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Document 62010CJ0489

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 5 de junho de 2012.
Prokurator Generalny contra Łukasz Marcin Bonda.
Pedido de decisão prejudicial apresentada por Sąd Najwyższy.
Processo C-489/10.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2012:319

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

5 de junho de 2012 ( *1 )

«Política agrícola comum — Regime de pagamento único por superfície — Regulamento (CE) n.o 1973/2004 — Artigo 138.o, n.o 1 — Exclusão de ajudas em caso de declaração incorreta da superfície — Caráter administrativo ou penal desta sanção — Proibição de dupla condenação — Princípio ne bis in idem»

No processo C-489/10,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentado pelo Sąd Najwyższy (Polónia), por decisão de 27 de setembro de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 12 de outubro de 2010, no processo penal instaurado contra

Łukasz Marcin Bonda,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: V. Skouris, presidente, A. Tizzano, J. N. Cunha Rodrigues, K. Lenaerts, J.-C. Bonichot e A. Prechal, presidentes de secção, A. Rosas, R. Silva de Lapuerta, K. Schiemann, A. Borg Barthet (relator), L. Bay Larsen, M. Berger e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado-geral: J. Kokott,

secretário: K. Sztranc-Sławiczek, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 4 de outubro de 2011,

vistas as observações apresentadas:

em representação de Ł. M. Bonda, por J. Markowicz, adwokat,

em representação do Governo polaco, por M. Szpunar, D. Krawczyk e B. Majczyna, na qualidade de agentes,

em representação do Governo austríaco, por C. Pesendorfer, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por A. Bouquet e A. Szmytkowska, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada-geral na audiência de 15 de dezembro de 2011,

profere o presente

Acórdão

1

O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 1973/2004 da Comissão, de 29 de outubro de 2004, que estabelece normas de execução do Regulamento (CE) n.o 1782/2003 do Conselho relativamente aos regimes de apoio previstos nos seus títulos IV e IV A e à utilização de terras retiradas para a produção de matérias-primas (JO L 345, p. 1).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito da acusação de Ł. M. Bonda em processo penal por fraude cometida por este na sua declaração relativa à superfície agrícola elegível para o pagamento único por superfície.

Quadro jurídico

Direito internacional

3

Nos termos do artigo 4.o do Protocolo n.o 7 da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinado em Estrasburgo, em 22 de novembro de 1984 (a seguir «Protocolo n.o 7»):

«Ninguém pode ser penalmente julgado ou punido pelas jurisdições do mesmo Estado por motivo de uma infração pela qual já foi absolvido ou condenado por sentença definitiva, em conformidade com a lei e o processo penal desse Estado.»

Direito da União

Regulamento (CE, Euratom) n.o 2988/95

4

O Regulamento (CE, Euratom) n.o 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, relativo à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias (JO L 312, p. 1), enuncia no quarto, quinto, nono, décimo e décimo segundo considerandos:

«Considerando que a eficácia da luta contra a fraude lesiva dos interesses financeiros das Comunidades exige a criação de um quadro jurídico comum a todos os domínios abrangidos pelas políticas comunitárias;

Considerando que os comportamentos que constituem irregularidades, bem como as medidas e sanções administrativas que lhes dizem respeito, estão previstos em regulamentos setoriais em conformidade com o presente regulamento;

[…]

Considerando que as medidas e sanções comunitárias adotadas no âmbito da realização dos objetivos da política agrícola comum são parte integrante dos regimes de ajudas; que têm uma finalidade própria que deixa às autoridades competentes dos Estados-Membros toda a latitude de apreciação, no plano do direito penal, do comportamento dos agentes económicos em questão; que a sua eficácia deve ser assegurada pelo efeito imediato da norma comunitária e pela aplicação integral de todas as medidas comunitárias caso a adoção de medidas cautelares não tenha permitido que se atingisse tal objetivo;

Considerando que, em virtude da exigência geral de equidade e do princípio da proporcionalidade, bem como à luz do princípio ne bis in idem, convém prever, na observância do acervo comunitário e das disposições previstas nas regulamentações comunitárias específicas vigentes aquando da entrada em vigor do presente regulamento, disposições adequadas para evitar a cumulação de sanções pecuniárias comunitárias e de sanções penais nacionais impostas pelos mesmos factos à mesma pessoa;

[…]

Considerando que o presente regulamento é aplicável sem prejuízo da aplicação do direito penal dos Estados-Membros».

