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Document 62013CC0346

Conclusões do advogado-geral N. Wahl apresentadas em 8 de julho de 2015.
Ville de Mons contra Base Company SA.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela cour d'appel de Mons.
Reenvio prejudicial — Redes e serviços de comunicações eletrónicas — Diretiva 2002/20/CE — Artigo 13.° — Taxa aplicável aos direitos de instalação de recursos — Âmbito de aplicação — Regulamentação municipal que sujeita ao pagamento de um imposto os proprietários de pilares e de postes de difusão para a telefonia móvel.
Processo C-346/13.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2015:446

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

NILS WAHL

apresentadas em 8 de julho de 2015 ( 1 )

Processo C‑346/13

Ville de Mons

contra

Base Company SA, anteriormente KPN Group Belgium SA

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour d’appel de Mons (Bélgica)]

«Reenvio prejudicial — Redes e serviços de comunicações eletrónicas — Diretiva ‘autorização’ — Artigo 13.o — Taxa aplicável aos direitos de instalação de recursos — Âmbito de aplicação — Regulamentação municipal que sujeita ao pagamento de um imposto os proprietários de pilares e de postes de difusão para a telefonia móvel»

1. 

O presente pedido de decisão prejudicial, relativo à interpretação do artigo 13.o da Diretiva 2002/20/CE ( 2 ), disposição dotada de efeito direto por força da jurisprudência do Tribunal de Justiça ( 3 ), é revelador das dúvidas que subsistem quanto às consequências da harmonização europeia relativa à autorização das redes e dos serviços de comunicações eletrónicas sobre o exercício, pelos Estados‑Membros, das suas competências em matéria de fiscalidade direta.

2. 

Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a sociedade Base Company SA, anteriormente KPN Group Belgium SA (a seguir «Base Company»), um dos três operadores ativos no mercado belga da telefonia móvel, à ville de Mons, no que respeita a impostos aplicados a esta empresa relativos aos seus pilares e aos seus postes de difusão sitos no território desta cidade.

3. 

Deve referir‑se que o processo se insere no quadro de um abundante contencioso ( 4 ) relativo aos impostos aplicados aos operadores de telefonia móvel, por um certo número de municípios e de províncias belgas, no âmbito da autonomia fiscal que lhes é constitucionalmente conferida ( 5 ), e convida, nomeadamente, a verificar se a jurisprudência do acórdão Mobistar e Belgacom Mobile (C‑544/03 e C‑545/03, EU:C:2005:518), no que se refere à interpretação do artigo 11.o da Diretiva 97/13/CE ( 6 ), é aplicável ao caso em apreço. Este processo levou, em termos mais gerais, o Tribunal de Justiça a proceder a uma série de clarificações sobre a abordagem a seguir no que respeita aos encargos financeiros impostos aos fornecedores de redes e serviços de comunicações eletrónicas.

I – Quadro jurídico

A – Direito da União

4.

A Diretiva 97/13 estabelecia um quadro comum para autorizações gerais e licenças individuais no domínio dos serviços de telecomunicações, tendo em vista liberalizar este último e facilitar a entrada de novos operadores no mercado. Inseria‑se no âmbito das medidas adotadas para a plena liberalização dos serviços e infraestruturas de telecomunicações, prevista para 1 de janeiro de 1998.

5.

Nesta perspetiva, a Diretiva 97/13 previa, além das regras relativas aos processos de concessão de autorizações e ao conteúdo destes, um certo número de regras quanto aos encargos pecuniários (taxas e encargos), associados aos referidos processos, que os Estados‑Membros podiam impor às empresas do setor das telecomunicações.

6.

Nos termos do artigo 6.o da Diretiva 97/13, intitulado «Taxas e encargos nos processos de autorizações gerais»:

«Sem prejuízo das contribuições financeiras para a prestação do serviço universal nos termos do anexo, os Estados‑Membros devem zelar por que quaisquer taxas cobradas a empresas no quadro dos processos de autorização se destinam apenas a cobrir os custos administrativos decorrentes da adoção, gestão, controlo e aplicação do regime de autorização geral aplicável. Essas taxas devem ser publicadas de modo adequado e suficientemente pormenorizado, por forma a facilitar o acesso a essas informações.»

7.

O artigo 11.o da Diretiva 97/13, intitulado «Taxas e encargos relativos a licenças individuais», dispunha:

«1.   Os Estados‑Membros devem zelar por que quaisquer taxas cobradas a empresas no quadro dos processos de autorização se destinam apenas a cobrir os custos administrativos decorrentes da emissão, gestão, controlo e aplicação das licenças individuais. As taxas relativas a uma licença individual devem ser proporcionais ao trabalho envolvido e devem ser publicadas de modo adequado e suficientemente pormenorizado, por forma a facilitar o acesso a essas informações.

2.   Não obstante o n.o 1, quando forem utilizados recursos escassos, os Estados‑Membros poderão permitir que as suas autoridades reguladoras nacionais imponham encargos que reflitam a necessidade de assegurar a utilização ótima desses recursos. Esses encargos devem ser não discriminatórios e devem ter particularmente em conta a necessidade de fomentar o desenvolvimento de serviços inovadores e a concorrência.»

8.

A Diretiva 97/13 foi revogada pelo artigo 26.o da Diretiva 2002/21/CE ( 7 ).

9.

O artigo 2.o da diretiva‑quadro prevê:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[...]

e)

‘Recursos conexos’, os recursos associados a uma rede de comunicações eletrónicas e/ou a um serviço de comunicações eletrónicas que permitem e/ou suportam a prestação de serviços através dessa rede e/ou serviço. Incluem sistemas de acesso condicional e guias eletrónicos de programas.

[...]»

10.

