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Document 62011CC0228

Conclusões do advogado-geral Jääskinen apresentadas em 29 de Novembro de 2012.
Melzer contra MF Global UK Ltd.
Pedido de decisão prejudicial: Landgericht Düsseldorf - Alemanha.
Cooperação judiciária em matéria civil - Competências especiais em matéria de responsabilidade extracontratual - Participação transfronteiriça de várias pessoas num mesmo ato ilícito - Possibilidade de determinar a competência territorial em função do lugar do ato cometido por um autor do dano diferente do demandado (‘wechselseitige Handlungsortzurechnung’).
Processo C-228/11.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2012:766

CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

NIILO JÄÄSKINEN

apresentadas em 29 de novembro de 2012 ( 1 )

Processo C-228/11

Melzer

contra

MF Global UK Ltd

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Landgericht Düsseldorf (Alemanha)]

«Competência judiciária em matéria civil e comercial — Interpretação do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 44/2001 — Competência especial em matéria de responsabilidade extracontratual — Participação transfronteiriça de várias pessoas num mesmo ato alegadamente danoso — Possibilidade eventual de fixar a competência de órgão jurisdicional de um Estado-Membro relativamente a um réu domiciliado noutro Estado-Membro por ter sido o local onde foi cometido o facto gerador por um alegado coautor ou cúmplice não demandado na ação de ressarcimento dos danos»

I — Introdução

1.

O pedido de decisão prejudicial submetido pelo Landgericht Düsseldorf (Alemanha) tem por objeto a interpretação do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial ( 2 ), e mais exatamente a definição do «lugar onde ocorreu o facto danoso», no sentido da regra de competência em matéria de responsabilidade extracontratual prevista naquela norma, quando alguns dos elementos constitutivos do facto presumivelmente ocorreram em dois Estados-Membros diferentes e outros no interior de um deles.

2.

Tendo sido proposta uma ação de responsabilidade civil de natureza transfronteiriça no órgão jurisdicional de reenvio, este interroga-se, para decidir quanto à sua própria competência ratione loci para julgar a ação, se um dos presumíveis responsáveis pelos prejuízos alegados, e que tem domicílio num Estado-Membro ( 3 ), pode ser demandado perante um tribunal de um outro Estado-Membro, em virtude do lugar em que um cúmplice ou coautor cometeu um ato ilícito, embora este não seja demandado na ação.

3.

Nos termos da decisão de reenvio, o Landgericht Düsseldorf sugere ao Tribunal de Justiça que consagre um novo âmbito de competência, que permitiria ao autor uma opção complementar ( 4 ) relativamente à alternativa principal resultante da distinção a que procede há bastante tempo a jurisprudência, no caso de uma dispersão no espaço dos atos delituais, entre o lugar onde ocorreu o dano e o lugar do facto gerador ( 5 ), ou seja, uma competência que tem por base o lugar do ato cometido por outro autor do ato danoso, diferente do réu, de acordo com uma regra que existe em direito interno alemão ( 6 ).

4.

O presente processo revela, uma vez mais, a propensão de alguns tribunais dos Estados-Membros para considerarem que o Regulamento n.o 44/2001 pode ser interpretado atendendo a particularismos nacionais, convidando o Tribunal de Justiça a admitir os seus efeitos a um nível transfronteiriço ( 7 ), não obstante a tendência fundamentalmente unificadora deste diploma do direito da União. Além da sua importância notável nesta perspetiva teórica, afigura-se que o caso em apreço deverá também ter um impacto considerável no plano prático, de acordo com os elementos fornecidos pelas partes ao Tribunal de Justiça ( 8 ).

II — Quadro jurídico

5.

O Regulamento n.o 44/2001, como resulta do seu considerando 2, tem por objetivo, no interesse do bom funcionamento do mercado interno, aplicar «disposições que permitam unificar as regras de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial […]».

6.

O considerando 11 do referido regulamento enuncia que «[a]s regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e devem articular-se em torno do princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido e que tal competência deve estar sempre disponível, exceto em alguns casos bem determinados em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam outro critério de conexão».

7.

O considerando 12 do mesmo regulamento prevê que «[o] foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça».

8.

O considerando 15 deste regulamento indica que «[o] funcionamento harmonioso da justiça a nível comunitário obriga a minimizar a possibilidade de instaurar processos concorrentes e a evitar que sejam proferidas decisões inconciliáveis em dois Estados-Membros competentes […]».

9.

As disposições relativas à competência incluem-se no capítulo II do Regulamento n.o 44/2001.

10.

O artigo 2.o, n.o 1, do mesmo regulamento, que figura na secção 1 do capítulo II, sob a epígrafe «Disposições gerais», está assim redigido:

«Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado.»

11.

O artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento, inserido na mesma secção, prevê que: «[a]s pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado-Membro por força das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo».

12.

O artigo 5.o, n.os 1 e 3, do Regulamento n.o 44/2011, integrado na secção 2 do capítulo II, relativo às «Competências especiais», prevê o seguinte:

«Uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada noutro Estado-Membro:

1)

a)

Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;

b)

Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será:

no caso da venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues,

no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados;

c)

Se não se aplicar a alínea b), será aplicável a alínea a);

[…]

3)

Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso.»

13.

O artigo 6.o, n.o 1, do referido regulamento, que pertence à mesma secção, enuncia que «[u]ma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode também ser demandada […] se houver vários requeridos, perante o tribunal do domicílio de qualquer um deles, desde que os pedidos estejam ligados entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídos e julgados simultaneamente para evitar soluções que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente».

III — Litígio no processo principal, questão prejudicial e tramitação no Tribunal de Justiça

14.

Sr. Melzer, com domicílio em Berlim (Alemanha), foi contactado telefonicamente e o seu caso foi acompanhado pela sociedade Weise Wertpapier Handelsunternehmen (a seguir «W.W.H.»), com sede em Düsseldorf. A sociedade abriu uma conta no nome de Melzer junto da MF Global UK Ltd (a seguir «MF Global UK»), sociedade de corretagem com sede em Londres (Reino Unido), que com base nesta conta realizou operações bolsistas no mercado de futuros a favor do interessado contra o pagamento de uma remuneração.

15.

Entre 2002 e 2003, Sr. Melzer procedeu a vários depósitos nessa conta num montante total de 172000 euros. Em 9 de julho de 2003, a MF Global UK entregou-lhe um montante de 924,88 euros. Faturou-lhe uma comissão de 120 USD, dos quais retirou 25 USD e devolveu à W.W.H. a diferença de 95 USD.

16.

