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Document 62003CJ0347

Acórdão do Tribunal (Segunda Secção) de 12 de Maio de 2005.
Regione autonoma Friuli-Venezia Giulia e Agenzia regionale per lo sviluppo rurale (ERSA) contra Ministero delle Politiche Agricole e Forestali.
Pedido de decisão prejudicial: Tribunale amministrativo regionale del Lazio - Itália.
Relações externas - Acordo CE-Hungria sobre a protecção recíproca e o controlo de denominações de vinho - Protecção na Comunidade de uma denominação referente a certos vinhos originários da Hungria - Indicação geográfica "Tokaj' - Troca de cartas - Possibilidade de utilizar o termo "Tocai' na menção "Tocai friulano' ou "Tocai italico' para a designação e a apresentação de alguns vinhos italianos, em especial vinhos de qualidade produzidos numa região determinada ("v.q.p.r.d.'), durante um período transitório que expira em 31 de Março de 2007 - Exclusão desta possibilidade no termo do período transitório - Validade - Base jurídica - Artigo 133.º CE - Princípios de direito internacional referentes aos Tratados - Artigos 22.º a 27.º do acordo ADPIC (TRIPs) - Protecção dos direitos fundamentais - Direito de propriedade.
Processo C-347/03.

Colectânea de Jurisprudência 2005 I-03785

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2005:285

Processo C‑347/03

Regione autonoma Friuli‑Venezia Giulia e      Agenzia regionale per lo sviluppo rurale (ERSA)

contra

Ministero delle Politiche Agricole e Forestali

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo
Tribunale amministrativo regionale del Lazio)

«Relações externas – Acordo CE‑Hungria sobre a protecção recíproca e o controlo de denominações de vinho – Protecção na Comunidade de uma denominação referente a certos vinhos originários da Hungria – Indicação geográfica ‘Tokaj’ – Troca de cartas – Possibilidade de utilizar o termo ‘Tocai’ na menção ‘Tocai friulano’ ou ‘Tocai italico’ para a designação e a apresentação de alguns vinhos italianos, em especial vinhos de qualidade produzidos numa região determinada (‘v.q.p.r.d.’), durante um período transitório que expira em 31 de Março de 2007 – Exclusão desta possibilidade no termo do período transitório – Validade – Base jurídica – Artigo 133.° CE – Princípios de direito internacional referentes aos Tratados – Artigos 22.° a 27.° do acordo ADPIC (TRIPs) – Protecção dos direitos fundamentais – Direito de propriedade»

Conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs apresentadas em 16 de Dezembro de 2004 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 12 de Maio de 2005 

Sumário do acórdão

1.     Acordos internacionais – Acordos da Comunidade – Celebração – Acordo CE‑Hungria sobre a protecção recíproca e o controlo de denominações de vinho – Base jurídica – Artigo 133.° CE

(Artigo 133.° CE; Acordo de Associação CE-Hongrie; Acordo CE‑Hungria sobre os vinhos)

2.     Acordos internacionais – Acordos da Comunidade – Acordo CE‑Hungria sobre a protecção recíproca e o controlo de denominações de vinho – Regime das denominações homónimas – Condições de aplicação – Denominação «Tocai» dos vinhos italianos e «Tokaj» dos vinhos húngaros – Denominação «Tocai» que não constitui uma indicação geográfica protegida – Troca de cartas que proíbe a utilização da referida denominação – Violação do referido regime – Inexistência

(Acordo CE-Hungria sobre os vinhos, artigo 4.°, n.° 5)

3.     Acordos internacionais – Acordo sobre os aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados com o Comércio (TRIPs) – Homonímia entre uma indicação geográfica de um país terceiro e uma denominação que utiliza o nome de uma casta utilizada para a designação e a apresentação de determinados vinhos comunitários – Direito, reconhecido pelo Acordo, de prosseguir a utilização da referida denominação pelos produtores que a usam tradicionalmente e de boa fé – Inexistência

(Acordo TRIPs, artigos 22.° a 24.°)

4.     Direito comunitário – Princípios – Direitos fundamentais – Direito de propriedade – Restrições – Proibição de utilizar a denominação «Tocai» para os vinhos italianos – Inexistência – Proibição que tem um objectivo de interesse geral

(Protocolo Adicional n.° 1 à Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, artigo 1.°, primeiro parágrafo; Acordo CE‑Hungria sobre os vinhos)

1.     O Acordo europeu entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a República da Hungria, por outro, não constitui a base jurídica da Decisão 93/724, relativa à celebração do Acordo entre a Comunidade Europeia e a República da Hungria sobre a protecção recíproca e o controlo de denominações de vinho.

