EUR-Lex Access to European Union law

Back to EUR-Lex homepage

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62005CC0328

Conclusões do advogado-geral Mazák apresentadas em 18 de Janeiro de 2007.
SGL Carbon AG contra Comissão das Comunidades Europeias.
Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Concorrência - Acordos, decisões e práticas concertadas - Orientações para o cálculo do montante das coimas - Comunicação sobre a cooperação - Princípio non bis in idem.
Processo C-328/05 P.

Colectânea de Jurisprudência 2007 I-03921

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2007:34

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

JÁN MAZÁK

apresentadas em 18 de Janeiro de 2007 1(1)

Processo C‑328/05 P

SGL Carbon AG

contra

Comissão das Comunidades Europeias

«Recurso – Concorrência – Grafites especiais – Princípio ne bis in idem»





I –    Introdução

1.        Com o presente recurso, a empresa alemã SGL Carbon AG (a seguir «SGL») pede ao Tribunal de Justiça a anulação parcial do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 15 de Junho de 2005, Tokai e o./Comissão (T‑71/03, T‑74/03, T‑87/03 e T‑91/03) (2) (a seguir «acórdão recorrido»), na parte em que este Tribunal negou provimento ao recurso no processo T‑91/03, interposto da Decisão C(2002) 5083 final da Comissão, de 17 de Dezembro de 2002 (a seguir «decisão impugnada»), relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° CE.

2.        No acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância, inter alia, reduziu a coima aplicada à SGL por infracção cometida no sector das grafites especiais isostáticas e julgou o recurso improcedente quanto ao restante.

3.        Este recurso, no que se refere à situação que lhe está subjacente e aos fundamentos invocados, está intimamente relacionado com o recurso interposto no processo C‑308/04 P, relativo a coimas aplicadas pela Comissão pela participação numa série de acordos e práticas concertadas no sector dos eléctrodos de grafite. Este processo foi decidido pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 2006 (3).

II – Quadro jurídico

A –    Regulamento n.° 17

4.        O artigo 15.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado (4) (a seguir «Regulamento n.° 17»), prevê:

«1. A Comissão pode, mediante decisão, aplicar às empresas e associações de empresas multas no montante de cem a cinco mil unidades de conta sempre que, deliberada ou negligentemente:

[…]

b)     Prestem uma informação inexacta, em resposta a um pedido feito nos termos do n.° 3 ou n.° 5 do artigo 11.° […],

[…]

2. A Comissão pode, mediante decisão, aplicar às empresas e associações de empresas multas de mil unidades de conta, no mínimo, a um milhão de unidades de conta, podendo este montante ser superior desde que não exceda dez por centro do volume de negócios realizado, durante o exercício social anterior, por cada uma das empresas que tenha participado na infracção sempre que, deliberada ou negligentemente:

a)     Cometam uma infracção ao disposto no n.° 1 do artigo [81.°] ou no artigo [82.°] do Tratado, […]

[…]

Para determinar o montante da multa, deve tomar‑se em consideração, além da gravidade da infracção, a duração da mesma.

[…]»

B –    Orientações

5.        A comunicação da Comissão que tem por epígrafe «Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA» (a seguir «orientações») (5) enuncia no seu preâmbulo:

«Os princípios enunciados [...] deverão permitir assegurar a transparência e o carácter objectivo das decisões da Comissão, quer em relação às empresas, quer em relação ao Tribunal de Justiça, reafirmando, simultaneamente, a margem de discricionariedade deixada pelo legislador à Comissão em matéria de fixação de coimas, no limite de 10% do volume de negócios global das empresas. Esta margem de discricionariedade deverá, contudo, ser exercida segundo uma linha de política coerente e não discriminatória, adaptada aos objectivos prosseguidos pela repressão das infracções às regras de concorrência.

A nova metodologia aplicável ao montante das coimas pautar‑se‑á doravante pelo esquema a seguir apresentado, que se baseia na fixação de um montante de partida ajustado através de majorações, para ter em conta circunstâncias agravantes, e de diminuições, para ter em conta circunstâncias atenuantes.»

C –    Comunicação sobre a cooperação

6.        Na sua comunicação sobre a não aplicação ou a redução de coimas nos processos relativos a acordos, decisões e práticas concertadas (6) (a seguir «comunicação sobre a cooperação»), a Comissão definiu as condições com base nas quais as empresas que com ela cooperem durante as suas investigações sobre um acordo, decisão ou prática concertada poderão beneficiar da não aplicação ou da redução da coima que, em princípio, lhes seria aplicada.

7.        Nos termos do ponto A, n.° 5, da comunicação sobre a cooperação:

«A cooperação de uma empresa com a Comissão mais não é do que um dos vários elementos a tomar em conta para a fixação do montante de uma coima.[…]»

8.        O ponto C da comunicação sobre a cooperação, intitulada «Redução substancial da coima», prevê o seguinte:

«Uma empresa que, preenchendo as condições descritas no ponto B, alíneas b) a e) supra, denuncie um acordo, decisão ou prática concertada secretos depois de a Comissão ter procedido a uma verificação, após ter adoptado a pertinente decisão, em qualquer das empresas envolvidas no acordo, decisão ou prática concertada sem que essa verificação tenha podido constituir uma base suficiente para justificar o início do processo com vista à tomada de uma decisão, beneficiará de uma redução de 50% a 75% do montante da coima.»

9.        Verificam‑se as condições estabelecidas no ponto B, a que o ponto C faz referência, quando a empresa em causa:

«a) Denuncie um acordo, decisão ou prática concertada secretos à Comissão antes desta ter procedido a uma verificação, após ter adoptado a pertinente decisão, nas empresas envolvidas no acordo, decisão ou prática concertada e sem que a Comissão disponha previamente de informações suficientes para provar a existência do acordo, decisão ou prática concertada denunciados;

b) Seja a primeira a produzir elementos determinantes que provem a existência do acordo, decisão ou prática concertada;

c) Ponha termo à sua participação na actividade ilícita o mais tardar no momento em que denuncia o acordo, decisão ou prática concertada;

d) Apresente à Comissão todas as informações úteis, bem como toda a documentação e provas de que dispõe sobre o caso, mantendo uma cooperação permanente e total durante toda a investigação;

e) Não tenha coagido outra empresa a participar no acordo, decisão ou prática concertada nem tenha desempenhado um papel de instigação ou determinante na actividade ilícita».

10.      Nos termos do n.° 1 do ponto D, «[a] partir do momento em que uma empresa se propõe cooperar sem se encontrarem preenchidas todas as condições expostas nos pontos B ou C, a mesma beneficiará de uma redução de 10% a 50% do montante da coima que lhe teria sido aplicada na falta da sua cooperação» e «[e]sta situação pode verificar‑se, nomeadamente, se:

–        uma empresa, antes do envio de uma comunicação de acusações, fornecer à Comissão informações, documentação ou outras provas que contribuam para confirmar a existência da infracção,

–        uma empresa, após ter recebido a comunicação de acusações, informar a Comissão de que não contesta a materialidade dos factos em que a Comissão baseia as suas acusações».

D –    Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais

11.      O artigo 4.° do protocolo n.° 7 da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950, prevê o seguinte:

«Direito a não ser julgado ou punido mais de uma vez

1.      Ninguém pode ser penalmente julgado ou punido pelas jurisdições do mesmo Estado por motivo de uma infracção pela qual já foi absolvido ou condenado por sentença definitiva, em conformidade com a lei e o processo penal desse Estado.

2.      As disposições do número anterior não impedem a reabertura do processo, nos termos da lei e do processo penal do Estado em causa, se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afectar o resultado do julgamento.

3.      Não é permitida qualquer derrogação ao presente artigo com fundamento no artigo 15.° da Convenção.»

III – Factos e circunstâncias anteriores à adopção da decisão impugnada

12.      No acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância resumiu os factos na origem do recurso nele interposto nos seguintes termos:

«1       Com a Decisão C(2002) 5083 final [...], a Comissão verificou a participação de várias empresas numa série de acordos e de práticas concertadas, na acepção do artigo 81.°, n.° 1, CE e do artigo 53.°, n.° 1, do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (a seguir «acordo EEE»), no sector dos grafites especiais, no período compreendido entre Julho de 1993 e Fevereiro de 1998.