5

O artigo 1.o do referido regulamento dispõe:

«1.   Para efeitos da proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias, é adotada uma regulamentação geral em matéria de controlos homogéneos e de medidas e sanções administrativas relativamente a irregularidades no domínio do direito comunitário.

2.   Constitui irregularidade qualquer violação de uma disposição de direito comunitário que resulte de um ato ou omissão de um agente económico que tenha ou possa ter por efeito lesar o orçamento geral das Comunidades ou orçamentos geridos pelas Comunidades, quer pela diminuição ou supressão de receitas provenientes de recursos próprios cobradas diretamente por conta das Comunidades, quer por uma despesa indevida.»

6

Nos termos do artigo 2.o do mesmo regulamento:

«1.   Os controlos e as medidas e sanções administrativas são instituídos na medida em que sejam necessários para assegurar a aplicação correta do direito comunitário. Devem ser efetivos, proporcionados e dissuasores, a fim de assegurar uma proteção adequada dos interesses financeiros das Comunidades.

2.   Não pode ser aplicada qualquer sanção administrativa que não tenha sido prevista num ato comunitário anterior à irregularidade. Se disposições da regulamentação comunitária que estabelecem sanções administrativas forem alteradas em momento posterior, as disposições menos severas são aplicáveis retroativamente.

3.   As disposições do direito comunitário determinam a natureza e o âmbito das medidas e sanções administrativas necessárias à aplicação correta da regulamentação considerada em função da natureza e da gravidade da irregularidade, do benefício concedido ou da vantagem recebida e do grau de responsabilidade.

4.   Sob reserva do direito comunitário aplicável, os procedimentos relativos à aplicação dos controlos e das medidas e sanções comunitários são regidos pelo direito dos Estados-Membros.»

7

O artigo 4.o do Regulamento n.o 2988/95 enuncia:

«1.   Qualquer irregularidade tem como consequência, regra geral, a retirada da vantagem indevidamente obtida:

através da obrigação de pagar os montantes em dívida ou de reembolsar os montantes indevidamente recebidos,

através da perda total ou parcial da garantia constituída a favor do pedido de uma vantagem concedida ou aquando do recebimento de um adiantamento.

2.   A aplicação das medidas referidas no n.o 1 limita-se à retirada da vantagem obtida, acrescida, se tal se encontrar previsto, de juros que podem ser determinados de forma fixa.

3.   Os atos relativamente aos quais se prove terem por fim obter uma vantagem contrária aos objetivos do direito comunitário aplicável nas circunstâncias, criando artificialmente condições necessárias à obtenção dessa vantagem, têm como consequência, consoante o caso, quer a não obtenção da vantagem quer a sua retirada.

4.   As medidas previstas no presente artigo não são consideradas sanções.»

8

O artigo 5.o do referido regulamento tem a seguinte redação:

«1.   As irregularidades intencionais ou causadas por negligência podem determinar as seguintes sanções administrativas:

a)

Pagamento de multa administrativa;

b)

Pagamento de montante superior às quantias indevidamente recebidas ou elididas, eventualmente acrescidas de juros; este montante complementar, determinado de acordo com uma percentagem a fixar em regulamentações específicas, não pode ultrapassar o nível estritamente necessário para lhe conferir caráter dissuasor;

c)

Privação total ou parcial da vantagem concedida pela regulamentação comunitária, mesmo que o agente tenha beneficiado indevidamente de apenas parte dessa vantagem;

d)