O artigo 1.o da diretiva «autorização», intitulado «Objetivo e âmbito de aplicação», estabelece:

«1.   A presente diretiva destina‑se a instaurar um mercado interno dos serviços e redes de comunicações eletrónicas através da harmonização e simplificação das regras e condições de autorização, a fim de facilitar a sua oferta em toda a Comunidade.

2.   A presente diretiva aplica‑se às autorizações de oferta de serviços e redes de comunicações eletrónicas.»

11.

O artigo 13.o da diretiva «autorização», intitulado «Taxas aplicáveis aos direitos de utilização e direitos de instalação de recursos», tem o seguinte teor:

«Os Estados‑Membros podem autorizar a autoridade competente a impor taxas sobre os direitos de utilização das radiofrequências, ou números ou direitos de instalação de recursos em propriedade pública ou privada que reflitam a necessidade de garantir a utilização ótima desses recursos. Os Estados‑Membros garantirão que tais taxas sejam objetivamente justificadas, transparentes, não discriminatórias e proporcionadas relativamente ao fim a que se destinam e terão em conta os objetivos do artigo 8.o da [diretiva‑quadro].»

B – Direito belga

12.

Em 5 de março de 2007, o conseil communal de la ville de Mons adotou um regulamento‑imposto que criou um imposto sobre os pilares e postes de difusão para a telefonia móvel (a seguir «regulamento‑imposto») aplicável aos exercícios do ano de 2007 e seguintes.

13.

O artigo 1.o do regulamento‑imposto prevê que o referido imposto se aplica aos «pilares de difusão ou postes de uma certa importância que constituem estruturas em local próprio, existentes durante o exercício de tributação, destinadas a suportar os diversos tipos de antenas necessárias ao bom funcionamento da rede de telecomunicação móvel, que não puderam ser instaladas num local já existente (telhado, igreja […])».

14.

Segundo o artigo 3.o, primeiro parágrafo, do referido regulamento‑imposto, «[o] imposto [controvertido] é devido por qualquer pessoa, singular ou coletiva, proprietária de um bem referido no artigo 1.o [deste regulamento‑imposto]».

15.

O artigo 4.o do regulamento‑imposto prevê que o montante do imposto devido por pilar ou por poste de difusão para a telefonia móvel é de 2500 euros.

II – Factos que deram origem ao processo principal, questão prejudicial e tramitação processual no Tribunal de Justiça

16.

Conclui‑se dos elementos apresentados ao Tribunal de Justiça que a Base Company é um operador de telefonia móvel e, nesta qualidade, é proprietária e operadora de uma rede de pilares que suportam antenas de telecomunicações para a telefonia móvel no território da ville de Mons.

17.

As autoridades da ville de Mons enviaram à Base Company, ao abrigo do regulamento‑imposto, três notas de liquidação relativas à sujeição ao imposto controvertido no âmbito do exercício fiscal do ano de 2008, no montante total de 7.500 euros. Estas notas de liquidação foram objeto de reclamação junto do Collège communal de la ville de Mons. Tendo a reclamação sido indeferida, foram objeto de uma ação intentada perante o tribunal de première instance de Mons (Bélgica), que as anulou.

18.

A ville de Mons interpôs recurso desta sentença para a Cour d’appel de Mons que, tendo dúvidas quanto à aplicabilidade do artigo 13.o da diretiva «autorização» no processo principal, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«O artigo 13.o da diretiva [‘autorização’] proíbe as entidades territoriais de tributarem, por razões orçamentais ou outras, a atividade económica dos operadores de telecomunicações que se materializam no seu território através da presença de pilares, postes ou antenas GSM destinados a esta atividade?»

19.

As partes no processo principal, bem como a Comissão Europeia, apresentaram observações escritas.

20.

Em 13 de maio de 2015, teve lugar uma audiência, na qual participaram as partes no processo principal e o Governo belga, bem como a Comissão.

III – Análise

21.

Em substância, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se um imposto criado por uma autoridade pública nacional, que visa especificamente os pilares e os postes utilizados para a telefonia móvel, é abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 13.o da diretiva «autorização» e, na afirmativa, se este artigo se opõe a um imposto deste tipo.

22.

A esta questão, a priori, simples, foi proposto responder de modo muito diferente.

23.

A ville de Mons, apoiada pelo Governo belga, alegou que o imposto em causa não pode ser proibido pela diretiva «autorização». Sublinha, em especial, que o Tribunal de Justiça já declarou, no acórdão Mobistar e Belgacom Mobile (C‑544/03 e C‑545/03, EU:C:2005:518), no contexto do artigo 11.o, n.o 2, da Diretiva 97/13 — disposição cujo teor é muito semelhante ao do artigo 13.o da diretiva «autorização» —, que as diretivas relativas à autorização para o fornecimento de redes e serviços de telecomunicações não podem ser aplicáveis a impostos cujo facto gerador não seja a concessão de uma licença. Salienta, além disso, que este imposto é devido por todas as pessoas que sejam proprietárias de pilares ou de postes que não puderam ser instalados num local já existente e que tal imposto não está, de forma nenhuma, associado, como exigiria o artigo 13.o da diretiva «autorização», à concessão de um direito de utilização das radiofrequências ou de um direito de instalação de recursos e, em última análise, em contrapartida de qualquer serviço.

24.

A Base Company sustenta, por seu turno, que o imposto controvertido, cujo facto gerador consiste na instalação, pelos operadores que fornecem redes e serviços de comunicações eletrónicas, de infraestruturas que podem ser qualificadas de «recursos», na aceção desta disposição, é efetivamente abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 13.o da diretiva «autorização». Alega ainda que este imposto forfetário, na medida em que é designadamente discriminatório, não proporcionado e não objetivamente justificado, não satisfaz os requisitos cumulativos estabelecidos nesta disposição.

25.