M.Melzer propôs uma ação no Landgericht Düsseldorf pedindo a condenação da MF Global UK no pagamento de uma indemnização que cobrisse a diferença entre o que ele pagou e o que recebeu no âmbito dessas operações, ou seja, a quantia de 171075,12 euros, acrescidos de juros ( 9 ).

17.

Em apoio do seu pedido, Sr. Melzer alegou não ter sido suficientemente informado dos riscos ligados às operações bolsistas no mercado de futuros, tratando-se de contratos de opções, nem pela W.W.H. nem pela MF Global UK. Em seu entender, os documentos entregues pela W.W.H. ( 10 ) não cumpriam os requisitos de uma informação suficiente do cliente sobre esses riscos, tal como é exigida pela jurisprudência alemã. Também não foi informado de forma objetiva sobre a convenção de comissões ocultas, dita «kickback agreement», celebrada entre a MF Global UK e a W.W.H., e sobre o conflito de interesses daí resultante. Além disso, Sr. Melzer sustentou que a comissão cobrada pela MF Global UK foi excessiva. Alegou que esta lhe devia pagar uma indemnização pelos prejuízos causados por concurso intencional e ilícito na concretização do dano praticado pela W.W.H.

18.

A MF Global UK contestou a competência ratione loci do Landgericht Düsseldorf e pediu também a absolvição do pedido.

19.

O órgão jurisdicional de reenvio salienta que as disposições do Regulamento n.o 44/2001 são aplicáveis no âmbito do litígio no processo principal, uma vez que a ré é uma pessoa coletiva com sede estatutária situada num Estado Membro. Embora esclarecendo que nenhum pacto atributivo de jurisdição existe no caso presente ( 11 ), o órgão jurisdicional de reenvio considera que a competência internacional dos tribunais alemães tem por base o artigo 5.o, n.o 3, deste regulamento porque o dano ocorreu na Alemanha. Refere também o órgão jurisdicional de reenvio que segundo Sr. Melzer o prejuízo pecuniário cujo ressarcimento reclama ocorreu na Alemanha, porque foi nesse país que procedeu às transferências para a sua conta de Londres, e que o prejuízo sofrido no seu saldo credor se produziu na sua conta bancária nesse Estado-Membro.

20.

Em contrapartida, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à sua própria competência territorial ao abrigo do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001. Lembra que, por aplicação desta disposição, o réu pode ser demandado, à escolha do autor, quer no tribunal do lugar em que ocorreu o dano, o chamado «lugar de realização do dano», quer no tribunal do lugar da atividade causal, o chamado «lugar do facto gerador», quando estes lugares não forem idênticos. O órgão jurisdicional de reenvio entende que o dano ocorreu em Berlim, onde Sr. Melzer tem o seu domicílio, e não em Düsseldorf, onde o tribunal tem assento. Tendo em conta esta situação do «lugar de realização» do dano, o «lugar do facto gerador» é determinante no caso presente. Ora, como a MF Global UK apenas opera em Londres, a competência territorial só poderá basear-se na atividade da W.W.H. em Düsseldorf.

21.

No entender do órgão jurisdicional de reenvio, esse elemento de conexão existe em direito alemão, uma vez que se prevê que, no caso de participação de várias pessoas num ato danoso, cada uma delas é corresponsável pela contribuição das outras para a realização desse ato. No caso presente, face às alegações de Sr. Melzer de acordo com as quais a MF Global UK prestou intencionalmente, pelo menos, assistência à W.W.H. na prática dos atos ilícitos por esta cometidos na Alemanha, mais concretamente em Düsseldorf, é concebível que a competência do referido órgão jurisdicional tenha por base o lugar de atuação desse coautor ou cúmplice ( 12 ).

22.

Como o Regulamento n.o 44/2001 prevê nenhuma norma de conexão deste tipo para o ato de um terceiro que justifique a competência internacional ou local, coloca-se a questão de saber se se deve interpretar o artigo 5.o, n.o 3, do referido regulamento no sentido de que o ato delituoso do autor principal ou de um cúmplice pode também justificar a competência internacional ou territorial relativamente ao demandado. O órgão jurisdicional de reenvio refere que existe uma divergência de opiniões nesta matéria, quer na jurisprudência nacional quer na doutrina.

23.

Neste contexto, por decisão registada em 16 de maio de 2011, o Landgericht Düsseldorf decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça a questão prejudicial seguinte:

«Em caso de participação transfronteiriça de várias pessoas num ato ilícito, para a determinação do lugar onde ocorreu o facto danoso é admissível, no âmbito da competência em matéria extracontratual prevista no artigo 5.o, [n.o] 3, do Regulamento […] n.o 44/2001, considerar em alternativa que o lugar onde ocorreu o referido facto é o lugar do facto gerador?»

24.

Foram apresentadas observações escritas ao Tribunal de Justiça por Sr. Melzer e pela MF Global UK, pelos Governos alemão, checo, português e suíço e pela Comissão Europeia.

25.

Na audiência de 5 de julho de 2012, estavam representados Sr. Melzer, a MF Global UK, o Governo alemão, e a Comissão.

IV — Apreciação

26.

Tendo em conta a formulação da questão prejudicial, cujos contornos podem parecer um pouco vagos, parece-me necessário começar por enquadrar o objeto bem como o que está em causa neste pedido de decisão prejudicial, antes de propor uma resposta.

A — Quanto ao alcance da questão prejudicial

27.

O presente processo inscreve-se no âmbito de uma ação intentada com base em responsabilidade extracontratual. Resulta da leitura conjugada dos artigos 2.° e 5.°, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001 que na matéria, uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada, à escolha do demandante, quer nos órgãos jurisdicionais do Estado-Membro no território do qual está domiciliada quer num tribunal situado noutro Estado-Membro, concretamente, o do o «lugar onde ocorreu» ou onde «poderá ocorrer o facto danoso».

28.

Este último aspeto, que alarga a competência do foro da responsabilidade extracontratual às ações preventivas, constitui o único acrescento do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001 ao artigo 5.o, n.o 3, da Convenção de Bruxelas ( 13 ), que este regulamento substituiu. Apesar do elemento assim inserido ( 14 ), que aliás não é relevante no caso presente, as referidas disposições são equivalentes no essencial, como o Tribunal de Justiça admitiu, de modo que a jurisprudência relativa à interpretação da regra de competência que é enunciada pela Convenção é válida também para o regulamento ( 15 ).

29.