Exclusão ou retirada do benefício da vantagem durante um período posterior ao da irregularidade;

e)

Retirada temporária da aprovação ou do reconhecimento necessários à participação num regime de auxílio comunitário;

f)

Perda da garantia ou caução constituída para efeitos de cumprimento das condições de uma regulamentação ou reconstituição do montante de uma garantia indevidamente liberada;

g)

Outras sanções de caráter exclusivamente económico, de natureza e âmbito equivalentes, previstas nas regulamentações setoriais adotadas pelo Conselho em função das necessidades específicas do setor em causa e na observância das competências de execução conferidas à Comissão pelo Conselho.

2.   Sem prejuízo das disposições previstas nas regulamentações setoriais vigentes aquando da entrada em vigor do presente regulamento, as restantes irregularidades apenas podem dar lugar às sanções não equiparáveis a uma sanção penal previstas no n.o 1, desde que essas sanções sejam indispensáveis para a aplicação correta da regulamentação.»

9

O artigo 6.o do Regulamento n.o 2988/95 dispõe:

«1.   Sem prejuízo das medidas e sanções administrativas comunitárias adotadas com base nos regulamentos setoriais vigentes aquando da entrada em vigor do presente regulamento, a imposição das sanções pecuniárias, com multas administrativas, pode ser suspensa por decisão da autoridade competente se, pelos mesmos factos, tiver sido movido procedimento penal contra a pessoa em questão. A suspensão do procedimento administrativo suspende o prazo de prescrição previsto no artigo 3.o

2.   Se o procedimento penal não tiver seguimento, o procedimento administrativo suspenso retoma a tramitação.

3.   Quando o procedimento penal for conduzido ao seu termo, o procedimento administrativo suspenso retoma a tramitação, desde que os princípios gerais do direito a tal se não oponham.

4.   Ao retomar o procedimento administrativo, a autoridade administrativa deve assegurar a aplicação de uma sanção equivalente pelo menos à imposta pela regulamentação comunitária, podendo ter em conta outras sanções impostas pela autoridade judiciária à mesma pessoa pelos mesmos factos.

5.   Os n.os 1 a 4 não são aplicáveis às sanções pecuniárias que são parte integrante dos regimes de apoio financeiro e podem ser aplicadas independentemente de eventuais sanções penais, se e na medida em que não forem equiparáveis a essas sanções.»

Regulamento (CE) n.o 1782/2003

10

O Regulamento (CE) n.o 1782/2003 do Conselho, de 29 de setembro de 2003, que estabelece regras comuns para os regimes de apoio direto no âmbito da política agrícola comum e institui determinados regimes de apoio aos agricultores e altera os Regulamentos (CEE) n.o 2019/93, (CE) n.o 1452/2001, (CE) n.o 1453/2001, (CE) n.o 1454/2001, (CE) n.o 1868/94, (CE) n.o 1251/1999, (CE) n.o 1254/1999, (CE) n.o 1673/2000, (CEE) n.o 2358/71 e (CE) n.o 2529/2001 (JO L 270, p. 1, e retificação no JO 2004, L 94, p. 70), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 118/2005 da Comissão, de 26 de janeiro de 2005 (JO L 24, p. 15, a seguir «Regulamento n.o 1782/2003»), enuncia no seu vigésimo primeiro considerando:

«Os regimes de apoio existentes no âmbito da política agrícola comum preveem um apoio direto ao rendimento, nomeadamente para assegurar um nível de vida equitativo à população agrícola. Esse objetivo está intimamente relacionado com a manutenção das zonas rurais. Para evitar a atribuição incorreta dos fundos comunitários, não devem ser efetuados quaisquer pagamentos aos agricultores que tenham criado artificialmente as condições necessárias à obtenção desses pagamentos.»

