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Document 62011CC0059

Conclusões da advogada‑geral J. Kokott apresentadas em 19 de janeiro de 2012.
Association Kokopelli contra Graines Baumaux SAS.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pela cour d’appel de Nancy.
Agricultura — Diretivas 98/95/CE, 2002/53/CE, 2002/55/CE e 2009/145/CE — Validade — Produtos hortícolas — Venda, no mercado nacional, de sementes hortícolas que não figuram no catálogo oficial comum das variedades das espécies de produtos hortícolas — Inobservância do regime de autorização prévia de introdução no mercado — Tratado Internacional sobre os Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e a Agricultura — Princípio da proporcionalidade — Liberdade empresarial — Livre circulação de mercadorias — Igualdade de tratamento.
Processo C‑59/11.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2012:28

CONCLUSÕES DA ADVOGADA-GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 19 de janeiro de 2012 ( 1 )

Processo C-59/11

Association Kokopelli

contra

Graines Baumaux SAS

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Cour d’appel de Nancy (França)]

«Agricultura — Validade — Diretiva 2002/55/CE — Produtos hortícolas — Comercialização de sementes — Proibição de comercializar sementes de variedades não admitidas oficialmente e não registadas no catálogo de variedades — Tratado Internacional sobre os Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e a Agricultura — Princípio da proporcionalidade — Liberdade empresarial — Circulação de mercadorias — Igualdade de tratamento»

I — Introdução

1.

Na agricultura europeia, como é sabido, são cultivadas cada vez menos variedades de plantas. Muitas variedades tradicionais acabam por desaparecer ou são apenas conservadas em bancos de sementes para as gerações futuras. Em contrapartida, algumas variedades, cujos espécimes, de resto, têm uma grande semelhança, dominam os campos.

2.

Por esta razão, a diversidade biológica na agricultura sofre uma redução importante. Por isso, não é de excluir que venham no futuro a faltar variedades suscetíveis de se adaptarem melhor às alterações climáticas ou a novas doenças do que as variedades que atualmente dominam. O consumidor final está já hoje limitado na sua escolha de produtos agrícolas.

3.

Poderia pensar-se que este desenvolvimento se deve, em primeira linha, aos interesses económicos dos agricultores que utilizam de preferência as variedades de maior rendimento.

4.

No entanto, o presente caso demonstra que a diminuição da diversidade biológica na agricultura europeia também se deve, pelo menos em parte, às disposições do direito da União. As sementes da maior parte das espécies de plantas de uso agrícola apenas podem ser comercializadas se a variedade for oficialmente admitida. A admissão exige que a variedade seja distinta, estável e suficientemente homogénea. Por vezes, há que comprovar ainda a rentabilidade — um «valor satisfatório para efeitos de cultivo e de utilização». Muitas «antigas variedades» não precisam de apresentar estas provas. Coloca-se, portanto, a questão de saber se esta restrição da comercialização de sementes é justificada.

II — Quadro jurídico

A — Tratado Internacional sobre os Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e a Agricultura

5.

O Conselho autorizou, através da sua Decisão de 24 de fevereiro de 2004 ( 2 ), a celebração do Tratado Internacional sobre os Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e a Agricultura ( 3 ) (a seguir «TIRFAA»).

6.

O artigo 5.o, primeiro parágrafo, do TIRFAA enuncia as principais medidas:

«5.1.   Cada parte contratante, sob reserva da sua legislação nacional e em colaboração com outras partes contratantes, quando for caso disso, promoverá uma abordagem integrada da prospeção, conservação e utilização sustentável dos recursos fitogenéticos para a alimentação e a agricultura, devendo, nomeadamente, segundo as circunstâncias:

[…]

c)

Promover ou apoiar, conforme o caso, os esforços dos agricultores e das comunidades locais no sentido de gerir e conservar na exploração os recursos fitogenéticos para a alimentação e a agricultura;

[…]»

7.

O artigo 6.o do TIRFAA refere mais medidas:

«6.1.   As partes contratantes definirão e manterão políticas e disposições jurídicas adequadas à promoção da utilização sustentável dos recursos fitogenéticos para a alimentação e a agricultura.

6.2.   A utilização sustentável dos recursos fitogenéticos para a alimentação e a agricultura pode incluir, nomeadamente, as seguintes medidas:

a)

Definição de políticas agrícolas justas que encorajem, se for caso disso, o desenvolvimento e a manutenção de sistemas agrícolas diversificados que favoreçam a utilização sustentável da diversidade biológica agrícola e outros recursos naturais;

[…]

d)

Ampliação da base genética das culturas e aumento da diversidade do material genético colocado à disposição dos agricultores;

e)

Promoção, se for caso disso, de uma maior utilização de culturas, variedades e espécies subutilizadas, locais ou adaptadas às condições locais;

[…]

g)

Revisão e, ser for caso disso, adaptação das estratégias de melhoramento e da regulamentação em matéria de aprovação de variedades e distribuição de sementes.»

8.

O artigo 9.o do TIRFAA refere os direitos dos agricultores e prevê, no segundo parágrafo, determinadas medidas:

«As partes contratantes acordam em que a responsabilidade da concretização dos direitos dos agricultores, no que diz respeito aos recursos fitogenéticos para a alimentação e a agricultura, cabe aos governos. Em função das suas necessidades e prioridades, cada parte contratante deve, se for caso disso, e sob reserva da legislação nacional, tomar medidas para proteger e promover os direitos dos agricultores, incluindo:

a)

A proteção dos conhecimentos tradicionais de interesse para os recursos fitogenéticos para a alimentação e a agricultura;

b)

O direito de participar equitativamente na partilha dos benefícios resultantes da utilização dos recursos fitogenéticos para a alimentação e a agricultura;

c)

O direito de participar na tomada de decisões, a nível nacional, sobre questões relativas à conservação e utilização sustentável dos recursos fitogenéticos para a alimentação e a agricultura.»

B — O direito da União

9.

As questões relacionadas com as sementes são reguladas em várias diretivas. Estas regulamentações relativas a sementes de produtos hortícolas foram adotadas, pela primeira vez, em 1970 ( 4 ), e, em relação a outras variedades de uso agrícola diferente, já em 1966 ( 5 ). No entanto, hoje em dia são aplicáveis as disposições a seguir referidas, relativamente às quais a Comissão realiza atualmente consultas, tendo em vista a sua revisão ( 6 ).

1. Diretiva 2002/55/CE

10.

As variedades que estão em causa no processo principal são reguladas em grande parte, ou até em exclusivo, pela Diretiva 2002/55/CE do Conselho, de 13 de junho de 2002 respeitante à comercialização de sementes de produtos hortícolas ( 7 ) (a seguir «Diretiva 2002/55»).

11.

O artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2002/55 proíbe a comercialização de sementes cuja variedade não tenha sido oficialmente admitida:

«Os Estados-Membros determinarão que as sementes de produtos hortícolas só podem ser certificadas, controladas enquanto sementes-tipo e comercializadas se a sua variedade for oficialmente admitida em, pelo menos, um Estado-Membro.»

12.

O artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2002/55 regula a admissão:

«Os Estados-Membros velarão por que uma variedade só seja admitida se for distinta, estável e suficientemente homogénea.

No caso da chicória para café, a variedade deve ser de valor satisfatório para efeitos de cultivo e de utilização.»

13.

O artigo 4.o, n.o 3, da Diretiva 2002/55 contém regras para a proteção dos consumidores de géneros alimentícios obtidos a partir das variedades:

«Contudo, quando as sementes de uma variedade de planta se destinarem a ser utilizadas como géneros alimentícios ou componentes de géneros alimentícios na aceção do Regulamento (CE) n.o 258/97, estes géneros alimentícios ou componentes de géneros alimentícios não devem:

apresentar um perigo para o consumidor,

induzir o consumidor em erro,

diferir dos géneros alimentícios ou componentes de géneros alimentícios que se destinam a substituir de forma tão acentuada que o seu consumo normal acarrete inconvenientes nutricionais para o consumidor.»

14.

O artigo 4.o, n.o 4, da Diretiva 2002/55 prevê uma admissão simplificada no interesse da conservação dos recursos genéticos vegetais. As respetivas condições devem ser fixadas pela Comissão de acordo com n.o 2 do artigo 44.o e do n.o 2 do artigo 46.o

15.