A base jurídica adequada para a celebração, apenas pela Comunidade, deste último acordo é o artigo 133.° CE, evocado no preâmbulo da Decisão 93/724, artigo que atribui à Comunidade competência em matéria de política comercial comum. Com efeito, esse acordo faz parte dos previstos no artigo 63.° do Regulamento n.° 822/87, que estabelece a organização comum do mercado vitivinícola e tem como objectivo principal promover as trocas comerciais entre as partes contratantes, favorecendo com base na reciprocidade, por um lado, a comercialização de vinhos originários da Hungria, assegurando a estes vinhos protecção idêntica à prevista para os vinhos de qualidade produzidos numa região determinada de origem comunitária e, por outro, a comercialização neste país de vinhos originários da Comunidade.

(cf. n.os 70, 79, 80, 83, disp. 1, 2)

2.     O regime das denominações homónimas previsto no artigo 4.°, n.° 5, do Acordo entre a Comunidade Europeia e a República da Hungria sobre a protecção recíproca e o controlo de denominações de vinho (Acordo CE‑Hungria sobre os vinhos) diz respeito às indicações geográficas protegidas nos termos do mesmo acordo.

Ora, dado que as menções «Tocai friulano» e «Tocai italico», contrariamente às denominações «Tokaj» e «Tokaji» dos vinhos húngaros, não figuram na parte A do Anexo do acordo CE‑Hungria sobre os vinhos e constituem o nome de uma casta ou de uma variedade de videira reconhecida em Itália como apta à produção de determinados vinhos de qualidade produzidos numa região determinada, não podem ser qualificadas de indicações geográficas na acepção do referido acordo.

Daqui se infere que a proibição de utilizar a denominação «Tocai» em Itália após o período transitório previsto pelo Acordo CE‑Hungria sobre os vinhos, como decorre da troca de cartas relativas ao artigo 4.° do referido acordo, não é contrária ao regime das denominações homónimas previsto no artigo 4.°, n.° 5, do mesmo acordo.

Também daí decorre que a declaração comum relativa ao n.° 5 do artigo 4.° do Acordo CE‑Hungria sobre os vinhos, na medida em que enuncia, no seu primeiro parágrafo que, no que respeita ao artigo 4.°, n.° 5, alínea a), do mesmo acordo, as partes contratantes concluíram que no momento das negociações não conheciam nenhum caso específico em que as disposições em causa pudessem ser aplicadas, não constitui uma representação manifestamente errada da realidade.

(cf. n.os 87, 88, 90, 92, 98, 102, disp. 3, 4)

3.     Os artigos 22.° a 24.° do Acordo sobre os aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio (TRIPs), que figura no anexo 1 C do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio, devem ser interpretados no sentido de que, tratando‑se de um caso respeitante a uma homonímia entre uma indicação geográfica de um país terceiro e uma denominação que utiliza o nome de uma casta utilizada para a designação e a apresentação de determinados vinhos comunitários produzidos a partir dela, essas disposições, embora não proíbam a utilização contínua e similar de tal denominação, também não exigem que essa denominação possa continuar a ser utilizada futuramente, apesar da dupla circunstância de ter sido utilizada no passado pelos produtores em causa, de boa fé ou durante, pelos menos, dez anos antes de 15 de Abril de 1994, e de indicar claramente o país, a região ou a zona de origem do vinho protegido, de forma a não induzir o consumidor em erro.

(cf. n.os 110, 115, disp. 5)

4.     O direito de propriedade não se opõe à proibição imposta aos operadores em causa de uma região autónoma italiana de utilizar o termo «Tocai» na menção «Tocai friulano» ou «Tocai italico» para a designação e a apresentação de determinados vinhos italianos de qualidade produzidos num região determinada, no termo de um período transitório de treze anos, como decorre da troca de cartas relativas à utilização do termo «Tocai», em anexo ao Acordo CE‑Hungria sobre a protecção recíproca e o controlo de denominações de vinho, mas que não figura neste último.

