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Document 62011CJ0414

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 18 de julho de 2013.
    Daiichi Sankyo Co. Ltd e Sanofi‑Aventis Deutschland GmbH contra DEMO Anonymos Viomichaniki kai Emporiki Etairia Farmakon.
    Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Polymeles Protodikeio Athinon.
    Política comercial comum — Artigo 207.° TFUE — Aspetos comerciais da propriedade intelectual — Acordo sobre os Aspetos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio (TRIPS) — Artigo 27.° — Objeto patenteável — Artigo 70.° — Proteção dos objetos existentes.
    Processo C‑414/11.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2013:520

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

    18 de julho de 2013 ( *1 )

    «Política comercial comum — Artigo 207.o TFUE — Aspetos comerciais da propriedade intelectual — Acordo sobre os Aspetos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio (TRIPS) — Artigo 27.o — Objeto patenteável — Artigo 70.o — Proteção dos objetos existentes»

    No processo C-414/11,

    que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Polymeles Protodikeio Athinon (Grécia), por decisão de 21 de julho de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 8 de agosto de 2011, no processo

    Daiichi Sankyo Co. Ltd,

    Sanofi-Aventis Deutschland GmbH

    contra

    DEMO Anonymos Viomichaniki kai Emporiki Etairia Farmakon,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

    composto por: V. Skouris, presidente, K. Lenaerts, vice-presidente, A. Tizzano, M. Ilešič (relator), L. Bay Larsen, T. von Danwitz, A. Rosas e E. Jarašiūnas, presidentes de secção, U. Lõhmus, J.-C. Bonichot, A. Arabadjiev, A. Prechal e C. G. Fernlund, juízes,

    advogado-geral: P. Cruz Villalón,

    secretário: K. Malacek, administrador,

    vistos os autos e após a audiência de 5 de junho de 2012,

    vistas as observações apresentadas:

    em representação da Daiichi Sankyo Co. Ltd, por E. Metaxakis e K. Kilimiris, dikigoroi, e L. Van den Hende, advocaat,

    em representação da DEMO Anonymos Viomichaniki kai Emporiki Etairia Farmakon, por E. Michalopoulou e G. Kotroni, dikigoroi,

    em representação do Governo helénico, por K. Paraskevopoulou, Z. Chatzipavlou, V. Kyriazopoulos e A. Zacheilas, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo alemão, por T. Henze e J. Kemper, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo francês, por G. de Bergues, S. Menez e A. Adam, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por S. Fiorentino, avvocato dello Stato,

    em representação do Governo neerlandês, por C. Wissels, na qualidade de agente,

    em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes e A. P. Antunes, na qualidade de agentes,

    em representação do Governo finlandês, por J. Heliskoski, na qualidade de agente,

    em representação do Governo sueco, por A. Falk, na qualidade de agente,

    em representação do Governo do Reino Unido, por A. Robinson, na qualidade de agente, assistido por T. Mitcheson, barrister,

    em representação da Comissão Europeia, por C. Hermes e I. Zervas, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 31 de janeiro de 2013,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 27.° e 70.° do Acordo sobre os Aspetos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio (a seguir «acordo TRIPS»), que constitui o anexo 1 C do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio (OMC), assinado em Marraquexe, em 15 de abril de 1994, e aprovado pela Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986/1994) (JO L 336, p. 1, a seguir «acordo que institui a OMC»).

    2

    Esse pedido foi apresentado no quadro de um litígio que opõe a Daiichi Sankyo Co. Ltd. (a seguir «Daiichi Sankyo») e a Sanofi-Aventis Deutschland GmbH (a seguir «Sanofi-Aventis») à DEMO Anonymos Viomichaniki kai Emporiki Etairia Farmakon (a seguir «DEMO»), a propósito da comercialização, por esta última, de um medicamento genérico que tem como princípio ativo uma substância alegadamente protegida pelos direitos de patente da Daiichi Sankyo.

    Quadro jurídico

    Acordo TRIPS

    3

    Nos termos do preâmbulo do acordo TRIPS, este visa «reduzir as distorções e os entraves ao comércio internacional» e enuncia, nesse quadro, «a necessidade de promover uma proteção eficaz e adequada dos direitos de propriedade intelectual».

    4

    Na secção 5, intitulada «Patentes», da parte II do referido acordo, intitulado «Normas relativas à existência, âmbito e exercício dos direitos de propriedade intelectual», o artigo 27.o, com a epígrafe «Objeto patenteável», dispõe:

    «1.   Sem prejuízo do disposto nos n.os 2 e 3, podem ser obtidas patentes para quaisquer invenções, quer se trate de produtos ou processos, em todos os domínios da tecnologia, desde que essas invenções sejam novas, envolvam uma atividade inventiva e sejam suscetíveis de aplicação industrial […]. Sem prejuízo do disposto […] no n.o 8 do artigo 70.o e no n.o 3 do presente artigo, será possível obter patentes e gozar de direitos de patente sem discriminação quanto ao local de invenção, ao domínio tecnológico e ao facto de os produtos serem importados ou produzidos localmente.

    2.   Os membros podem excluir da patenteabilidade as invenções cuja exploração comercial no seu território deva ser impedida para proteção da ordem pública ou dos bons costumes, e inclusivamente para proteção da vida e da saúde das pessoas e animais e para preservação das plantas ou para evitar o ocasionamento de graves prejuízos para o ambiente, desde que essa exclusão não se deva unicamente ao facto de a exploração ser proibida pela sua legislação.

    3.   Os membros podem igualmente excluir da patenteabilidade:

    a)

    Os métodos diagnósticos, terapêuticos e cirúrgicos para o tratamento de pessoas ou animais;

    b)

    As plantas e animais, com exceção dos microrganismos, e os processos essencialmente biológicos de obtenção de plantas ou animais, com exceção dos processos não biológicos e microbiológicos. […]»

    5

    Na parte VII do acordo TRIPS, intitulada «Disposições institucionais; Disposições finais», o artigo 70.o, com a epígrafe «Proteção dos objetos existentes», enuncia:

    «1.   O presente acordo não cria obrigações relativamente a atos ocorridos antes da data de aplicação do acordo ao membro em questão.