O artigo 5.o da Diretiva 2002/55 define os critérios da distinção, da estabilidade e da homogeneidade:

«1.   Uma variedade é distinta se, qualquer que seja a origem, artificial ou natural, da variação inicial que lhe deu origem, se distinguir claramente, por um ou vários carateres importantes, de todas as outras variedades conhecidas na Comunidade.

[…]

2.   Uma variedade é estável se, na sequência das suas reproduções ou multiplicações sucessivas ou no fim de cada ciclo, quando o obtentor definiu um ciclo especial de reproduções ou de multiplicações, permanecer conforme à definição dos seus carateres essenciais.

3.   Uma variedade é suficientemente homogénea se as plantas que a compõem — abstraindo as raras aberrações — forem, tendo em conta as particularidades do sistema de reprodução das plantas, semelhantes ou geneticamente idênticas para o conjunto dos carateres reunidos para esse efeito.»

16.

A Diretiva 2002/55 entrou em vigor, segundo o seu artigo 52.o, no vigésimo dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, ou seja, em 9 de agosto de 2002. Uma vez que consolidou disposições de diretivas anteriores, cujos prazos de transposição já tinham decorrido, esta diretiva não fixa um prazo de transposição adicional.

2. A Diretiva 2009/145/CE

17.

A Diretiva 2009/145/CE da Comissão, de 26 de novembro de 2009, que prevê certas derrogações à admissão de variedades autóctones de produtos hortícolas e outras variedades tradicionalmente cultivadas em determinadas localidades e regiões e ameaçadas pela erosão genética e de variedades de produtos agrícolas sem valor intrínseco para uma produção vegetal comercial, mas desenvolvidas para cultivo em determinadas condições, e à comercialização de sementes dessas variedades autóctones e outras variedades ( 8 ) (a seguir «Diretiva 2009/145»), baseia-se nos artigos 4.°, n.o 4, 44.°, n.o 2 e 46.°, n.o 2, da Diretiva dos produtos hortícolas.

18.

O artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2009/145 regula as variedades para as quais devem ser previstas derrogações:

«No que se refere às espécies de produtos hortícolas abrangidas pela Diretiva 2002/55/CE, a presente diretiva define determinadas derrogações relativamente à conservação in situ e à utilização sustentável de recursos fitogenéticos através do cultivo e da comercialização:

a)

Para aceitação da admissão nos catálogos nacionais de variedades das espécies de produtos agrícolas, conforme previsto na Diretiva 2002/55/CE, de variedades autóctones e outras variedades tradicionalmente cultivadas em determinadas localidades e regiões e ameaçadas pela erosão genética, a seguir designadas ‘variedades de conservação’;

b)

Para aceitação da admissão nos catálogos referidos na alínea a) de variedades sem valor intrínseco para uma produção vegetal comercial, mas desenvolvidas para cultivo em determinadas condições, a seguir designadas ‘variedades desenvolvidas para cultivo em determinadas condições’; e

c)

Para a comercialização de sementes de tais variedades de conservação e variedades desenvolvidas para cultivo em determinadas condições.»

19.

Os requisitos substanciais para a admissão de variedades de conservação resultam do artigo 4.o da Diretiva das derrogações:

«1.   Para ser admitida como variedade de conservação, uma variedade autóctone ou outra variedade referida no artigo 1.o, n.o 1, alínea a), deve ter interesse para a preservação dos recursos fitogenéticos.

2.   Em derrogação ao artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2003/91/CE, os Estados-Membros podem adotar disposições nacionais no que diz respeito à distinção, à estabilidade e à homogeneidade das variedades de conservação.

20.

Os artigos 13.° e 14.° da Diretiva 2009/145 preveem que as sementes de variedades de conservação podem apenas ser comercializadas e produzidas fora da região de origem em casos execionais.

21.

Nos termos do artigo 15.o da Diretiva 2009/145 as variedades de conservação podem apenas ser comercializadas em quantidades muito reduzidas:

«Cada Estado-Membro deve garantir que, para cada variedade de conservação, a quantidade de semente comercializada anualmente não ultrapassa a quantidade necessária para produzir produtos hortícolas nos hectares definidos no anexo I para as espécies respetivas.»

22.

Os números fixados no anexo I correspondem, consoante a espécie, a 10, 20 ou 40 hectares.

23.

O artigo 22.o da Diretiva 2009/145 contém os requisitos substanciais para a admissão de variedades desenvolvidas para cultivo em determinadas condições:

«1.   Para ser admitida como variedade desenvolvida para cultivo em determinadas condições, tal como referido no artigo 1.o, n.o 1, alínea b), a variedade deve ser sem valor intrínseco para uma produção vegetal comercial, mas desenvolvida para cultivo em determinadas condições.

Uma variedade será considerada como tendo sido desenvolvida para cultivo em determinadas condições, caso tenha sido desenvolvida para cultivo em determinadas condições agro-técnicas, climatéricas ou pedológicas.

2.   Em derrogação ao artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2003/91/CE, os Estados-Membros podem, em determinadas condições, adotar disposições nacionais no que diz respeito à distinção, à estabilidade e à homogeneidade das variedades desenvolvidas para cultivo.»

24.

Nos termos do artigo 36.o, n.o 1, da Diretiva das derrogações, a sua transposição deveria ocorrer até 31 de dezembro de 2010.

3. A Diretiva 2003/91/CE

25.

A Diretiva 2003/91/CE da Comissão, de 6 de outubro de 2003, que estabelece regras de execução do artigo 7.o da Diretiva 2002/55/CE do Conselho no que diz respeito aos carateres que, no mínimo, devem ser apreciados pelo exame e às condições mínimas para o exame de determinadas variedades de espécies hortícolas ( 9 ), referida na Diretiva 2009/145, precisa no artigo 1.o, n.o 2, as condições da distinção, da homogeneidade e da estabilidade das variedades ao remeter para determinados documentos do Instituto Comunitário das Variedades Vegetais e da União Internacional para a proteção das variedades vegetais. Ambas as organizações se ocupam da proteção da propriedade intelectual no que respeita a variedades de plantas.

4. Diretiva 2002/53/CE

26.

A Diretiva 2002/53/CE do Conselho, de 13 de junho de 2002, que diz respeito ao catálogo comum das variedades das espécies de plantas agrícolas ( 10 ) (a seguir «Diretiva 2002/53») estabelece em relação a culturas agrícolas abrangidas por várias diretivas mas não pela Diretiva 2002/55 regras comuns no que respeita à admissão de variedades. No presente caso, apresentam especial interesse as beterrabas açucareira e forrageira, na aceção da Diretiva 2002/54/CE do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa à comercialização de sementes de beterrabas ( 11 ) (a seguir «Diretiva 2002/54»).

27.

O artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2002/53 delimita o seu âmbito de aplicação nos seguintes termos:

«A presente diretiva tem por objeto a admissão das variedades de beterrabas […] a um catálogo comum das variedades das espécies de plantas agrícolas cujas sementes ou propágulos podem ser comercializados de acordo com o disposto nas diretivas aplicáveis, respetivamente, à comercialização de sementes de beterrabas (2002/54/CE), […].»

28.

O artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2002/53 estabelece a base do catálogo comum de variedades:

«O catálogo comum de variedades é estabelecido com base nos catálogos nacionais dos Estados-Membros.»

29.

O artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2002/53 prevê o estabelecimento de catálogos de variedades nacionais:

«Cada Estado-Membro estabelecerá um ou mais catálogos das variedades admitidas oficialmente para a certificação e para comercialização no seu território. […]»

30.

Os requisitos para a admissão de variedade estão previstos no artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2002/53:

«Os Estados-Membros velarão por que uma variedade só seja admitida se for distinta, estável e suficientemente homogénea. A variedade deve possuir um valor [de cultivo] e de utilização satisfatório.»

31.

O artigo 5.o da Diretiva 2002/53 define os requisitos de admissão do mesmo modo que o artigo 5.o da Diretiva 2002/55 no entanto esclarece, além disso, no n.o 4, o que se entende por «valor [de cultivo] ou de utilização satisfatório»:

«Uma variedade possui um valor [de cultivo] ou de utilização satisfatório se, em relação às outras variedades admitidas no catálogo do Estado-Membro em causa, representar, pelo conjunto das suas qualidades, pelo menos para a produção numa região determinada, uma nítida melhoria quer para a cultura quer para a exploração das colheitas ou para a utilização dos produtos daí resultantes. Uma inferioridade de certas características pode ser compensada por outras características favoráveis.»