Uma vez que no litígio no processo principal, Sr. Melzer está indiscutivelmente vinculado por um contrato com a MF Global UK e com a W.W.H., a priori pode parecer surpreendente que o órgão jurisdicional de reenvio não tenha considerado que o n.o 1 do artigo 5.o do Regulamento n.o 44/2001, relativo à competência em matéria contratual, pudesse aplicar-se no caso vertente, pelo menos tanto como o n.o 3 do referido artigo, relativo à competência em matéria extracontratual ( 16 ). A MF Global UK apresentou observações preliminares que vão neste sentido, considerando útil distinguir entre campos de aplicação, respetivamente, do n.o 1 e do n.o 3 do artigo 5.o deste regulamento. Apesar desta nota, resulta de todo o modo de jurisprudência assente que só ao órgão jurisdicional de reenvio compete determinar o objeto do seu pedido de decisão prejudicial e que uma vez que a questão não foi colocada nesses termos por esse tribunal, o Tribunal de Justiça não pode pronunciar-se sobre um ponto suscitado por uma das partes no processo principal ( 17 ).

30.

O órgão jurisdicional de reenvio indica antes de mais que a competência internacional dos tribunais alemães, no seu conjunto, não lhe coloca problemas. Entende que esta competência é incontestável, tendo em conta o facto de o lugar onde se realizou o facto danoso, na aceção do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001, ser Berlim, cidade em que estão situados quer o domicílio de Sr. Melzer, quer a sua conta bancária a partir da qual as foram financiadas as operações controvertidas.

31.

Todavia, a Comissão expressou um ponto de vista contrário, defendendo que o acórdão Kronhofer ( 18 ) proíbe a atribuição da competência ao tribunal em cuja circunscrição se encontra o domicílio do requerente, enquanto lugar onde se situa «o centro do seu património», unicamente por ser aí que alegadamente sofreu um prejuízo financeiro resultante da perda de elementos do seu património ocorrida e sofrida noutro Estado-Membro, quando a totalidade dos elementos constitutivos da responsabilidade estão situados no território desse outro Estado-Membro ( 19 ).

32.

Concordo com o ponto de vista da Comissão de que o prejuízo pecuniário cujo ressarcimento é pedido por Sr. Melzer, que consiste na perda de uma parte do capital que investiu, parece ter ocorrido em Londres e não em Berlim. Com efeito, os fundos controvertidos foram colocados numa conta aberta numa sociedade de corretagem londrina e foram perdidos nessa cidade, uma vez que a execução do contrato de opção, ou a expiração do prazo de opção, teve como resultado que os montantes transferidos para a referida conta fossem inferiores aos montantes investidos.

33.

Resulta da sua decisão que o órgão jurisdicional de reenvio se interroga apenas sobre a sua própria competência «territorial» ou, dito de outro modo, interna, porque se interroga se, de entre todos os tribunais alemães, será ele o competente ao abrigo do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001.

34.

A este propósito, saliento a diferença de redações existentes entre as disposições do referido regulamento, por um lado, como o artigo 2.o, n.o 1, que determina a competência do conjunto dos órgãos jurisdicionais de um Estado Membro ( 20 ), e, por outro, as que como as do artigo 5.o, n.os 1 e 3, têm em vista um tribunal específico, definido em função do lugar com o qual o litígio tem uma conexão especial ( 21 ). Assim, a disposição cuja interpretação é pedida permite efetivamente, como pretende o órgão jurisdicional de reenvio, identificar a competência ratione loci de um dado tribunal, de entre todos os tribunais de um Estado-Membro que são competentes ratione materiae, e isto diretamente. Assim, o recurso ao conceito de competência internacional como etapa prévia de raciocínio a considerar para efeitos de aplicação desta disposição, como fez o órgão jurisdicional de reenvio, parece-me inútil e até errada.

35.

Concretamente, para este órgão jurisdicional a dificuldade é saber se, no litígio transfronteiriço que lhe foi submetido, é possível atribuir ao tribunal de Düsseldorf, enquanto local em que um dos dois presumíveis autores do facto danoso atuou — sendo esta cidade a sede da W.W.H. —, competência contra o outro autor do facto danoso — a MF Global UK —, que exercia, segundo parece, a sua atividade só no Reino Unido.

36.

A este respeito, importa lembrar que o Regulamento n.o 44/2001 prevê que a pessoa que pretende obter a reparação de um prejuízo com base num fundamento extracontratual tem duas opções principais que consistem ou em submeter a questão ao órgão jurisdicional do lugar do domicílio do demandado por força do artigo 2.o do Regulamento n.o 44/2001, ou utilizar a competência especial baseada no artigo 5.o, n.o 3, do referido regulamento.

37.

Este último fundamento de competência é por sua vez subdivisível em duas partes principais, ou mesmo mais, se se considerarem os contenciosos específicos em que o Tribunal de Justiça formulou critérios de conexão complementares ( 22 ), no caso de os elementos constitutivos do ilícito, e portanto, os elementos de conexão, estarem dispersos por diferentes Estados-Membros. Com efeito, o Tribunal de Justiça, interpretou reiteradamente a expressão «lugar onde ocorreu o facto danoso», constante do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001, como designando, nessa hipótese, quer o lugar de realização do dano, isto é, o Estado-Membro no qual o facto danoso produziu diretamente os seus efeitos prejudiciais para o lesado, quer o lugar do facto gerador do dano, isto é, o Estado-Membro em que o facto danoso nasceu devido aos atos cometidos pelo autor do ilícito ( 23 ). Daí resulta que o réu pode ser demandado, à escolha do autor, nos tribunais com os quais exista um destes dois elementos de conexão.

38.

No presente processo, os dados específicos do litígio principal são os seguintes. O lugar de realização do dano, correspondente à primeira das partes acima referidas, situa-se na Alemanha, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, que considera que o prejuízo alegado se materializou concretamente em Berlim, uma vez que é aí que Sr. Melzer tem o seu domicílio e a sua conta bancária ( 24 ), e não em Düsseldorf. Por conseguinte, no sentido de fixar a sua própria competência, o Landgericht Düsseldorf procura identificar se existe, no caso presente, um fundamento de competência que possa basear-se na segunda das partes supramencionadas, atendendo aos ilícitos censurados aos presumíveis autores do ilícito. O lugar do facto gerador do dano poderia ser quer Londres, porque a MF Global UK aí realizou as operações de corretagem, quer ou Düsseldorf, enquanto cidade da sede da W.W.H., sociedade que não foi demandada, mas que colaborou com a sociedade única demandada.

39.