    2.   Salvo disposição em contrário do presente acordo, o presente acordo estabelece obrigações relativamente a todos os objetos existentes à data de aplicação do acordo ao membro em questão, e que sejam protegidos nesse membro na referida data, ou que satisfaçam ou venham posteriormente a satisfazer os critérios de proteção definidos no presente acordo. […]

    […]

    8.   Sempre que, a partir da data de entrada em vigor do [acordo que institui a OMC], um membro não conceda a proteção ao abrigo de uma patente em relação a produtos farmacêuticos e a produtos químicos para a agricultura de acordo com as suas obrigações nos termos do artigo 27.o, esse membro:

    a)

    Não obstante as disposições da parte VI, facultará a partir da data de entrada em vigor do [acordo que institui a OMC], um meio para depósito dos pedidos de patentes relativos a essas invenções;

    b)

    Aplicará a esses pedidos, a partir da data de aplicação do presente acordo, os critérios de patenteabilidade nele definidos, como se esses critérios fossem aplicados na data de depósito nesse membro ou, caso seja possível obter uma prioridade e a mesma seja reivindicada, na data de prioridade do pedido;

    e

    c) Concederá a proteção ao abrigo de uma patente em conformidade com o disposto no presente acordo a partir da concessão da patente e durante o restante período de duração da patente, calculado a partir da data de depósito conforme previsto no artigo 33.o do presente acordo, em relação aos pedidos desse tipo que satisfaçam os critérios de proteção referidos na alínea b).

    […]»

    6

    A parte VI do acordo TRIPS, a que se refere o mencionado artigo 70.o, inclui os artigos 65.° a 67.° deste acordo. O artigo 65.o, n.o 1, do referido acordo enuncia que «nenhum membro será obrigado a aplicar as disposições do presente acordo antes do termo de um período geral de um ano após a data de entrada em vigor do [acordo que institui a OMC]».

    Convenção sobre a Patente Europeia

    7

    A Convenção sobre a Concessão de Patentes Europeias, assinada em Munique em 5 de outubro de 1973 e que entrou em vigor em 7 de outubro de 1977, na sua versão em vigor no momento da obtenção da patente em causa no processo principal (a seguir «CPE»), regulamenta certos aspetos em matéria de patentes nos Estados europeus que a ela aderiram. Entre os seus objetivos consta a normalização das regras relativas à duração da patente, ao conceito de invenção e às exigências em matéria de patenteabilidade.

    8

    O artigo 167.o da CPE, com a epígrafe «Reservas», dispunha:

    «[…]

    2)   Qualquer Estado Contratante pode reservar-se a faculdade de estipular:

    a)

    que as patentes europeias, na medida em que conferem a proteção a produtos químicos, farmacêuticos ou alimentares como tais, ficam sem efeito ou podem ser anuladas em conformidade com as disposições em vigor para as patentes nacionais; esta reserva não afeta a proteção conferida pela patente na medida em que diz respeito quer a um processo de fabrico ou de utilização de um produto químico, quer a um processo de fabrico de um produto farmacêutico ou alimentar;

    […]

    3)   Qualquer reserva feita por um Estado Contratante produz os seus efeitos durante um período de 10 anos, no máximo, a contar da data da entrada em vigor da presente Convenção. Contudo, quando um Estado Contratante fez quaisquer das reservas referidas no parágrafo 2, alíneas a) e b), o conselho de administração pode, no que respeita ao referido Estado, aumentar este período de cinco anos, no máximo […]

    […]

    5)   Qualquer reserva feita de acordo com o parágrafo 2, alíneas a), b) ou c), aplica-se às patentes europeias concedidas na base dos pedidos de patente europeia depositados durante o período no decurso do qual a reserva produz os seus efeitos. Os efeitos desta reserva subsistem durante toda a duração dessas patentes.

    6)   Sem prejuízo das disposições dos parágrafos 4 e 5, qualquer reserva cessa de produzir os seus efeitos na expiração do período referido no parágrafo 3, primeira frase, ou, se este período for alargado, no termo do período da extensão.»

    Regulamento (CEE) n.o 1768/92

    9

    O artigo 2.o do Regulamento (CEE) n.o 1768/92 do Conselho, de 18 de junho de 1992, relativo à criação de um certificado complementar de proteção para os medicamentos (JO L 182, p. 1), dispunha:

    «Os produtos protegidos por uma patente no território de um Estado-Membro e sujeitos, enquanto medicamentos, antes da sua colocação no mercado, a um processo de autorização administrativa […] podem ser objeto de um certificado [complementar de proteção (a seguir ‘CCP’)], nas condições e segundo as regras previstas no presente regulamento.»

    10

    O artigo 1.o do Regulamento n.o 1768/92 precisava que os conceitos de «medicamento» e de «produto» se referem, respetivamente, a «qualquer substância ou composição com propriedades curativas ou preventivas em relação a doenças» e ao «princípio ativo ou composição de princípios ativos contidos num medicamento».

    11

    Nos termos do artigo 4.o do referido regulamento, «[d]entro dos limites da proteção assegurada pela patente de base, a proteção conferida pelo [CCP] abrange apenas o produto coberto pela autorização de colocação no mercado do medicamento correspondente para qualquer utilização do produto, como medicamento, que tenha sido autorizada antes do termo da validade do [CCP]». O artigo 5.o do mesmo regulamento precisava que «[s]em prejuízo do disposto no artigo 4.o, o [CCP] confere os mesmos direitos que os conferidos pela patente de base e está sujeito às mesmas limitações e obrigações».

    12

    O conceito de «patente de base», conforme enunciada no artigo 1.o, alínea c), do Regulamento n.o 1768/92, corresponde à «patente que protege um produto […] como tal, um processo de obtenção de um produto ou uma aplicação de um produto e que tenha sido designado pelo seu titular para efeitos do processo de obtenção de um certificado».