5. Diretiva 98/95/CE

32.

A Diretiva 98/95/CE do Conselho, de 14 de dezembro de 1998, que altera, no que diz respeito à consolidação do mercado interno, às variedades de Plantas geneticamente modificadas e aos recursos genéticos vegetais, as Diretivas 66/400/CEE, 66/401/CEE, 66/402/CEE, 66/403/CEE, 69/208/CEE, 70/457/CEE e 70/458/CEE relativas à comercialização de sementes de beterraba, sementes de plantas forrageiras, sementes de cereais, batatas de semente, sementes de plantas oleaginosas e de fibras e sementes de produtos hortícolas e ao catálogo comum das variedades das espécies de plantas agrícolas ( 12 ) (a seguir «diretiva de alteração») introduziu bases legais que deveriam permitir no quadro da legislação em matéria de comércio de sementes, a conservação das variedades ameaçadas de erosão genética através da sua utilização in situ (décimo sétimo considerando). A Comissão poderia ter adotado regras respetivas num procedimento de comité. Estas disposições constituem hoje parte da Diretiva 2002/55, da Diretiva 2002/54 e da Diretiva 2002/53 e foram, consequentemente, revogadas aquando da adoção destas.

III — Matéria de facto e pedido de decisão prejudicial

33.

A Association Kokopelli (a seguir «Kokopelli»), uma organização não governamental, vende sementes para as designadas «antigas variedades» que em parte não são admitidas ao abrigo da Diretiva 2002/55. A Graines Baumaux SAS (a seguir «Graines Baumaux»), uma sociedade que comercializa sementes, identificou na proposta da Kokopelli 461 variedades não admitidas e intentou por isso, em 2005, uma ação fundada em concorrência desleal. A Graines Baumaux reclama, designadamente, uma indemnização de 50000 euros e o fim da publicidade para estas variedades. O Tribunal de Grande Instance de Nancy concedeu, em primeira instância, à Graines Baumaux uma indemnização de 10000 euros e negou provimento à ação quanto ao restante.

34.

A Kokopelli interpôs recurso desta decisão para a Cour d’appel Nancy. No quadro desse processo, é submetida ao Tribunal de Justiça a seguinte questão:

As Diretivas de alteração, do catálogo de variedades, dos produtos hortícolas e das derrogações são válidas à luz dos direitos e princípios fundamentais seguintes da União Europeia, a saber, do livre exercício de uma atividade económica, da proporcionalidade, da igualdade ou da não discriminação, da livre circulação de mercadorias, e dos compromissos assumidos nos termos do Tratado Internacional sobre os Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e a Agricultura, designadamente, impondo condicionalismos de produção e de comercialização às sementes e plantas antigas?

35.

Intervieram no processo, apresentando observações escritas, a Graines Baumaux Kokopelli, a República Francesa, o Reino de Espanha, o Conselho da União Europeia e a Comissão Europeia. Não houve audiência.

IV — Apreciação jurídica

A — Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

36.

A Graines Baumaux tem dúvidas em relação à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial. A validade das diretivas mencionadas não tem relevância para o desfecho do processo nacional, uma vez que neste está em causa o respeito por disposições do direito francês que transpõem as diretivas. Uma vez que o Tribunal de Justiça não se pronuncia em relação a questões de natureza hipotética ( 13 ), o pedido seria, neste caso, inadmissível.

37.

Há que acrescentar a esta observação que a violação do direito de transposição francês pela Kokopellis não deixaria seguramente de existir se as disposições da diretiva em causa fossem inválidas. Mas enquanto se presumir a sua validade ( 14 ), os órgãos jurisdicionais nacionais também não podem pôr em causa a validade do direito de transposição ( 15 ). Pelo contrário, caso as diretivas sejam inválidas, também o direito de transposição está em causa. Poderia, por exemplo, violar a liberdade de circulação de mercadorias prevista no artigo 34.o TFUE no caso de, entre as sementes em causa no processo, se encontrar mercadoria de outros Estados-Membros. Daí que o Tribunal de Justiça se pronuncie em relação a tais questões ( 16 ).

B — Quanto ao objeto do pedido de decisão prejudicial

38.

A Cour d’appel Nancy interroga-se sobre a validade de quatro diretivas que contêm inúmeras regras sobre a comercialização de sementes. Determinam, nomeadamente, em que condições as variedades são admitidas e incluídas nos catálogos de variedades nacionais ou no catálogo de variedades comum, proíbem a venda de sementes de variedades não admitidas, mas regulam também o controlo e a qualidade de sementes e as embalagens de venda. Em todas as áreas existem «Imposições em relação à produção e à comercialização de sementes e plantas antigas» cuja validade deve ser fiscalizada nos termos da formulação da questão prejudicial.

39.

No entanto, o litígio no presente processo tem um âmbito claramente mais limitado. Limita-se à acusação de que a Kokopelli vendeu sementes para variedades de plantas que não são admitidas. A Kokopelli não reclama a inclusão das suas variedades num catálogo e declara expressamente que não põe em causa as regras sobre a qualidade das sementes ( 17 ). Embora a Kokopelli se oponha às regras sobre as embalagens de venda ( 18 ), não se afigura porém que estas regras sejam objeto do processo principal.

40.

Consequentemente, apenas há que analisar a proibição de introdução no mercado de sementes de variedades não admitidas.

41.

Segundo a petição inicial da Graines Baumaux em primeira instância, a Kokopelli comercializou 461 variedades não admitidas de produtos hortícolas. Está provado que estas variedades são em grande parte, provavelmente até na sua totalidade, abrangidas pela terceira das diretivas referidas pela Cour d’appel, a Diretiva 2002/55. Consequentemente, concentrar-me-ei de seguida nessa diretiva.

42.

A este respeito, há que analisar a obrigação imposta aos Estados-Membros no artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2002/55 de determinarem que as sementes de produtos hortícolas só podem ser comercializadas se a sua variedade for oficialmente admitida em, pelo menos, um Estado-Membro.

43.

As regras em matéria de admissão figuram sobretudo nos artigos 4.° e 5.° da Diretiva 2002/55. Segundo estes, as sementes só podem ser comercializadas se estiver demonstrado que a variedade é distinta, estável e suficientemente homogénea. No caso de sementes da chicória para café, a variedade deve ainda ser de valor satisfatório para efeitos de cultivo e de utilização.

44.

Segundo a Kokopelli e a Comissão ( 19 ), estas exigências representam assim um problema para a utilização das «antigas sementes» referidas na questão prejudicial, uma vez que muitas das variedades não admitidas não conseguem cumprir tais exigências. A Diretiva 2009/145 confirma isto, uma vez que, nos termos do seu segundo considerando, foi adotada para possibilitar o cultivo e a comercialização de certas variedades, ainda que não cumpram os requisitos gerais.

45.

Segundo a Kokopelli, o material genético das «antigas variedades» por si comercializadas é menos uniforme do que o material genético das variedades admitidas. Daí que as «antigas variedades» se possam desenvolver de forma diferente conforme as condições climatéricas, não sendo por isso estáveis. Também os espécimes individuais das plantas são, nas respetivas culturas, menos semelhantes entre si. Estas variedades não são, por isso, tão homogéneas como as variedades admitidas ( 20 ).

46.

Há por isso que analisar se a proibição, contida no artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2002/55 de comercializar sementes de variedades que não são comprovadamente distintas, estáveis e suficientemente homogéneas e que também poderão eventualmente ter um valor satisfatório para efeitos de cultivo e de utilização, é compatível com as normas superiores referidas no pedido de decisão prejudicial.

47.

Neste contexto, analisarei, em primeiro lugar, o Tratado Internacional sobre os Recursos Fitogenéticos (v. ponto C. 1), seguidamente o princípio da proporcionalidade (v. ponto C. 2), posteriormente a liberdade de exercer uma atividade económica (v. ponto C. 3) e a livre circulação de mercadorias (v. ponto C. 4) e, finalmente, o princípio da igualdade de tratamento (v. ponto C. 5).

48.