11

Nos termos do artigo 24.o do Regulamento n.o 1782/2003:

«1.   Sem prejuízo das reduções e exclusões previstas no artigo 6.o, se se verificar que o agricultor não cumpre as condições de elegibilidade pertinentes para a concessão da ajuda, previstas no presente regulamento ou no artigo 2.o-A do Regulamento (CE) n.o 1259/1999, o pagamento ou parte do pagamento, concedido ou a conceder, cujas condições de elegibilidade estejam preenchidas será objeto de reduções e exclusões a determinar nos termos do n.o 2 do artigo 144.o

2.   A percentagem de redução é função da gravidade, extensão, permanência e reiteração do incumprimento constatado, podendo ir até à exclusão total de um ou vários regimes de ajuda num ou vários anos civis.»

Regulamento n.o 1973/2004

12

O sexagésimo nono considerando do Regulamento n.o 1973/2004 enuncia:

«O artigo 143.o-B do Regulamento […] n.o 1782/2003 […] autoriza a República Checa, a Estónia, Chipre, a Letónia, a Lituânia, a Hungria, Malta, a Polónia, a Eslovénia e a Eslováquia (os novos Estados-Membros) a substituir os pagamentos diretos por um único pagamento (‘regime de pagamento único por superfície’). A República Checa, a Estónia, Chipre, a Letónia, a Lituânia, a Hungria, a Polónia e a Eslováquia optaram por essa possibilidade. Em consequência, há que estabelecer as normas de execução do regime de pagamento único por superfície.»

13

O artigo 138.o do referido regulamento prevê:

«1.   Exceto em casos de força maior ou de circunstâncias excecionais, tal como definidos no artigo 72.o do Regulamento (CE) n.o 796/2004, sempre que, na sequência de um controlo administrativo ou in loco, se verifique que a diferença efetiva entre a superfície declarada e a superfície determinada, na aceção do ponto 22 do artigo 2.o do mesmo regulamento, é superior a 3%[,] mas inferior a 30% da superfície determinada, o montante a conceder no âmbito do regime de pagamento único por superfície a título do ano em causa será deduzido do dobro da diferença observada.

Se a diferença for superior a 30% da superfície determinada, não será concedida qualquer ajuda a título do ano em causa.

Se a diferença for superior a 50%, o agricultor ficará ainda excluído do benefício da ajuda até um montante correspondente à diferença entre a superfície declarada e a superfície determinada. Esse montante será deduzido das ajudas a que o agricultor tenha direito na sequência de pedidos apresentados nos três anos civis seguintes ao ano civil em que a diferença tiver sido observada.

2.   Se a diferença entre a superfície declarada e a superfície determinada resultar de irregularidades cometidas intencionalmente, o agricultor não beneficiará da ajuda a que teria direito a título do ano civil em causa.

Ademais, se a diferença for superior a 20% da superfície determinada, o agricultor ficará ainda excluído do benefício da ajuda até um montante correspondente à diferença entre a superfície declarada e a superfície determinada. Esse montante será deduzido das ajudas a que o agricultor tenha direito na sequência de pedidos apresentados nos três anos civis seguintes ao ano civil em que a diferença tiver sido observada.

3.   Para efeitos do estabelecimento da superfície determinada, na aceção do ponto 22 do artigo 2.o do Regulamento (CE) n.o 796/2004, são aplicáveis o n.o 5 e o n.o 6, primeiro parágrafo, do artigo 143.o-B do Regulamento […] n.o 1782/2003 e o artigo 137.o do presente regulamento.»