    13

    O artigo 13.o do Regulamento n.o 1768/92 dispunha:

    «1.   O [CCP] produz efeitos no termo legal da validade da patente de base, durante um período que corresponde ao período decorrido entre a data da apresentação do pedido da patente de base e a data da primeira autorização de colocação no mercado na Comunidade, reduzido [em] um período de cinco anos.

    2.   Não obstante o disposto no n.o 1, o período de validade do [CCP] não pode exceder cinco anos a contar da data em que produzir efeitos.»

    14

    O Regulamento n.o 1768/92 foi revogado e substituído pelo Regulamento (CE) n.o 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009, relativo ao certificado complementar de proteção para os medicamentos (JO L 152, p. 1), que entrou em vigor em 6 de julho de 2009. As disposições do Regulamento n.o 1768/92 supra-citadas foram, no essencial, reproduzidas no Regulamento n.o 469/2009.

    Legislação helénica em matéria de patentes

    15

    A República helénica ratificou a CPE durante o ano de 1986, emitindo, quanto aos produtos farmacêuticos, uma reserva na aceção do artigo 167.o, n.o 2, alínea a), desta convenção. Em conformidade com o n.o 3, do referido artigo 167.o, a dita reserva expirou em 7 de outubro de 1992.

    16

    Quanto ao acordo TRIPS, a República helénica ratificou-o com efeitos a partir de 9 de fevereiro de 1995.

    17

    O domínio das patentes rege-se igualmente, na Grécia, pela Lei 1733/1987 relativa à transferência de tecnologias, às invenções, à inovação tecnológica e à criação de uma comissão para a energia atómica, que entrou em vigor em 22 de abril de 1987.

    18

    O artigo 5.o da Lei 1733/1987 estabelece que uma invenção patenteável pode consistir num produto, num processo ou numa aplicação industrial, precisando o artigo 7.o da mesma lei que cabe ao requerente da patente, mediante reivindicações, indicar o objeto da proteção solicitada.

    19

    O artigo 11.o da Lei 1733/1987 dispõe que a duração de uma patente é de 20 anos e inicia-se no dia seguinte ao do depósito do pedido de concessão da patente.

    20

    Nos termos do artigo 25.o, n.o 3, da Lei 1733/1987, «enquanto se mantiver a reserva feita pela Grécia, nos termos do artigo 167.o, n.o 2, [alínea a), da CPE, o Organismos Viomichanikis Idioktisias (Instituto da Propriedade Industrial)] não concede patentes a produtos farmacêuticos».

    21

    Assim, por força da mesma lei, conforme interpretada pelos órgãos jurisdicionais helénicos, era proibido ao referido instituto conceder patentes nacionais a produtos farmacêuticos, sendo apenas autorizada a concessão de patentes que protegessem a invenção de um processo de fabrico de um produto farmacêutico.

    22

    A impossibilidade de conceder patentes europeias e nacionais a produtos farmacêuticos também existiu, de resto, no período compreendido entre a entrada em vigor da CPE para a República Helénica e a entrada em vigor da Lei 1733/1987. Com efeito, em conformidade com o primado dos acordos internacionais sobre as leis internas previsto no artigo 28.o da Constituição, o alcance da Lei 2527/1920 relativa às patentes, que precedeu a Lei 1733/1987, era, no que respeita ao referido período, interpretada no sentido de estar limitada pela reserva formulada no quadro da CPE.

    Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    23

    A Daiichi Sankyo foi titular, na Grécia, de uma patente nacional concedida em 21 de outubro de 1986 e relativa ao composto químico levofloxacina hemi-hidratada. Este composto é utilizado como princípio ativo nos tratamentos antibióticos.

    24

    O pedido de obtenção dessa patente foi apresentado em 20 de junho de 1986 e continha uma reivindicação de proteção tanto para a levofloxacina hemi-hidratada enquanto tal como para o seu processo de fabrico.

    25

    A proteção oferecida pela referida patente, que devia expirar em 20 de junho de 2006, foi prorrogada por um CCP ao abrigo do Regulamento n.o 1768/92. Em conformidade com o artigo 13.o deste regulamento, a duração de validade desse CCP não pode ser superior a cinco anos. A proteção concedida à Daiichi Sankyo pela patente em causa terminou, portanto, durante o ano de 2011.

    26

    A levofloxacina hemi-hidratada é utilizada como princípio ativo num medicamento original denominado Tavanic. Este medicamento é distribuído na Grécia pela Sanofi-Aventis, dispondo esta última aí de uma licença concedida pela Daiichi Sankyo para a comercialização de produtos farmacêuticos originais que tenham como princípio ativo a levofloxacina hemi-hidratada. A autorização de colocação do Tavanic no mercado foi dada pela autoridade helénica competente em 17 de fevereiro de 1999.

    27

    Em 22 de setembro de 2008 e 22 de julho de 2009, a mesma autoridade concedeu à DEMO autorizações de colocação no mercado de medicamentos genéricos que têm como princípio ativo a levofloxacina hemi-hidratada. A DEMO preparava-se para comercializar esse produto sob a denominação Talerin.

    28

    Em 23 de setembro de 2009, a Daiichi Sankyo e a Sanofi-Aventis intentaram uma ação contra a DEMO no Polymeles Protodikeio Athinon (tribunal de competência genérica de Atenas) pedindo, designadamente, a cessação de toda a comercialização pela DEMO do Talerin ou de qualquer outro medicamento que tenha como princípio ativo a levofloxacina hemi-hidratada, o pagamento de uma coima pela embalagem desse medicamento, a autorização para apreender e destruir qualquer produto que viole a patente em causa que esteja na posse da DEMO ou de um terceiro e o acesso aos dados relativos ao fabrico e à venda de Talerin ou de qualquer medicamento genérico que tenha o mesmo princípio ativo.