2      Os termos ‘grafites especiais’, para efeitos da decisão, descrevem um grupo de grafites, diferentes dos eléctrodos de grafites para a siderurgia, destinadas a diversas aplicações, a saber, grafites isostáticas, a grafite extrudida e a grafite moldada.

3      As características mecânicas da grafite isostática são superiores às da grafite extrudida e da grafite moldada, variando o preço de cada categoria em função das suas características mecânicas. Aquela encontra‑se, inter alia, sob forma de eléctrodos para a maquinação de electroerosão utilizada no fabrico de moldes metálicos da indústria automóvel e da electrotécnica. Existem outras aplicações da grafite isostática, como as matrizes para o vazamento contínuo de metais não ferrosos, como o cobre e as ligas de cobre.

4      A diferença entre o custo de produção da grafite isostática e o da grafite extrudida é, no mínimo, de 20%. Em geral, a grafite extrudida apresenta os melhores preços, sendo por isso a escolhida, caso responda às exigências de utilização. No que diz respeito às extrudidas, estas são utilizadas numa vasta gama de aplicações industriais, principalmente na indústria siderúrgica, na indústria do alumínio, na indústria química e na metalurgia.

5      Habitualmente, só se escolhe a grafite moldada para aplicações que requeiram tamanhos maiores, dado que as suas propriedades são normalmente inferiores às das da qualidade extrudida.

[…]

7      A decisão é relativa a dois acordos distintos: um cobriu o mercado da grafite especial isostática e o outro o da grafite especial extrudida. Não se encontraram provas relativas a uma infracção relativa à grafite moldada. Estes acordos incidiram sobre produtos muito específicos, a saber, grafites em forma de blocos inteiros ou cortados, com exclusão dos produtos fabricados ‘à medida’ para o cliente.

8      Os principais produtores de grafites especiais do mundo são empresas multinacionais.[…]

9      Na data da adopção da decisão, os maiores produtores de grafite especial isostática na Comunidade/EEE eram a sociedade alemã SGL Carbon AG (a seguir ‘SGL’) e a sociedade francesa Le Carbone‑Lorraine SA (a seguir ‘LCL’). Em terceiro lugar encontrava‑se a sociedade japonesa Toyo Tanso Co. Ltd (a seguir ‘TT’), seguida de outras sociedades japonesas, designadamente a Tokai Carbon Co. Ltd (a seguir ‘Tokai’), a Ibiden Co. Ltd (a seguir ‘Ibiden’), a Nippon Steel Chemical Co. Ltd (a seguir ‘NSC’) e a NSCC Techno Carbon Co. Ltd (a seguir ‘NSCC’) e a sociedade americana UCAR International Inc. (a seguir ‘UCAR’), que passou a ser a GrafTech International Ltd.

[…]

11      Os principais operadores no mercado mundial da grafite extrudida eram a UCAR (40%) e a SGL (30%). No mercado europeu, representavam dois terços das vendas. Os produtores japoneses, em conjunto, detinham cerca de 10% do mercado mundial e 5% do mercado comunitário. A quota de vendas de extrudidos em forma de blocos inteiros ou cortados (produtos não fabricados) da UCAR era de 20% a 30% e da SGL de 40% a 50%.

12      Em Junho de 1997, a Comissão iniciou uma investigação no mercado dos eléctrodos de grafite que culminou na decisão da Comissão de 18 de Julho de 2001, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do Acordo EEE (processo COMP/E‑1/36.490 – Eléctrodos de grafite) (JO 2002, L 100, p. 1). Durante esta investigação, a UCAR contactou a Comissão, em 1999, a fim de lhe apresentar um pedido ao abrigo da [comunicação sobre a cooperação]. Este pedido dizia respeito a alegadas práticas anticoncorrenciais nos mercados da grafite isostática e da grafite extrudida.

13      Com base nos documentos remetidos pela UCAR, a Comissão enviou, em Março de 2000, pedidos de informação ao abrigo do artigo 11.° do [Regulamento n.° 17] à SGL, à Intech, à Ibiden, à Tokai e à TT, solicitando‑lhes explicações detalhadas sobre os contactos mantidos com os seus concorrentes. Estas empresas contactaram a Comissão para exprimir a sua intenção de cooperar com a mesma durante as suas averiguações.

14      Em Março de 2000 e em Fevereiro de 2001, foram instaurados, processos penais nos Estados Unidos contra uma filial da LCL e uma filial da TT, por estas terem participado num acordo ilícito no mercado das grafites especiais. Estas sociedades confessaram‑se culpadas e aceitaram pagar as respectivas coimas. Em Outubro de 2001, a Ibiden também se confessou culpada, tendo pago igualmente uma coima.

15      Em 17 de Maio de 2002, a Comissão enviou uma comunicação de acusações às destinatárias da decisão. Nas suas respostas, todas as sociedades, com excepção da Intech EDM BV e da Intech EDM AG admitiram a infracção. Nenhuma daquelas sociedades contestou a materialidade dos factos.

16      Dada a semelhança dos métodos empregues pelos membros dos acordos, o facto de as duas infracções dizerem respeito a produtos semelhantes e a circunstância de a SGL e a UCAR estarem envolvidas nos dois processos, a Comissão considerou adequado ocupar‑se das infracções cometidas nos dois mercados de produtos num único processo.

17      O processo administrativo, que terminou em 17 de Dezembro de 2002 com a adopção da decisão, determinou, por um lado, que as recorrentes, a TT, a UCAR, a LCL, a Ibiden, a NSC e a NSCC tinham fixado, à escala mundial, preços indicativos (preços mínimos) no sector da grafite isostática não manufacturada e, por outro, que a SGL e a UCAR cometerem uma infracção semelhante, igualmente a nível mundial, no mercado da grafite extrudida não manufacturada.

18      No que se refere à infracção cometida no mercado da grafite isostática, a decisão relata que os preços foram fixados e avaliados em função da aplicação em causa, da zona geográfica (Europa ou Estados Unidos) e do nível de comercialização (distribuidores/oficinas mecânicas e grandes clientes finais com capacidade de fabrico). O objecto do acordo também consistia em harmonizar as condições de transacção e em trocar documentos de expedição para assegurar um controlo detalhado das vendas e a detecção do desrespeito eventual dos termos do acordo. Em determinadas ocasiões, as trocas de informação tiveram por objecto a repartição dos grandes clientes.

19      Em seguida, a decisão contém a afirmação de que os acordos colusivos no mercado da grafite isostática foram implementados através de reuniões multilaterais regulares, que se realizaram a quatro níveis:

–        reuniões ‘de alto nível’, nas quais participavam os quadros dirigentes das sociedades, em que se estabeleceram os princípios fundamentais da cooperação;

–        reuniões ‘de trabalho internacionais’ relativas à classificação de blocos de grafite em diferentes categorias e à fixação de preços mínimos para cada categoria;

–        reuniões ‘regionais’ (para a Europa);

–        reuniões ‘locais’ (nacionais) sobre os mercados italiano, alemão, britânico e espanhol.

[…]

21      No que diz respeito à infracção relativa ao sector da grafite extrudida, resulta da decisão que os dois principais actores do mercado europeu em causa, a SGL e a UCAR, admitiram ter participado num determinado número de reuniões bilaterais sobre esse mercado, de 1993 até finais de 1996. A UCAR e a SGL acordaram em aumentar os preços da grafite extrudida no mercado da Comunidade e do EEE. Discutiram com regularidade preços e classificação de produtos a fim de evitar competir uma com a outra em matéria de preços. Os novos preços fixados foram efectivamente anunciados aos clientes por cada uma das partes, cada qual por sua vez.

