos termos da qual, quando as referidas condições estejam preenchidas, a autorização de residência deve ser emitida. Por conseguinte, a formulação deste artigo parece corroborar a tese de que a Diretiva 2004/114 determina a totalidade das condições de admissão para efeitos de estudos. Com efeito, se o legislador da União tivesse querido deixar uma margem de discricionariedade para a emissão desta autorização, teria utilizado, como faz, aliás, o legislador alemão, a locução «pode ser» emitida.

    33.

    Todavia, esta disposição não é, ela também, desprovida de ambiguidade. Com efeito, como alega o Governo alemão a mesma pode ser igualmente interpretada no sentido de que se limita a regular a duração da emissão de uma eventual autorização de residência, sem tratar a questão da oportunidade da referida emissão. Além disso, nos termos da segunda parte da primeira frase da mesma disposição, a autorização de residência é renovável se o seu titular continuar a preencher as condições estabelecidas nos artigos 6.° e 7.° A utilização do termo «renovável» pode subentender que a autorização de residência é suscetível de ser renovada se essas condições continuarem a ser respeitadas, o que pode significar que, mesmo nesse caso, a renovação não é automática, podendo não ocorrer mesmo que as referidas condições estejam preenchidas.

    34.

    A este respeito, importa referir também o argumento do Governo belga de que o artigo 12.o da Diretiva 2004/114 também não é aplicável a um nacional de um país terceiro que tenha pedido uma autorização de residência para efeitos de estudos e cujo pedido ainda esteja pendente, porquanto não pode ser qualificado de «estudante» na aceção da definição contida no artigo 2.o, alínea b), da Diretiva 2004/114 ( 10 ). Por conseguinte, segundo esse Governo, se se admitir que esta disposição prevê uma obrigação a cargo dos Estados‑Membros, a referida obrigação consiste unicamente na emissão de uma autorização de residência para os nacionais de países terceiros que já tenham sido admitidos para efeitos de estudos.

    35.

    Em conclusão, considero que o teor das disposições da Diretiva 2004/114 se caracteriza por uma certa ambiguidade que tem como consequência o facto de que a sua análise literal não fornece elementos que permitam determinar definitivamente, se a referida diretiva se limita a estabelecer as condições mínimas que um nacional de um país terceiro deve preencher para ser admitido a prosseguir estudos na União ou se as condições que prevê são exaustivas. Por conseguinte, para responder à questão prejudicial submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio, importa proceder a uma análise sistémica, contextual e teleológica da referida diretiva.

    B – Análise sistémica e contextual

    36.

    A Diretiva 2004/114 foi o terceiro instrumento legislativo adotado pela União no domínio da migração legal, após o Tratado de Amsterdão e das conclusões do Conselho Europeu de Tampere ( 11 ). Embora tenha sido adotada com base no artigo 63.o, primeiro parágrafo, ponto 3, alínea a), e ponto 4, CE, esta diretiva inscreve‑se, todavia, no âmbito da missão confiada à União pelo artigo 79.o TFUE de desenvolver uma política comum de imigração destinada a assegurar uma gestão eficaz dos fluxos migratórios, um tratamento equitativo dos nacionais de países terceiros que residam legalmente nos Estados‑Membros, bem como a prevenção da imigração ilegal.

    37.

    Nos termos do seu artigo 21.o, a Diretiva 2004/114 foi objeto de uma avaliação efetuada pela Comissão no que respeita à sua aplicação ( 12 ). Esta avaliação revelou vários pontos fracos que levaram a Comissão a interrogar‑se sobre se os nacionais de países terceiros beneficiavam de um tratamento equitativo no âmbito deste instrumento normativo ( 13 ). Na sequência da constatação destes pontos fracos, a Diretiva 2004/114 é atualmente objeto de um projeto de reformulação destinado a esclarecer e alargar o seu alcance ( 14 ).

    38.

    Por conseguinte, é neste contexto que se deve analisar a economia da Diretiva 2004/114.

    39.