A Comissão considera que, tendo em conta o critério que parece ter sido estabelecido no acórdão Mobistar e Belgacom Mobile (C‑544/03 e C‑545/03, EU:C:2005:518), isto é, a existência de uma relação direta entre o imposto em causa e a concessão a um operador de uma autorização de oferta de serviços e redes de comunicações eletrónicas, a única conclusão possível é que o imposto controvertido não é abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 13.o da diretiva «autorização». A Comissão afirma, contudo, «deplorar» este acórdão e convida o Tribunal de Justiça a adotar uma solução inversa no caso em apreço. Com efeito, considera que o imposto controvertido, relativo a «recursos conexos», na aceção do artigo 2.o, alínea e), da diretiva‑quadro, provavelmente foi concebido para ser pago em contrapartida da instalação de estruturas necessárias ao fornecimento das referidas redes e serviços, e pode, por conseguinte, ser qualificado de «taxa» na aceção do artigo 13.o da diretiva «autorização». Se esta conclusão fosse aceite, competiria, portanto, ao órgão jurisdicional de reenvio certificar‑se de que todos os requisitos previstos nesta última disposição estão preenchidos.

26.

Como evoquei na introdução das presentes conclusões, o processo é ilustrativo da tensão que indubitavelmente existe entre a harmonização decorrente dos objetivos prosseguidos pela diretiva «autorização» e o desejo que certas autoridades nacionais têm de manter a possibilidade, por razões essencialmente orçamentais ( 8 ), de tributar certos operadores devido à atividade que exercem e à sua presença num dado território.

27.

Embora não seja a primeira vez que esta problemática é submetida ao Tribunal, são de esperar algumas clarificações, tendo em conta os ensinamentos mais recentes da jurisprudência.

28.

Estas necessidades de clarificação dizem respeito, em meu entender, a dois aspetos que irei analisar seguidamente: o primeiro aspeto, que não é diretamente abordado na questão submetida, mas que constitui um parâmetro‑chave para análise dos impostos devidos pelos operadores de serviços e redes de telecomunicações, é relativo à questão de saber se os Estados‑Membros podem aplicar certas taxas fora do âmbito de aplicação do artigo 13.o da diretiva «autorização». O segundo aspeto diz respeito, por sua vez, aos elementos que se devem ter em conta para considerar que a taxa em causa é efetivamente abrangida pelo referido âmbito de aplicação e, se for caso disso, para determinar se tal taxa preenche os requisitos estabelecidos nesta disposição.

A – Os Estados‑Membros podem aplicar taxas fora do âmbito de aplicação da diretiva «autorização »?

29.

Embora a questão de saber em que medida as autoridades nacionais podem aplicar taxas que não são abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 13.o da diretiva «autorização» não seja diretamente abordada no presente pedido de decisão prejudicial, cabe salientar que essa questão é indiretamente suscitada pelo órgão jurisdicional de reenvio, como resulta dos autos do processo apresentados ao Tribunal de Justiça.

30.

Com efeito, resulta da decisão de reenvio, por um lado, que o órgão jurisdicional de reenvio partiu do pressuposto de que o imposto controvertido não era nem uma taxa, na aceção do artigo 13.o da diretiva «autorização», nem um encargo administrativo, na aceção do artigo 12.o da mesma diretiva e, por outro lado, que aquele se questiona sobre a pertinência e o alcance da jurisprudência segundo a qual «os Estados‑Membros só podem receber as taxas ou os encargos sobre o fornecimento de redes e de serviços de comunicações eletrónicas previstos nesta diretiva» ( 9 ).

31.

Ora, quanto a este primeiro aspeto, e embora isso possa ter sido objeto de debate, no que respeita à interpretação do artigo 11.o da Diretiva 97/13, tendo em conta, designadamente, o acórdão Albacom e Infostrada ( 10 ), em meu entender, é, unicamente, «no âmbito da diretiva autorização», que os Estados‑Membros só podem receber as taxas ou os encargos sobre o fornecimento de redes e de serviços de comunicações eletrónicas previstos nesta diretiva ( 11 ).

32.

O artigo 13.o da diretiva «autorização», diretiva que foi adotada com base no artigo 95.o CE (atual artigo 114.o TFUE), não limita totalmente a soberania fiscal dos Estados‑Membros, mas abrange apenas os impostos cujo facto gerador está, direta ou indiretamente, associado ao procedimento de autorização geral ou à concessão de direitos de utilização. Por outras palavras, afigura‑se que o artigo 13.o da diretiva «autorização» não estabelece uma enumeração exaustiva de todos os impostos e taxas que podem ser aplicados aos operadores de comunicações eletrónicas, mas visa delimitar os que podem ser aplicados no contexto das «autorizações de oferta de serviços e redes de comunicações eletrónicas» (v. artigo 1.o, n.o 2, da diretiva «autorização»). Os Estados‑Membros só são obrigados a respeitar as disposições desta diretiva, quando decidem aplicar encargos fiscais a operadores de telefonia móvel que são titulares de uma autorização.

33.

Esta conclusão é reforçada por dois elementos.

34.

Em primeiro lugar, esta interpretação insere‑se facilmente no na sequência da orientação que foi adotada pelo Tribunal de Justiça, no que respeita aos encargos administrativos referidos no artigo 12.o da diretiva «autorização», quando foi chamada a decidir numa ação por incumprimento ( 12 ) ou num pedido de decisão prejudicial ( 13 ).

35.