Com efeito, essa proibição, uma vez que não exclui toda e qualquer forma razoável de comercializar os vinhos italianos em causa, não constitui uma privação de propriedade, na acepção do primeiro parágrafo do artigo 1.° do Protocolo adicional n.° 1 à Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. Além disso, mesmo partindo do princípio que a referida restrição constitui uma restrição ao direito fundamental de propriedade, ela pode ser justificada na medida em que, ao proibir a utilização dessa denominação que é homónima da indicação geográfica «Tokaj» dos vinhos húngaros, tem um objectivo de interesse geral que consiste na promoção das trocas comerciais entre as partes contratantes, favorecendo, com base na reciprocidade a comercialização de vinhos designados ou apresentados por uma indicação geográfica.

(cf. n.os 122, 127, 134, disp. 6)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

12 de Maio de 2005 (*)

«Relações externas – Acordo CE‑Hungria sobre a protecção recíproca e o controlo de denominações de vinho – Protecção na Comunidade de uma denominação referente a certos vinhos originários da Hungria – Indicação geográfica ‘Tokaj’ – Troca de cartas – Possibilidade de utilizar o termo ‘Tocai’ na menção ‘Tocai friulano’ ou ‘Tocai italico’ para a designação e a apresentação de alguns vinhos italianos, em especial vinhos de qualidade produzidos numa região determinada (‘v.q.p.r.d.’), durante um período transitório que expira em 31 de Março de 2007 – Exclusão desta possibilidade no termo do período transitório – Validade – Base jurídica – Artigo 133.° CE – Princípios de direito internacional referentes aos Tratados – Artigos 22.° a 27.° do acordo ADPIC (TRIPs) – Protecção dos direitos fundamentais – Direito de propriedade»

No processo C‑347/03,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Tribunale amministrativo regionale del Lazio (Itália), por decisão de 9 de Junho de 2003, entrado no Tribunal de Justiça em 7 de Agosto de 2003, no processo

Regione autonoma Friuli‑Venezia Giulia e Agenzia regionale per lo sviluppo rurale (ERSA)

contra

Ministero delle Politiche Agricole e Forestali,

sendo interveniente:

Regione Veneto,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: C. W. A. Timmermans (relator), presidente de secção, R. Silva de Lapuerta, R. Schintgen, G. Arestis e J. Klučka, juízes,

advogado‑geral: F. G. Jacobs,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 14 de Outubro de 2004,

vistas as observações escritas apresentadas:

–       em representação da Regione autonoma Friuli‑Venezia Giulia e da Agenzia regionale per lo sviluppo rurale (ERSA), por E. Bevilacqua e F. Capelli, avvocati,

–       em representação do Governo italiano, por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por M. Fiorilli, avvocato dello Stato,

–       em representação do Governo húngaro, por J. Fazekas e M. Ficsor, na qualidade de agentes,

–       em representação do Conselho da União Europeia, por F. Ruggeri Laderchi e F. Florindo Gijón, na qualidade de agentes,

–       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por E. Righini e F. Dintilhac, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral apresentadas na audiência de 16 de Dezembro de 2004,

profere o presente

Acórdão

1       O pedido de decisão prejudicial versa sobre a validade e a interpretação da Decisão 93/724/CE do Conselho, de 23 de Novembro de 1993, relativa à celebração do Acordo entre a Comunidade Europeia e a República da Hungria sobre a protecção recíproca e o controlo de denominações de vinho (JO L 337, p. 93, a seguir «acordo CE‑Hungria sobre os vinhos»), e do Regulamento (CE) n.° 753/2002 da Comissão, de 29 de Abril de 2002, que fixa certas normas de execução do Regulamento (CE) n.° 1493/1999 do Conselho no que diz respeito à designação, denominação, apresentação e protecção de determinados produtos vitivinícolas (JO L 118, p. 1).

2       Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Regione autonoma Friuli‑Venezia Giulia (Região Autónoma de Friul‑Venécia Júlia) e a Agenzia regionale per lo sviluppo rurale (ERSA) (Agência Regional para o Desenvolvimento Rural) (a seguir, conjuntamente, «a Regione e a ERSA») ao Ministero delle Politiche Agricole e Forestali (Ministério das Políticas Agrícolas e Florestais italiano).