    A este respeito, importa antes de mais salientar que resulta do artigo 3.o da Diretiva 2004/114 que este instrumento normativo prevê disposições imperativas para os Estados‑Membros exclusivamente no que respeita aos estudantes do ensino superior, deixando aos Estados‑Membros a faculdade de aplicar as disposições da referida diretiva às outras categorias de pessoas por ela abrangidas ( 15 ). Ora, como observa o juiz de reenvio, esta distinção entre as disposições para os estudantes do ensino superior, que são imperativas para os Estados‑Membros, e as disposições para as outras categorias, cuja transposição é deixada ao poder discricionário destes, constitui um indício da procura de um certo nível de harmonização vinculativa no que respeita ao sistema de admissão dos estudantes do ensino superior, o que é coerente com o objetivo da Diretiva 2004/114 de favorecer a sua admissão ( 16 ).

    40.

    Em seguida, o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2004/114 prevê a possibilidade de os Estados‑Membros adotarem ou manterem disposições mais favoráveis para as pessoas a quem a referida diretiva se aplica e, portanto, certamente aos estudantes do ensino superior. Ora, no meu entender, esta disposição não é compatível com a possibilidade de os Estados‑Membros dificultarem as condições de admissão para essas categorias de pessoas. Dito de outra forma, é possível considerar que, embora nos termos da Diretiva 2004/114 os Estados‑Membros mantenham a liberdade de prever disposições mais favoráveis para as categorias referidas, a contrario, não é concebível que possam prever disposições menos favoráveis, designadamente no que respeita à admissão, acrescentando condições que não estão previstas na Diretiva 2004/114. As disposições dos artigos 3.° e 4.° desta diretiva são, aliás, indicativas de um «favor» para a categoria dos estudantes do ensino superior, que encontra confirmação na análise teleológica da diretiva ( 17 ).

    41.

    No que respeita especificamente ao sistema de admissão instituído pela Diretiva 2004/114, importa referir que esta prevê uma disposição de princípio, a saber, o artigo 5.o acima referido, seguidamente, no artigo 6.o, condições gerais aplicáveis a todas as categorias abrangidas por esta diretiva e, por último, nos artigos 7.° a 11.°, uma série de condições específicas para cada uma dessa categorias. Todavia, contrariamente a outros instrumentos normativos em matéria de imigração ( 18 ), a referida diretiva 2004/114 não contém um artigo que fixe uma lista dos motivos de recusa, pelos quais um pedido de entrada e de residência no território de um Estado‑Membro para os efeitos por ela previstos ( 19 ).

    42.

    Ora, será que esta omissão deve ser interpretada como indicativa da vontade de conceder às autoridades dos Estados‑Membros uma autorização para recusarem, com base num poder discricionário incondicional, a admissão para efeitos de estudos de um nacional de um país terceiro que tenha apresentado o pedido, mesmo quando esse nacional preenche todas as condições previstas na Diretiva 2004/114?

    43.

    Não estou convencido disso.

    44.

    A este respeito, resulta dos trabalhos preparatórios da Diretiva 2004/114 que a preocupação principal que, à data da apresentação do projeto de diretiva, se entendia poder contrabalançar a vontade expressa de favorecer, através da adoção desta diretiva, a entrada de nacionais de países terceiros para efeitos de estudos, era preservar a ordem pública e a segurança pública ( 20 ). Esta preocupação, a que acresce a preservação da saúde pública, foi «codificada» na previsão, entre as condições gerais de admissão, da condição de admissão (negativa) enunciada no artigo 6.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2004/114. Esta preocupação é também referida no considerando 14 da mesma diretiva, que especifica determinados casos em que um nacional de um país terceiro constitui uma ameaça para a ordem pública ou a segurança pública.

    45.

    A esta preocupação juntou‑se, no quadro do processo legislativo ( 21 ), a vontade expressa de evitar que o procedimento estabelecido na Diretiva 204/114 pudesse ser utilizado abusiva ou indevidamente. Esta preocupação adicional, que está claramente relacionada com o objetivo de impedir o desvio dos instrumentos normativos no domínio da migração regular para efeitos de imigração irregular, não encontrou todavia consagração na redação dos artigos da Diretiva 2004/114. Em contrapartida, foi expressa no considerando 15 desta diretiva, nos termos do qual, em caso de dúvida a respeito dos fundamentos do pedido de admissão apresentado, os Estados‑Membros podem exigir «todas as provas necessárias à apreciação da sua coerência, em função concretamente dos estudos que o requerente se propõe efetuar, a fim de combater a utilização abusiva e indevida do procedimento estabelecido na [referida] diretiva».