    29

    O referido órgão jurisdicional expõe que o resultado do litígio que é chamado a dirimir depende da questão de saber se o CCP da Daiichi Sankyo apenas teve como objeto um processo de fabrico do princípio ativo levofloxacina hemi-hidratada ou também este princípio ativo enquanto tal. Em caso de proteção do «produto» na aceção do Regulamento n.o 1768/92, basta à Daiichi Sankyo provar, a fim de ver declarado que a DEMO violou os seus direitos de patente, que o Tavanic e o Talerin têm o mesmo princípio ativo. Se, em contrapartida, a proteção conferida por esse CCP abranger apenas o processo de fabrico, a circunstância de o Tavanic e o Talerin terem o mesmo princípio ativo só conduz à presunção de que o medicamento genérico foi fabricado com base no processo protegido pelo referido CCP. Nesse caso, basta à DEMO ilidir a presunção demonstrando que o referido medicamento foi fabricado segundo um processo diferente.

    30

    O órgão jurisdicional de reenvio explica que, devido à não patenteabilidade de produtos farmacêuticos na Grécia até 7 de outubro de 1992, a patente da Daiichi Sankyo, pedida em 20 de junho de 1986 e concedida em 21 de outubro de 1986, não protegia, inicialmente, o princípio ativo levofloxacina hemi-hidratada enquanto tal. O referido órgão jurisdicional não exclui, todavia, que a patenteabilidade de produtos farmacêuticos imposta pelo artigo 27.o do acordo TRIPS tenha por consequência, à luz das regras enunciadas no artigo 70.o do referido acordo, que os direitos de patente da Daiichi Sankyo abranjam, desde a entrada em vigor do acordo TRIPS, o referido princípio ativo. Os órgãos jurisdicionais helénicos dividem-se quanto ao alcance dessas disposições do acordo TRIPS.

    31

    O Polymeles Protodikeio Athinon interroga-se, de resto, se lhe compete a ele ou, pelo contrário, ao Tribunal de Justiça interpretar o artigo 27.o do acordo TRIPS. Esta questão de competência está ligada à questão de saber se a referida disposição se inclui num domínio no qual os Estados-Membros continuam a ser competentes a título principal.

    32

    Foi nestas condições que o Polymeles Protodikeio Athinon decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)

    O artigo 27.o do [a]cordo TRIPS, que define o âmbito da proteção das patentes, está ou não incluído num domínio no qual os Estados-Membros mantêm a competência a título principal e, em caso de resposta afirmativa, os mesmos Estados-Membros têm liberdade para reconhecer efeito direto à referida disposição e o tribunal nacional pode ou não aplicar diretamente a referida disposição, nas condições previstas pela sua ordem jurídica?

    2)

    Nos termos do artigo 27.o do [a]cordo TRIPS, os produtos químicos e farmacêuticos podem ou não ser objeto de patente, sempre que satisfaçam as condições de concessão, e, em caso de resposta afirmativa, qual é o seu nível de proteção?

    3)

    Nos termos dos artigos 27.° e 70.° do [a]cordo TRIPS, as patentes incluídas na reserva constante do artigo 167.o, n.o 2, da [CPE] e concedidas antes de 7 de fevereiro de 1992, isto é, antes da entrada em vigor do referido [a]cordo, relativas à invenção de produtos farmacêuticos que, embora, em virtude da referida reserva, protejam apenas o seu processo de fabrico, beneficiam da proteção prevista para todas as patentes em aplicação do [a]cordo TRIPS e, em caso de resposta afirmativa, quais são o alcance e o objeto da proteção; isto é, depois da entrada em vigor do referido [a]cordo são protegidos também os próprios produtos farmacêuticos ou a proteção continua válida apenas para o seu processo de fabrico, ou deve distinguir se ainda em função do conteúdo do pedido de concessão, ou seja, em função de resultar da descrição da invenção e das expectativas associadas que esse pedido se destina a obter ab initio a proteção de um produto, de um processo de fabrico ou de ambos?»

    33

    Por carta de 20 de junho de 2012, entrada no Tribunal de Justiça após o fim das fases escrita e oral, a Sanofi-Aventis e a DEMO comunicaram que, na sequência da conclusão de um acordo extrajudicial, a Sanofi-Aventis desistiu da sua participação na ação intentada conjuntamente com a Daiichi Sankyo contra a DEMO. Na mesma carta, indicam que esta desistência é irrelevante para os direitos e pedidos que a Daiichi Sankyo e a DEMO conservam uma relativamente à outra.

    Quanto às questões prejudiciais

    Quanto à admissibilidade

    34

    A DEMO declara nas suas observações escritas que o pedido de decisão prejudicial é desprovido de pertinência, tendo a patente de base e o CCP da Daiichi Sankyo expirado.

    35

    Segundo jurisprudência constante, o Tribunal de Justiça só pode recusar-se a responder a uma questão submetida à sua apreciação por um órgão jurisdicional nacional quando for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem qualquer relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não disponha dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe foram submetidas (v., designadamente, acórdãos de 13 de março de 2001, PreussenElektra, C-379/98, Colet., p. I-2099, n.o 39; de 5 de dezembro de 2006, Cipolla e o., C-94/04 e C-202/04, Colet., p. I-11421, n.o 25, e de 15 de novembro de 2012, Bericap Záródástechnikai, C-180/11, n.o 58).

    36

    No caso concreto, o órgão jurisdicional de reenvio solicita, com a sua segunda e terceira questões, uma interpretação dos artigos 27.° e 70.° do acordo TRIPS que, em seu entender, é indispensável para examinar as afirmações da Daiichi Sankyo a respeito da alegada violação dos seus direitos de patente por parte da DEMO.

    37

    Ao contrário do que sugere a DEMO, não é manifesto que o objeto do litígio no processo principal tenha desparecido e que, desta forma, a interpretação solicitada não apresente nenhuma relação com a realidade ou o objeto do litígio no processo principal.