Em segundo lugar, e sobretudo, parece‑me que esta orientação foi recentemente confirmada pelo Tribunal de Justiça, no âmbito de um pedido de decisão prejudicial que tinha por objeto, precisamente, a interpretação do artigo 13.o da diretiva «autorização», no que diz respeito a impostos aplicados pela Province d’Anvers a dois fornecedores de redes e serviços de comunicações eletrónicas. Com efeito, no acórdão Belgacom e Mobistar, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 13.o da diretiva «autorização» não visa todas as taxas a que estão sujeitos os operadores de redes e de serviços de comunicações eletrónicas. Para chegar a esta conclusão, o Tribunal baseou‑se nos termos utilizados nos artigos 1.°, n.o 2, e 13.° da diretiva «autorização» ( 14 ).

36.

Em resumo, a diretiva «autorização» aplica‑se às autorizações de oferta de serviços e redes de comunicações. Os Estados‑Membros só podem cobrar os impostos sobre a referida oferta que estão expressamente previstos nesta diretiva.

37.

Em contrapartida, mantêm uma certa liberdade para a fixação de impostos que não sejam relativos a esta oferta. Digo bem «certa», pois, independentemente do domínio de intervenção da autoridade competente em matéria fiscal, cabe‑lhe sempre respeitar as exigências decorrentes do direito da União. Com efeito, mesmo em presença de taxas não abrangidas pelo artigo 13.o da diretiva «autorização», o juiz deve certificar‑se sempre de que estas não são suscetíveis de comprometer a eficácia da diretiva «autorização», designadamente criando obstáculos à entrada de novos operadores no mercado, e, mais concretamente, verificar se essas taxas não são contrárias às disposições e aos princípios do direito da União, como os que garantem a liberdade de estabelecimento e a igualdade de tratamento dos operadores do setor.

38.

Feitos estes esclarecimentos, irei debruçar‑me sobre a problemática específica que órgão jurisdicional de reenvio submeteu e em torno da qual se centrou o debate no processo principal, ou seja, a de saber se o imposto controvertido é suscetível de ser abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 13.o da diretiva «autorização» e, na afirmativa, se preenche os requisitos exigidos por esta disposição.

39.

Numa primeira fase, tratarei de expor os ensinamentos que, em minha opinião, devem ser retirados da jurisprudência desenvolvida, até agora, pelo Tribunal de Justiça, para me concentrar, numa segunda fase, na questão do imposto controvertido.

B – Os ensinamentos da jurisprudência desde o acórdão Mobistar e Belgacom Mobile até ao acórdão Belgacom e Mobistar: para pôr em causa a concessão de uma autorização (ou licença) como critério exclusivo de aplicação do artigo 13.o da diretiva «autorização »

40.

As partes estão todas de acordo, creio, em afirmar que os processos que deram lugar ao acórdão Mobistar e Belgacom Mobile (C‑544/03 e C‑545/03, EU:C:2005:518) tiveram origem em litígios muito semelhantes ao do caso em apreço.

41.

Recordo que, nesses processos apensos, alguns operadores de telefonia móvel pediam a anulação de regulamentos‑taxas impostos por municípios belgas a proprietários de antenas, postes e pilares destinados à telefonia móvel.

42.

Embora o artigo 11.o da Diretiva 97/13 apenas tivesse sido invocado, nos referidos processos, de forma acessória na discussão ( 15 ) — as questões prejudiciais visavam apenas o artigo 49.o CE (atual artigo 56.o TFUE) e a Diretiva 90/388/CEE ( 16 ) —, o Tribunal de Justiça não deixou de indicar que «o facto gerador das taxas sobre as infraestruturas de comunicação não [era] a concessão de uma licença» e que, «[a]ssim, a Diretiva 97/13 que [tinha sido] invocada pela Mobistar na audiência não [era] aplicável aos factos do litígio» ( 17 ).

43.

Ao pronunciar‑se desta forma, afigura‑se que o Tribunal de Justiça fez da «concessão de uma licença» o critério determinante que permite distinguir as taxas que se inserem no âmbito de aplicação da Diretiva 97/13 das que não são abrangidas pelo referido âmbito.

44.

Este entendimento está longe de ser isolado, dado que o Tribunal de Justiça parece ter posteriormente confirmado a importância que devia ser dada ao facto gerador dos diversos impostos e taxas, ou seja que este estivesse ou não ligado à concessão de uma autorização, para determinar se os impostos ou as taxas são abrangidos pelo âmbito de aplicação dos artigos 12.° e 13.° da diretiva «autorização».

45.

Assim, no processo que deu lugar ao acórdão Comissão/França ( 18 ), que dizia respeito a uma taxa adicional aplicável aos operadores, titulares de autorizações gerais, que fornecem os seus serviços aos utilizadores finais, no mercado das comunicações eletrónicas, o Tribunal de Justiça considerou que uma taxa cujo facto gerador não esteja ligado ao procedimento de autorização geral que permite aceder ao mercado dos serviços de comunicações eletrónicas, mas que esteja ligado à atividade do operador, que consiste em fornecer serviços de comunicações eletrónicas aos consumidores finais em França, não é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 12.o da diretiva «autorização».

46.

No mesmo sentido, o Tribunal declarou, no acórdão Vodafone Malta e Mobisle Communications ( 19 ), que o artigo 12.o da diretiva «autorização» não se opunha a uma regulamentação nacional que aplica um denominado «imposto especial sobre o consumo», devido pelos operadores que fornecem serviços de telefonia móvel e que correspondia a uma percentagem dos pagamentos que esses operadores recebiam dos utilizadores desses serviços, desde que o facto gerador estivesse ligado não ao procedimento de autorização geral que permite aceder ao mercado dos serviços de comunicações eletrónicas, mas sim à utilização dos serviços de telefonia móvel fornecidos pelos operadores, e que fosse suportado em definitivo pelo utilizador desses serviços.

47.