Legislação polaca

14

O artigo 297.o, n.o 1, da Lei de 6 de junho de 1997, que aprova o Código Penal (ustawa z dnia 6 czerwca 1997 r. — Kodeks karny, Dz. U de 1997, n.o 88, posição 553), dispõe:

«Será punido com uma pena privativa de liberdade de três meses a cinco anos quem, a fim de obter, para si ou para outrem, de um banco ou de outra entidade que exerça uma atividade económica semelhante nos termos da lei, ou de um órgão ou de uma instituição que disponha de recursos públicos, um crédito, um empréstimo, uma caução, uma garantia, uma carta de crédito, uma dotação, uma subvenção, uma confirmação por um banco da obrigação derivada de uma caução, de uma garantia ou de uma prestação financeira semelhante com um fim económico determinado, um instrumento eletrónico de pagamento, ou um contrato público, tiver apresentado um documento falsificado, alterado, contendo afirmações não verdadeiras ou fraudulentas ou uma declaração escrita fraudulenta, a respeito de circunstâncias de importância primordial para obter a ajuda financeira, o instrumento de pagamento ou o contrato já referidos.»

15

Segundo o artigo 17.o, n.o 1, pontos 7 e 11, da Lei de 6 de junho de 1997, que aprova o Código de Processo Penal (ustawa z dnia 6 czerwca 1997 r. — Kodeks postępowania karnego, Dz. U. de 1997, n.o 89, posição 555, a seguir «Código de Processo Penal»):

«O processo não será iniciado ou será arquivado no caso de já ter sido iniciado, quando:

[…]

um processo penal que tenha por objeto os mesmos factos e a mesma pessoa tenha sido definitivamente arquivado ou esteja pendente,

[…]

outras circunstâncias excluam a ação penal.

[…]»

Litígio no processo principal e questão prejudicial

16

Em 16 de maio de 2005, Ł. M. Bonda apresentou ao Biuro Powiatowe Agencji Restrukturyzacji i Modernizacji Rolnictwa (Gabinete Regional da Agência para a Reestruturação e Modernização da Agricultura, a seguir «Gabinete Regional») um pedido de pagamento único por superfície para 2005.

17

No referido pedido, prestou uma declaração incorreta acerca da área dos terrenos agrícolas cultivados e das culturas praticadas nessas superfícies, ao sobreavaliar as superfícies afetadas à agricultura, dado que essa declaração menciona 212,78 ha em vez de 113,49 ha.

18

Em 25 de junho de 2006, o diretor do Gabinete Regional, com fundamento no artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1973/2004, adotou uma decisão pela qual, por um lado, recusou a Ł. M. Bonda o pagamento único por superfície para 2005 e, por outro, lhe aplicou uma sanção que consistiu na perda dos direitos ao pagamento único por superfície, até um montante correspondente à diferença entre a superfície real e a superfície declarada, nos três anos seguintes ao ano em que apresentou a declaração incorreta.

19

Por decisão de 14 de julho de 2009, o Sąd Rejonowy w Goleniowie (Tribunal de Comarca de Goleniów) condenou Ł. M. Bonda pela prática de um crime de fraude na obtenção de subvenções previsto no artigo 297.o, n.o 1, da Lei de 6 de junho de 1997, que aprova o Código Penal, uma vez que, para que lhe fossem concedidas subvenções, prestou uma falsa declaração sobre factos de importância essencial no âmbito da obtenção de um pagamento único por superfície. A este título, Ł. M. Bonda foi condenado numa pena privativa da liberdade de oito meses, suspensa por um período de dois anos, e numa pena de multa correspondente a uma taxa diária de 20 PLN durante 80 dias.

20

Ł. M. Bonda interpôs recurso dessa decisão para o Sąd Okręgowy w Szczecinie (Tribunal Regional de Szczecin), que a anulou e declarou inadmissível o processo penal por ter sido já aplicada uma sanção administrativa a Ł. M. Bonda pelos mesmos factos. Consequentemente, esse tribunal, nos termos do disposto no artigo 17.o, n.o 1, ponto 11, do Código de Processo Penal, decidiu que não havia que conhecer do mérito da causa e arquivou o processo por decisão de 19 de março de 2010.

21

O Prokurator Generalny (procurador-geral) recorreu dessa decisão para o Sąd Najwyższy (Supremo Tribunal), invocando uma violação flagrante da norma processual contida no referido artigo 17.o, n.o 1, ponto 11.