22      Com base nos factos apurados e nas apreciações jurídicas da decisão, a Comissão aplicou às empresas em causa coimas cujo montante foi calculado de acordo com a metodologia exposta nas Orientações para o cálculo das coimas, aplicadas por força do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 65.°, n.° 5, do Tratado CECA […] e na Comunicação sobre a cooperação.

23      Nos termos do artigo 1.°, primeiro parágrafo, da parte decisória da decisão, as seguintes empresas violaram o artigo 81.°, n.° 1, CE e o artigo 53.°, n.° 1, do acordo EEE, ao participarem, nos períodos indicados, numa série de acordos e de práticas concertadas que afectaram os mercados das grafites especiais isostáticas na Comunidade e no EEE:

[…]

(b)      SGL, de Julho de 1993 a Fevereiro de 1998;

[…]

24      Nos termos do segundo parágrafo do mesmo artigo, as seguintes empresas violaram o artigo 81.°, n.° 1, CE e o artigo 53.°, n.° 1, do acordo EEE, ao terem participado, nos períodos indicados, numa série de acordos e de práticas concertadas que afectaram os mercados das grafites especiais extrudidas da Comunidade e do EEE:

–        SGL, de Fevereiro de 1993 a Novembro de 1996;

[…]

25      O artigo 3.° da parte decisória aplica as seguintes coimas:

[…]

(b)      SGL:

–        Grafite isostática: EUR 18 940 000;

–        Grafite extrudida: EUR 8 810 000;

[…]

26      Além disso, o n.° 3 ordena o pagamento das coimas num prazo de três meses, contados a partir da notificação da decisão, sob pena de cobrança de juros de mora à taxa de 6,75%.

27      A decisão foi transmitida a cada um dos recorrentes por carta de 20 de Dezembro de 2002. Esta carta precisava que, no fim do prazo de pagamento indicado na decisão, a Comissão passaria a proceder à recuperação do montante em questão; contudo, na hipótese de ser interposto recurso no Tribunal de Primeira Instância, não se realizaria nenhuma medida de execução, desde que fossem pagos juros à taxa de 4,75% e que se constituísse uma garantia bancária.»

IV – Tramitação processual no Tribunal de Primeira Instância e acórdão recorrido

13.      Com petições individuais, a SGL e as outras sociedades destinatárias da decisão interpuseram recursos de anulação da decisão impugnada no Tribunal de Primeira Instância.

14.      No acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância decidiu, nomeadamente:

«No processo T‑91/03, SGL Carbon/Comissão [o Tribunal de Justiça]:

–        fixa o montante da coima aplicada à recorrente pelo artigo 3.° da Decisão COMP/E‑2/37.667 em EUR 9 641 970 pela infracção cometida no sector da grafite isostática;

–        nega provimento ao recurso quanto ao restante;

–        condena a recorrente em dois terços das suas próprias despesas e dois terços das despesas efectuadas pela Comissão, suportando esta última um terço das suas próprias despesas e um terço das despesas efectuadas pela recorrente.»

V –    Pedidos das partes no Tribunal de Justiça

15.      A SGL conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–        anular parcialmente o acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 15 de Junho de 2005 nos processos apensos T‑71/03, T‑74/03, T‑87/03 e T‑91/03, na parte em que negou provimento ao recurso no processo T‑91/03, interposto da Decisão C (2002) 5083 final da Comissão, de 17 de Dezembro de 2002, relativa a um processo de aplicação do 81.° CE;

–        a título subsidiário, reduzir a coima aplicada à recorrente no artigo 3.° da decisão de 17 de Dezembro de 2002 e reduzir ainda o montante dos juros devidos até à prolação do acórdão e os juros de mora estabelecidos na parte decisória do acórdão recorrido, de forma adequada;

–        condenar a recorrida na totalidade das despesas.

16.      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

VI – Recurso

17.      A SGL invoca seis fundamentos de direito em apoio do seu recurso, alegando a aplicação errada de regras processuais e a violação do direito comunitário.

18.      Com o seu primeiro fundamento, a SGL alega que o Tribunal de Primeira Instância violou o princípio ne bis in idem, ao não ter tido em conta as coimas que lhe foram anteriormente aplicadas nos Estados Unidos. Com o segundo fundamento impugna o aumento de 35% do montante da coima destinado a reflectir o papel da SGL como único líder. O terceiro fundamento diz respeito à falta de tomada em consideração pelo Tribunal de Primeira Instância da objecção feita pela SGL de que os seus direitos de defesa tinham sido irreparavelmente violados devido à falta de conhecimentos linguísticos dos membros da equipa da Comissão que trabalharam no caso. Com o seu quarto fundamento, a SGL defende que a sua cooperação foi subavaliada. Com o quinto fundamento, a SGL alega que o Tribunal de Primeira Instância não teve em conta a sua capacidade de pagar a coima e que as coimas aplicadas eram desproporcionadamente elevadas. No sexto fundamento, a SGL afirma que a taxa de juro determinada pelo Tribunal de Primeira Instância era incorrecta.

A –    Quanto ao primeiro fundamento, em que a recorrente alega a violação do princípio ne bis in idem

Principais argumentos

19.      Com os argumentos adiantados no primeiro fundamento, a SGL afirma essencialmente que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito pelo facto de, nos n.os 112 a 116 do acórdão recorrido, não ter tido em conta as coimas anteriormente aplicadas à SGL nos Estados Unidos em 1999. Estas multas deviam ter levado a uma redução da coima aplicada, ainda que apenas por razões de justiça natural. Isto resulta de um entendimento correcto do princípio fundamental ne bis in idem, que, contrariamente às conclusões do Tribunal de Primeira Instância, é igualmente aplicável às sanções impostas por Estados terceiros.

20.      No que se refere ao conteúdo e ao alcance da aplicação desse princípio, a SGL refere particularmente o artigo 50.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o artigo 4.° do protocolo n.° 7 da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (a seguir «CEDH»), os ordenamentos jurídicos nacionais dos Estados‑Membros e uma série de acórdãos do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância. Não se pode deduzir do processo Boehringer (7), como o Tribunal de Primeira Instância afirmou erroneamente no n.° 112 do acórdão recorrido, que a regra contra a cumulação de sanções não se aplica num caso como o presente, em que os factos na base das duas infracções são idênticos. O princípio da territorialidade, a que o Tribunal de Primeira Instância fez referência no n.° 113 do acórdão recorrido, não contradiz esta tese. Além disso, a conclusão do Tribunal de Primeira Instância no n.° 116 do acórdão recorrido, de que os interesses protegidos pelas autoridades comunitárias e pelas autoridades dos Estados Unidos não eram os mesmos é incorrecta.

21.      Para além disso, a SGL declara, em particular, que o Tribunal de Primeira Instância errou ao afirmar, no n.° 114 do acórdão recorrido, que não havia necessidade de ter em consideração a afirmação da SGL de que as coimas que lhe foram aplicadas nos Estados Unidos pela sua participação no acordo dos eléctrodos de grafite também diziam respeito às grafites especiais ou de ouvir, quanto a esse ponto, a testemunha apresentada pela SGL. Em qualquer caso, a SGL provou a existência de um «idem».

22.      Na audiência, a SGL acrescentou, relativamente ao acórdão do Tribunal de Justiça no processo SGL Carbon (8) que, apesar de o Tribunal de Justiça ter rejeitado a tese de que se deve ter sempre em conta uma sanção previamente aplicada por um Estado terceiro, isso não significa que a Comissão não disponha de margem de discricionariedade para ter em conta essa circunstância. Na verdade, particularmente para atender à necessidade de a sanção ser proporcionada, a Comissão pode ver‑se obrigada a usar a sua margem de discricionariedade no caso concreto de uma forma que tenha em conta sanções anteriores, como as que estão em causa no presente processo.

23.      A Comissão refuta com argumentos detalhados os argumentos expostos pela SGL e afirma que o Tribunal de Primeira Instância agiu correctamente ao defender que o princípio ne bis in idem não se aplicava no presente caso.