A Comissão só em 2009 adotou a última diretiva referida pela Cour d’appel, a Diretiva 2009/145, cujo prazo de transposição terminou em 31 de dezembro de 2010. Uma vez que o processo principal teve início em 2005, esta diretiva não é muito provavelmente pertinente para a indemnização reclamada. No entanto, poderá ser pertinente para determinar se a Kokopelli deve pôr termo à publicidade para as sementes não admitidas. Há por isso que analisar se a Diretiva 2009/145 altera o resultado da fiscalização ao artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva dos produtos hortícolas (v. ponto C. 2. alínea c), final).

49.

A Diretiva 2002/53 é a Segunda Diretiva referida pela Cour d’appel. Esta apenas será aplicável se, entre as nove variedades de beterrabas que a Graines Baumaux refere na sua lista das variedades dos produtos hortícolas em causa ( 21 ), também figurarem beterrabas açucareiras e forrageiras abrangidas pela Diretiva 2002/54, o que o pedido de decisão prejudicial não refere. Embora não existam indícios neste sentido nos autos e as alegações da Graines Baumaux e da Kokopelli também se oponham a tal, não se pode, no entanto, com certeza absoluta excluir que no processo principal esteja também em causa a validade da Diretiva 2002/53. Para que, na afirmativa, a Cour d’appel não tenha de submeter um novo pedido ( 22 ), analisarei se o resultado quanto à Diretiva 2002/55 também é aplicável à Diretiva 2002/53 (v. ponto D.).

50.

A Primeira Diretiva referida pela Cour d’appel, a diretiva de alteração, já não está em vigor desde a adoção da Diretiva 2002/55 e da Diretiva 2002/53. Além disso, apenas contém as bases jurídicas para as exceções que durante a sua vigência nunca foram aplicadas. Assim, não se justifica analisá-la

C — Quanto ao artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2002/55

1. Quanto ao Tratado Internacional sobre os Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e a Agricultura

51.

O Tratado Internacional sobre os Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e a Agricultura visa, nos termos do seu artigo 1.o, entre outros, a conservação e a utilização sustentável dos recursos fitogenéticos para a alimentação e a agricultura. A Kokopelli defende que este tratado se opõe às regras sobre a admissão de variedades.

52.

O Tribunal de Justiça verifica a validade do direito derivado à luz de todas as regras do direito internacional, desde que estejam preenchidas duas condições. Em primeiro lugar, a União deve estar vinculada por essas regras e, em segundo lugar, o Tribunal de Justiça só pode proceder ao exame da validade de uma regulamentação da União à luz de um tratado internacional quando a natureza e a sistemática deste a isso não se oponham e quando, por outro lado, as suas disposições se revelem, do ponto de vista do seu conteúdo, incondicionais e suficientemente precisas ( 23 ).

53.

A vinculação da União ao TIRFAA não é problemática, uma vez que é parte contratante do mesmo. O Tribunal de Justiça não tem de decidir, neste caso, se a natureza e a sistemática daquele tratado se opõem a um exame do direito derivado ( 24 ), dado que este tratado não contém uma disposição que, do ponto de vista do seu conteúdo, seja incondicional e suficientemente precisa para pôr em causa a validade das regras da União sobre a comercialização de sementes.

54.

O artigo 5.o do TIRFAA prevê que serão tomadas medidas por cada parte contratante «sob reserva da sua legislação nacional» e «quando for caso disso». Nos termos do artigo 6.o, serão definidas e mantidas «políticas adequadas». Segue-se uma lista de exemplos possíveis para políticas deste tipo. Consequentemente, ambas as disposições deixam à consideração dos Estados a respetiva política a adotar. O poder discricionário da União quanto à regulamentação da comercialização de sementes não é desta forma limitado.

55.

O artigo 9.o do TIRFAA respeita aos direitos dos agricultores. As partes contratantes devem, em função das suas necessidades e prioridades, se for caso disso, e sob reserva da legislação nacional, tomar medidas. Esta disposição tão-pouco contém uma obrigação incondicional e precisa.

56.

Não se vislumbram outras disposições do TIRFAA que sejam pertinentes.

57.

Assim, o exame do TIRFAA não revelou nenhum elemento suscetível de pôr em causa a validade do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2002/55.

2. Quanto ao princípio da proporcionalidade

58.

No entanto, a proibição de comercializar sementes de variedades não admitidas poderia ser desproporcionada.

59.

Segundo o princípio da proporcionalidade, que faz parte dos princípios gerais do direito da União, os atos das instituições da União não devem ultrapassar os limites do que seja adequado e necessário para a realização dos objetivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa, que, quando exista a possibilidade de escolher entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva, e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos prosseguidos ( 25 ).

60.

No que diz respeito à fiscalização jurisdicional das condições indicadas nos números anteriores, o legislador da União dispõe de um amplo poder de apreciação num domínio que implica da sua parte opções de natureza política, económica e social e em que é chamado a efetuar apreciações complexas. Só o caráter manifestamente inadequado de uma medida adotada neste domínio, em relação ao objetivo que a instituição competente pretende prosseguir, pode afetar a legalidade de tal medida ( 26 ).

61.

Esta formulação standard do Tribunal de Justiça não deve ser entendida no sentido de que apenas a adequação da medida deve ser examinada ou de que só em relação a este critério se deve aplicar a regra do vício manifesto. Pelo contrário, com tal formulação pretende-se expressar que o exame visa apurar se a medida é manifestamente desproporcionada ( 27 ). Neste âmbito, devem analisar-se as três fases do exame da proporcionalidade ( 28 ).

62.

Mesmo dispondo desse (amplo) poder, o legislador da União deve, além disso basear a sua opção em critérios objetivos. Além disso, no âmbito da apreciação dos condicionalismos ligados a diferentes medidas possíveis, deve examinar se os objetivos prosseguidos pela medida adotada são de natureza a justificar consequências económicas negativas, mesmo consideráveis, para certos operadores ( 29 ).

a) Quanto aos objetivos da proibição e à sua adequação para os alcançar

63.

Nos termos dos considerandos segundo a quarto da Diretiva 2002/55, as regras sobre a admissão de variedades visam o incremento da produtividade da agricultura. Como sublinha corretamente a Comissão, isto constitui, segundo o artigo 39.o, n.o 1, alínea a), TFUE, um objetivo da política agrícola comum.

64.

Além disso, a proibição de comercialização protege os adquirentes de comprarem sementes de variedades que não sejam distintas, estáveis e suficientemente homogéneas e que não têm, eventualmente, valor satisfatório para efeitos de cultivo e de utilização, ou seja, não são rentáveis.

65.

A proibição de comercialização de sementes de variedades não admitidas é, sem dúvida, adequada a promover esses dois objetivos. Garante, em grande parte, que os adquirentes, sobretudo os agricultores, apenas obtenham sementes que apresentem as características constatadas no momento da sua admissão.

66.

Se uma variedade for distinta, estável e suficientemente homogénea, os adquirentes das sementes podem designadamente confiar que irão produzir o fruto pretendido. Esta confiança é um requisito essencial para que os recursos agrícolas sejam usados da melhor forma possível. Se, além disso, for comprovado que a semente em causa tem um valor satisfatório para efeitos de cultivo e de utilização ( 30 ), como previsto no caso da chicória para café, é mesmo de esperar que se possa obter uma certa rentabilidade.

67.

Em contrapartida, caso as referidas características das sementes não estejam estabelecidas, os adquirentes, de certa forma, compram algo «às escuras». Os adquirentes devem poder confiar nas indicações do vendedor em relação à variedade do fruto que será produzida a partir das sementes. Em regra, só alguns meses mais tarde virão a saber se estas indicações são corretas, quando as plantas se tiverem desenvolvido a partir das sementes, provavelmente apenas no momento em que os frutos estiverem maduros. Caso nessa altura se demonstre que as plantas não correspondem às expetativas, o respetivo ciclo de produção já não pode ser alterado. Nesse caso, a produtividade acabaria por ser prejudicada.

68.

Acresce ainda que, no momento da introdução da proibição de comercialização de sementes de variedades não admitidas, ainda não existia possivelmente uma indústria de sementes suficientemente profissional com altos padrões de rentabilidade. Não se pode excluir que, nessa época, tenha sido necessária uma regulamentação rigorosa para eliminar a concorrência de «operadores de baixo custo» e permitir a criação de estruturas sólidas.

69.

Uma produtividade agrícola elevada pode indiretamente contribuir para a segurança alimentar e permitir que áreas que já não são necessárias não sejam cultivadas ou que o sejam de forma mais ecológica, o que a França, a Comissão e o Conselho invocam como objetivos adicionais das regras de comercialização em causa. No entanto, estes dois objetivos têm uma relação muito distinta com a proibição de venda de sementes não admitidas.