Trata-se de determinar se os atos realizados pela sociedade com sede em Düsseldorf, ou seja, o contacto telefónico comercial com o cliente e o acompanhamento do seu processo, ou o facto de o ter incitado a agir correndo demasiados riscos, podem ser considerados como parte dos factos que causaram o prejuízo a esse cliente. Sobretudo, o Tribunal de Justiça é convidado a declarar se o lugar em que foram praticados esses atos pode, por si mesmo, servir de fundamento da competência do Landgericht Düsseldorf para decidir sobre a responsabilidade extracontratual da sociedade com sede no Reino Unido, que é a única que foi demandada, em virtude de lhe serem imputados os atos da sociedade alemã, que é alegadamente a outra autora do facto danoso.

40.

Assim, constata-se que a questão prejudicial se limita à interpretação do conceito de lugar do facto gerador do dano na hipótese em que estão reunidos três elementos de conexão: primeiro, uma disseminação entre os diferentes Estados-Membros dos lugares onde ocorreram os atos causadores do facto danoso, em segundo lugar, um concurso de responsabilidades, isto é, uma situação em que não há apenas um único autor dos atos, mas várias pessoas que seriam coautores ou cúmplices; em terceiro lugar, a ação judicial foi proposta apenas contra um dos presumíveis autores do dano e isto no Estado-Membro em que outro dos autores praticou os seus atos. Se os dois primeiros elementos foram já considerados em diferentes perspetivas na jurisprudência do Tribunal de Justiça, a sua combinação com o terceiro é inédita.

41.

Em face dos elementos dos autos, suscita-se um problema especial que tem que ver com a identificação das posições jurídicas, respetivamente, da MF Global UK e da W.W.H., uma vez que há, nas observações que foram apresentadas ao Tribunal de Justiça, muitas vezes uma confusão entre o autor principal e o cúmplice ou coautor do ilícito civil em causa. Resulta da decisão de reenvio que, embora Sr. Melzer reclame a indemnização unicamente da MF Global UK, que em seu entender teve um papel determinante na ocorrência do dano, é a W.W.H. a autora principal do mesmo, ao passo que a MF Global UK é, pelo menos, sua cúmplice, de acordo com as alegações e a pretensão do autor. Seja como for, a questão prejudicial é formulada de modo suficientemente amplo para incluir as duas hipóteses, que são a cumplicidade ou a coautoria, da pessoa não demandada. Por conseguinte, a resposta a propor nas presentes conclusões será enunciada tendo em conta este duplo aspeto.

42.

Assim, o órgão jurisdicional de reenvio interroga-se, no essencial, quanto a saber se será possível intentar uma ação num tribunal em cuja circunscrição um cúmplice ou coautor cometeu os atos ilícitos em caso de factos geradores múltiplos localizados em Estados-Membros diferentes. Isto significaria mais especificamente tomar em consideração o lugar onde ocorreu a ação causal de um desses participantes, e isto, sem que o suposto lesado fosse obrigado a demandar em tribunal esse cúmplice ou coautor, como é o caso no processo principal.

43.

Por outras palavras, este órgão jurisdicional pretende que o Tribunal de Justiça contemple uma possibilidade suplementar de escolha de foro na hipótese em que os demandados domiciliados em Estados-Membros são corresponsáveis por um ilícito, através da consagração da «conexão alternativa do lugar do facto gerador» de acordo com a expressão utilizada no pedido de decisão prejudicial. Haveria, assim, com a introdução da nova esfera de competência aqui proposta, um alargamento das opções até ao momento permitidas ao demandante pela jurisprudência do Tribunal de Justiça. Em nosso entender, isto não significa verdadeiramente a criação de uma nova vertente principal, que se somaria ao «lugar onde o dano se produziu» e ao «lugar onde decorreu a ação causal do dano». O que é proposto por este órgão jurisdicional é antes uma interpretação extensiva da segunda vertente, que consiste, eventualmente, em admitir que no caso de comparticipação transfronteiriça de vários autores num ato ilícito, o lugar onde foram praticados os atos causais por qualquer deles possa constituir o fundamento da competência de um tribunal relativamente a outro desses coautores.

B — Quanto à resposta à questão prejudicial

1. As diferentes tomadas de posição

44.

Da leitura das observações apresentadas ao Tribunal de Justiça resultam duas perspetivas em confronto: Sr. Melzer, os Governos alemão, checo, português, e a Suíça propõem que deve ser admitido o novo elemento de atribuição de competência considerado pelo órgão jurisdicional de reenvio; a MF Global UK e a Comissão defendem que deve ser dada resposta negativa à questão prejudicial.

45.

Resulta da fundamentação da sua decisão que, por seu turno, o órgão jurisdicional de reenvio toma posição a favor de uma possibilidade de ligar a competência judiciária internacional, conexão que considera «alternativa» ao lugar em que foi praticado o facto gerador do dano por um presumido coautor ou cúmplice, mesmo que este não seja demandado na ação.

46.

Esta orientação, tal como a própria razão de ser da questão prejudicial, explica-se atendendo aos elementos fornecidos pelo Landgericht Düsseldorf no que se refere ao teor do direito nacional. Com efeito, verifica-se que o § 830 do Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil) prevê que quando várias pessoas participam conjuntamente na realização de um ilícito, cada autor ou cúmplice é considerado responsável pela contribuição de qualquer das outras pessoas no referido ato. Acresce que o órgão jurisdicional de reenvio especifica que, por aplicação do § 32 do Zivilprozessordnung (Código de Processo Civil), a competência em matéria extracontratual pode basear-se nas ações dos diferentes coautores, uma vez que tais ações lhes são reciprocamente imputáveis.

47.

Assim, se o litígio no processo principal fosse puramente interno, perante as alegações formuladas pelo autor, Sr. Melzer, contra a ré, MF Global UK, e contra o seu coautor ou cúmplice presumido, W.W.H. ( 25 ), o tribunal em cuja circunscrição se situa o lugar em que agiu um dos autores do ilícito poderia, a esse título, considerar-se competente para conhecer a ação de responsabilidade extracontratual intentada contra um dos coautores ( 26 ).

48.

Contudo, a solução é menos clara quando, como no caso presente, a situação apresenta elementos de conexão com o território de vários Estados-Membros, em vez de se circunscrever ao território alemão. Com efeito, a decisão de reenvio mostra que há divergências, nesta matéria, quer na jurisprudência quer na doutrina alemãs. Esta decisão refere que alguns órgãos jurisdicionais consideram que o artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001 permitia estabelecer uma conexão num litígio transfronteiriço ao lugar do facto gerador praticado por um coautor ou cúmplice uma vez que o eixo prioritário do ato ou da omissão ilícita em matéria extracontratual se encontra nesse lugar ( 27 ). Essas decisões são reforçadas por opiniões no mesmo sentido de algumas correntes da doutrina, enquanto outros se têm oposto invocando argumentos a que nos referiremos mais tarde em pormenor, sendo certo que partilho da sua opinião.