Apreciação

24.      A título liminar, deve recordar‑se que o princípio ne bis in idem proíbe que se puna a mesma pessoa mais do que uma vez pelo mesmo comportamento, a fim de proteger o mesmo bem jurídico. É jurisprudência assente que este princípio, também consagrado no protocolo n.° 7, artigo 4.°, da CEDH, constitui um princípio fundamental do direito comunitário cujo respeito é assegurado pelo juiz comunitário (9). Finalmente, deve recordar‑se que a aplicação deste princípio está sujeita a uma tripla condição de identidade dos factos, de unidade de infractor e de unidade do interesse jurídico protegido. Este princípio proíbe, portanto, que se puna a mesma pessoa mais do que uma vez pelo mesmo comportamento ilícito, a fim de proteger o mesmo bem jurídico (10).

25.      Em seguida, no que concerne mais especificamente ao fundamento em causa, cumpre observar que o Tribunal de Justiça já decidiu nos acórdãos SGL Carbon (11) e Showa Denko (12), e chegou essencialmente à mesma conclusão no acórdão Archer Daniels (13), que a Comissão não tem o dever de tomar em conta os processos e as coimas a que a recorrente foi sujeita devido à violação de regras da concorrência em Estados terceiros.

26.      Nesta perspectiva, o Tribunal de Justiça julgou improcedente os pedidos idênticos feitos no processo SGL Carbon com base nos mesmos argumentos que os formulados pela SGL no presente processo.

27.      No tocante ao âmbito de aplicação do princípio ne bis in idem no que respeita às situações nas quais intervieram as autoridades de um Estado terceiro ao abrigo dos seus poderes punitivos no domínio do direito da concorrência aplicável no território do referido Estado, o Tribunal de Justiça referiu no seu raciocínio, em primeiro lugar, o contexto internacional desse cartel, que se caracteriza pelo accionamento, nos seus respectivos territórios, dos instrumentos dos ordenamentos jurídicos de Estados terceiros e observou que o exercício dos poderes pelas autoridades destes Estados encarregadas da protecção da livre concorrência no quadro da respectiva competência territorial obedece a exigências que são próprias aos referidos Estados (14).

28.      Além disso, o Tribunal de Justiça afirmou que os elementos que compõem a base dos ordenamentos jurídicos de outros Estados no domínio da concorrência não apenas comportam finalidades e objectivos específicos, mas conduzem ainda à aprovação de normas substantivas específicas e às mais variadas consequências jurídicas no domínio administrativo, penal ou cível, quando as autoridades dos referidos Estados tenham verificado a existência de infracções às regras aplicáveis em matéria de concorrência.

29.      O Tribunal de Justiça distingue claramente esta situação – caracterizada por diferentes competências territoriais nacionais e uma multiplicidade de sistemas legais que prosseguem os objectivos que lhes são específicos – de outra na qual uma empresa é exclusivamente alvo de aplicação, em matéria de concorrência, do direito comunitário e do direito da concorrência de um ou de vários Estados‑Membros, isto é, de uma situação na qual um acordo, decisão ou prática concertada se situa exclusivamente no âmbito de aplicação territorial do ordenamento jurídico da Comunidade Europeia (15).

30.      O Tribunal de Justiça salientou a natureza específica do interesse jurídico protegido a nível comunitário, em razão do qual as apreciações feitas pela Comissão, ao abrigo das suas competências nesta matéria, podem divergir consideravelmente das efectuadas pelas autoridades de Estados terceiros.

31.      Por este motivo, o Tribunal de Justiça concluiu que, atendendo essencialmente à diferença entre o interesse legal protegido pelos sistemas legais da Comunidade e o interesse protegido num Estado terceiro, em particular os Estados Unidos, o Tribunal de Primeira Instância julgou com inteira razão que o princípio ne bis in idem não se aplicava.

32.      O pedido correspondente da SGL no caso em apreço, em que alega a violação do princípio ne bis in idem, tem consequentemente de ser julgado improcedente pelo mesmo motivo.

33.      No que se refere à referência da SGL a outros princípios, como o princípio da justiça natural, deve acrescentar‑se que o Tribunal de Justiça declarou no acórdão SGL Carbon que não existem outros princípios, incluindo princípios do direito internacional, que obriguem a Comissão a tomar em conta os processos e as coimas a que a empresa esteve sujeita em Estados terceiros (16).

34.      Relativamente ao argumento adiantado pela SGL na audiência, segundo o qual o acórdão SGL Carbon deve ser entendido no sentido de que concede à Comissão o poder de apreciar se deve tomar em conta uma sanção anteriormente aplicada num Estado terceiro e que, em último grau, a Comissão pode estar obrigada a isso, basta dizer que esta abordagem parece constituir uma tentativa de distorcer a interpretação clara do Tribunal de Justiça no sentido contrário ao decidido nesse acórdão e não pode, por este motivo, ser defendida (17).

35.      Daqui resulta que o Tribunal de Primeira Instância não cometeu um erro de direito nem violou o princípio ne bis in idem ao decidir nos n.os 112 a 116 do acórdão recorrido que a Comissão, quando aplicou a sanção à SGL, não era obrigada a ter em conta as coimas anteriormente aplicadas à SGL nos Estados Unidos.

36.      Além do mais, no que se refere, em particular, à referência que o Tribunal de Primeira Instância fez no n.° 112 do acórdão recorrido ao acórdão Boehringer (18), o Tribunal de Justiça não decidiu, de facto, nesse processo sobre a questão de saber se a Comissão deve contemplar uma coima aplicada por autoridades de um Estado terceiro, uma vez que não estava demonstrado que os factos imputados pela Comissão à recorrente, por um lado, e pelas autoridades americanas, por outro, fossem idênticos (19).

37.      Contudo, o Tribunal de Justiça estabeleceu nesse processo que o princípio ne bis in idem exige identidade dos factos e que esses factos não devem divergir, no essencial, no que diz respeito tanto ao seu objecto como à sua localização geográfica (20).

38.      Ao afirmar no n.° 112 do acórdão recorrido, que introduz a sua decisão no que se refere a esse princípio, que «no caso de os factos que servem de base a duas condenações resultarem de um mesmo conjunto de acordos, mas serem distintos no que diz respeito tanto ao seu objecto como à sua localização territorial, não se aplica o princípio ne bis in idem», o Tribunal de Primeira Instância limitou‑se a aplicar correctamente essa jurisprudência.

39.      Por fim, no que concerne ao facto de o Tribunal de Primeira Instância, no n.° 114 do acórdão recorrido, não ter tido em conta a afirmação da SGL de que as coimas que lhe foram aplicadas nos Estados Unidos pela sua participação no acordo dos eléctrodos de grafite também contemplavam as grafites especiais e de não ter ouvido, quanto a esse aspecto, as testemunhas apresentadas pela SGL, deve observar‑se que, dado que o Tribunal de Primeira Instância podia, como já foi dito, decidir que o princípio ne bis in idem não se aplica no que diz respeito a coimas aplicadas em Estados terceiros, devido à falta de unidade do interesse jurídico protegido, o mesmo tinha consequentemente razão em decidir que não tinha que continuar a verificar a existência de um «idem» relativo aos factos relativos à mesma conduta. Assim, deve igualmente julgar‑se este argumento improcedente.

40.      À luz das considerações antecedentes, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

B –    O segundo fundamento, invocado contra o aumento de 35% do montante da coima devido à alegação de que a SGL era a única líder

Principais argumentos

41.      Com o segundo fundamento, a SGL contesta as conclusões do Tribunal de Primeira Instância nos n.os 138 a 155 e 316 a 331 do acórdão recorrido, onde este declarou que a SGL era um líder efectivo do acordo e decidiu que o consequente aumento do montante base da coima da SGL devia ser reduzido de 50% para 35%.