70.

Além disso, o décimo segundo considerando da Diretiva 2002/55 demonstra que o catálogo comum de variedades serve para garantir a livre circulação de sementes. Este objetivo é abrangido pelo artigo 3.o, n.o 3, TUE, que prevê a criação do mercado interno. Consequentemente, a regulamentação sobre a admissão das variedades é adequada para contribuir para este objetivo, uma vez que os Estados-Membros podem partir do princípio de que as sementes legalmente comercializadas noutros Estados-Membros respeitam as exigências impostas a nível nacional.

71.

O artigo 4.o, n.o 3, da Diretiva 2002/55 pode finalmente ser interpretado no sentido de que a admissão de variedades também visa a proteção dos consumidores finais dos géneros alimentícios produzidos, designadamente contra os riscos para a saúde e contra os erros. A tomada em consideração destes objetivos no momento da admissão das variedades pode contribuir para a sua realização.

72.

Por fim, a Comissão refere ainda que as regras de comercialização têm como objetivo assegurar o estado sanitário das sementes, a que se refere o décimo segundo considerando da Diretiva 66/402, que antecedeu uma diretiva paralela em relação a sementes de trigo. Também é possível que as diretivas referidas no pedido de decisão prejudicial contenham regras que visam este objetivo. No entanto, não se vislumbra de que forma as regras sobre a admissão de variedades devem contribuir para tal objetivo. Os requisitos de admissão não têm nenhuma relação com a saúde das plantas. Assim, este objetivo não deve ser tomado em consideração para efeitos da sua justificação.

b) Quanto à necessidade

73.

À primeira vista, poderia duvidar-se da necessidade da proibição de comercializar sementes de variedades não admitidas. Isto porque os referidos objetivos poderiam, em grande parte, ser alcançados através de obrigações de identificação bem menos gravosas ( 31 ). Se o adquirente das sementes souber que a variedade não corresponde às exigências do catálogo de variedades, pode desistir de as comprar ou usar. Desta forma, evitar-se-iam perdas de produtividade e ao mesmo tempo seria assegurada a proteção dos consumidores.

74.

No entanto, uma ampla realização dos objetivos não é suficiente para excluir a necessidade. Uma medida já é necessária caso o meio menos gravoso seja menos eficaz. Ora, é o que sucede no presente caso.

75.

As obrigações de identificação e de alerta não garantiriam do mesmo modo que os adquirentes apenas obtivessem sementes que cumprissem os requisitos de admissão. Mesmo assim, não seria de excluir que os adquirentes se enganassem em relação à qualidade das sementes ou que, por outros motivos, por exemplo o preço, a publicidade ou por convicção, utilizassem sementes que não correspondessem aos requisitos de admissão. A questão de saber se a realização mais alargada — embora ligeiramente — dos objetivos da regulamentação graças à proibição aqui em causa é suficiente para a justificar não é uma questão de necessidade mas deve ser analisada no âmbito da ponderação entre as desvantagens e os objetivos.

76.

No entanto, a ligação entre a admissão de variedades e uma proibição de comercializar variedades não admitidas não é necessária para permitir a livre circulação de sementes no mercado interno ( 32 ). Mesmo que a proteção da agricultura contra sementes de variedades não admitidas pudesse justificar a imposição de restrições comerciais nacionais ( 33 ), a União não teria de adotar uma proibição. Pelo contrário, bastaria o artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2002/55, que garante a livre circulação na União das variedades que cumprem os requisitos de admissão.

77.

As regras de admissão também não são necessárias para proteger os consumidores finais contra os géneros alimentícios resultantes dessas variedades. Este objetivo já é garantido pela legislação alimentar, nomeadamente pelo Regulamento (CE) n.o 178/2002 ( 34 ), que contém regras precisas a este respeito.

c) Quanto à ponderação entre as vantagens e os inconvenientes (adequação)

78.

Há, assim, que analisar se as desvantagens da proibição de comercialização são, em relação aos objetivos de promover a produtividade agrícola e de proteger os adquirentes de sementes, manifestamente inadequadas. A este respeito, importa averiguar se, ao exercer o seu poder de apreciação, o legislador da União tentou garantir um certo equilíbrio entre, por um lado, estes objetivos e, por outro, os interesses dos operadores económicos ( 35 ).

79.

Tentarei demonstrar, em primeiro lugar, que, até à adoção da Diretiva 2009/145, o legislador não tomou medidas para equilibrar os interesses em presença e, seguidamente, que os inconvenientes da regulação também são manifestamente desproporcionados relativamente às suas vantagens. Por fim, analisarei se a tomada em consideração da Diretiva 2009/145 leva a um resultado diferente.

Quanto ao esforço do legislador para equilibrar os interesses em presença

80.

Segundo os considerandos da diretiva em causa e as alegações da maior parte dos intervenientes no presente processo, a proibição de comercializar sementes de variedades não admitidas baseia-se na ideia de que os objetivos prosseguidos são do interesse dos operadores económicos. Uma produtividade elevada e a proteção das sementes de variedades que não respeitam os requisitos de admissão correspondem ao interesse económico de muitos agricultores.

81.

No entanto, esta medida também afeta os interesses dos operadores económicos e dos consumidores, cujo principal interesse não são uma elevada produtividade nem produtos standardizados. Ao mesmo tempo, é afetado o interesse geral na diversidade genética das variedades agrícolas.

82.

Os operadores económicos, cujos interesses não são, em primeira linha, a produtividade, são consideravelmente afetados pelo sistema existente. Os produtores e os comerciantes de sementes, os agricultores, mas também os utilizadores de produtos agrícolas não podem utilizar variedades que tenham características diferentes das variedades admitidas. Se uma variedade não admitida tiver, por exemplo, um sabor diferente do das variedades admitidas ou se, em determinadas condições de cultivo, tiver maior rentabilidade, não poderá, apesar disso, ser comercializada. São também dificultados os esforços destinados a desenvolver as variedades não admitidas em variedades que cumpram os requisitos de admissão.

83.

Ao mesmo tempo, a escolha dos consumidores é limitada. Estes nem têm acesso a géneros alimentícios ou a outros produtos resultantes de variedades que não respeitam os requisitos de admissão, nem podem eles próprios — por exemplo nas suas próprias hortas — cultivá-los.

84.

O facto de os agricultores às variedades admitidas reduz, afinal, a diversidade genética nos campos europeus, visto que são cultivadas menos variedades e as culturas dessas variedades apresentarem diferenças genéticas menores entre os vários espécimes ( 36 ).

85.

Embora a diversidade biológica não seja expressamente referida nos Tratados como um objetivo da política europeia, a verdade é que a União se comprometeu, sobretudo através da Convenção sobre a diversidade biológica ( 37 ), a protegê-la, e o Tribunal de Justiça também já a considerou um objetivo digno de proteção ( 38 ). Especificamente no que respeita à agricultura, este objetivo foi consagrado no TIRFAA.

86.

Embora os bancos de sementes e um cultivo num espaço delimitado possam contribuir para a preservação de variedades não admitidas, tais medidas dependem tipicamente de financiamentos públicos. A exploração económica das variedades não admitidas asseguraria a sua preservação de uma forma bastante mais sólida e, na prática, também levaria a uma maior diversidade biológica nas plantações.

87.

Dos considerandos da diretiva e das alegações dos intervenientes, sobretudo do Conselho e da Comissão, não resulta que o legislador tenha tido em conta estes interesses até à adoção da Diretiva 2009/145. Quanto mais não seja por esta razão, a disposição em causa afigura-se manifestamente desproporcionada.

Quanto à ponderação das desvantagens e dos objetivos

88.

Mesmo admitindo que o legislador tenha procedido a uma ponderação — não documentada — não conseguiu manifestamente que os inconvenientes fossem proporcionados aos objetivos.

89.

As vantagens da proibição de comercialização em relação às medidas menos gravosas, como por exemplo as obrigações de identificação, limitam-se — como foi acima demonstrado ( 39 ) —, no essencial, a evitar a utilização por engano de sementes não admitidas. No entanto, este risco seria muito limitado caso fossem previstas indicações de alerta suficientemente claras.

90.