Como foi salientado no decurso do presente processo, embora o teor do artigo 11.o, n.o 2, da Diretiva 97/13 divirja do artigo 13.o da diretiva «autorização», sendo este último artigo inegavelmente mais preciso quanto ao objeto das taxas em questão (primeiro período do artigo 13.o) e aos requisitos que estas devem preencher (segundo período do artigo 13.o), afigura‑se que os objetivos que estas duas disposições prosseguem são idênticos.

48.

Com efeito, visam estabelecer a possibilidade de os Estados‑Membros, sob certas condições, instituírem taxas que reflitam a necessidade de garantir a utilização ótima dos recursos escassos. Ambas as disposições visam, afinal, promover a concorrência, o desenvolvimento do mercado interno ou a defesa dos interesses dos cidadãos da União Europeia (v., designadamente, o artigo 8.o da diretiva‑quadro).

49.

Daqui decorre que nada permite, a priori, afastar‑se dos ensinamentos do acórdão Mobistar e Belgacom Mobile (C‑544/03 e C‑545/03, EU:C:2005:518, n.o 37).

50.

Quer isto dizer que o critério relativo à concessão de uma licença só é pertinente para efeitos de determinar se um imposto se insere ou não no âmbito de aplicação do artigo 13.o da diretiva «autorização»?

51.

Penso que não, e isto por várias razões.

52.

Antes de mais, convém não perder de vista que, no processo que deu lugar ao acórdão Mobistar e Belgacom Mobile (C‑544/03 e C‑545/03, EU:C:2005:518), a aplicação da Diretiva 97/13 apenas tinha sido invocada a título secundário e acessório. Como demonstra a brevidade da passagem consagrada à aplicabilidade da Diretiva 97/13.

53.

Em segundo lugar, o artigo 13.o da diretiva «autorização» refere‑se, como se conclui claramente do seu teor, às regras de imposição de taxas sobre os direitos de utilização das radiofrequências, ou números ou direitos de instalação de recursos em propriedade pública ou privada. O Tribunal precisou, a este respeito, que estando o procedimento de atribuição dos direitos de utilização de radiofrequências e o procedimento de renovação dos referidos direitos sujeitos ao mesmo regime, o artigo 13.o da diretiva «autorização» deve ser aplicado da mesma forma aos dois procedimentos ( 20 ).

54.

Daí decorre inevitavelmente que, mesmo além da questão de saber se o facto gerador do imposto está diretamente ligado à concessão de uma autorização (ou licença), deveriam igualmente ser abrangidas as taxas cujo facto gerador reside na concessão de direitos de utilização das radiofrequências, ou números, bem como de direitos de instalação de recursos entendidos em sentido lato. Não se afigura oportuno adotar a solução, aparentemente restritiva, acolhida pelo Tribunal no acórdão Mobistar e Belgacom Mobile (C‑544/03 e C‑545/03, EU:C:2005:518). Em meu entender, embora a concessão de uma licença ou de direitos específicos no âmbito de um procedimento de autorização geral seja indubitavelmente uma condição suficiente para concluir pela aplicabilidade da diretiva «autorização», não pode ser erigida em condição necessária para tal aplicabilidade.

55.

Nestas circunstâncias, parece‑me que o critério de aplicação da diretiva «autorização» a taxas deve ser precisado. A questão não é tanto saber se estas estão diretamente ligadas à concessão de uma licença ou de uma autorização, mas determinar se essas taxas se inserem, inevitavelmente, no contexto de um procedimento de autorização, como as que visam, de acordo com o teor do artigo 13.o daquela diretiva, a instalação dos recursos necessários para o funcionamento da rede de telefonia móvel.

C – Aplicação no processo principal da grelha de análise estabelecida pelo artigo 13.o da diretiva «autorização »

56.

Como a advogada‑geral E. Sharpston sublinhou nas suas conclusões no processo Vodafone España e France Telecom España, o exame da conformidade de um encargo financeiro nacional com o artigo 13.o da diretiva «autorização» impõe, também de acordo com o texto desta disposição, uma análise em duas fases ( 21 ).

57.

Após ter examinado se o imposto controvertido é suscetível de ser abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 13.o da diretiva «autorização» — o que me parece ser o caso —, concentrar‑me‑ei brevemente também sobre a questão de saber se tal imposto satisfaz os requisitos estabelecidos pelo segundo período desta disposição.

1. O imposto controvertido é abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 13.o da diretiva «autorização»?

58.

No processo principal, de entre as três categorias de taxas referidas no artigo 13.o da diretiva «autorização», a saber, respetivamente, as relativas aos direitos de utilização das radiofrequências, aos direitos de utilização de números e aos direitos de instalação de recursos em propriedade pública ou privada, o órgão jurisdicional de reenvio apenas visa estas últimas.

59.

Em meu entender, as taxas relativas aos direitos de instalação de recursos devem ser analisadas do ponto de vista da diretiva «autorização». Para determinar se um dado imposto é abrangido pelo âmbito de aplicação da diretiva «autorização», há que ter em atenção o objeto desse imposto.

60.

Neste contexto, o Tribunal recordou que os termos «recursos» e «instalação» utilizados no artigo 13.o da diretiva «autorização» se referem, respetivamente, às infraestruturas físicas que permitem o fornecimento de redes e serviços de comunicações eletrónicas e à sua instalação física na propriedade pública ou privada em questão ( 22 ).

61.

Ora, tudo me leva a pensar que o imposto controvertido apresenta as características de uma taxa sobre o direito de instalação de recursos em propriedade pública ou privada, a qual, na realidade, é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 13.o da diretiva «autorização».

62.