42.      Este fundamento divide‑se em duas partes.

43.      Em primeiro lugar, a SGL alega, no essencial, que o Tribunal de Primeira Instância não deu nenhuma justificação para o aumento de 35% do montante da coima, dado que os factos incontestáveis e as próprias decisões contraditórias deste tribunal não fornecem uma base suficiente para o fazer. A este respeito, a SGL remete para os argumentos que apresentou no Tribunal de Primeira Instância, tal como foram resumidos nos n.os 303 a 310 do acórdão recorrido.

44.      Em segundo lugar, a SGL afirma que o Tribunal de Primeira Instância errou ao assumir que a comunicação de acusações era suficiente, no que diz respeito à atribuição do papel de único líder, para satisfazer os seus direitos de defesa. O Tribunal de Primeira Instância não teve em conta o facto de não transparecer das acusações da Comissão que esta pretendia considerar a SGL como a única líder. Assim, este tribunal errou ao concluir, no n.° 150 do acórdão recorrido, que a SGL podia defender‑se adequadamente com base nas informações contidas na comunicação de acusações.

45.      A Comissão contesta cada um dos argumentos avançados pela SGL e alega que o fundamento é, pelo menos parcialmente, inadmissível.

Apreciação

46.      No que diz respeito à primeira parte do fundamento, deve, antes de mais, recordar‑se que um recurso só pode ter por fundamento a violação de normas jurídicas, com exclusão de qualquer apreciação da matéria de facto. O Tribunal de Primeira Instância tem competência exclusiva para, em primeiro lugar, determinar os factos, excepto quando a inexactidão material das suas conclusões resultar dos documentos que lhe foram apresentados e, em segundo lugar, para apreciar esses factos. Consequentemente, o Tribunal de Justiça não tem competência para apurar os factos nem, em princípio, para examinar as provas que o Tribunal de Primeira Instância considerou determinantes no apuramento desses factos. Desde que estas provas tenham sido obtidas regularmente e os princípios gerais de direito e as regras processuais aplicáveis em matéria de ónus e de produção da prova tenham sido respeitados, é da competência exclusiva do Tribunal de Primeira Instância apreciar o valor a atribuir aos elementos que lhe foram submetidos (21).

47.      Além disso, o Tribunal de Justiça não pode decidir um recurso que, na realidade, mais não representa do que um pedido de reexame do pedido anteriormente apresentado no Tribunal de Primeira Instância. Por força dos artigos 225.° CE, 58.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça e 112.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, o recurso deve indicar, pelo contrário, de modo preciso, os elementos contestados do acórdão cuja anulação a SGL pretende obter, bem como os argumentos jurídicos em que apoia especificamente esse pedido. Não respeita esta exigência um recurso de uma decisão de primeira instância que, não incluindo uma argumentação especificamente destinada a identificar o erro de direito de que alegadamente padece o acórdão recorrido, se limita a repetir ou a reproduzir textualmente os fundamentos e argumentos já alegados no Tribunal de Primeira Instância (22).

48.      Com a primeira parte do segundo fundamento, a SGL contesta a afirmação do Tribunal de Primeira Instância no n.° 316 e seguintes do acórdão recorrido de que a SGL era efectivamente a líder. No entanto, não avança nenhum argumento para demonstrar de que forma é que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito a esse respeito. Assim, os argumentos da SGL visam directamente as conclusões e a avaliação dos factos feita pelo Tribunal de Primeira Instância a esse respeito. Além de que, na medida em que a SGL remete para e repete os argumentos anteriormente invocados no Tribunal de Primeira Instância, esta parte do fundamento equivale na realidade a um pedido de reexame do pedido anteriormente apresentado no Tribunal de Primeira Instância.

49.      Por conseguinte, há que concluir, como a Comissão defendeu acertadamente que a primeira parte do segundo fundamento deve, nessa medida, ser julgada inadmissível.

50.      Contudo, na medida em que a SGL defende que a fundamentação do acórdão recorrido é contraditória, este facto constitui uma questão de direito que, enquanto tal, pode ser invocada no quadro de um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância (23).

51.      Segundo a SGL, o raciocínio do Tribunal de Primeira Instância no acórdão recorrido é contraditório, porque afirmou, por um lado, no n.° 328 e seguintes desse acórdão, que a conduta dos outros membros do acordo, em especial da LCL e da Tokai, não se podia distinguir tão obviamente da SGL, como a Comissão alegava, e, por outro, manteve, no n.° 331, o princípio do aumento, limitando‑se a reduzi‑lo para 35%.

52.      Não concordo que exista uma contradição, dado que o Tribunal de Primeira Instância não afirmou não existir diferença entre a gravidade da infracção da SGL e a da Tokai e da LCL, tendo apenas afirmado que a diferença não era tão significativa que pudesse justificar um aumento de 50% do montante de base fixado para a SGL. Consequentemente, o Tribunal de Primeira Instância, no exercício da sua competência de plena jurisdição, reduziu, no n.° 331 do acórdão recorrido, o aumento de 50 para 35%. Por conseguinte, este argumento não tem fundamento.

53.      De acordo com o exposto, a primeira parte do segundo fundamento deve ser julgada improcedente.

54.      No que se refere à segunda parte do fundamento, em que a SGL alega a violação dos seus direitos de defesa, o Tribunal de Primeira Instância descreveu correctamente, no n.° 139 do acórdão recorrido, o procedimento normal seguido no cálculo das coimas, conforme definido na jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, segundo o qual, quando a Comissão indica expressamente, na sua comunicação das acusações, que vai apreciar se deve aplicar coimas às empresas em causa e enuncia os principais elementos de facto e de direito que podem dar origem a uma coima, tais como a gravidade e a duração da infracção alegada e o facto de esta ter sido cometida «de forma intencional ou por negligência», ela cumpre a sua obrigação de respeitar o direito de as empresas serem ouvidas (24).

55.      O Tribunal de Primeira Instância declarou, igualmente com razão, que, desta forma, a Comissão fornece a essas empresas todos os elementos necessários para se defenderem não só da constatação da infracção mas também do facto de lhes ser aplicada uma coima (25).

56.      Teve igualmente razão ao afirmar que, neste processo, o direito de defesa perante a Comissão é garantido pela possibilidade de apresentar observações sobre a duração, a gravidade e a previsibilidade do carácter anticoncorrencial da infracção, mas que, pelo contrário, a Comissão não tem qualquer obrigação de explicar o modo como vai utilizar cada um desses elementos de facto e de direito na determinação do nível da coima (26).

57.      A meu ver, tendo em conta esta jurisprudência, o Tribunal de Primeira Instância não cometeu qualquer erro de direito ao declarar que a comunicação de acusações em causa no presente processo continha indicações suficientemente precisas relativamente à forma como a Comissão pretendia determinar a coima, particularmente no que se refere à gravidade da infracção.

58.      Como o Tribunal de Primeira Instância observou no n.° 148 do acórdão recorrido, apesar de essa classificação não se ter mantido relativamente à LCL, a comunicação de acusações alegou, de qualquer forma, que a SGL assumiu, com a LCL, o papel de líder ou de instigadora do acordo. Assim, a SGL foi avisada de que a Comissão tencionava atribuir‑lhe o papel de líder e que isso podia ser tido em conta na fixação da coima.

59.      O facto de, por fim, a SGL ter sido identificada pela Comissão como a única líder do acordo, não alterou, na minha opinião, a posição da SGL de forma a prejudicar o direito de se defender, dado ser inerente à natureza da comunicação de acusações o facto de esta ser provisória e estar sujeita a rectificações pela Comissão, com base nas observações que lhe são apresentadas pelas partes, incluindo o abandono de certas alegações, como a alegação de que a LCL tinha desempenhado o papel de líder.

60.      Deve acrescentar‑se que, como a Comissão salientou, por força das orientações e da prática da Comissão a este respeito, o aumento da coima aplicada pode ser de 50%, independentemente do facto de só se classificarem como líderes um ou vários dos participantes no acordo.