    38

    Com efeito, nada na decisão de reenvio, que foi adotada pouco antes de o CCP do qual a Daiichi Sankyo era titular expirar, leva a pensar que o litígio ficaria sem objeto a partir dessa expiração. Pelo contrário, afigura-se que alguns dos pedidos deduzidos pela Daiichi Sankyo ainda podiam ser utilmente acolhidos pelo órgão jurisdicional de reenvio se este devesse concluir que a DEMO violou a proteção conferida por esse CCP. É esse o caso, em especial, para o pedido de acesso aos dados relativos ao fabrico e à venda de Talerin e ao pedido de apreensão e de destruição de embalagens de Talerin, tendo alguns deles podido ser fabricados e postos à venda antes da expiração do referido CCP e encontrar-se ainda na posse da DEMO ou de terceiros.

    39

    Nestas condições, o pedido de decisão prejudicial deve ser considerado admissível.

    Quanto à primeira questão

    40

    Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 27.o do acordo TRIPS pertence a um domínio no qual os Estados-Membros são competentes a título principal e, em caso de resposta afirmativa, se os órgãos jurisdicionais nacionais podem reconhecer um efeito direto a esta disposição, nas condições previstas no direito nacional.

    41

    O acordo TRIPS foi celebrado pela Comunidade e por todos os seus Estados-Membros no exercício de uma competência partilhada (acórdãos de 14 de dezembro de 2000, Dior e o., C-300/98 e C-392/98, Colet., p. I-11307, n.o 33, e de 11 de setembro de 2007, Merck Genéricos — Produtos Farmacêuticos, C-431/05, Colet., p. I-7001, n.o 33). Nestas condições, as partes no processo principal e os governos que apresentaram observações alegam que, para responder à primeira questão submetida, importa examinar se, no estado atual de evolução do direito, a União Europeia exerceu as suas competências no domínio das patentes ou, mais especificamente, da patenteabilidade.

    42

    A este respeito, invocam a jurisprudência em matéria de acordos mistos segundo a qual, para definir a linha divisória entre as obrigações que a União assume e as que continuam exclusivamente a cargo dos Estados-Membros, há que determinar se, no domínio abrangido pelo artigo em causa do acordo visado, a União exerceu as suas competências e adotou disposições relativas ao cumprimento das obrigações que daí decorrem (acórdão de 8 de março de 2011, Lesoochranárske zoskupenie, C-240/09, Colet., p. I-1255, n.os 31, 32 e jurisprudência referida).

    43

    A Comissão Europeia defende, pelo contrário, que a referida jurisprudência já não é pertinente para o acordo TRIPS, uma vez que se aplica apenas aos acordos que se inserem na esfera de competência partilhada entre a União e os Estados-Membros e não àqueles relativamente aos quais a União tem competência exclusiva. A Comissão alega que o acordo TRIPS tem por objeto os «aspetos comerciais da propriedade intelectual» na aceção do artigo 207.o, n.o 1, TFUE. Por conseguinte, o referido acordo insere-se, doravante, integralmente no domínio da política comercial comum.

    44

    Importa examinar, desde logo, esta tese da Comissão, sobre a qual, aliás, incidiu de forma específica a fase oral no Tribunal de Justiça. Nesta fase, os governos que nela participaram responderam à referida tese que a maioria das normas do acordo TRIPS, como as relativas à patenteabilidade constante do artigo 27.o deste, apenas abordam indiretamente o comércio internacional e, por conseguinte, não se inserem no domínio da política comercial comum. A questão da patenteabilidade insere-se nas competências partilhadas no âmbito do mercado interno.

    Considerações preliminares

    45

    Nos termos do artigo 207.o, n.o 1, TFUE, «[a] política comercial comum assenta em princípios uniformes, designadamente no que diz respeito às modificações pautais, à celebração de acordos pautais e comerciais sobre comércio de mercadorias e serviços, e aos aspetos comerciais da propriedade intelectual, ao investimento estrangeiro direto, à uniformização das medidas de liberalização, à política de exportação, bem como às medidas de defesa comercial […]. A política comercial comum é conduzida de acordo com os princípios e objetivos da ação externa da União».

    46

    A referida disposição, que entrou em vigor em 1 de dezembro de 2009, difere sensivelmente das disposições que essencialmente substituiu, designadamente as que se inseriam no artigo 133.o, n.os 1, 5, primeiro parágrafo, 6, segundo parágrafo, e 7, CE.

    47

    Difere ainda mais da disposição em vigor quando da celebração do acordo TRIPS, a saber, o artigo 113.o do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 133.o CE). Este artigo previa, no seu n.o 1, que «[a] política comercial comum assenta em princípios uniformes, designadamente no que diz respeito às modificações pautais, à celebração de acordos pautais e comerciais, à uniformização das medidas de liberalização, à política de exportação, bem como às medidas de proteção do comércio». Os aspetos comerciais da propriedade intelectual não eram mencionados nem nesse número nem noutro do referido artigo 113.o

    48

    Tendo em conta essa evolução significativa do direito primário, a questão da repartição das competências da União e das dos Estados-Membros deve ser examinada com fundamento no Tratado atualmente em vigor (v., por analogia, parecer 1/08, de 30 de novembro de 2009, Colet., p. I-11129, n.o 116). Assim, nem o parecer 1/94, de 15 de novembro de 1994 (Colet., p. I-5267), no qual o Tribunal de Justiça determinou à luz do artigo 113.o do Tratado CE que disposições do acordo TRIPS pertenciam à política comercial comum e, portanto, à competência exclusiva da Comunidade, nem o acórdão Merck Genéricos — Produtos Farmacêuticos, já referido, que fixava, numa altura em que o artigo 133.o CE estava em vigor, a linha divisória entre as obrigações que decorriam do acordo TRIPS que a União assumia e as que continuavam a cargo dos Estados-Membros, são pertinentes para determinar em que medida o acordo TRIPS se insere, a partir da entrada em vigor do Tratado FUE, na competência exclusiva da União em matéria de política comercial comum.