Em primeiro lugar, este imposto é devido exclusivamente pela instalação de pilares ou de postes, que, nos termos do regulamento‑imposto, constituem estruturas «destinadas a suportar os diversos tipos de antenas necessárias ao bom funcionamento da rede de telecomunicação móvel». Estes pilares ou postes constituem indubitavelmente infraestruturas físicas que permitem o fornecimento de redes e serviços de comunicações eletrónicas. O imposto controvertido aplica‑se, portanto, ao direito de instalação de recursos no território da ville de Mons e não, como era o caso no processo que deu lugar ao acórdão Vodafone España e France Telecom España (C‑55/11, C‑57/11 e C‑58/11, EU:C:2012:446), apenas à utilização dos referidos recursos.

63.

Em segundo lugar, este imposto é devido pelos proprietários dos referidos recursos, que, com toda a probabilidade, são igualmente fornecedores de redes e serviços de comunicações eletrónicas. Embora o regulamento‑imposto em causa não sujeite ao imposto os operadores destas redes ou destes serviços enquanto tais, afigura‑se, na falta de informações em contrário, que apenas os operadores que dispõem de uma autorização para o fornecimento de redes ou de serviços utilizados na telefonia móvel são proprietários de pilares ou de postes de difusão necessários ao seu bom funcionamento.

64.

Por último, o imposto controvertido no processo principal, embora motivado por considerações de ordem orçamental, pode ser considerado uma taxa que deve ser paga pelos operadores em contrapartida da possibilidade que lhes é oferecida de instalarem, em propriedade pública ou privada, estruturas necessárias para o fornecimento de redes e serviços de comunicações eletrónicas e que visa a utilização ótima de recursos. Com efeito, nos termos do artigo 1.o do regulamento‑imposto, este imposto é aplicável a estruturas «que não puderam ser instaladas num local já existente (telhado, igreja […])» ( 23 ). Como a Comissão salientou, este imposto tem, portanto, em conta o impacto da instalação de pilares e de postes sobre a disponibilidade do domínio público ou privado. O imposto controvertido foi criado para ser aplicado a qualquer recurso que se encontre em propriedade pública ou privada e que reduza, assim, a disponibilidade destes para outros fins ou utilizações. Trata‑se de garantir a utilização ótima dos terrenos disponíveis.

65.

A este propósito deve precisar‑se que a utilização que os Estados‑Membros pretendem fazer das receitas do referido imposto não é relevante ( 24 ). Do mesmo modo, sob pena de comprometer o efeito útil da diretiva «autorização», os fins prosseguidos com a criação de certos impostos não deveriam ser determinantes. Caso contrário, seria de recear que os Estados‑Membros pudessem eximir‑se à aplicação das regras enunciadas na diretiva «autorização», tomando como referência os objetivos orçamentais ou ambientais que pretendem prosseguir.

66.

Nestas condições, afigura‑se que existe uma relação direta entre a concessão do direito de instalação de recursos, na aceção da diretiva «autorização», e o imposto controvertido. Se é verdade que, como foi referido pela ville de Mons, o pagamento deste imposto não constitui uma condição prévia de acesso ao mercado de fornecimento de serviços e de redes de telecomunicações, não deixa de ser verdade que os operadores que desejam continuar a utilizar os recursos de que são proprietários no território desta cidade estão, anualmente, sujeitos ao referido imposto.

67.

Em conclusão, afigura‑se que a taxa controvertida é aplicável aos operadores de redes e de comunicações eletrónicas que beneficiam dos direitos conferidos pelo artigo 13.o da diretiva «autorização» e, por conseguinte, que se insere no âmbito de aplicação desta disposição.

68.

É importante esclarecer que o imposto controvertido apresenta características diferentes do imposto cobrado pela Province d’Anvers, em causa no processo que deu lugar ao acórdão Belgacom e Mobistar (C‑256/13 e C‑264/13, EU:C:2014:2149).

69.

Recordo que, para concluir que o imposto em questão nesse processo não era abrangido pelo âmbito de aplicação da diretiva «autorização», o Tribunal de Justiça assinalou que o referido imposto era devido por toda a pessoa coletiva de direito belga ou estrangeiro que t[ivesse] um estabelecimento sito no território da Province d’Anvers, utilizado ou reservado para utilização por essa pessoa, independentemente da natureza do estabelecimento e da atividade dos sujeitos passivos desse imposto. O montante deste último dependia da superfície ocupada pelos estabelecimentos. Os sujeitos passivos desse imposto não eram apenas os operadores que fornecem redes ou serviços de comunicações eletrónicas ou os que têm direitos previstos no artigo 13.o da diretiva «autorização» ( 25 ).

70.

Por outro lado, no processo principal, o imposto municipal em causa não é um imposto geral, dado que não é aplicável a todos os operadores económicos que estejam sujeitos a imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas e que t[enham] um ou vários estabelecimentos sitos no território do município, quer se trate de pilares e postes destinados a suportar os diferentes tipos de antenas necessárias ao bom funcionamento da rede de telecomunicação móvel ou de outras superfícies, como previa o regulamento tributário da Province d’Anvers.

71.

Com efeito, o imposto em causa no processo em apreço foi criado para refletir a ocupação de parte de um domínio em detrimento de outros eventuais utilizadores. Por outras palavras, se se concluir que o imposto em causa visa assegurar uma utilização ótima dos recursos afetados, através da fixação de um nível adequado que reflita o valor desses recursos ( 26 ), esse imposto é suscetível de ser abrangido pelo âmbito de aplicação da diretiva «autorização».

72.

Contudo, impõem‑se dois esclarecimentos finais, com base no acórdão proferido no processo Belgacom e Mobistar (C‑256/13 e C‑264/13, EU:C:2014:2149).

73.