Em contrapartida, não é de recear que a agricultura europeia perca o acesso a sementes de qualidade comparativamente superior. Com efeito, mesmo na falta de uma proibição de comercialização de variedades não admitidas, os agricultores podem utilizar as variedades que figuram no catálogo das variedades e que respeitam os requisitos de admissão. Devido às qualidades em termos de rentabilidade das variedades admitidas também não é de esperar uma concorrência eliminatória sensível por variedades não admitidas.

91.

Além disso, foi entretanto criado o direito de proteção das variedades vegetais ( 40 ), que comporta estímulos adicionais à criação de variedades suficientemente produtivas. O regime da proteção das variedades vegetais tem requisitos semelhantes aos da admissão de variedades no catálogo das sementes. Por conseguinte, o setor profissional das sementes não precisa de ser protegido da concorrência por parte de variedades não admitidas.

92.

O Conselho defende que a proibição de comercialização tem a vantagem adicional de impedir a utilização de sementes não admitidas. Estas sementes poderiam ser prejudiciais ou não assegurar uma produção agrícola ótima. Entendo estas alegações no sentido de que, em último caso, os agricultores também devem ser obrigados a utilizar de facto variedades produtivas. No entanto, isto constitui uma vantagem muito limitada, uma vez que incumbe em regra aos agricultores decidir as variedades que cultivam. Também podem simplesmente deixar de cultivar os seus campos.

93.

Em contrapartida, os inconvenientes da proibição de comercialização de sementes de variedades não admitidas são gravosos. Afetam — como acima foi referido — a liberdade empresarial, os consumidores de produtos agrícolas e a diversidade biológica na agricultura.

94.

Assim, há que concluir que os inconvenientes da proibição de comercialização de sementes de variedades não admitidas se sobrepõem manifestamente relação às suas vantagens.

Quanto à Diretiva 2009/145

95.

No entanto, a Diretiva 2009/145 poria em causa a conclusão a que se chegou até ao momento, pelo menos a partir de 31 de dezembro de 2010, se atenuasse de forma satisfatória os inconvenientes das regras anteriores.

96.

A própria Diretiva 98/95 demonstra que o legislador se tinha apercebido da necessidade de um equilíbrio entre os interesses no que respeita à diversidade biológica. Esta diretiva estabeleceu as bases jurídicas para um número limitado de derrogações aos requisitos de admissão estritos fixados na Diretiva 2002/55. Antes de a Comissão finalmente as aplicar em 2009 ao adotar a Diretiva 2009/145, estas medidas mantiveram intacta a proibição, pelo que a ponderação dos interesses também não se alterou.

97.

No entanto, a Diretiva 2009/145 abre possibilidades de comercialização de sementes de variedades que até então não podiam ser admitidas. Embora a diretiva não obrigue expressamente os Estados-Membros a admitir determinadas variedades, a verdade é que estes devem exercer a margem de apreciação que a diretiva lhes proporciona, no respeito pelos direitos fundamentais do Direito da União ( 41 ). Por esta razão, são obrigados a admitir as variedades que respeitem os requisitos da Diretiva 2009/145, caso o regime da admissão das variedades fosse, de outra forma, desproporcionado ( 42 ).

98.

Consequentemente, há que analisar se a Diretiva 2009/145 deixa margem suficiente para a utilização de «antigas variedades». A diretiva contém disposições para dois tipos de variedades: por um lado, as variedades de conservação e, por outro, as «variedades desenvolvidas para cultivo em determinadas condições».

99.

A admissão das variedades de conservação ainda exige, segundo o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2009/145, a prova de uma determinada qualidade mínima no que respeita à distinção, à estabilidade e à homogeneidade. Além disso, a utilização destas variedades é consideravelmente restringida: nos termos dos artigos 13.° e 14.°, as sementes podem ser produzidas e comercializadas unicamente na região de origem ou em regiões comparáveis. Os artigos 15.° e 16.°, em conjugação com o anexo I, também restringem a quantidade de sementes. Consoante o seu tipo, para cada variedade só podem ser produzidas e comercializadas sementes para o cultivo de superfícies de 10 a 40 hectares.

100.

Embora a Kokopelli tenha dúvidas de que estas disposições estabeleçam um equilíbrio adequado entre, por um lado, os objetivos de produtividade e a proteção dos agricultores e, por outro, a preservação da diversidade genética na agricultura, já não se pode afirmar que as vantagens do sistema da admissão de variedades seja manifestamente desproporcionado em relação à afetação dos interesses da diversidade genética. Na verdade, é agora possível, embora de maneira muito limitada, cultivar variedades com interesse do ponto de vista da preservação de recursos fitogenéticos mas que não respeitam os requisitos gerais de admissão. E se os requisitos específicos de distinção, de estabilidade e de homogeneidade destas variedades forem entendidas e interpretadas em sentido amplo à luz do princípio da proporcionalidade, a admissão de «variedades antigas» deveria, em princípio, ser possível.

101.

No entanto, estas disposições, devido às limitações que contêm, não visam permitir uma exploração económica das variedades abrangidas. Os interesses dos operadores económicos e dos consumidores não são, assim, tomados devidamente em conta.

102.

A utilização de variedades que foram desenvolvidas para o cultivo em determinadas condições é menos limitada, mas a sua admissão está sujeita a requisitos mais estritos. Uma variedade deste tipo deve, segundo o artigo 22.o da Diretiva 2009/145, ser sem valor intrínseco para uma produção vegetal comercial e deve ser desenvolvida para cultivo em determinadas condições agro-técnicas, climatéricas ou pedológicas. Devem ser poucas as «antigas variedades» que conseguem cumprir este último requisito. Assim, esta regulamentação poderá possibilitar a utilização de determinadas antigas variedades, mas está redigida de forma demasiado estrita para garantir a proporcionalidade das disposições sobre a admissão de variedades na sua totalidade.

103.

Em resumo, há que declarar que mesmo depois da adoção da Diretiva 2009/145 continuam a existir inconvenientes para os operadores económicos e para os consumidores, aos quais é vedado o acesso às «antigas variedades» não admitidas. Do mesmo modo, independentemente dos inconvenientes para a diversidade biológica, tais inconvenientes são manifestamente desproporcionados em relação às vantagens da proibição, sem que o legislador se tenha esforçado por equilibrá-los.

d) Conclusão provisória

104.

Há, assim, que declarar que os inconvenientes da proibição prevista no artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2002/55 de comercializar sementes de variedades que não se pode comprovar que sejam distintas, estáveis e suficientemente homogéneas e, sendo caso disso, de valor satisfatório para efeitos de cultivo e de utilização, são desproporcionadas em relação aos seus inconvenientes. Consequentemente, esta disposição é inválida.

3. Quanto à liberdade de exercer uma atividade económica

105.

Há ainda que determinar se a proibição em causa é compatível com o direito fundamental de exercer uma atividade económica.

106.

A liberdade de exercer uma atividade económica é protegida, como liberdade empresarial, pelo artigo 16.o da Carta dos Direitos Fundamentais, à qual é reconhecida, desde a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, segundo o artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, TUE, o mesmo valor jurídico que os Tratados ( 43 ). O Tribunal de Justiça já tinha anteriormente reconhecido este direito fundamental como sendo uma componente do direito ao livre exercício de uma atividade profissional ( 44 ).

107.

É óbvio que as regras em matéria de comercialização de sementes restringem esta liberdade: se a variedade não for admitida, as suas sementes não podem ser comercializadas nem adquiridas para cultivo.

108.

Nos termos do artigo 52.o da Carta dos Direitos Fundamentais, qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e dessas liberdades. Na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros ( 45 ).

109.

A justificação da ingerência na liberdade empresarial deve, por isso, respeitar o princípio da proporcionalidade ( 46 ). Uma vez que já foi declarado que é desproporcionada, a proibição de venda também viola, em princípio, o direito fundamental ao livre exercício de atividades profissionais.

110.

No entanto, ao aplicar o princípio da proporcionalidade para justificar uma restrição à liberdade de exercer uma atividade económica, há que ter em conta que nem todos os inconvenientes da proibição de venda devem ser ponderados em função dos seus objetivos, mas apenas a ingerência no direito fundamental analisado, ou seja, sobretudo as restrições referidas no n.o 82 para os produtores e os comerciantes de sementes e para os agricultores. Mas também no âmbito desta ponderação limitada chego à conclusão de que a proibição de venda é manifestamente desproporcionada.