3       Este litígio tem por objecto um pedido de anulação do decreto ministeriale de 26 de Setembro de 2002, relativo às condições nacionais para a utilização, em derrogação do disposto no artigo 19.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento (CE) n.° 753/2002, dos nomes das castas de videira e dos seus sinónimos que incluem uma indicação geográfica, cuja lista consta do Anexo II do referido regulamento, que podem figurar na rotulagem dos [vinhos de qualidade produzidos numa região determinada], e [indicações geográficas típicas] italianos (GURI n.° 247, de 21 de Outubro de 2002, p. 3, a seguir «decreto de 26 de Setembro de 2002»), na medida em que exclui a utilização do termo «Tocai» na menção «Tocai friulano» ou do seu sinónimo «Tocai italico» para a designação e a apresentação de determinados vinhos italianos, em especial vinhos de qualidade produzidos numa região determinada (a seguir «v.q.p.r.d.»), findo um período transitório que expira em 31 de Março de 2007.

 Quadro jurídico

 Direito internacional

 A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados

4       O artigo 48.°, n.° 1, da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23 de Maio de 1969, estipula:

«Um Estado pode invocar um erro num tratado como tendo viciado o seu consentimento em ficar vinculado pelo tratado se o erro incidiu sobre um facto ou uma situação que esse Estado supunha existir no momento em que o tratado foi concluído e que constituía uma base essencial do consentimento desse Estado em ficar vinculado pelo tratado.»

5       Nos termos do artigo 59.° desta mesma convenção:

«1.      Considera‑se que cessou a vigência de um tratado quando todas as partes nesse Tratado concluíram posteriormente um novo tratado sobre a mesma matéria e:

a)      Se resultar do tratado posterior ou se estiver, de outro modo, estabelecido que, segundo a intenção das partes, a matéria deve ser regida pelo novo tratado; ou

b)      Se as disposições do novo tratado forem de tal modo incompatíveis com as do tratado anterior que seja impossível aplicar os dois tratados simultaneamente.

[...]»

 A Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais

6       O artigo 1.° do Protocolo adicional n.° 1 à Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), dispõe:

«Qualquer pessoa singular ou colectiva tem direito ao respeito dos seus bens. Ninguém pode ser privado do que é sua propriedade a não ser por utilidade pública e nas condições previstas pela lei e pelos princípios gerais do direito internacional.

As disposições precedentes entendem‑se sem prejuízo do direito que os Estados possuem de pôr em vigor as leis que julguem necessárias para a regulamentação do uso dos bens, de acordo com o interesse geral, ou para assegurar o pagamento de impostos ou das contribuições ou de multas.»

 O direito decorrente do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio

7       O Acordo sobre os aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio (a seguir «acordo ADPIC», em língua inglesa «TRIPs»), que figura no anexo 1 C do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio (a seguir «acordo OMC»), foi aprovado em nome da Comunidade Europeia, em relação às matérias da sua competência, pela Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994 (JO L 336, p. 1).

8       O artigo 1.° do acordo ADPIC, intitulado «Natureza e âmbito das obrigações», prevê no seu n.° 2:

«Para efeitos do presente acordo, a expressão ‘propriedade intelectual’ refere‑se a todas as categorias da propriedade intelectual que constituem o objecto das secções 1 a 7 da parte II.»

9       Os artigos 22.° a 24.° deste acordo constam da sua parte II, consagrada às «Normas relativas à existência, âmbito e exercício dos direitos de propriedade intelectual», na secção 3, referente às «Indicações geográficas».

10     Nos termos do artigo 22.° do referido acordo, intitulado «Protecção das indicações geográficas»:

«1.      Para efeitos do disposto no presente acordo, entendem‑se por indicações geográficas as indicações geográficas que identifiquem um produto como sendo originário do território de um Membro, ou de uma região ou localidade desse território, caso determinada qualidade, reputação ou outra característica do produto seja essencialmente atribuível à sua origem geográfica.

[...]»

11     O artigo 23.° do acordo ADPIC, intitulado «Protecção adicional das indicações geográficas para vinhos e bebidas alcoólicas», estipula:

«1.      Cada Membro proporcionará os meios legais necessários para que as partes interessadas possam impedir a utilização de uma indicação geográfica que identifique vinhos, para vinhos não originários do local indicado pela indicação geográfica em questão, ou de uma indicação geográfica que identifique bebidas alcoólicas, para bebidas alcoólicas não originárias do local indicado pela indicação geográfica em questão [...].

[...]

3.      No caso de indicações geográficas homónimas para vinhos, a protecção será concedida em relação a cada indicação [...]. Cada Membro determinará as condições práticas em que as indicações homónimas em questão serão diferenciadas umas das outras, tendo em conta a necessidade de assegurar um tratamento equitativo dos produtores envolvidos e de não induzir em erro os consumidores.

[...]»