49.

É neste contexto muito especial que se inscreve o raciocínio na origem do pedido de decisão prejudicial. No entanto, o Tribunal de Justiça não está de modo algum vinculado pela abordagem seguida a nível nacional. Com efeito, é jurisprudência assente que os conceitos utilizados no Regulamento n.o 44/2001 devem ser objeto de uma interpretação autónoma, com vista a garantir a sua aplicação uniforme em todos os Estados-Membros ( 28 ).

2. Interpretação proposta

a) As diretrizes da interpretação

50.

É certo que deve interpretar-se a noção «lugar onde ocorreu o facto danoso» do artigo 5, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001, independentemente dos sistemas jurídicos dos Estados-Membros, uma vez que a aplicação de regras de competência enunciadas por este regulamento não podem ser tributárias de particularismos nacionais, sob pena de ser retirado o efeito útil à unificação que pretendem realizar ( 29 ).

51.

Nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça as disposições do Regulamento n.o 44/2001 devem ser interpretadas à luz não apenas da sua redação, mas igualmente do sistema estabelecido por esse regulamento e dos objetivos que o mesmo prossegue ( 30 ).

52.

Desde já, esclarecemos que não somos favoráveis a uma interpretação do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001 que levasse a admitir, como é considerado pelo Landgericht Düsseldorf, que o requerente pudesse validamente optar pela propositura da ação no tribunal do lugar onde um cúmplice ou coautor não demandado tivesse participado no ato danoso invocado, e não apenas optar pelo tribunal do domicílio do réu, ou do lugar onde ocorreu o facto gerador do dano, como é tradicionalmente entendido na jurisprudência. Com efeito, tal interpretação seria em nosso entender demasiado extensiva à luz dos elementos de análise de ordem sistemática e teológica que a seguir se indicam ( 31 ).

b) Interpretação por referência ao sistema do Regulamento n.o 44/2001

53.

Antes de mais, salientemos que existem disposições no Regulamento n.o 44/2001, concretamente, as do artigo 6.o, n.o 1, que preveem expressamente a faculdade de demandar um réu num tribunal ligado ao litígio apenas por intermédio de outra pessoa, mas esta competência derivada existe exclusivamente na hipótese de existir uma pluralidade de réus que crie o risco de virem a ser proferidas decisões inconciliáveis ( 32 ), o que não é o caso no processo principal. Com efeito, por uma razão não especificada na decisão de reenvio ( 33 ), Sr. Melzer optou por demandar no Landgericht Düsseldorf apenas a MF Global, com sede em Londres, e não a W.W.H., com sede em Düsseldorf, e isto apesar de parecer imputar à sociedade londrina uma mera cumplicidade. Tendo feito esta opção, de que deve assumir as consequências eventualmente negativas, o autor perdeu a possibilidade de invocar a extensão da competência baseada no domicílio de um terceiro, e portanto, na prática, nos atos que este pudesse ter cometido nesse local, o que lhe seria permitido pelo referido artigo 6.o

54.

Além disso, a regra de competência geral estipulada no artigo 2.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001, que tem por objetivo salvaguardar os interesses da parte que não tomou a iniciativa da ação transfronteiriça, prevê que são em princípio competentes os tribunais do Estado-Membro do domicílio do réu. Nos termos de jurisprudência assente, uma vez que uma disposição como a do artigo 5.o, n.o 3 do referido regulamento estabelece uma regra de competência que permite afastar este princípio geral, deixando a opção do tribunal ao demandante, a sua interpretação é estrita ( 34 ). Assim, importa não alargar o âmbito deste artigo para lá dos casos expressamente previstos no Regulamento n.o 44/2001 ( 35 ), sob pena de se prejudicar o efeito útil do artigo 2.o e de se ir para além da intenção do legislador da União. Tendo o Tribunal de Justiça declarado que o conceito de «lugar onde ocorreu o facto danoso» não pode ser interpretado de forma demasiado extensiva no caso de uma conexão ao lugar da materialização do dano ( 36 ), o mesmo se aplica, em nosso entender, ao caso de conexão ao lugar onde ocorreu o facto danoso, de modo que não seja admitido que a imputação a um demandado de atos cometidos noutro Estado-Membro por um terceiro permita fundamentar a competência de um tribunal em matéria extracontratual.

55.

Além disso, como já salientámos, a regra enunciada no artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001 permite identificar o tribunal concreto, de entre os vários tribunais dos Estados-Membros que são competentes em razão da matéria, contrariamente ao artigo 2.o do referido regulamento. Resulta do considerando 12 deste regulamento que, seguindo este procedimento, o referido artigo 5.o visa designar o tribunal geograficamente próximo do litígio e que, portanto, está em melhores condições para julgar o litígio.

56.

O Tribunal de Justiça decidiu reiteradamente que esta regra tem por base a existência de um elemento de conexão particularmente estreito entre o litígio e os tribunais do lugar onde ocorreu o facto danoso que justifica que lhes seja atribuída competência por razões de boa administração da justiça e de organização útil do processo, designadamente em termos de proximidade com o litígio e de produção da prova ( 37 ).

57.

Ora, se a novo elemento de atribuição de competência proposta pelo órgão jurisdicional de reenvio viesse a ser adotada, este raciocínio levaria a que, numa situação como a que está em causa no processo principal, o tribunal que seria declarado competente com base nos atos de um terceiro não demandado, neste caso um alemão, fosse levado a pronunciar-se sobre a responsabilidade de um réu, neste caso estabelecido no Reino Unido, cujos atos alegadamente ilícitos não são próximos, mas afastados da circunscrição territorial do tribunal, sendo indiscutível que a MF Global UK operou unicamente em território britânico. Na falta de um elemento de conexão suficientemente significativo com o litígio, este tribunal não estaria objetivamente mais bem colocado para decidir nessas circunstâncias.

58.

Por conseguinte, parece-me contrário à economia do Regulamento n.o 44/2001 admitir a competência do tribunal do lugar em que o cúmplice ou coautor do autor principal da infração está estabelecido enquanto lugar subsidiário onde ocorreu o facto danoso, mesmo que o lugar principal do facto danoso se situe noutro Estado-Membro. Esta abordagem é corroborada por outras considerações atinentes à finalidade do regulamento.

c) Interpretação por referência aos objetivos do Regulamento n.o 44/2001

59.