    46.

    Na minha opinião, é nesta dupla perspetiva que se deve entender o primeiro período do considerando 14 da Diretiva 2005/114, segundo o qual a admissão para os efeitos enunciados nesta diretiva «pode ser recusada por motivos devidamente justificados». Esta frase, que visa colmatar, por qualquer forma, a falta de indicações precisas no enunciado dos artigos da diretiva quanto à possibilidade de recusar a admissão deve, parece‑me, ser entendida por referência aos dois tipos de preocupação indicados a seguir no mesmo considerando 14 e no considerando 15. Com efeito, estes dois tipos preocupação, por um lado, a codificada no artigo 6.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2004/114 e, por outro, a relacionada com o risco de utilização abusiva do procedimento previsto na própria diretiva para aceder ao território da União com outros fins que não estudar, foram considerados suficientemente sérios para contrabalançar o objetivo da Diretiva 2004/114 de favorecer a admissão de nacionais de países terceiros com a finalidade de estudar, devido aos efeitos benéficos daí decorrentes para a União no seu todo.

    47.

    A este respeito, importa ainda salientar que resulta do projeto de diretiva da Comissão que o facto de a autorização de residência emitida para efeitos de estudos poder ter uma validade de um ano e poder ser retirada ou não ser renovada, nos casos previstos no artigo 16.o da Diretiva 2004/114, foi considerado uma garantia do exercício de um controlo rigoroso a posteriori pelas autoridades dos Estados‑Membros ( 22 ).

    48.

    Resulta das considerações que precedem que, no meu entender, as autoridades dos Estados‑Membros podem legitimamente recusar a admissão de um nacional de um país terceiro, quer quando as condições previstas na diretiva para a admissão de estudantes não estejam preenchidas, quer quando resulte da análise do dossiê que existem elementos precisos e concretos dos quais resulta uma utilização abusiva ou indevida do procedimento estabelecido da Diretiva 2004/114. Em contrapartida, não podem legitimamente recusar a admissão por outras razões.

    49.

    A este propósito, no que respeita, em primeiro lugar, à análise das condições previstas na Diretiva 2004/114 para a admissão de estudantes do ensino superior, considero que os Estados‑Membros devem dispor, quando do exame dos pedidos de admissão, de uma margem de apreciação na sua avaliação. Todavia, esta margem de apreciação refere‑se às condições previstas nos artigos 6.° e 7.° da referida diretiva e à avaliação dos factos pertinentes, a fim de determinar se estão satisfeitas as condições enunciadas nos referidos artigos da diretiva para efeitos da admissão dos nacionais de países terceiros na qualidade de estudantes ( 23 ). Esta margem de apreciação não é, porém, tão ampla que permita acrescentar condições de admissão que não estão previstas na Diretiva 2004/114.

    50.

    Em segundo lugar, no que respeita à eventual utilização abusiva ou indevida do procedimento estabelecido na Diretiva 2004/114, importa recordar que, de qualquer maneira, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a aplicação das regras de direito da União não pode ser de tal forma alargada que dê cobertura a práticas abusivas, e que a prova de uma tal prática abusiva requer, por um lado, um conjunto de circunstâncias objetivas das quais resulte que, apesar do respeito formal dos requisitos previstos na legislação da União, o objetivo prosseguido por essa legislação não foi alcançado e, por outro, um elemento subjetivo que consiste na vontade de obter uma vantagem resultante da regulamentação da União, criando artificialmente os requisitos exigidos para a sua obtenção ( 24 ).

    51.

    A exigência de efetuar uma análise destinada a verificar uma eventual utilização abusiva ou indevida do procedimento previsto na Diretiva 2004/114 exclui um automatismo da admissão — a qual abrange a entrada e a residência de nacionais de países terceiros para os efeitos enunciados na referida diretiva ( 25 ) — mesmo no caso de as condições de admissão nela previstas estarem todas preenchidas, o que responde às preocupações expressas pelos Estados‑Membros nas suas observações apresentadas no Tribunal de Justiça. Todavia, esta análise deve ter lugar no contexto de princípios claros e não pode deixar espaço para a arbitrariedade.