61.      Além disso, o Tribunal de Primeira Instância afirmou a este respeito, no n.° 149 do acórdão recorrido, que nada sugere que a responsabilidade da SGL, por ser líder do acordo, foi efectivamente aumentada pela atribuição da parte da liderança conjunta originariamente atribuída pela Comissão à LCL. Isto constitui uma decisão sobre a matéria de facto que, como tal, não está sujeita à fiscalização do Tribunal de Justiça, dado que a SGL não objectou que o Tribunal de Primeira Instância tenha desvirtuado as provas apresentadas a este respeito (27).

62.      Por conseguinte, a segunda parte do segundo fundamento também deve ser julgada improcedente.

C –    Quanto ao terceiro fundamento, em que se alegam erros de direito no que se refere ao argumento relativo à falta de conhecimentos linguísticos dos membros da equipa da Comissão que trabalharam neste processo

Principais argumentos

63.      Com este fundamento, a SGL alega que, no n.° 154 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância não teve em consideração o seu argumento de que os seus direitos de defesa tinham sido irreparavelmente violados devido à falta de conhecimentos linguísticos dos membros da equipa da Comissão que trabalharam neste processo, apesar das afirmações concretizadas e das propostas de apresentação de provas relativas a este facto.

64.      Segundo a SGL, o Tribunal de Primeira Instância afirmou erradamente que esta objecção era uma mera suposição, sem estar sustentada por qualquer prova séria. Isto equivale a uma apreciação errada dos factos.

65.      Além disso, o facto de os funcionários em causa não terem os conhecimentos linguísticos necessários privou a SGL do seu direito de defesa no processo administrativo. Não tendo atribuído relevância a este aspecto, o Tribunal de Primeira Instância violou os seus direitos de defesa.

66.      A Comissão defende que as conclusões do Tribunal de Primeira Instância no n.° 154 e 155 do acórdão recorrido são correctas e não estão viciadas por nenhuma apreciação incorrecta dos factos ou por uma violação dos direitos de defesa. Considera que, dado que o processo administrativo foi conduzido pelo director‑geral da concorrência e concluído pela Comissão Europeia no seu todo, os conhecimentos linguísticos de um membro particular da equipa não são decisivos.

Apreciação

67.      Na medida em que a SGL, com o terceiro fundamento, questiona antes de mais a conclusão do Tribunal de Primeira Instância, no n.° 154 do acórdão recorrido, no qual este tribunal julgou improcedente a alegação da SGL de que a Comissão tinha confiado o «processo alemão» a funcionários que não dominavam suficientemente a língua alemã, tal conclusão, que assenta numa apreciação dos factos e numa avaliação das provas, não pode ser, como tal, contestada no âmbito de um recurso (28). Assim sendo, o terceiro fundamento é, nessa medida, inadmissível.

68.      No que diz respeito, além disso, ao argumento invocado a esse respeito, segundo o qual a SGL tinha oferecido mais provas para consubstanciar essa queixa, deve observar‑se que compete ao Tribunal de Primeira Instância apreciar a pertinência desse pedido, tendo em conta o objecto do litígio e a necessidade de apreciar provas adicionais (29).

69.      Na medida em que a SGL alega, de seguida, que o Tribunal de Primeira Instância violou os seus direitos de defesa quando apreciou o facto de os funcionários em causa não terem os conhecimentos linguísticos necessários (neste caso, de alemão), deve, em primeiro lugar, notar‑se, como já foi dito, que o Tribunal de Primeira Instância já tinha rejeitado esta alegação sobre a matéria de facto, de forma que a questão de saber se essa circunstância violou o direito de audição não surgiu, na realidade, perante este tribunal.

70.      Em segundo lugar, eu diria, apesar de tudo, que os conhecimentos linguísticos – ou a falta deles – de um membro particular da equipa dos investigadores na Comissão não podia, por si só, ser decisivo. A Comissão é responsável, como um todo, pela condução dos processos no campo do direito da concorrência e também tem a responsabilidade colectiva pelas decisões finais que põem termo a esses processos.

71.      De facto, como o Tribunal de Primeira Instância sublinhou correctamente no n.° 154 do acórdão recorrido, se a SGL tivesse conseguido demonstrar que os números em que a Comissão se baseou na decisão impugnada eram imprecisos, a decisão estaria viciada de um erro substantivo e podia, nessa medida, ser anulada a esse respeito com base nesse facto, independentemente de o mesmo se poder dever à falta de conhecimentos linguísticos de um membro particular da equipa ou a qualquer outra circunstância dentro da organização interna da Comissão que pudesse tê‑la levado a cometer o erro.

72.      Daí resulta que o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

D –    Quanto ao quarto fundamento, em que se alega que a cooperação da SGL foi subavaliada no que se refere à redução da coima ao abrigo da comunicação sobre a cooperação

Principais argumentos

73.      Com o quarto fundamento, a SGL contesta a conclusão do Tribunal de Primeira Instância, nos n.os 367 a 375 do acórdão recorrido, através da qual o mesmo rejeitou os argumentos da SGL de que a comunicação sobre a cooperação tinha sido incorrectamente aplicada e, por extensão, alega a insuficiência da redução da coima confirmada por esse tribunal.

74.      A SGL argumenta, no essencial, que a sua cooperação foi subavaliada. Em primeiro lugar, o Tribunal de Primeira Instância errou, quando declarou, no n.° 367 do acórdão recorrido, que a SGL não tinha direito a uma redução superior pelo facto de ter sido erroneamente classificada como líder. Segundo, a SGL alega ter sido vítima de discriminação, uma vez que a sua cooperação teve, pelo menos, o mesmo valor que a de outros participantes, particularmente a da UCAR.

75.      A SGL critica as conclusões do Tribunal de Primeira Instância nos n.os 368, 370 e 373 do acórdão recorrido e defende, inter alia, a esse respeito, que o valor da cooperação prestada não depende da contribuição que foi tomada em conta pela Comissão.

76.      Segundo a Comissão, as conclusões do Tribunal de Primeira Instância em causa são correctas e as alegações da SGL, que são, em parte, inadmissíveis, devem ser julgadas improcedentes no seu todo.

77.      Esta instituição refere especialmente a margem de apreciação de que a Comissão dispõe no que se refere à redução da coima e, em particular, à avaliação da qualidade e da utilidade da cooperação prestada pelos diversos membros de um acordo. Além disso, como foi acertadamente salientado no acórdão recorrido, se o Tribunal de Primeira Instância tivesse decidido que a Comissão devia ter concluído pela existência de uma infracção durante um dado período por parte de uma determinada empresa, esse tribunal ter‑se‑ia arrogado os poderes da Comissão.

Apreciaçã o

78.      Antes de mais, há que recordar que, de acordo com jurisprudência assente, a Comissão goza de um vasto poder de apreciação no que se refere à fixação do montante da coima, incluindo a redução da mesma ao abrigo da comunicação sobre a cooperação (30). Embora compita ao Tribunal de Justiça determinar se o Tribunal de Primeira Instância avaliou correctamente o exercício desse poder pela Comissão, não compete ao primeiro, quando se pronuncia sobre questões de direito no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância, por motivos de equidade, substituir pela sua própria apreciação a apreciação efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância, que se pronunciou, no exercício da sua plena jurisdição, sobre a fixação do montante das coimas (31).

79.      No que diz respeito à apreciação da redução concedida à SGL, o Tribunal de Primeira Instância, em primeiro lugar, baseou‑se, a este respeito, a meu ver correctamente, no pressuposto de que, em conformidade com o texto da comunicação sobre a cooperação, que se refere a uma empresa que seja a «primeira» a produzir elementos «determinantes» de prova da «existência» do acordo, decisão ou prática concertada, apenas uma empresa, ou seja, a primeira a produzir esses elementos de prova de um acordo, pode qualificar‑se para uma redução substancial ao abrigo da parte B da comunicação sobre a cooperação e não, além dessa, outras empresas que apresentem (subsequentemente) elementos de prova relativas a períodos ou aspectos particulares da existência desse acordo.

80.      Assim, o Tribunal de Primeira Instância podia legitimamente entender que a Comissão tinha o direito de concluir que a UCAR era a única a poder ser classificada como primeira empresa para efeitos da aplicação das partes B e C da comunicação sobre a cooperação.