Em primeiro lugar, a decisão da questão de saber se o referido imposto é abrangido ou não pelo âmbito de aplicação do artigo 13.o da diretiva «autorização» não se deve confinar a uma análise puramente formal dos termos utilizados, pelo legislador ou pela autoridade reguladora competente a nível nacional, para designar o imposto em causa. Com efeito, seria suficiente que as autoridades nacionais designassem um imposto em termos próximos dos que foram adotados pelo conseil de la province d’Anvers na redação dos regulamentos tributários em causa nesse processo para escaparem à aplicação do artigo 13.o da referida diretiva, e isto mesmo que se verifique que, na prática, estão, essencialmente, sujeitos ao imposto em causa os operadores de redes e de comunicações de telefonia móvel, titulares de autorizações de exploração, que pretendam instalar recursos no âmbito das suas atividades.

74.

Portanto, parece‑me que, caso se confirme que, independentemente da generalidade dos termos utilizados para designar um imposto, as pessoas sujeitas ao referido imposto, não são mais, in concreto, do que os operadores que fornecem redes e serviços de comunicações eletrónicas ou os que têm direitos previstos no artigo 13.o da diretiva «autorização», o referido imposto deve ser considerado abrangido pelo âmbito de aplicação desta disposição.

75.

Em segundo lugar, no caso de o Tribunal de Justiça discordar da minha conclusão, segundo a qual a imposição de taxas do tipo daquela que é objeto do processo principal é efetivamente abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 13.o da diretiva «autorização», conviria ainda, como indiquei anteriormente (v. n.o 37 das presentes conclusões), determinar se esse imposto não é suscetível de comprometer a eficácia da diretiva «autorização», bem como as disposições e os princípios do direito da União.

76.

Resta‑me, ainda, determinar em que medida o imposto controvertido no processo principal preenche os requisitos previstos pelo segundo período do artigo 13.o da diretiva «autorização».

2. O imposto controvertido preenche os requisitos previstos no artigo 13.o da diretiva «autorização»?

77.

No caso de o Tribunal de Justiça concordar com a conclusão segundo a qual o imposto controvertido é efetivamente abrangido pelo artigo 13.o da diretiva «autorização» e uma vez assente que a taxa tem por objetivo «refletir a necessidade de garantir a utilização ótima desses recursos», importa decidir, à luz de todas as circunstâncias do caso em apreço, por um lado, se tal imposto preenche o requisito segundo o qual deve ter por objetivo «refletir a necessidade de garantir a utilização ótima desses recursos» e, por outro lado, o requisito segundo o qual as taxas devem ser «objetivamente justificadas, transparentes, não discriminatórias e proporcionadas relativamente ao fim a que se destinam». É importante esclarecer que se trata de requisitos cumulativos.

78.

Embora esta incumbência caiba, evidentemente, em exclusivo ao órgão jurisdicional de reenvio, são necessárias algumas clarificações sobre o sentido desses requisitos.

79.

No que diz respeito, em primeiro lugar, ao objetivo prosseguido com a criação do imposto controvertido, competirá ao órgão jurisdicional de reenvio determinar, antes de mais, se, independentemente do objetivo claramente orçamental prosseguido pelo regulamento‑imposto ( 27 ), foi devidamente tida em conta a necessidade de garantir a utilização ótima dos recursos.

80.

Em segundo lugar, no que respeita às características que o imposto em causa deve apresentar, será necessário, antes de mais, examinar o caráter objetivamente justificado da taxa. Relativamente a este ponto, competirá ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se o montante da taxa está relacionado com a intensidade da utilização do «recurso escasso» e com o valor atual e futuro dessa utilização. Esta avaliação exige que a situação económica e tecnológica do mercado em causa seja tida em conta ( 28 ). Neste contexto, caberá ao órgão jurisdicional de reenvio certificar‑se de que a referida taxa foi calculada com base em parâmetros relacionados com a necessidade de garantir a utilização ótima dos recursos, tais como a intensidade, duração e valor do uso pela empresa da propriedade em questão ou dos usos alternativos a fazer dessa propriedade ( 29 ). Sem querer interferir na apreciação final que será adotada no processo principal, penso que esse exame não foi feito. Assim, não foi, de forma alguma, alegado que o montante do imposto controvertido, que é de natureza forfetária, tenha sido fixado com base em critérios relacionados com a intensidade da utilização dos recursos ou com o valor dessa utilização.

81.

Em seguida, no que respeita à transparência da taxa, cabe ao órgão jurisdicional nacional certificar‑se de que o imposto foi fixado de modo claro e compreensível, mediante um ato acessível. Esta condição, que aliás não foi discutida, parece estar preenchida no caso em apreço.

82.

Além disso, no que se refere ao exame do caráter proporcionado da taxa controvertida, incumbirá ao órgão jurisdicional de reenvio certificar‑se de que a taxa foi fixada num nível adequado, que reflita a necessidade de garantir a utilização dos recursos escassos. Mais uma vez, sem querer antecipar a apreciação que será adotada pelo órgão jurisdicional de reenvio, é de recear que, tendo em conta o caráter puramente forfetário da referida taxa, falte aqui o caráter proporcionado do imposto.

83.

Por último, é necessário verificar se a taxa foi fixada de forma não discriminatória, ou seja que não leva a tratar situações comparáveis de modo diferente. Compete, assim, ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se os operadores de redes e de comunicações eletrónicas, que se encontram em situações comparáveis, estão sujeitos a um encargo financeiro do mesmo nível.

IV – Conclusão

84.

Tendo em conta as considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda à questão prejudicial submetida pela Cour d’appel de Mons, nos seguintes termos:

O artigo 13.o da Diretiva 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa à autorização de redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva «autorização»), deve ser interpretado no sentido de que visa uma taxa específica, cujo facto gerador consiste na instalação de recursos, na aceção desta disposição, tais como pilares e postes necessários para as redes e serviços de comunicações eletrónicas, e à qual estão sujeitos os operadores dos referidos serviços e redes, titulares de uma autorização, que são proprietários desses recursos.