Antes de mais, relativamente aos argumentos de ordem processual assentes no objetivo de uma boa administração da justiça previsto no considerando 12 in fine do Regulamento n.o 44/2001, não se vê em que é que a atribuição extensiva de competência baseada na atuação de outra pessoa, conscientemente não demandada, — quando, como no caso pressente, só há um demandado —, responderia diretamente ao referido objetivo. Seria bem diferente se se tratasse de favorecer a concentração num único tribunal de vários processos dirigidos contra vários réus, mas tal centralização da competência não está de modo algum em causa neste processo ( 38 ).

60.

Como dá a entender o Governo alemão, é verdade que o facto de permitir uma opção complementar, nas condições sugeridas pela questão prejudicial, poderá responder à preocupação, a priori louvável, de alargar a escolha da parte alegadamente lesada por um ato ilícito, com o objetivo de evitar a obrigação de intentar uma ação judicial num local onde seria para ela mais dispendioso ou mais aleatório fazê-lo, nomeadamente quanto à produção de prova. Todavia, a preocupação de privilegiar o lesado não constitui o fundamento da regra de competência prevista no artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001. Com efeito, o Tribunal de Justiça decidiu que, contrariamente a outras disposições do daquele regulamento, esta norma não tem por objetivo proteger a parte que no litígio parece ser a mais desprotegida ( 39 ).

61.

O imperativo de facilitar a propositura da ação no tribunal mais «próximo» dos factos do litígio, expressamente prevista no considerando 12 in limine supramencionado, levaria a responder pela negativa à questão prejudicial colocada no caso concreto. Com efeito, no meu entender, importa circunscrever a determinados limites as opções de competência oferecidas ao demandante, mesmo no caso de se tratar da parte que afirma ter sido lesada, a fim de atenuar os riscos do «forum shopping» ( 40 ).

62.

Além disso, é essencial garantir a observância do princípio da segurança jurídica, que inspirou os autores do Regulamento n.o 44/2001 ( 41 ). O imperativo de um «elevado grau de previsibilidade» das regras de competência é salientado no considerando 11 do regulamento. Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o princípio da segurança jurídica exige que as regras de competência que derrogam a regra geral de competência prevista no artigo 2.o do regulamento sejam interpretadas de forma a permitir que um réu normalmente advertido possa prever razoavelmente qual o tribunal, para além dos do Estado onde tem domicílio, onde poderá ser demandado» ( 42 ).

63.

Acrescentemos que a intenção de adotar regras uniformes para «assegurar um equilíbrio razoável entre os interesses da pessoa alegadamente responsável e os interesses do lesado» ( 43 ) esteve no espírito dos redatores do Regulamento n.o 44/2001 ( 44 ). A procura deste equilíbrio deve, em nosso entender, igualmente guiar o Tribunal de Justiça na interpretação do artigo 5.o, n.o 3, do regulamento.

64.

É necessária uma certa previsibilidade da competência em matéria de responsabilidade extracontratual para o autor presumido de um dano porque a falta de previsibilidade poderá desencorajar os operadores económicos a desenvolver atividades transfronteiriças. O facto de se permitir o recurso a qualquer tribunal de um Estado-Membro em cuja circunscrição um qualquer coautor ou cúmplice tenha participado na comissão de um ato ilícito, mas não sendo esse coautor ou cúmplice réu na ação, parece-me excessivo à luz dos princípios da segurança jurídica e do equilíbrio entre os interesses das partes.

65.

Como foi salientado no relatório relativo à aplicação concreta do Regulamento n.o 44/2001 ( 45 ), uma desmultiplicação quase infinita dos fatores de atribuição de competência em matéria de responsabilidade extracontratual pode levar a que uma pessoa cuja responsabilidade é posta em causa a ter de defender-se perante os tribunais de diversos Estados-Membros e, portanto, em função de uma pluralidade de sistemas jurídicos, em que pode predominar o mais severo deles.

66.

Acontece que o artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001 foi já interpretado com uma certa flexibilidade. Existe contudo um risco de que ao multiplicar novos elementos de conexão o Tribunal de Justiça não só construa uma jurisprudência que se torna dificilmente compreensível atendendo ao seu caráter tentacular, mas também proceda subrepticiamente a uma alteração da redação do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001. Se a tendência por uma abordagem extensiva desta norma prosseguir sem a contenção necessária, isso poderá levar a uma completa inversão do mecanismo central do Regulamento n.o 44/2001, relegando para segundo plano o princípio fundamental por força do qual as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro devem ser normalmente demandadas nos tribunais desse Estado ( 46 ). Importa assim, em nosso entender, que o Tribunal de Justiça não avance demasiado nesta via na interpretação do referido artigo.

67.

Por conseguinte, consideramos que o facto de dar uma resposta negativa à questão prejudicial submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio responde melhor às exigências resultantes quer do sistema quer dos objetivos do Regulamento n.o 44/2001.

V — Conclusão

68.

Face às considerações que precedem, proponho que o Tribunal de Justiça responda do seguinte modo à questão prejudicial colocada pelo Landgericht Düsseldorf:

O artigo 5, n.o 3, do Regulamento (CE) n.o 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que a regra de competência especial em matéria de responsabilidade extracontratual prevista nesta norma não é aplicável quando, tratando-se de atos alegadamente danosos praticados por várias pessoas que atuaram em Estados-Membros diferentes, a ação proposta contra um deles só estiver relacionada com o tribunal onde foi proposta a ação com base no lugar onde ocorreu o facto danoso imputado a um cúmplice ou coautor que não foi demandado nesse mesmo tribunal.


( 1 ) Língua original: francês.

( 2 ) JO 2001, L 12, p. 1.

( 3 ) Nos termos do artigo 1.o, n.o 3, de Regulamento n.o 44/2001, a expressão «Estado-Membro» remete nas presentes conclusões para todos os Estados-Membros da União Europeia, à exceção do Reino da Dinamarca.

( 4 ) Opção qualificada de «conexão alternativa» pelo órgão jurisdicional de reenvio.

( 5 ) O acórdão de 30 de novembro de 1976, Bier (21/76, Colet., p. 677, n.o 19) procedeu à distinção entre «lugar onde o dano se materializou» e «lugar onde decorreu a atividade causal» na origem deste dano, distinção invocada recentemente no acórdão de 25 de outubro de 2012, Folien Fischer e Fofitec (C-133/11, n.o 39 e jurisprudência citada).

( 6 ) O órgão jurisdicional de reenvio invoca o conceito de «wechselseitige Handlungsortzurechnung» que, de acordo com uma tradução livre em língua portuguesa, se poderia traduzir por «critério de escolha alternativa do local do ato danoso».