111.

Por conseguinte, a restrição, pelo artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2002/55, do direito a exercer livremente uma atividade económica previsto no artigo 16.o da Carta não se justificar ao abrigo do artigo 52.o, n.o 1, da Carta, pelo que a disposição também é inválida por violar este direito fundamental.

4. Quanto à livre circulação de mercadorias

112.

Além disso, a proibição de comercializar sementes de variedades não admitidas também poderia estar em contradição com a livre circulação de mercadorias.

113.

A proibição de restrições quantitativas e de medidas de efeito equivalente, prevista no artigo 34.o TFUE, aplica-se não apenas às medidas nacionais mas também às medidas adotadas pelas instituições da União ( 47 ).

114.

A proibição restringe necessariamente o comércio. Uma vez que também esta restrição apenas é justificada se respeitar o princípio da proporcionalidade ( 48 ), são aplicáveis as considerações já feitas a este respeito ( 49 ).

5. Quanto à igualdade de tratamento ou à não discriminação

115.

Por fim, há que analisar a compatibilidade com o princípio da igualdade de tratamento ou da não discriminação. Este princípio, atualmente consagrado no artigo 20.o da Carta dos Direitos Fundamentais, exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a não ser que tal tratamento seja objetivamente justificado ( 50 ). Uma desigualdade de tratamento é justificada quando se baseie num critério objetivo e razoável, isto é, quando esteja relacionada com um objetivo legalmente admissível prosseguido pela legislação em causa, e seja proporcionada em relação ao objetivo prosseguido pelo tratamento em questão ( 51 ). A regulamentação em causa deve, por conseguinte, ser proporcionada às diferenças e semelhanças de cada situação ( 52 ).

116.

A desigualdade de tratamento em causa no presente processo consiste no facto de sementes de variedades admitidas poderem ser vendidas, o mesmo não acontecendo com sementes de variedades não admitidas. A proibição de venda baseia-se no facto de os requisitos de admissão não terem sido comprovados. A falta desta comprovação constitui uma diferença entre as duas variedades que, em princípio, também justificaria um tratamento diferente, por exemplo, a obrigação de identificar de forma especial as sementes das variedades não admitidas.

117.

Como já foi dito, os inconvenientes de uma proibição de venda são assim, como já foi exposto, desproporcionadas em relação aos objetivos da regulamentação. Daí o tratamento diferenciado não se justificar e a proibição ser inválida por violação do princípio da igualdade de tratamento.

6. Conclusão

118.

Como conclusão provisória há que declarar que a proibição prevista no artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2002/55 de comercializar sementes de variedades que não são comprovadamente distintas, estáveis e suficientemente homogéneas nem têm um valor satisfatório para efeitos de cultivo e de utilização, é inválida na medida em que viola os princípios da proporcionalidade, da liberdade empresarial, consagrado no artigo 16.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, da livre circulação de mercadorias, consagrado no artigo 34.o TFUE e da igualdade de tratamento, consagrado no artigo 20.o da referida Carta.

D — Quanto à Diretiva 2002/53

119.

Por fim, há que verificar se a conclusão a que chegámos após a análise do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2002/55 também deve ser aplicada à Diretiva 2002/53.

120.

Diversamente do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2002/55, a Diretiva 2002/53 não prevê expressamente que as sementes apenas possam ser comercializadas se a sua variedade tiver sido oficialmente admitida.

121.

Nos termos do seu artigo 1.o, n.o 1, a Diretiva 2002/53 regula a admissão de variedades cujas sementes ou propágulos podem ser comercializados. Também o artigo 3.o, n.o 1, no âmbito dos requisitos de admissão, se refere «às variedades admitidas oficialmente para comercialização».

122.

Estas disposições da Diretiva 2002/53 podem ser interpretadas no sentido de que só as sementes de variedades admitidas podem ser comercializadas. Tal proibição seria inválida pelas razões já expostas em relação ao artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2002/55. No entanto, esta interpretação não é irrefutável.

123.

Pelo contrário, a admissão poderia ser entendida no sentido de que representa apenas uma condição prévia para o registo da variedade no catálogo e que confirma que os requisitos de admissão estão preenchidos. Este entendimento deve ser privilegiado, uma vez que, segundo um princípio geral de interpretação, um ato jurídico da União deve ser interpretado, na medida do possível, de forma a não pôr em causa a sua validade ( 53 ).

124.

Uma vez que uma tal interpretação em conformidade com os direitos fundamentais é possível, a questão da validade da Diretiva 2002/53 não se coloca.

V — Conclusão

125.

Por conseguinte, proponho ao Tribunal de Justiça que declare:

1.

A proibição prevista no artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2002/55/CE de comercializar sementes de variedades que não são comprovadamente distintas, estáveis e suficientemente homogéneas nem têm um valor satisfatório para efeitos de cultivo e de utilização, é inválida na medida em que viola os princípios da proporcionalidade, da liberdade empresarial, consagrado no artigo 16.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, da livre circulação de mercadorias, consagrado no artigo 34.o TFUE e da igualdade de tratamento, consagrado no artigo 20.o da referida Carta.

2.

Em contrapartida, a análise do pedido de decisão prejudicial não revelou elementos suscetíveis de pôr em causa a validade das restantes disposições da Diretiva 2002/55/CE nem das da Diretiva 98/95/CE, da Diretiva 2002/53/CE e da Diretiva 2009/145.


( 1 ) Língua original: alemão.

( 2 ) JO L 378, p. 1.

( 3 ) JO L 378, p. 3.

( 4 ) V. artigos 3.° e 4.° da Diretiva 70/458/CEE do Conselho, de 29 de setembro de 1970, respeitante à comercialização das sementes de produtos hortícolas (JO L 225, p. 7).

( 5 ) V. Diretiva 66/400/CEE do Conselho, de 14 de junho de 1966, relativa à comercialização de sementes de beterrabas (JO 125, p. 2290), Diretiva 66/401/CEE do Conselho de 14 de junho de 1966 relativa à comercialização de sementes de plantas forrageiras (JO 125, p. 2298) e Diretiva 66/402/CEE do Conselho, de 14 de junho de 1966, relativa à comercialização de sementes de cereais (JO 125, p. 2309).

( 6 ) Os documentos relevantes e as observações de entidades públicas e grupos de interesses encontram-se na página da Internet da Comissão, http://ec.europa.eu/food/plant/propagation/evaluation/index_en.htm, consultada pela última vez em 16 de janeiro de 2012.

( 7 ) JO L 193, p. 33.

( 8 ) JO L 312, p. 44.

( 9 ) JO L 254, p. 11.

( 10 ) JO L 193, p. 1.

( 11 ) JO L 193, p. 12.

( 12 ) JO 1999 L 25, p. 1.

( 13 ) V., nomeadamente, acórdão de 15 de setembro de 2011, Gueye (C-483/09 e C-1/10, Colet., p. I-8263, n.o 40).

( 14 ) V. acórdãos de 13 de fevereiro de 1979, Granaria (processo 101/78, Colet.,1979, p. 623, n.o 4), de 5 de outubro de 2004, Comissão/República Helénica (C-475/01, Colet., p. I-8923, n.o 18), e de 12 de fevereiro de 2008, Centre d’exportation du livre français (C-199/06, Colet., p. I-469, n.o 59).

( 15 ) V., quanto à fiscalização do direito de transposição através do recurso ao direito constitucional nacional, o acórdão de 22 de junho de 2010, Melki (C-188/10 e C-189/10, Colet., p. I-5667, n.o 56).

( 16 ) V., respetivamente, a matéria de facto nos acórdãos de 14 de dezembro de 2004, Arnold André (C-434/02, Colet., p. I-11825, n.o 20), de 12 de julho de 2005, Alliance for Natural Health e o. (C-154/04 e C-155/04, Colet., p. I-6451, n.o 21), de 6 de dezembro de 2005, ABNA e o. (C-453/03, C-11/04, C-12/04 e C-194/04, Colet., p. I-10423, n.os 17, 22 e segs. e 34), e de 1 de março de 2011, Association Belge des Consommateurs Test-Achats e o. (C-236/09, Colet., p. I-773, n.o 12).

( 17 ) V. n.o 146 do seu requerimento.

( 18 ) V. n.os 147 e segs.

( 19 ) V. n.o 95 da observação da Comissão.