22

Segundo o Sąd Najwyższy, embora não haja dúvidas de que os factos na origem da medida aplicada a Ł. M. Bonda nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1973/2004 são idênticos aos que constituíram o objeto da condenação penal, esse órgão jurisdicional considera contudo que, na medida em que se baseia no artigo 17.o, n.o 1, ponto 11, do Código de Processo Penal, a decisão de não conhecer do mérito da causa no processo penal instaurado contra Ł. M. Bonda é incorreta.

23

Com efeito, o Sąd Najwyższy considera que apenas o artigo 17.o, n.o 1, ponto 7, do Código de Processo Penal poderia constituir um fundamento jurídico correto do arquivamento do referido processo. Por conseguinte, para a resolução do litígio no processo principal, importaria determinar se se pode considerar que o processo instaurado pelo Gabinete Regional tem natureza penal na aceção dessa disposição. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio precisa que, embora uma interpretação literal da referida disposição imponha uma resposta negativa a esta questão, esta deve, todavia, ser interpretada à luz do artigo 4.o, n.o 1, do Protocolo n.o 7.

24

Nestas condições, o Sąd Najwyższy entende que é necessário apreciar a natureza jurídica da sanção aplicada ao agricultor nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1973/2004.

25

Considerando que a decisão da causa que lhe cabe apreciar depende da interpretação do referido artigo 138.o, o Sąd Najwyższy decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Qual a natureza jurídica da sanção prevista no artigo 138.o do Regulamento [n.o 1973/2004] que priva um agricultor de pagamentos diretos nos anos seguintes ao ano em que apresentou uma declaração incorreta quanto à[s] superfícies que constituem a base do cálculo [do pagamento único]?»

Quanto à questão prejudicial

26

Através da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1973/2004 deve ser interpretado no sentido de que as medidas previstas no segundo e terceiro parágrafos desta disposição, que consistem em excluir um agricultor do benefício da ajuda para o ano a título do qual apresentou uma falsa declaração sobre a superfície elegível e em reduzir a ajuda a que ele poderia ter direito nos três anos seguintes até um montante correspondente à diferença entre a superfície declarada e a superfície determinada, constituem sanções de natureza penal.

27

A título liminar, há que assinalar que o Sąd Najwyższy pede ao Tribunal de Justiça a interpretação do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1973/2004, na medida em que o princípio ne bis in idem, tal como consta do artigo 17.o, n.o 1, ponto 7, do Código de Processo Penal, só é suscetível de ser aplicado no processo principal se as medidas previstas neste artigo 138.o, n.o 1, puderem ser qualificadas de sanções de natureza penal.

28

A este respeito, deve recordar-se que o Tribunal de Justiça já decidiu que sanções previstas nas regulamentações de política agrícola comum, tais como a exclusão temporária de um operador económico do benefício do regime de ajudas, não tinham caráter penal (v. acórdãos de 18 de novembro de 1987, Maizena e o., 137/85, Colet., p. 4587, n.o 13; de 27 de outubro de 1992, Alemanha/Comissão, C-240/90, Colet., p. I-5383, n.o 25; e de 11 de julho de 2002, Käserei Champignon Hofmeister, C-210/00, Colet., p. I-6453, n.o 43).

29

Com efeito, o Tribunal de Justiça considerou que tais exclusões se destinam a lutar contra as numerosas irregularidades cometidas no âmbito das ajudas à agricultura que, ao onerar gravemente o orçamento da União, são suscetíveis de comprometer as ações levadas a cabo pelas instituições neste domínio para estabilizar os mercados, apoiar o nível de vida dos agricultores e assegurar preços razoáveis nos fornecimentos aos consumidores (v. acórdão Käserei Champignon Hofmeister, já referido, n.o 38).