( 7 ) Assim, o Bundesgerichtshof propôs ao Tribunal de Justiça que decidisse que uma ação como a «negative Feststellungsklage» (ação de declaração negativa), existente em direito interno alemão, era abrangida no âmbito de aplicação do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001, ao passo que a Cour de cassation française interrogou o Tribunal de Justiça no sentido de saber se «uma cláusula atributiva de jurisdição […] estipulada numa cadeia de contratos comunitários, entre um fabricante de um bem e um comprador, em conformidade com o artigo 23.o do Regulamento [n.o 44/2001], produz […] efeitos em relação ao subadquirente», como acontece no direito francês. Quanto a estas questões, v. as conclusões que apresentámos no processo Folien Fischer e Fofitec, que deu origem ao acórdão já referido, e no processo Refcomp (C-543/10), ainda pendente no Tribunal de Justiça.

( 8 ) Com efeito, na audiência, o representante da MF Global UK afirmou que a resposta do Tribunal de Justiça era aguardada com particular expectativa, uma vez que um grande número de corretores de bolsa era posto em causa no mesmo tipo de casos, especificando que aproximadamente 150 ações equivalentes à questão em litígio no processo principal estavam pendentes no seu escritório.

( 9 ) Na audiência, o mandatário de Sr. Melzer afirmou que o autor optou por não demandar a W.W.H. porque esta sociedade já estava insolvente no momento em que foi proposta a ação (a data em que a ação foi proposta no Landgericht Düsseldorf não foi indicada na decisão de reenvio, mas a decisão de reenvio é de 29 de abril de 2011, pelo que a ação deve ter sido proposta nessa altura), ao passo que, como indicou nas suas alegações, a MF Global UK se encontrava em processo de liquidação desde 31 de dezembro de 2011.

( 10 ) A decisão de reenvio cita a este propósito o «contrato sobre a mediação de operações bolsistas no mercado de futuros», o documento que tem por título «Síntese dos riscos ligados às operações de bolsa» e um panfleto relativo às «Informações importantes sobre os riscos nas operações bolsistas».

( 11 ) Sabendo que um pacto atributivo de jurisdição figurava num dos contratos celebrados, o órgão jurisdicional de reenvio afasta, assim, indiretamente, o fundamento contratual da responsabilidade invocada.

( 12 ) Observo, desde já que da leitura da decisão de reenvio fica a incerteza quanto aos papéis respetivos de autor ou cúmplice do ato danoso da MF Global UK e da W.W.H.

( 13 ) Convenção de Bruxelas de 27 de setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186), alterada pelas convenções posteriores relativas à adesão dos novos Estados-Membros a esta convenção (a seguir «Convenção de Bruxelas»).

( 14 ) Elemento cuja novidade é apenas relativa, uma vez que o princípio estava já consagrado na jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre interpretação da Convenção de Bruxelas, embora, no entender da Comissão, subsistisse uma certa ambiguidade a este respeito; v. Proposta de regulamento (CE) do Conselho sobre competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial [COM(1999) 348 final, p. 15].

( 15 ) V. acórdão Folien Fischer e Fofitec, já referido (n.os 31, 32 e jurisprudência referida).

( 16 ) Com efeito, o dolus ou a culpa in contrahendo alegada por Sr. Melzer inscrevem-se aqui no âmbito de negociações que levaram à celebração de um contrato. Tratando-se de hipótese inversa, o acórdão de 17 de setembro de 2002, Tacconi (C-334/00, Colet., p. I-7357), indica que na hipótese em que não tenha sido celebrado um contrato no termo das negociações, a ação em que é alegada responsabilidade pré-contratual não cabe na matéria contratual, mas na matéria extracontratual.

( 17 ) V., designadamente, acórdãos de 20 de março de 1997, Phytheron International (C-352/95, Colet., p. I-1729, n.o 14), e de 16 de setembro de 1999, WWF e o. (C-435/97, Colet., p. I-5613, n.o 29).

( 18 ) Acórdão de 10 de junho de 2004, Kronhofer (C-168/02, Colet., p. I-6009, n.os 18 e segs.).

( 19 ) A Comissão esclarece que mesmo que as consequências danosas desses atos, ou seja, das transações financeiras de alto risco realizadas no Reino Unido pela MF Global UK, tenham sido sofridas na Alemanha, por repercussão, por Sr. Melzer, este facto não pode, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, constituir um elemento de conexão que permita fundamentar a competência dos tribunais alemães com base no referido artigo 5.o, n.o 3, quando o facto causal e a materialização total do facto danoso ocorreram no território do Reino Unido.

( 20 ) A terminologia utilizada nesta disposição, a saber «os tribunais desse Estado», indica que enuncia uma regra de competência geral, ao designar o sistema judiciário de um Estado-Membro tomado no seu conjunto, especificando que a competência a nível local é determinada pelo reenvio para as normas processuais nacionais que definem o conceito de domicílio, em conformidade com o artigo 59.o de Regulamento n.o 44/2001.

( 21 ) Ao indicar que o requerente pode demandar «perante o tribunal» do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação e o lugar onde ocorreu o facto danoso, estas disposições formulam uma regra de competência especial.

( 22 ) A jurisprudência desenvolveu-se sobretudo em razão de problemas específicos colocados pela localização de ilícitos transfronteiriços cometidos através da imprensa ou telecomunicações (rádio, televisão ou Internet), na esteira do acórdão de 7 de março de 1995, Shevill e o. (C-68/93, Colet., p. I-415). Assim, no caso de uma violação dos direitos de personalidade através de conteúdos colocados em linha na Internet, considerou-se que o tribunal do lugar em que se situa o centro de interesses do lesado podia também ser competente (v. acórdão de 25 de outubro de 2011, eDate Advertising e Martinez, C-509/09 e C-161/10, Colet., p. I-10269, n.os 47 e segs.).

( 23 ) Dupla opção conferida ao autor a partir do acórdão Bier, já referido (n.o 19), no que se refere à interpretação do artigo 5.o, n.o 3, da Convenção de Bruxelas, e retomada muitas vezes, designadamente, no acórdão Folien Fischer e Fofitec, já referido (n.os 39 e 40).

( 24 ) Pelas razões expostas nos n.os 31 e 32 das presentes conclusões, a localização no território de um Estado-Membro da conta bancária do lesado não pode constituir um elemento de conexão suficiente para atribuir a competência de um tribunal desse Estado, tendo em consideração a natureza completamente aleatória desse critério.