Para ser autorizada, essa taxa deve refletir a necessidade de garantir a utilização ótima desses recursos e deve ser objetivamente justificada, transparente, não discriminatória e proporcionada. Cabe ao órgão jurisdicional nacional certificar‑se, à luz das circunstâncias específicas do caso em apreço e tendo em conta os elementos objetivos que lhe foram apresentados, de que esses requisitos estão preenchidos.


( 1 )   Língua original: francês.

( 2 )   Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa à autorização de redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva «autorização») (JO L 108, p. 21).

( 3 )   Acórdão Vodafone España e France Telecom España (C‑55/11, C‑57/11 e C‑58/11, EU:C:2012:446, n.o 39).

( 4 )   Conforme demonstram não só as numerosas decisões adotadas pelas jurisdições administrativas e judiciais belgas sobre esta matéria mas também os processos submetidos ao Tribunal de Justiça, e, em especial, os processos Belgacom (C‑454/13) e Belgacom (C‑517/13), pendentes no Tribunal de Justiça.

( 5 )   Importa assinalar que, concomitantemente com o contencioso referente às disposições do direito da União, foi apresentada à Cour constitutionnelle belga uma série de recursos, atualmente pendentes, que suscitam questões relativas à identificação das autoridades competentes para adotar os impostos em causa. Importa, ainda, sublinhar que este tribunal já se pronunciou, no acórdão n.o 189/2011, de 15 de dezembro de 2011 (Moniteur belge de 7 de março 2012, p. 14181), sobre a constitucionalidade dos referidos impostos. Esta jurisprudência foi evocada pela Cour de cassation belga nos acórdãos proferidos em 30 março de 2012.

( 6 )   Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 10 de abril de 1997, relativa a um quadro comum para autorizações gerais e licenças individuais no domínio dos serviços de telecomunicações (JO L 117, p. 15).

( 7 )   Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva‑quadro) (JO L 108, p. 33, a seguir «diretiva‑quadro»).

( 8 )   Para uma panorâmica dos aspetos financeiros locais, remete‑se, designadamente, para os diversos estudos publicados na Revue de fiscalité régionale et locale 2014/2, pp. 93 a 106.

( 9 )   O órgão jurisdicional de reenvio faz referência ao acórdão Vodafone España e France Telecom España (C‑55/11, C‑57/11 e C‑58/11, EU:C:2012:446, n.o 28), bem como à remissão feita por este acórdão para os acórdãos Nuova società di telecomunicazioni (C‑339/04, EU:C:2006:490, n.o 35) e Telefónica Móviles España (C‑85/10, EU:C:2011:141, n.o 21).

( 10 )   C‑292/01 e C‑293/01, EU:C:2003:480. Nos termos do n.o 42 do referido acórdão, «as disposições da Diretiva 97/13 […] proíbem que os Estados‑Membros imponham às empresas titulares de licenças individuais no domínio dos serviços de telecomunicações, pelo simples facto de deterem tais licenças, encargos pecuniários como o que está em causa nos processos principais, diferentes dos autorizados pela referida diretiva e que acrescem a estes».

( 11 )   Acórdão Vodafone España e France Telecom España (C‑55/11, C‑57/11 e C‑58/11, EU:C:2012:446, n.os 28 e 29).

( 12 )   Acórdão Comissão/França (C‑485/11, EU:C:2013:427).

( 13 )   Acórdão Vodafone Malta e Mobisle Communications (C‑71/12, EU:C:2013:431).

( 14 )   C‑256/13 e C‑264/13, EU:C:2014:2149, n.os 34 e 35.

( 15 )   V. conclusões do advogado‑geral P. Léger nos processos apensos Mobistar e Belgacom Mobile (C‑544/03 e C‑545/03, EU:C:2005:203, n.o 14).

( 16 )   Diretiva da Comissão, de 28 de junho de 1990, relativa à concorrência nos mercados de serviços de telecomunicações (JO L 192, p. 10), conforme alterada pela Diretiva 96/2/CE da Comissão, de 16 de janeiro de 1996 (JO L 20, p. 59).

( 17 )   Acórdão Mobistar e Belgacom Mobile (C‑544/03 e C‑545/03, EU:C:2005:518, n.o 37).

( 18 )   C‑485/11, EU:C:2013:427, n.os 31 e 34.

( 19 )   C‑71/12, EU:C:2013:431, n.os 24 e 25.

( 20 )   V. acórdão Belgacom e o. (C‑375/11, EU:C:2013:185, n.o 39).

( 21 )   C‑55/11, C‑57/11 e C‑58/11, EU:C:2012:162, n.os 47 a 49 e 73.

( 22 )   V., neste sentido, acórdãos Belgacom e Mobistar (C‑256/13 e C‑264/13, EU:C:2014:2149, n.o 33) e Vodafone España e France Telecom España (C‑55/11, C‑57/11 e C‑58/11, EU:C:2012:446, n.o 32).

( 23 )   O sublinhado é meu.

( 24 )   Sobre a questão do uso do produto do encargo, v., por analogia, acórdão Telefónica Móviles España (C‑85/10, EU:C:2011:141, n.o 25).

( 25 )   Acórdão Belgacom e Mobistar (C‑256/13 e C‑264/13, EU:C:2014:2149, n.o 36).

( 26 )   V., sobre este ponto, acórdão Belgacom e o. (C‑375/11, EU:C:2013:185, n.o 51).

( 27 )   A exposição de motivos do regulamento‑imposto indica, com efeito, «que é necessário acautelar a situação das finanças municipais».

( 28 )   V., neste sentido, acórdão Belgacom e o. (C‑375/11, EU:C:2013:185, n.o 51 e jurisprudência aí referida).

( 29 )   Conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo Vodafone España e France Telecom España (C‑55/11, C‑57/11 e C‑58/11, EU:C:2012:162, n.o 77).

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