    Quanto ao conceito de «aspetos comerciais da propriedade intelectual»

    49

    Resulta do artigo 207.o, n.o 1, TFUE que a política comercial comum, que, em conformidade com o artigo 3.o, n.o 1, alínea e), TFUE, se insere na competência exclusiva da União, tem por objeto, designadamente, os «aspetos comerciais da propriedade intelectual».

    50

    Como resulta da mesma disposição, e em especial da sua segunda frase nos termos da qual a política comercial comum se insere no âmbito «[d]a ação externa da União», a referida política é relativa às trocas comerciais com os Estados terceiros e não às trocas no mercado interno.

    51

    É igualmente pacífico que a mera circunstância de um ato da União, como um acordo celebrado por esta, poder ter determinadas implicações nas trocas internacionais não basta para concluir que esse ato deve ser classificado na categoria dos atos que integram a política comercial comum. Em contrapartida, um ato da União só se insere na política comercial comum quando verse especificamente sobre as trocas comerciais internacionais, na medida em que se destine essencialmente a promover, a facilitar ou a regular as trocas comerciais e tenha efeitos diretos e imediatos nestas (v. parecer 2/00, de 6 de dezembro de 2001, Colet., p. I-9713, n.o 40; acórdãos de 12 de maio de 2005, Regione autonoma Friuli-Venezia Giulia e ERSA, C-347/03, Colet., p. I-3785, n.o 75, e de 8 de setembro de 2009, Comissão /Parlamento e Conselho, C-411/06, Colet., p. I-7585, n.o 71).

    52

    Daqui decorre que, entre as normas adotadas pela União em matéria de propriedade intelectual, só as que apresentam uma ligação específica com as trocas comerciais internacionais são suscetíveis de se integrarem no conceito de «aspetos comerciais da propriedade intelectual» referido no artigo 207.o, n.o 1, TFUE e, assim, no domínio da política comercial comum.

    53

    É esse o caso das normas constantes do acordo TRIPS. Ainda que essas normas não tenham por objeto as modalidades, aduaneiras ou outras, das operações de comércio internacional enquanto tais, apresentam uma ligação específica com as trocas internacionais. Com efeito, o referido acordo faz parte integrante do regime da OMC e constitui um dos acordos multilaterais principais nos quais o regime se baseia.

    54

    Esta especificidade da ligação com as trocas internacionais é designadamente ilustrada pelo facto de o memorando de entendimento sobre as regras e processos que regem a resolução dos litígios, que constitui o anexo 2 do acordo que institui a OMC e se aplica ao acordo TRIPS, autorizar, por força do seu artigo 22.o, n.o 3, a suspensão de concessões de forma cruzada entre esse acordo e os outros acordos multilaterais principais que constituem o acordo que institui a OMC.

    55

    Além disso, ao prever, no artigo 207.o, n.o 1, TFUE, que os «aspetos comerciais da propriedade intelectual» doravante se inserem plenamente na política comercial comum, os autores do Tratado FUE não puderam ignorar que os termos assim inseridos na referida disposição correspondem quase literalmente ao próprio título do acordo TRIPS.

    56

    A existência de uma ligação específica entre o acordo TRIPS e as trocas internacionais que justifiquem concluir que este acordo cabe no domínio da política comercial comum não é infirmada pela argumentação dos governos que participaram na fase oral segundo a qual, pelo menos, as disposições da parte II do acordo TRIPS, relativa às normas sobre a existência, o âmbito e o exercício dos direitos de propriedade intelectual, entre as quais figura o artigo 27.o do referido acordo, se incluem no domínio do mercado interno por força, designadamente, dos artigos 114.° TFUE e 118.° TFUE.

    57

    Com efeito, esta argumentação não tem suficientemente em conta o objetivo do acordo TRIPS em geral e a sua parte II em especial.

    58

    O objetivo essencial do acordo TRIPS é o de reforçar e harmonizar a proteção da propriedade intelectual à escala mundial (acórdão de 13 de setembro de 2001, Schieving-Nijstad e o., C-89/99, Colet., p. I-5851, n.o 36). Como resulta do preâmbulo, o acordo TRIPS tem por objetivo reduzir as distorções do comércio internacional garantindo, no território de cada um dos membros da OMC, uma proteção eficaz e adequada dos direitos de propriedade intelectual. A parte II deste acordo contribui para a realização desse objetivo ao enunciar, para cada uma das principais categorias de direitos de propriedade intelectual, normas que devem ser aplicadas por cada membro da OMC.

    59

    É certo que, após a entrada em vigor do Tratado FUE, continua a ser inteiramente legítimo que a União legisle, a respeito dos direitos de propriedade intelectual, ao abrigo das competências que se inserem no domínio do mercado interno. Todavia, os atos adotados com esse fundamento e destinados a valer especificamente para a União devem respeitar as normas relativas à existência, ao âmbito e ao exercício dos direitos de propriedade intelectual contidas no acordo TRIPS, permanecendo estas normas destinadas, como anteriormente, a uniformizar certas regras na matéria a nível mundial e a facilitar, assim, as trocas internacionais.

    60

    Assim, como a Comissão observou, o facto de se considerar as normas contidas no artigo 27.o do acordo TRIPS a respeito do objeto patenteável como pertencentes ao domínio da política comercial comum, e não ao domínio do mercado interno, traduz corretamente o facto de essas normas se inserirem no quadro da liberalização das trocas internacionais e não no da harmonização das legislações dos Estados-Membros da União.

    61

    Face às considerações anteriores, há que responder à primeira parte da primeira questão submetida que o artigo 27.o do acordo TRIPS faz parte do domínio da política comercial comum.

    62

    Tendo em conta a resposta dada à primeira parte da referida questão, não há que examinar a segunda parte da mesma.

    Quanto à segunda questão

    63

    Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a invenção de um produto farmacêutico, como o composto químico ativo de um medicamento, é um objeto patenteável na aceção do artigo 27.o do acordo TRIPS e, em caso de resposta afirmativa, qual é o alcance da proteção conferida por uma patente relativa a esse produto.