    52.

    No que se refere, em especial, à avaliação do rendimento escolar que, segundo o que resulta da decisão de reenvio, foi o elemento decisivo que justificou o indeferimento do pedido do recorrente no processo principal, embora possa constituir um elemento, entre outros, suscetível de ser tido em consideração para apreciar a coerência do pedido de admissão, não pode, no meu entender, constituir, por si só, um motivo de recusa de admissão.

    53.

    Com efeito, importa recordar, por um lado, que, nos termos do artigo 7.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2004/114, a primeira condição específica de admissão aplicável aos estudantes do ensino superior é o facto de ter sido aceite por um estabelecimento de ensino superior para aí efetuar um programa de estudos. Ora, mesmo que os Estados‑Membros mantenham uma margem de apreciação tanto na determinação do conceito de «estabelecimento», conforme resulta da definição contida no artigo 2.o, alínea e), da Diretiva 2004/114, como na determinação das condições de admissão nesse estabelecimento, cabe, todavia, normalmente aos estabelecimentos de ensino superior, e não ao pessoal diplomático, avaliar a capacidade de um futuro estudante para concluir os seus estudos, o que não impede, de forma alguma, os Estados‑Membros de introduzirem na sua regulamentação nacional regras que obriguem esses estabelecimentos a condicionar a admissão dos nacionais de países terceiros ao exame e à demonstração de exigências de natureza educativa de determinado nível ( 26 ).

    54.

    Por outro lado, o artigo 12.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2004/114 prevê expressamente a possibilidade de não renovar, ou mesmo de retirar, a autorização de residência, se o titular não progredir de forma aceitável nos seus estudos. Esta previsão permite sancionar a posteriori eventuais utilizações abusivas do procedimento previsto na diretiva, no caso de, na realidade, a pessoa admitida ter querido ser admitida no território da União por outros motivos que não prosseguir estudos.

    C – Análise teleológica

    55.

    Na minha opinião, a interpretação proposta da Diretiva 2004/114 é confirmada pela análise teleológica deste instrumento normativo.

    56.

    A este respeito, o Tribunal de Justiça já teve ocasião de salientar que, como resulta, aliás, do considerando 6 da Diretiva 2004/114, na base da adoção desta diretiva está a vontade de favorecer a mobilidade dos estudantes nacionais de países terceiros com destino à União para efeitos de estudos, no âmbito de uma estratégia destinada a promover a Europa no seu conjunto, enquanto centro mundial de excelência para o ensino e a formação profissional ( 27 ), o que, por outro lado, tem também uma dimensão externa, na medida em que contribui para a difusão dos valores dos Direitos do Homem, da Democracia e do Estado de Direito a que a União está vinculada ( 28 ).

    57.

    Com efeito, a Diretiva 2004/114 foi concebida de forma a que a aproximação das legislações nacionais dos Estados‑Membros, que regulam as condições de entrada e de residência de nacionais de países terceiros para efeitos de estudos, contribua para a realização destes objetivos favorecendo a sua admissão ( 29 ).

    58.

    Ora, uma interpretação da Diretiva 2004/114 que permita às autoridades dos Estados‑Membros recusar, com base num poder discricionário incondicional, a admissão para efeitos de estudos a um nacional de um país terceiro, mesmo quando preenche todas as condições previstas na própria diretiva, que faz esse pedido sem uma utilização abusiva do procedimento nela previsto, anularia o efeito útil da referida diretiva e constituiria um entrave à prossecução dos seus objetivos específicos.

    V – Conclusão

    59.

    Tendo em conta as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à questão colocada pelo Verwaltungsgericht Berlin nos seguintes termos:

    «Os artigos 6.°, 7.° e 12.° da Diretiva 2004/114/CE do Conselho, de 13 de dezembro de 2004, relativa às condições de admissão de nacionais de países terceiros para efeitos de estudos, de intercâmbio de estudantes, de formação não remunerada ou de voluntariado, devem ser interpretados no sentido de que as autoridades competentes de um Estado‑Membro só podem recusar a admissão para efeitos de estudos de um nacional de um país terceiro, no termo do exame do correspondente pedido apresentado por essa pessoa, no caso de o referido nacional não preencher as condições previstas nesta diretiva ou se existirem elementos precisos e concretos dos quais resulte uma utilização abusiva ou indevida do procedimento estabelecido na mesma diretiva.»