81.      Consequentemente, a conclusão do Tribunal de Primeira Instância no n.° 367 do acórdão recorrido, de que a SGL não preenchia as condições estabelecidas seja na parte B, alínea b) seja na parte B, alínea e), da comunicação sobre a cooperação, devido ao seu papel de líder, também está correcta. Esta apreciação foi feita com base numa valoração dos factos que, como foi acima salientado (32), não pode ser impugnada no presente recurso.

82.      Em seguida, no que se refere à censura da SGL relativa ao n.° 368 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância não cometeu um erro ao declarar que a Comissão não tinha qualquer obrigação de compensar uma cooperação através de uma redução da coima, quando a mesma não se baseou nas provas em causa para determinar ou punir uma infracção ao direito comunitário da concorrência. A este respeito, a jurisprudência do Tribunal de Justiça revela que uma contribuição destas só pode justificar uma redução da coima com base na cooperação se a mesma permitir à Comissão cumprir o seu dever de determinar a existência de uma infracção, pôr‑lhe termo e adiantar, de facto, a tarefa da Comissão (33), o que não é o caso se a Comissão nem sequer teve em conta essa contribuição.

83.      A este propósito, o Tribunal de Primeira Instância salientou correctamente, nos n.os  369 e 370 do acórdão recorrido, que, devido à margem de apreciação de que a Comissão dispõe a esse respeito, não pode ser obrigada a declarar e a sancionar todo o comportamento anticoncorrencial, e o poder judicial da Comunidade não pode declarar, ainda que apenas para efeitos de redução da coima, que a Comissão, à luz dos elementos de prova à sua disposição, devia ter concluído que existiu uma infracção durante um determinado período por parte de uma determinada empresa. Por conseguinte, a SGL não pode afirmar que a sua contribuição devia ter sido premiada com uma redução substancial da coima devido ao facto de a Comissão estar obrigada a declarar ou a sancionar uma determinada infracção, com base nessa contribuição.

84.      No que se refere, por último, à afirmação da SGL de que a cooperação por ela prestada foi subavaliada em comparação com a de outros membros do acordo, deve, em primeiro lugar, notar‑se, tal como o Tribunal de Primeira Instância sublinhou acertadamente no n.° 371 do acórdão recorrido, que a Comissão goza de uma vasta margem de apreciação na valoração da qualidade e da utilidade da cooperação prestada pelos diversos membros do acordo. Em segundo lugar, deve observar‑se que a SGL não demonstrou de que forma é que o Tribunal de Primeira Instância deixou de censurar um abuso manifesto dessa margem de apreciação por parte da Comissão.

85.      Além do mais, no que concerne à afirmação da SGL de que é vítima de discriminação em comparação com a UCAR, embora seja verdade que, quando fixa a coima e concede uma redução, a Comissão, em princípio, está obrigada, não obstante a margem de apreciação de que dispõe, a respeitar o princípio da igualdade de tratamento (34), deve indicar‑se que a contribuição da UCAR levou a que esta fosse correctamente qualificada, como acima dito, como «primeira» empresa para efeito da parte B da comunicação sobre a cooperação. Deve‑se assim a este facto, sem mais, que o peso da sua contribuição e a redução que lhe foi concedida não tem qualquer relação com a contribuição da SGL e com a respectiva redução. Consequentemente, esta não pode afirmar que foi discriminada devido à diferença entre a redução que lhe foi atribuída e redução concedida à UCAR.

86.      Daqui resulta que a decisão do Tribunal de Primeira Instância relativa à redução da multa concedida à SGL não está viciada por erros de direito. Assim, o quarto fundamento deve ser julgado improcedente.

E –    Quanto ao quinto fundamento em que se alega que o Tribunal de Primeira Instância não teve em conta a capacidade da SGL para pagar a coima e que as coimas aplicadas eram desproporcionadamente elevadas

Principais argumentos

87.      Com o quinto fundamento, a SGL afirma que o Tribunal de Primeira Instância errou ao afirmar no n.° 333 do acórdão recorrido que a Comissão, quando fixou o montante da coima, não tinha nenhuma obrigação de ter em conta a situação financeira fragilizada da SGL e a sua falta de fundos para pagar a coima.

88.      A SGL invoca essencialmente dois argumentos em apoio deste fundamento. Em primeiro lugar, defende que a coima aplicada, mesmo depois da redução, é, por si só, desproporcionadamente elevada, ainda mais quando a capacidade da empresa para pagar a multa não foi tida em conta no momento em que a decisão foi adoptada. Em segundo lugar, argumenta que a Comissão e o Tribunal de Justiça estão legalmente obrigados a ter em conta a sua capacidade para efectuar o pagamento. Não tendo verificado se a coima aplicada representa uma ameaça para a viabilidade económica da empresa em causa, o Tribunal de Primeira Instância não teve em consideração o disposto no ponto 5, alínea b) das Orientações.

89.      A Comissão alega que estes argumentos são inadmissíveis ou, de qualquer forma, que não têm fundamento.

Apreciação

90.      Na medida em que a SGL invocou no recurso, em primeiro lugar, uma série de argumentos que questionam a proporcionalidade da coima aplicada, o quinto fundamento deve ser julgado inadmissível, na medida em que tem por objecto um reexame global das coimas, que o Tribunal de Justiça não tem competência para realizar no âmbito de um recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância (35).

91.      Em segundo lugar, no que se refere à afirmação de que o Tribunal de Primeira Instância não teve em conta a capacidade de pagamento da SGL, deve observar‑se que, de acordo com jurisprudência assente, inteiramente reflectida no n.° 333 do acórdão recorrido, a Comissão não é obrigada, ao proceder à fixação do montante da coima em litígio, a ter em conta a situação financeira deficitária de uma empresa, dado que o reconhecimento de tal obrigação equivaleria a conceder uma vantagem concorrencial injustificada às empresas menos adaptadas às condições do mercado (36).

92.      Em seguida, no que diz respeito ao ponto 5, alínea b), das Orientações, que declara que a capacidade contributiva real de uma empresa deve ser tomada em consideração, o Tribunal de Justiça já decidiu no acórdão SGL Carbon que esta disposição não põe de forma alguma em causa a jurisprudência acima referida. Como o Tribunal de Justiça salientou neste processo, esta capacidade apenas é relevante no seu «contexto social determinado», constituído pelas consequências que o pagamento da coima teria, designadamente, no plano de um aumento do desemprego ou de uma deterioração de sectores económicos a montante e a jusante da empresa em causa (37).

93.      À luz do exposto, concordo com o Tribunal de Primeira Instância quando afirma que o direito comunitário não exclui que uma medida adoptada por uma autoridade comunitária possa levar à insolvência ou liquidação de uma determinada empresa. Além disso, a SGL não apresentou nenhum elemento que permita comprovar a existência de um tal contexto social, no sentido acima descrito.

94.      Nestas circunstâncias, o Tribunal de Primeira Instância não cometeu um erro de direito ao julgar improcedente, no n.° 333 do acórdão recorrido, o fundamento em que a SGL alega que a Comissão não teve em conta a sua capacidade para efectuar o pagamento.

95.      Por isso, o quinto fundamento deve ser julgado improcedente.

F –    Quanto ao sexto fundamento em que se alega uma fixação incorrecta da taxa de juro

Principais argumentos

96.      O sexto fundamento visa impugnar os n.os 408 a 415 do acórdão recorrido, nos quais o Tribunal de Primeira Instância rejeitou os fundamentos invocados pela SGL para pedir a anulação das taxas de juro fixadas no terceiro parágrafo do artigo 3.° da decisão impugnada (6,75%) e a da carta da Comissão de 20 de Dezembro de 2002 (2%).

97.      A SGL mantém os argumentos apresentados perante o Tribunal de Primeira Instância, defendendo que as taxas de juro fixadas eram demasiado elevadas e que o ponto em causa da decisão impugnada devia ser anulado. Os juros particularmente elevados a pagar constituem, em última análise, uma coima adicional, para a qual não existe base legal.