    64

    A DEMO não tomou posição específica sobre essa questão. A Daiichi Sankyo, os governos que apresentaram observações escritas e a Comissão consideram todos que decorre da redação do próprio acordo TRIPS que as invenções de produtos farmacêuticos são patenteáveis.

    65

    Esta tese deve ser acolhida. Com efeito, o artigo 27.o, n.o 1, do acordo TRIPS enuncia que qualquer invenção, de produto ou de processo, que seja nova, que envolva uma atividade inventiva e que seja suscetível de aplicação industrial é patenteável, desde que se insira num domínio tecnológico.

    66

    Quanto a esta última condição, é forçoso concluir que a farmacologia é considerada, pelas partes contratantes do acordo TRIPS, um domínio tecnológico na aceção do referido artigo 27.o, n.o 1. Tal resulta, designadamente, como observaram o Governo italiano e a Comissão, do artigo 70.o, n.o 8, do acordo TRIPS, que é uma disposição transitória que visa os casos em que «a partir da data de entrada em vigor do [acordo que institui a OMC], um membro não conceda a proteção ao abrigo de uma patente em relação a produtos farmacêuticos […] de acordo com as suas obrigações nos termos do artigo 27.o» e que dispõe que, nesses casos, o membro da OMC em causa deve pelo menos facultar, a contar da referida data, «um meio para depósito dos pedidos de patentes relativos a essas invenções». Como decorre da redação desta disposição, o artigo 27.o do acordo TRIPS inclui a obrigação de tornar patenteáveis as invenções de produtos farmacêuticos.

    67

    Esta conclusão não é, de resto, de modo algum infirmada pelos n.os 2 e 3 do referido artigo 27.o A primeira destas duas disposições permite aos membros da OMC excluir da patenteabilidade as invenções cuja exploração comercial é necessário impedir por razões imperiosas de interesse geral, ao passo que a segunda os autoriza a excluir da patenteabilidade determinados produtos e processos, entre os quais figuram «os métodos diagnósticos, terapêuticos e cirúrgicos para o tratamento de pessoas ou animais». Ora, sob pena de privar os artigos 27.°, n.o 1, e 70.°, n.o 8, do acordo TRIPS do seu efeito útil, essas derrogações previstas pelo referido artigo 27.o, n.os 2 e 3, não podem ser interpretadas no sentido de que permitem prever uma exclusão geral para as invenções de produtos farmacêuticos.

    68

    Face ao exposto, importa responder à primeira parte da segunda questão submetida que o artigo 27.o do acordo TRIPS deve ser interpretado no sentido de que a invenção de um produto farmacêutico, como o composto químico ativo de um medicamento, é, na falta de uma derrogação ao abrigo dos n.os 2 ou 3 deste artigo, suscetível de ser objeto de uma patente nas condições enunciadas no n.o 1 do referido artigo.

    69

    Na medida em que a segunda questão submetida tem igualmente por objeto o alcance da proteção conferida por uma patente a um produto farmacêutico, basta observar, no quadro do presente pedido de decisão prejudicial, que o artigo 27.o do acordo TRIPS diz respeito à patenteabilidade e não à proteção conferida por uma patente. O âmbito da proteção conferida por uma patente rege-se, designadamente, pelos artigos 28.°, intitulado «Direitos conferidos», 30.°, com a epígrafe «Exceções aos direitos conferidos», e 33.°, com a epígrafe «Duração da proteção», do acordo TRIPS. Como não resulta da decisão de reenvio que uma interpretação destas outras disposições seria útil para a solução do litígio no processo principal, não há que responder à segunda parte da segunda questão submetida.

    Quanto à terceira questão

    70

    Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, no essencial, saber se se deve considerar que uma patente que é obtida na sequência de um pedido que reivindica a invenção tanto do processo de fabrico de um produto farmacêutico como do produto farmacêutico enquanto tal, mas que apenas foi concedida para o processo de fabrico, abrange, contudo, em razão das regras enunciadas nos artigos 27.° e 70.° do acordo TRIPS, a partir da entrada em vigor desse acordo, a invenção do referido produto farmacêutico.

    71

    A DEMO, os Governos helénico, português e do Reino Unido, bem como a Comissão, consideram que importa responder à referida questão pela negativa. A Daiichi Sankyo e o Governo italiano defendem a tese inversa e baseiam-na, respetivamente, no n.o 2 e no n.o 8 do artigo 70.o do acordo TRIPS.

    72

    Cumpre referir, desde logo, que a resposta à terceira questão não pode, no quadro do presente pedido de decisão prejudicial, basear-se no artigo 70.o, n.o 8, do acordo TRIPS.

    73

    Com efeito, é pacífico que a República Helénica reconheceu a patenteabilidade de produtos farmacêuticos a partir de 8 de outubro de 1992, ou seja, muito antes da entrada em vigor do acordo TRIPS. Além disso, nenhum elemento dos autos submetido ao Tribunal de Justiça leva a pensar que a compatibilidade entre as condições dessa patenteabilidade e as enunciadas no artigo 27.o do acordo TRIPS é contestada. Assim, há que considerar que a situação jurídica da República Helénica nunca foi aquela, visada no referido n.o 8, em que «a partir da data de entrada em vigor do [acordo que institui a OMC], um membro não conceda a proteção ao abrigo de uma patente em relação a produtos farmacêuticos […] de acordo com as suas obrigações nos termos do artigo 27.o».

    74

    No que diz respeito, em seguida, à regra enunciada no artigo 70.o, n.o 2, do acordo TRIPS segundo a qual este acordo «estabelece obrigações relativamente a todos os objetos existentes à data de aplicação do acordo ao membro em questão», há que examinar se esta tem, em circunstâncias como as do processo principal, incidência na interpretação do Regulamento n.o 1768/92.

    75

    A este respeito, importa recordar que o litígio no processo principal tem por objeto determinar se o CCP do qual a Daiichi Sankyo era titular entre o ano de 2006 e o ano de 2011, ou seja, no período durante o qual a DEMO se preparava para comercializar medicamentos que continham o produto farmacêutico levofloxacina hemi-hidratada, cobria a invenção desse produto farmacêutico ou apenas a invenção do processo de fabrico desse produto.