    ( 1 ) Língua original: francês.

    ( 2 ) V., nomeadamente, Diretiva 2005/71/CE do Conselho, de 12 de outubro de 2005, relativa a um procedimento específico de admissão de nacionais de países terceiros para efeitos de investigação científica (JO L 289, p. 15). Com objetivos semelhantes, a União adotou a Diretiva 2009/50/CE, de 25 de maio de 2009, relativa às condições de entrada e de residência de nacionais de países terceiros para efeitos de emprego altamente qualificado (JO L 155, p. 17).

    ( 3 ) V., a este respeito, Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho — Quarto Relatório Anual sobre a Imigração e o Asilo (2012), COM(2013) 422 final, em especial, capítulo III.2.

    ( 4 ) Assim, por exemplo, considerou‑se que o valor dos rendimentos associados à exportação de ensino superior (Education export), em 2011, apenas no Reino Unido foi de cerca de 17,5 mil milhões de libras (v. relatório do Governo do Reino Unido (Department for Business, Innovation and Skills), de julho de 2013, intitulado «International Education: Global Growth and Prosperity», https://www.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/229844/bis‑13‑1081‑international‑education‑global‑growth‑and‑prosperity.pdf.

    ( 5 ) JO L 375, p. 12.

    ( 6 ) Regulamento (CE) n.o 1030/2002 do Conselho, de 13 de junho de 2002, que estabelece um modelo uniforme de título de residência para os nacionais de países terceiros (JO L 157, p. 1).

    ( 7 ) Na sua versão de 25 de fevereiro de 2008 (BGBl. I, p. 162), alterada em último lugar pelo § 2.°, ponto 59, da Lei de 7 de agosto de 2013 (BGBl. I, p. 3154).

    ( 8 ) V., também, considerando 24 da Diretiva 2004/114.

    ( 9 ) Com efeito, a interpretação literal do artigo 5.o da Diretiva 2004/114 em causa pelo juiz de reenvio parte da constatação de que esta — na versão alemã — utiliza o tempo presente, na forma passiva, do verbo admitir («Ein Drittstaatsangehöriger wird […] zugelassen», a saber, literalmente, «o nacional do país terceiro é […] admitido»). O juiz de reenvio observa que, pelo facto de o legislador da União não ter utilizado a locução «pode ser admitido», esta disposição não deixa margem de apreciação no que respeita à admissão. Todavia, a versão alemã tem uma formulação ligeiramente diferente das outras versões linguísticas, como as versões francesa, inglesa, italiana e espanhola. Contrariamente a estas, a versão alemã não faz referência ao conceito de «sujeição» da admissão à verificação das condições previstas nos artigos 6.° e 7.° da diretiva. Além disso, todas estas outras versões linguísticas utilizam o substantivo «admissão» e não o verbo «admitir» no tempo presente. Por conseguinte, na minha opinião, trata‑se de nuances de tradução da disposição que podem levar a interpretações diferentes.

    ( 10 ) Com efeito, o conceito de «estudante», conforme resulta da referida definição, pressupõe que o Estado‑Membro em causa já tenha autorizado o nacional do país terceiro a entrar e a permanecer no seu território, e que, portanto, já tenha decidido sobre o seu pedido de residência para efeitos de estudos. Ora, segundo o Governo belga, na medida em que o artigo 12.o da Diretiva 2004/114 visa expressamente os «estudantes», não é aplicável na falta de uma decisão prévia de admissão, e a autorização de residência mencionada no artigo 12.o da Diretiva 2004/114 refere‑se à autorização de residência que materializa a decisão que aprova a residência, e não a essa decisão propriamente dita.

    ( 11 ) Já tinham sido adotadas duas diretivas neste domínio, a saber, a Diretiva 2003/86/CE do Conselho, de 22 de setembro de 2003, relativa ao direito ao reagrupamento familiar (JO L 251, p. 12), e a Diretiva 2003/109/CE do Conselho, de 25 de novembro de 2003, relativa ao estatuto dos nacionais de países terceiros residentes de longa duração (JO L 16, p. 44).