12     O artigo 24.° do mesmo acordo, intitulado «Negociações internacionais; excepções», prevê:

«1.      Os Membros acordam em iniciar negociações com vista a aumentar a protecção de indicações geográficas específicas nos termos do artigo 23.° [...]

[...]

3.      Ao implementar o disposto na presente secção, um Membro não diminuirá a protecção das indicações geográficas existentes nesse Membro imediatamente antes da entrada em vigor do acordo OMC.

4.      Nenhuma disposição da presente secção exigirá que um Membro impeça que qualquer dos seus nacionais, ou qualquer pessoa domiciliada no seu território, faça uma utilização continuada e semelhante de uma indicação geográfica específica de um outro Membro que identifique vinhos ou bebidas alcoólicas relativamente a produtos ou serviços, caso essa pessoa tenha utilizado essa indicação geográfica de um modo contínuo relativamente a produtos ou serviços idênticos ou afins no território desse Membro, a) durante um período de pelo menos 10 anos anterior a 15 de Abril de 1944, ou b) de boa fé, antes dessa data.

[...]

6.      [...] Nenhuma disposição da presente secção exigirá que um Membro aplique o disposto nesta secção relativamente a uma indicação geográfica de qualquer outro Membro para produtos da vinha em relação aos quais essa indicação seja idêntica à designação corrente de uma variedade de uva existente no território desse Membro na data da entrada em vigor do acordo OMC.

[...]»

 O acordo de associação CE‑Hungria

13     O Acordo europeu entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a República da Hungria, por outro, celebrado e aprovado em nome da Comunidade pela Decisão 93/742/Euratom, CECA, CE do Conselho e da Comissão, de 13 de Dezembro de 1993 (JO L 347, p. 1, a seguir «acordo de associação CE‑Hungria»), foi assinado em 16 de Dezembro de 1991, em Bruxelas, e, em conformidade com o seu artigo 123.°, segundo parágrafo, entrou em vigor em 1 de Fevereiro de 1994.

14     Enquanto se aguardava pela entrada em vigor do acordo de associação CE‑Hungria, o Acordo provisório entre a Comunidade Económica Europeia e a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, por um lado, e a República da Hungria, por outro, sobre comércio e matérias conexas foi celebrado e aprovado em nome da Comunidade pela Decisão 92/230/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1992 (JO L 116, p. 1, a seguir «acordo provisório CE‑Hungria»). Este acordo foi assinado em 16 de Dezembro de 1991, em Bruxelas, e entrou em vigor em 25 de Fevereiro de 1992.

 O acordo CE‑Hungria sobre os vinhos

15     O acordo CE‑Hungria sobre os vinhos, assinado em Bruxelas, em 29 de Novembro de 1993, foi celebrado e aprovado em nome da Comunidade pela Decisão 93/724 e entrou em vigor em 1 de Abril de 1994.

16     O primeiro parágrafo do preâmbulo da Decisão 93/724 enuncia:

«Tendo em conta o Tratado que institui a Comunidade Europeia e, nomeadamente, o seu artigo 133.° CE.»

17     O primeiro e o terceiro considerando desta decisão têm a seguinte redacção:

«Considerando que o acordo negociado entre a Comunidade Europeia e a República da Hungria sobre a protecção recíproca e o controlo de denominações de vinho reforçará a eficácia das medidas contra a concorrência comercial desleal, garantirá uma maior protecção dos consumidores e promoverá o comércio de vinho entre as duas partes; que, portanto, é oportuno aprovar esse acordo;

[...]

Considerando que as disposições do presente acordo estão directamente relacionadas com medidas das políticas agrícolas e comercial comuns, [na ocorrência, pela regulamentação comunitária vitivinícola], pelo que o presente acordo deve ser elaborado a nível comunitário,».

18     Nos termos do artigo 1.° da referida decisão:

«É aprovado, em nome da Comunidade, o Acordo entre a Comunidade Europeia e a República da Hungria sobre a protecção recíproca e o controlo de denominações de vinho, bem como o protocolo, as trocas de cartas e declarações anexas.

Os textos referidos no primeiro parágrafo acompanham a presente decisão.»

19     O primeiro parágrafo do preâmbulo do acordo CE‑Hungria sobre os vinhos enuncia:

«Tendo em conta o Acordo europeu que institui uma associação entre as Comunidades e os seus Estados‑Membros e a República da Hungria, assinado em Bruxelas em 16 de Dezembro de 1991.»