30

Em apoio da sua análise, o Tribunal de Justiça assinalou igualmente que as normas transgredidas se dirigem unicamente aos operadores económicos que optaram, com inteira liberdade, por recorrer a um regime de ajudas em matéria agrícola (v. acórdãos, já referidos, Maizena e o., n.o 13; Alemanha/Comissão, n.o 26; e Käserei Champignon Hofmeister, n.o 41). O Tribunal de Justiça acrescentou que, no contexto de um regime de ajudas da União, no qual a concessão da ajuda está necessariamente subordinada à condição de o seu beneficiário apresentar todas as garantias de probidade e de fiabilidade, a sanção adotada em caso de desrespeito destas exigências constitui um instrumento administrativo específico que faz parte integrante do regime de ajudas e se destina a garantir a boa gestão financeira dos fundos públicos da União (acórdão Käserei Champignon Hofmeister, já referido, n.o 41).

31

Nenhum elemento justifica uma resposta diferente no que diz respeito às medidas previstas no artigo 138.o, n.o 1, segundo e terceiro parágrafos, do Regulamento n.o 1973/2004.

32

Com efeito, não se contesta que apenas aos operadores que pediram para beneficiar do regime de ajudas instituído pelo Regulamento n.o 1973/2004 podem ser aplicadas as medidas previstas no seu artigo 138.o, n.o 1, segundo e terceiro parágrafos, quando as informações fornecidas por tais operadores em apoio do seu pedido se revelarem incorretas. Além disso, as referidas medidas constituem, também elas, um instrumento administrativo específico que faz parte integrante de um regime específico de ajudas e destinado a garantir a boa gestão financeira dos fundos públicos da União.

33

A este respeito, importa acrescentar que resulta antes de mais do artigo 1.o do Regulamento n.o 2988/95, que fixa um quadro jurídico comum a todos os domínios cobertos pelas políticas comunitárias, que qualquer violação de uma disposição de direito da União que resulte de um ato ou omissão de um agente económico que tenha ou possa ter por efeito lesar o orçamento geral da União ou orçamentos geridos por esta é qualificada de «irregularidade» e dá lugar à aplicação de «medidas e sanções administrativas».

34

Em seguida, resulta do artigo 5.o, n.o 1, alíneas c) e d), do Regulamento n.o 2988/95 que a privação total ou parcial da vantagem concedida pela regulamentação comunitária, mesmo que o agente tenha beneficiado indevidamente de apenas parte dessa vantagem, e a exclusão ou retirada do benefício da vantagem durante um período posterior ao da irregularidade constituem sanções administrativas. Estes dois casos são referidos no artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1973/2004.

35

Por último, enquanto o artigo 6.o, n.os 1 a 4, do Regulamento n.o 2988/95 contém regras relativas à tomada em consideração de um processo penal nacional num processo administrativo baseado no direito da União, resulta do nono considerando e do artigo 6.o, n.o 5, deste regulamento que as sanções administrativas adotadas no âmbito da realização dos objetivos da política agrícola comum são parte integrante dos regimes de ajudas, têm uma finalidade própria e podem ser aplicadas independentemente de eventuais sanções penais, se e na medida em que não forem equiparáveis a essas sanções.

36

A natureza administrativa das medidas previstas no artigo 138.o, n.o 1, segundo e terceiro parágrafos, do Regulamento n.o 1973/2004 não é posta em causa pelo exame da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao conceito de «processo penal», na aceção do artigo 4.o, n.o 1, do Protocolo n.o 7, disposição à qual se refere o órgão jurisdicional de reenvio.

37

Segundo esta jurisprudência, três critérios são pertinentes a este respeito. O primeiro é a qualificação jurídica da infração no direito interno, o segundo a própria natureza da infração e o terceiro o tipo e a gravidade da sanção suscetível de ser aplicada ao interessado (v., designadamente, TEDH, acórdãos Engel e o. de 8 de junho de 1976, série A, n.o 22, §§ 80 a 82, e Zolotoukhine c. Rússia de 10 de fevereiro de 2009, petição n.o 14939/03, §§ 52 e 53).