    ( 12 ) V. Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre a aplicação Diretiva 2004/114/CE, de 28 de setembro de 2011, COM(2011) 587 final.

    ( 13 ) V. p. 2 da proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa às condições de entrada e de residência de nacionais de países terceiros para efeitos de investigação, de estudos, de intercâmbio de estudantes, de formação remunerada e não remunerada, de voluntariado e de colocação «au pair» (Reformulação), apresentada pela Comissão em 25 de março de 2013, COM(2013) 151 final. Esta proposta, que está atualmente em discussão no Conselho, visa também substituir a Diretiva 2005/71, referida na nota 2.

    ( 14 ) V. proposta de diretiva referida na nota anterior.

    ( 15 ) A proposta de diretiva referida na nota 13 já não contém essa diferença no âmbito de aplicação da Diretiva 2004/114. Com efeito, o artigo 2.o dessa proposta torna imperativas as disposições facultativas da Diretiva 2004/114 relativas aos estudantes do ensino secundário, aos estagiários e aos voluntários e alarga o âmbito de aplicação geral da referida diretiva para abranger os estagiários remunerados e as pessoas colocadas au pair.

    ( 16 ) V. considerando 6 da Diretiva 2004/114 e n.os 56 e 57, infra.

    ( 17 ) V. n.os 55 e segs., infra.

    ( 18 ) Como, nomeadamente, o Regulamento (CE) n.o 810/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que estabelece o Código Comunitário de Vistos («Código de Vistos»), JO L 243, p. 1), o qual foi objeto do processo que deu lugar ao acórdão Koushkaki (C‑84/12, EU:C:2013:862), cujo artigo 32.o enumera os motivos de recusa de um pedido de visto uniforme. A Diretiva 2009/50 prevê também, no seu artigo 8.o, uma lista dos motivos de recusa.

    ( 19 ) Tal disposição está todavia prevista na proposta de diretiva referida na nota 13 (v. artigo 18.o dessa proposta).

    ( 20 ) V., ponto 1.5 da proposta de diretiva do Conselho relativa às condições de entrada e de residência de nacionais de países terceiros para efeitos de estudos, de formação profissional ou de voluntariado, apresentada pela Comissão em 7 de outubro de 2002 [COM(2002) 548 final].

    ( 21 ) Com efeito, a proposta de diretiva da Comissão, mencionada na nota anterior, não fazia inicialmente nenhuma referência ao conceito de utilização indevida ou abusiva do procedimento.

    ( 22 ) V., a este respeito, último período do ponto 1.5 da proposta de diretiva apresentada pela Comissão em 2002 e referida na nota 20.

    ( 23 ) V., por analogia, acórdão Koushkaki (EU:C:2013:862, n.o 60).

    ( 24 ) V. acórdão O. e B. (C‑456/12, EU:C:2014:135, n.o 58 e jurisprudência referida), e minhas conclusões no processo Fonnship e Svenska Transportarbetareförbundet (C‑83/13, EU:C:2014:201, n.o 81).

    ( 25 ) V. considerando 8 da Diretiva 2004/114.

    ( 26 ) Existe uma legislação deste tipo nos Países‑Baixos, que estabelece que os estabelecimentos que queiram inscrever nacionais de países terceiros devem subscrever um código de conduta (Gedragscode Internationale Student in het Hoger Onderwijs) que prevê, designadamente, a obrigação de os mesmos determinarem antecipadamente as exigências educativas que constituem as condições de admissão no estabelecimento e verificarem, antes da admissão, se os futuros estudantes do ensino superior satisfazem essas condições (v. artigo 4.o do código na sua versão de 1 de março de 2013). O facto de o estabelecimento assinar o código de conduta é explicitamente considerado pelo Governo uma condição para a emissão da autorização de residência para efeitos de estudos (considerando 8 do código).

    ( 27 ) Acórdão Sommer (C‑15/11, EU:C:2012:371, n.o 39). A este propósito, v. também ponto 1.2, 1.3 e 1.5 da proposta de diretiva apresentada pela Comissão em 2002, e referida na nota 20.

    ( 28 ) V., ponto 1.3 da proposta de diretiva apresentada pela Comissão em 2002, e referida na nota 20.

    ( 29 ) Ibidem.

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