( 20 ) V. Food Chain Evaluation Consortium, «Evaluation of the Community acquis on the marketing of seed and plant propagating material (S&PM)», http://ec.europa.eu/food/plant/propagation/evaluation/s_pm_evaluation_finalreport_en.pdf (2008), pp. 78 e 168 segs.

( 21 ) Petição inicial da Graines Baumaux em primeira instância, pp. 25 e segs. dos anexos: cinco variedades «betteraves» e quatro variedades «navets».

( 22 ) Acórdão de 6 de dezembro de 2005, Gaston Schul Douane-expediteur (C-461/03, Colet., p. I-10513, n.os 19 e segs.).

( 23 ) V. acórdãos de 3 de junho de 2008, Intertanko e o. (C-308/06, Colet., p. I-4057, n.os 43 e segs.), e de 21 de dezembro de 2011, The Air Transport Association of America e o. (C-366/10, Colet., p. I-13755, n.os 51 e segs.).

( 24 ) V., a este respeito, as minhas conclusões de 6 de outubro de 2011 no processo The Air Transport Association of America e o. (C-366/10, Colet., p. I-13755, n.os 68 e segs.).

( 25 ) Acórdãos de 12 de julho de 2001, Jippes e o. (C-189/01, Colet., p. I-5689, n.o 81), de 7 de julho de 2009, S.P.C.M. e o. (C-558/07, Colet., p I-5783, n.o 41), e de 8 de julho de 2010, Afton Chemical (C-343/09, Colet., p. I-7027, n.o 45), e jurisprudência aí referida.

( 26 ) V. acórdãos S.P.C.M. e o., n.o 42 e Afton Chemical, n.o 46, já referidos na nota 24.

( 27 ) V. acórdão S.P.C.M. e o. (já referido na nota 24, n.o 71).

( 28 ) V. o exame no acórdão S.P.C.M. e o. (já referido na nota 24, n.os 44 e segs., quanto aos objetivos e à adequação da medida, n.os 59 e segs. quanto à necessidade, e n.os 64 e segs. quanto à ponderação entre as desvantagens e os objetivos).

( 29 ) V. acórdãos de 16 de dezembro de 2008, Arcelor Atlantique e Lorraine e o. (C-127/07, Colet., p. I-9895, n.o 58), de 8 de junho de 2010, Vodafone e o. (C-58/08, p. I-4999, n.o 53), e de 12 de maio de 2011, Luxemburgo/Parlamento e Conselho (C-176/09, Colet., p. I-3727, n.o 63).

( 30 ) V. definição deste valor no artigo 5, n.o 4, da diretiva do catálogo de variedades.

( 31 ) V. também o quarto de cinco cenários que a Comissão coloca à discussão no seu documento consultivo quanto à reforma do sistema, «Options and Analysis of possible Scenarios for the Review of the EU Legislation on the Marketing of Seed and Plant Propagating Material» (http://ec.europa.eu/food/plant/propagation/evaluation/docs/15042011_options_analysis_paper_en.pdf, pp. 12 e segs.).

( 32 ) V. n.o 70, supra.

( 33 ) A consideração feitas mais abaixo, n.os 88 e segs., quanto à adequação e o exame da livre circulação de mercadorias, v. n.os 112 e segs. mais abaixo, colocam dúvidas a este respeito.

( 34 ) V. Regulamento (CE) n.o 178/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2002, que determina os princípios e normas gerais da legislação alimentar, cria a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos e estabelece procedimentos em matéria de segurança dos géneros alimentícios (JO L 31, p. 1).

( 35 ) V. acórdão Afton Chemical (já referido na nota 24, n.o 56), v. também os acórdãos S.P.C.M. e o. (já referido na nota 24, n.os 64 e segs.) e de 9 de novembro de 2010, Volker und Markus Schecke e Eifert (C-92/09 e C-93/09, Colet., p. I-11063, n.os 77 e 81), e jurisprudência referida na nota 28.

( 36 ) V. n.o 45, supra.

( 37 ) JO 1993, L 309, p. 3.

( 38 ) V. acórdão de 3 de dezembro de 1998, Bluhme (C-67/97, Colet., p. I-8033, n.o 33).

( 39 ) V. n.o 75, supra.

( 40 ) Na União, este direito é regulado pelo Regulamento (CE) n.o 2100/94 do Conselho, de 27 de julho de 1994, relativo ao regime comunitário de proteção das variedades vegetais (JO L 227, p. 1).

( 41 ) V. acórdãos de 24 de março de 1994, Bostock (C-2/92, Colet., p. I-955, n.o 16), de 27 de junho de 2006, Parlamento/Conselho («Reagrupamento familiar», C-540/03, Colet., p. I-5769, n.o 105), e de 1 de julho de 2010, Speranza (C-35/09 Colet., p. I-6581, n.o 28).

( 42 ) V. acórdãos de 18 de novembro de 1987, Maizena e o. (137/85, Colet., 1987, p. 4587, n.o 15), e Speranza (já referido na nota 40, n.o 29).

( 43 ) V. acórdãos de 19 de janeiro de 2010, Kücükdeveci (C-555/07, Colet., p. I-365, n.o 22), e de 22 de dezembro de 2010, DEB Deutsche Energiehandels- und Beratungsgesellschaft (C-279/09, Colet., p. I-13849, n.o 30).

( 44 ) V. acórdãos de 14 de maio de 1974, Nold/Comissão (4/73, Colet., 1974, p. 283, n.o 14), de 5 de outubro de 1994, Alemanha/Conselho (C-280/93, Colet., p. I-4973, n.o 78), e de 16 de novembro de 2011, Bank Melli Iran/Conselho (C-548/09 P, Colet., p. I-11381, n.o 114).

( 45 ) V., no mesmo sentido, os acórdãos já referidos na nota 43. V., quanto à análise de uma tal justificação, o acórdão Volker e Markus Schecke (já referido na nota 34, n.os 65 e segs.).

( 46 ) V. acórdãos Alliance for Natural Health e o. (já referido na nota 15, n.o 129), e ABNA e o. (já referido na nota 15, n.os 87 e seguinte), e, em relação à proteção de dados, o acórdão Volker e Markus Schecke (já referido na nota 34, n.o 74).

( 47 ) V. acórdãos de 17 de maio de 1984, Denkavit Nederland (15/83, Recueil, p. 2171, n.o 15) e Alliance for Natural Health e o. (já referido na nota 15, n.o 47).

( 48 ) V., quanto à análise da validade de direito derivado, os acórdãos de 7 de fevereiro de 1985, ADBHU (240/83, Recueil, p. 531, n.o 15), e de 25 de junho de 1997, Kieffer e Thill (C-114/96, Colet., p. I-3629, n.o 31), e, mais em geral, os acórdãos de 20 de setembro de 1988, Comissão/Dinamarca (302/86, Colet., p. 4607, n.os 11 e — quanto à adequação — 21), de 15 de novembro de 2005, Comissão/Áustria (C-320/03, Colet., p. I-9871, n.os 85 e 90).

( 49 ) V. n.o 110, supra.

( 50 ) V. acórdãos de 10 de janeiro de 2006, IATA e ELFAA (C-344/04, Colet., p. I-403, n.o 95), S.P.C.M. e o. (já referido na nota 24, n.o 74), e de 14 de setembro de 2010, Akzo Nobel Chemicals e Akcros Chemicals/Comissão e o. (C-550/07 P, Colet., p. I-8301, n.o 55).

( 51 ) V. acórdão Arcelor Atlantique e Lorraine e o. (já referido na nota 28, n.o 47).

( 52 ) V. conclusões do advogado-geral Poiares Maduro de 3 de abril de 2008, Huber (C-524/06, Colet., p. I-9705, n.o 7), e as minhas conclusões de 8 de setembro de 2005, Parlamento/Conselho (C-540/03, Colet., p. I-5769, n.o 107, e jurisprudência referida), e de 10 de março de 2009, S.P.C.M. e o. (C-558/07, Colet., p. I-5783, n.o 134).

( 53 ) V. acórdãos de 4 de outubro de 2001, Itália/Comissão (C-403/99, Colet., p. I-6883, n.o 37), de 19 de novembro de 2009, Sturgeon e o. (C-402/07 e C-432/07, Colet., p. I-10923, n.o 47), e de 16 de setembro de 2010, Chatzi (C-149/10, Colet., p. I-8489, n.o 43).

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