    76

    Por força dos artigos 4.° e 5.° do Regulamento n.o 1768/92, a proteção conferida pelo referido CCP estava sujeita aos mesmos limites que os impostos à proteção conferida pela patente de base.

    77

    Tendo a referida patente de base sido concedida em 1986, a primeira parte da sua duração sobrepunha-se à última parte da duração de validade da reserva concedida pela República Helénica em conformidade com o artigo 167.o, n.o 2, da CPE. Se é verdade que, apesar de esta reserva não se aplicar formalmente à patente da Daiichi Sankyo, dado ser uma patente nacional e não uma patente europeia, resulta no entanto das explicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio e retomadas nos n.os 20 e 21 do presente acórdão que, em conformidade com a Lei 1733/1987, a referida reserva se aplicava por analogia às patentes nacionais.

    78

    Embora caiba ao órgão jurisdicional de reenvio verificá-lo, parece resultar das mesmas explicações que a precisão que figura no artigo 167.o, n.o 5, da CPE, nos termos da qual «[o]s efeitos [da reserva referida no n.o 2] subsistem durante toda a duração [das patentes em causa]», também era aplicável por analogia às patentes nacionais, tendo por consequência que a patente nacional da Daiichi Sankyo e o CCP que resultam dessa patente não produziam efeitos relativamente à invenção do produto farmacêutico, apesar da patenteabilidade de produtos farmacêuticos a partir de 8 de outubro de 1992.

    79

    Ora, como observaram designadamente a DEMO e o Governo do Reino Unido, independentemente do alcance exato que deve ser concedido à regra enunciada no artigo 70.o, n.o 2, do acordo TRIPS e da ponderação a operar entre essa regra e a que figura no n.o 1 do mesmo artigo, segundo a qual o acordo TRIPS «não cria obrigações relativamente a atos ocorridos antes da data de aplicação do acordo ao membro em questão», não se pode considerar que a proteção dos objetos existentes, referida no artigo 70.o do acordo TRIPS, possa consistir em atribuir a uma patente efeitos que esta nunca teve.

    80

    É certo que resulta do referido artigo 70.o, n.o 2, lido em conjugação com o artigo 65, n.o 1, do acordo TRIPS, que qualquer membro da OMC é, a partir da entrada em vigor do acordo que institui a OMC ou, o mais tardar, no termo de um ano após essa data, obrigado a dar cumprimento a todas as obrigações que resultam do acordo TRIPS quanto a objetos existentes (acórdão de 16 de novembro de 2004, Anheuser-Busch, C-245/02, Colet., p. I-10989, n.o 49). Esses objetos existentes incluem as invenções que estão protegidas por uma patente na referida data no território do membro da OMC em causa [v., nesse sentido, relatório do órgão de recurso da OMC, proferido em 18 de setembro de 2000, Canadá — Duração da proteção conferida por uma patente (AB-2000-7), WT/DS170/AB/R, n.os 65 e 66].

    81

    No entanto, qualificar a invenção do produto farmacêutico levofloxacina hemi-hidratada de protegida, por força da patente da Daiichi Sankyo, na data de aplicação para a República Helénica do acordo TRIPS, quando essa invenção não estava precisamente protegida por força das regras que até então regulavam as patentes, só seria possível se este acordo fosse interpretado no sentido de obrigar os membros da OMC a converter, por ocasião e pelo mero facto da entrada em vigor do referido acordo, invenções reivindicadas em invenções protegidas. No entanto, essa obrigação não pode ser deduzida do acordo TRIPS e excederia o sentido habitual dos termos «objetos existentes».

    82

    Uma leitura conjugada dos artigos 27.° e 70.° do acordo TRIPS não leva a outra conclusão. É verdade, como resulta da análise da segunda questão submetida, que o artigo 27.o do acordo TRIPS obriga os membros da OMC a preverem a possibilidade de obter uma patente para invenções de produtos farmacêuticos. Todavia, esta obrigação não pode ser entendida no sentido de que os membros da OMC que, num período anterior à data de entrada em vigor do referido acordo, excluíam a proteção das invenções de produtos farmacêuticos reivindicadas nas patentes concedidas para invenções de processos de fabrico desses produtos, devem, a partir dessa data, considerar que essas patentes abrangem as referidas invenções de produtos farmacêuticos.

    83

    Face ao exposto, cumpre responder à terceira questão que não se deve considerar que uma patente que é obtida na sequência de um pedido que reivindica a invenção tanto do processo de fabrico de um produto farmacêutico como do produto farmacêutico enquanto tal, mas que apenas foi concedida para o processo de fabrico, abrange, em razão das regras enunciadas nos artigos 27.° e 70.° do acordo TRIPS, a partir da entrada em vigor deste acordo, a invenção do referido produto farmacêutico.

    Quanto às despesas

    84

    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

     

    1)

    O artigo 27.o do Acordo sobre os Aspetos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio, que constitui o anexo 1 C do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio (OMC), assinado em Marraquexe, em 15 de abril de 1994, e aprovado pela Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986/1994), faz parte da política comercial comum.

     

    2)

    O artigo 27.o Acordo sobre os Aspetos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio deve ser interpretado no sentido de que a invenção de um produto farmacêutico, como o composto químico ativo de um medicamento, é, na falta de uma derrogação ao abrigo dos n.os 2 ou 3 deste artigo, suscetível de ser objeto de uma patente nas condições enunciadas no n.o 1 do referido artigo.

     

    3)

    Não se deve considerar que uma patente que é obtida na sequência de um pedido que reivindica a invenção tanto do processo de fabrico de um produto farmacêutico como do produto farmacêutico enquanto tal, mas que apenas foi concedida para o processo de fabrico, abrange, em razão das regras enunciadas nos artigos 27.° e 70.° do Acordo sobre os Aspetos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio, a partir da entrada em vigor deste acordo, a invenção do referido produto farmacêutico.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: grego.

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