38

Quanto ao primeiro critério, há que assinalar que, nos termos do direito da União, não se considera que as medidas previstas no artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1973/2004 tenham natureza penal, direito que, no caso em apreço, deve ser equiparado ao «direito interno» na aceção da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

39

Relativamente ao segundo critério, este implica verificar se a sanção aplicada ao operador tem, designadamente, uma finalidade repressiva.

40

No caso em apreço, resulta da análise efetuada nos n.os 28 a 32 do presente acórdão que as medidas previstas no artigo 138.o, n.o 1, segundo e terceiro parágrafos, do Regulamento n.o 1973/2004 se destinam apenas a serem aplicadas aos operadores económicos que recorreram ao regime de ajudas instituído por este regulamento e que a finalidade dessas medidas não é repressiva, mas consiste, no essencial, em proteger a gestão dos fundos da União através da exclusão temporária de um beneficiário que prestou declarações incorretas no seu pedido de ajuda.

41

Como referiu a advogada-geral no n.o 65 das suas conclusões, contra o caráter repressivo dessas medidas, importa ainda o facto de a redução do montante da ajuda suscetível de ser paga ao agricultor nos anos seguintes àquele em que tal irregularidade foi verificada estar sujeita à apresentação de um pedido num desses anos. Assim, se o agricultor não apresentar um pedido nos anos seguintes, a sanção em que incorre nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1973/2004 não produz efeitos. O mesmo ocorre se esse agricultor deixar de preencher as condições necessárias para a concessão da ajuda. Por último, a sanção, em parte, também não produz efeito quando o montante das ajudas a que o agricultor tiver direito nos anos seguintes for inferior ao montante a ser deduzido em aplicação da medida de redução da ajuda indevidamente recebida.

42

Por conseguinte, o segundo critério mencionado no n.o 37 do presente acórdão não é suficiente para conferir caráter penal às medidas previstas no artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1973/2004.

43

Quanto ao terceiro critério, cumpre assinalar, além do que se salientou no n.o 41 do presente acórdão, que as sanções previstas no artigo 138.o, n.o 1, segundo e terceiro parágrafos, do Regulamento n.o 1973/2004 têm por único efeito privar o agricultor em causa da perspetiva de obter uma ajuda.

44

Portanto, as referidas sanções não podem ser equiparadas a sanções de natureza penal com fundamento no terceiro critério mencionado no n.o 37 do presente acórdão.

45

Decorre das considerações precedentes que as características das sanções previstas no artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1973/2004 não permitem que se considere que estas devem ser qualificadas de sanções de natureza penal.

46

Consequentemente, há que responder à questão submetida que o artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1973/2004 deve ser interpretado no sentido de que as medidas previstas no segundo e terceiro parágrafos desta disposição, que consistem em excluir um agricultor do benefício da ajuda para o ano a título do qual apresentou uma falsa declaração sobre a superfície elegível e em reduzir a ajuda a que poderia ter direito nos três anos civis seguintes até um montante correspondente à diferença entre a superfície declarada e a superfície determinada, não constituem sanções de natureza penal.

Quanto às despesas

47

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

O artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 1973/2004 da Comissão, de 29 de outubro de 2004, que estabelece normas de execução do Regulamento (CE) n.o 1782/2003 do Conselho relativamente aos regimes de apoio previstos nos seus títulos IV e IV A e à utilização de terras retiradas para a produção de matérias-primas, deve ser interpretado no sentido de que as medidas previstas no segundo e terceiro parágrafos desta disposição, que consistem em excluir um agricultor do benefício da ajuda para o ano a título do qual apresentou uma falsa declaração sobre a superfície elegível e em reduzir a ajuda a que poderia ter direito nos três anos civis seguintes até um montante correspondente à diferença entre a superfície declarada e a superfície determinada, não constituem sanções de natureza penal.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: polaco.

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