98.      A Comissão alega que os argumentos avançados pela SGL – estando relacionados com a determinação da matéria de facto e constituindo uma repetição dos argumentos anteriormente invocados perante o Tribunal de Primeira Instância – são inadmissíveis ou, em qualquer caso, não têm fundamento.

Apreciação

99.      Há que observar, em primeiro lugar, que o Tribunal de Primeira Instância, em resposta à alegada ilegalidade da taxa dos juros de mora de 6,75% fixada na decisão impugnada, remeteu, no n.° 411 do acórdão recorrido, para a jurisprudência assente em virtude da qual o poder conferido à Comissão nos termos do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 abrange a faculdade de fixar a taxa dos juros de mora e a de decidir as formas de execução da sua decisão (38).

100. Este Tribunal também declarou com acerto que assistia à Comissão o direito de adoptar um ponto de referência situado a um nível mais elevado do que a taxa de mercado aplicável, como o oferecido ao mutuário médio, na medida do necessário para desencorajar os comportamentos dilatórios no que concerne ao pagamento da coima (39).

101. A SGL não demonstrou, no âmbito deste recurso, de que forma o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro ao concluir, no n.° 412 do acórdão recorrido, que a Comissão não tinha ultrapassado a margem de discricionariedade de que dispunha, como acima mencionado, relativamente à fixação da taxa dos juros de mora. Ao invés, a SGL repete essencialmente os argumentos previamente apreciados pelo Tribunal de Primeira Instância relativos ao facto de o nível da taxa ser excessivo, o que representa, no fundo, um pedido de reapreciação (40). Nesta medida, este fundamento deve ser julgado inadmissível.

102. Em segundo lugar, no que toca à alegada ilegalidade da taxa de juro de 2% aplicada aos pagamentos das coimas feitos a título provisório, o Tribunal de Primeira Instância, a meu ver correctamente, classificou este fundamento, que não tinha sido suscitado no recurso interposto naquele tribunal, como fundamento novo na acepção do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância. Assim, pôde acertadamente julgar este fundamento inadmissível no n.° 413 do acórdão recorrido. Por conseguinte, não assiste de forma alguma à SGL o direito de o invocar em sede de recurso.

103. Há, portanto, que julgar improcedente o sexto fundamento.

104. Decorre das precedentes considerações que há que negar provimento ao recurso na sua totalidade.

VII – Quanto às despesas

105. Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 118.° do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da SGL e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

VIII – Conclusão

106. Pelos motivos acima expostos, proponho que o Tribunal de Justiça:

1.      Negue provimento ao recurso.

2.      Condene a SGL Carbon nas despesas.


1 – Língua original: inglês.


2 – Colect., p. II‑10.


3 – Acórdão SGL Carbon/Comissão (C‑308/04 P, Colect., p. I‑5977). O presente processo está, nestes termos, igualmente relacionado em certa medida com o recurso interposto no processo Showa Denko/Comissão (acórdão de 29 de Junho de 2006, C‑289/04 P, Colect., p. I‑5859).


4 – JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22.


5 – JO 1998, C 9, p. 3.


6 – JO 1996, C 207, p. 4.


7 – Acórdão de 14 de Dezembro de 1972, Boehringer Mannheim/Comissão (7/72, Colect., p. 447).


8 – Referido na nota 3.


9 – V., designadamente, acórdão de 5 de Maio de 1966, Gutmann/Comissão da CEEA (18/65 e 35/65, Recueil, p. 149, Colect. 1965‑1968, p. 325), e acórdão de 15 de Outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão (C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, Colect., p. I‑8375, n.° 59).


10 – V., designadamente, acórdão de 7 de Janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, (C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colect., p. I‑123, n.° 338).


11 – Referido na nota 3.


12 – Referido na nota 3.


13 – Acórdão de 18 de Maio de 2006, Archer Daniels Midland/Comissão (C‑397/03 P, Colect., p. I‑4429).


14 – N.os 28 e 29.


15 – N.° 30.


16 – N.os 33 a 37.


17 – V., para este efeito, acórdão SGL Carbon, referido na nota 3, n.° 36, e acórdão Showa Denko, referido na nota 3, n.° 60.


18 – Referido na nota 7.


19 – V. acórdão Archer Daniels, referido na nota 13, n.os 48 e 49.


20 – V. acórdão SGL Carbon, n.° 27.


21 – V., designadamente, despacho do Tribunal de Justiça de 17 de Setembro de 1996, no processo San Marco Impex Italiana/Comissão (C‑19/95 P, Colect., p. I‑4435, n.° 40); acórdão de 2 de Março de 1994, Hilti/Comissão (C‑53/92 P, Colect., p. I‑667, n.° 42); e acórdão de 28 de Junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão (C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colect., p. I‑5425, n.° 177).


22 – V., neste sentido, designadamente, acórdão de 28 de Maio de 1998, Deere/Comissão (C‑7/95 P, Colect., p. I‑3111, n.° 20), e acórdão de 7 de Julho de 2005, Le Pen/Parlamento (C‑208/03 P, Colect., p. I‑6051, n.° 39 e jurisprudência aí referida).


23 – V., em particular, acórdão de 1 de Outubro de 1991, Vidrányi/Comissão (C‑283/90 P, Colect., p. I‑4339, n.° 29), acórdão de 20 de Novembro de 1997, Comissão/V (C‑188/96 P, Colect., p. I‑6561, n.° 24), acórdão de 17 de Dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão (C‑185/95 P, Colect., p. I‑8417, n.° 25), e acórdão de 7 de Maio de 1998, Somaco/Comissão (C‑401/96 P, Colect., p. I‑2587, n.° 53).


24 – V., neste sentido, designadamente, acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido na nota 21, n.° 428, acórdão de 9 de Novembro de 1983, Michelin/Comissão (322/81, Recueil, p. 3461, n.os 19 e 20), e acórdão Showa Denko, referido na nota 3, n.° 69.


25 – V., em particular, Dansk Rørindustrie o./Comissão, referido na nota 21, n.° 428, e acórdão de 7 de Junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão (100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825, n.° 21.


26 – V., neste sentido, designadamente, acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido na nota 21, n.os 434 a 439; v., também, no que diz respeito à jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância, em particular, acórdão de 20 de Março de 2002, LR AF 1998/Comissão, (T‑23/99, Colect., p. II‑1705, n.° 200).


27 – V. n.° 46, supra.


28 – V. n.° 46, supra, e a jurisprudência referida na nota 21.


29 – V., neste sentido, designadamente, acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido na nota 21, n.° 68, e acórdão Baustahlgewebe/Comissão, referido na nota 23, n.° 70.


30 – V. acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido na nota 21, n.os 393 e 394.


31 – V. acórdão SGL Carbon, referido na nota 3, n.° 48, e acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido na nota 21, n.° 245.


32 – V. n.os 46 e 48, supra.


33 – V., neste sentido, acórdão de 16 de Novembro de 2000, SCA Holding/Comissão (C‑297/98 P, Colect., p. I‑10101, n.os 36 e 37, e acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido na nota 21, n.° 399).


34 – V. acórdão Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, referido na nota 9, n.° 617.


35 – V., designadamente, acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido na nota 21, n.os 245 e 246, e acórdão de 29 de Abril de 2004, British Sugar/Comissão (C‑359/01 P, Colect., p. I‑4933, n.os 48 e 49).


36 – V. acórdão de 8 de Novembro de 1983, IAZ e o./Comissão (96/82 a 102/82, 104/82, 105/82, 108/82 e 110/82, Colect., p. 3369, n.os 54 e 55), e Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido na nota 21, n.° 327.


37 – Acórdão SGL Carbon, referido na nota 3, n.° 106.


38 – V. acórdão SGL Carbon, referido na nota 3, n.° 113.


39 – V., neste sentido, ibidem, n.os 114 e 115.


40 – V. n.° 47, supra.

Top