( 25 ) Nos termos da decisão de reenvio, Sr. Melzer alega, por um lado, que a W.W.H. violou o seu dever de informação causando-lhe dolosamente um prejuízo de forma ilícita com a concretização de operações de futuros sem nenhuma hipótese de sucesso, em violação do § 826 do Código Civil alemão; alega, por outro lado, que a MF Global UK agiu dolosamente pelo menos ao prestado assistência à prática desse ato ilícito na Alemanha.

( 26 ) O Landgericht Düsseldorf refere que, se se aplicasse o direito interno alemão, teria competência ratione loci para decidir da ação que lhe foi submetida, uma vez que a W.W.H. praticou o fato danoso em Düsseldorf, i.e., a angariação de Sr. Melzer como cliente.

( 27 ) A decisão de reenvio indica concretamente que numa situação como a do processo principal, foi na Alemanha que teve de ser dado o passo decisivo da angariação do lesado e da abertura por este de uma conta numa sociedade de corretagem estrangeira, bem como a modificação nesta conta de contratos de opção, e da colocação à disposição de fundos para aplicações em opções sem o reembolso do valor das posições contabilizadas.

( 28 ) V. acórdãos de 6 de setembro de 2012, Mühlleitner (C-190/11, n.o 28), e Folien Fischer e Fofitec, já referido (n.o 30), e jurisprudência referida nesses acórdãos.

( 29 ) V. segundo considerando do referido regulamento.

( 30 ) V., entre outros, acórdão de 6 de setembro de 2012, Trade Agency (C-619/10, n.o 27).

( 31 ) Quanto à génese do artigo 5.o, n.o 3, do Regulamento n.o 44/2001, não há, tanto quanto sabemos, elementos úteis que possam ser deduzidos para responder à questão colocada, dado que o texto é bastante sucinto no seu estado atual. A este propósito, v. a síntese feita pelo Prof. Fausto Pocar no relatório explicativo sobre a Convenção relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial assinado em Lugano em 30 de outubro de 2007 (JO de 23 de dezembro de 2009, C-319, p. 1, n.os 58 e seg.).

( 32 ) Nos termos desta disposição, quando há vários demandados, o tribunal do domicílio de um deles é competente para julgar as ações intentadas por um autor contra vários réus, desde que exista entre eles uma conexão tão estreita que haja interesse em julgá-los em conjunto para evitar soluções que podem ser incompatíveis se as causas forem julgadas separadamente, ainda que os fundamentos jurídicos sejam diferentes (acórdão de 11 de outubro de 2007, Freeport, C-98/06, Colet., p. I-8319, n.os 38 e seg.).

( 33 ) Quanto às alegações do advogado de Sr. Melzer sobre este ponto, v. nota 9 destas conclusões.

( 34 ) V., designadamente, acórdão de 16 de julho de 2009, Zuid-Chemie (C-189/08, Colet., p. I-6917, n.o 22).

( 35 ) V., por analogia, acórdãos de 17 de setembro de 2009, Vorarlberger Gebietskrankenkasse (C-347/08, Colet., p. I-8661, n.o 39), e de 12 de maio de 2011, BVG (C-144/10, Colet., p. I-3961, n.o 30).

( 36 ) O acórdão Kronhofer, já referido (n.o 19), lembrou que o referido conceito não pode ser interpretado de forma extensiva ao ponto de abranger todos os lugares onde tiverem sido sentidas as consequências prejudiciais de um facto que tenha causado um dano efetivamente ocorrido noutro local.

( 37 ) V., designadamente, acórdãos de 19 de abril de 2012, Wintersteiger (C-523/10, n.o 18), e Folien Fischer e Fofitec, já referido (n.os 37 e 38).

( 38 ) V., por analogia, acórdão Kronhofer, já referido (n.o 18), de acordo com o qual a atribuição de uma competência aos tribunais de um Estado contratante diferente daquele em cujo território ocorreu tanto o facto gerador como a materialização do dano, não corresponde a qualquer necessidade objetiva do ponto de vista da prova ou da organização do processo.

( 39 ) V. acórdão Folien Fischer e Fofitec, já referido (n.os 45 e 46 e jurisprudência referida).

( 40 ) Este problema foi considerado pelo Parlamento Europeu que, no âmbito dos trabalhos de revisão do Regulamento n.o 44/2001, propôs introduzir a exigência de um «nexo suficiente, substancial ou significativo» para «limitar a possibilidade de recorrer ao ‘forum shopping’» em matéria de responsabilidade extracontratual. V. resolução de 7 de setembro de 2010 sobre a aplicação da revisão do Regulamento n.o 44/2001 [2009/2140(INI), P7_TA(2010)0304, considerando Q e n.o 25].

( 41 ) Assim na sua proposta que conduziu à aprovação do Regulamento n.o 44/2001 [COM (1999) 348 final, n.o 1.1], a Comissão referiu-se à «segurança jurídica em matéria de competência judiciária» e ao objetivo de «definição de regras de competência judiciária claras» [COM (1999) 348 final, n.o 1.1].

( 42 ) V., designadamente, acórdão de 1 de março de 2005, Owusu (C-281/02, Colet., p. I-1383, n.o 40). Com efeito, o objetivo da segurança jurídica não pode ser entendido como visando unicamente permitir ao demandante identificar o tribunal onde pode propor a ação, como lembram, entre outros, os referidos acórdãos Kronhofer (n.o 20), e Folien Fischer e Fofitec (n.o 33).

( 43 ) De acordo com a fórmula que consta do considerando 16 de Regulamento (CE) n.o 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de julho de 2007, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais («Roma II», JO L 199, p. 40).

( 44 ) Com efeito, a proposta da Comissão que deu lugar ao Regulamento n.o 44/2001 «incorpora a essência do acordo alcançado no seio do Conselho sobre o equilíbrio necessário entre os interesses das partes que poderiam participar num litígio» [COM (1999) 348 final, n.o 2.1].

( 45 ) V. as objeções formuladas contra a chamada «mosaic theory» que resulta do acórdão Shevill e o., já referido, in Hess, B., Pfeiffer, T., e Schlosser, P. — Report on the Application of Regulation Brussels I in the Member States, Study JLS/C4/2005/03, versão final de setembro de 2007, n.o 214.

( 46 ) V., por analogia, acórdão de 22 de maio de 2008, Glaxosmithkline e Laboratoires Glaxosmithkline (C-462/06, Colet., p. I-3965, n.o 32), que salienta que «a transformação, pelo tribunal comunitário, das regras de competência especiais, destinadas a facilitar uma boa administração da justiça, em regras de competência unilaterais, protetoras da parte considerada mais fraca, excederia o equilíbrio de interesses que o legislador comunitário criou no atual estádio do direito».

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