20     O artigo 1.° do acordo CE‑Hungria sobre os vinhos estipula:

«As partes acordam, numa base de reciprocidade, em proteger e controlar as denominações de vinho originárias da Comunidade e da Hungria nos termos do presente acordo.»

21     O artigo 2.°, n.° 2, deste acordo prevê:

«Para efeitos do presente acordo, salvo disposição em contrário, entende‑se por:

[...]

–       ‘indicação geográfica’: uma indicação, incluindo uma ‘denominação de origem’, reconhecida pela regulamentação de uma das partes para efeitos de descrição e apresentação de um vinho originário do território de uma parte ou de uma região ou localidade desse território, onde uma determinada qualidade, reputação ou característica do vinho seja essencialmente atribuível à sua origem geográfica,

[...]»

22     Nos termos do artigo 4.° do referido acordo:

«1.      São protegidas as seguintes denominações:

a)      em relação aos vinhos originários da Comunidade:

[...]

–       as indicações geográficas e as expressões tradicionais referidas no anexo;

b)      em relação aos vinhos originários da Hungria:

[...]

–       as indicações geográficas e as expressões tradicionais referidas no anexo, na definição da legislação húngara sobre o vinho [...].

[...]

3.      Na Comunidade, as denominações húngaras protegidas:

–       são reservadas exclusivamente para os vinhos originários da Hungria a que se aplicam,

e

–       não podem ser utilizadas em condições diferentes das estabelecidas na legislação húngara.

[...]

5.      Em caso de indicações geográficas homónimas ou idênticas:

a)      quando duas indicações, protegidas nos termos do presente acordo, sejam homónimas ou idênticas, será concedida protecção a ambas, desde que:

–       a denominação geográfica em questão seja tradicional e correntemente utilizada para descrever e apresentar um vinho produzido na zona geográfica a que se refere,

–       o vinho não seja apresentado de forma errónea aos consumidores como originário do território da outra parte

[...]

Nesse caso, as partes determinarão as condições práticas nos termos das quais as indicações homónimas ou idênticas em questão serão diferenciadas umas das outras, tomando em consideração a necessidade de assegurar um tratamento equitativo aos produtores envolvidos e de não induzir os consumidores em erro.»

23     Na parte B («Vinhos originários da República da Hungria»), I («Indicações geográficas»), ponto 3.4 («Região vitícola Tokaj‑Hegyalja»), do anexo do acordo CE‑Hungria sobre os vinhos, intitulada «Lista de denominações de vinhos protegidos que se referem no artigo 4.°», figura designadamente a denominação «Tokaj». A parte A («Vinhos da Comunidade Económica Europeia») deste anexo não comporta nenhuma das menções «Tocai friulano» ou «Tocai italico».

24     A troca de cartas relativa ao artigo 4.° do Acordo entre a Comunidade Europeia e a República da Hungria sobre a protecção recíproca e o controlo de denominações de vinho (JO 1993, L 337, p. 169, a seguir «troca de cartas sobre o Tocai»), que constitui um dos actos a que se refere o artigo 1.°, primeiro parágrafo, da Decisão 93/724, também entrou em vigor em 1 de Abril de 1994.

25     Após terem remetido, nomeadamente, para o artigo 4.°, n.° 3, do acordo CE‑Hungria sobre os vinhos, os signatários das referidas cartas confirmam que:

«1)      Durante um período transitório de 13 anos a contar da data de entrada em vigor do referido acordo, a sua aplicação não obsta à utilização lícita do termo ‘Tocai’ na designação e apresentação de determinados v.q.p.r.d. italianos nas condições adiante enunciadas.

Sem prejuízo das disposições específicas comunitárias e, se for caso disso, nacionais mais restritivas, esse vinho deve ser:

–       proveniente da casta ‘Tocai friulano’,

–       produzido a partir de uvas inteiramente colhidas nas regiões italianas do Veneto ou do Friul,

–       designado e apresentado unicamente pelo nome da casta ‘Tocai friulano’ ou pelo seu sinónimo ‘Tocai italico’, com os dois termos destes nomes, juntos sem menções intermédias e em caracteres do mesmo tipo e dimensões numa única linha e separados do nome da unidade geográfica de proveniência do vinho. Além disso, a dimensão dos caracteres utilizados nestes termos não pode superar a dos caracteres que indicam o nome da referida unidade geográfica,

–       comercializado fora do território da Hungria.

[...]

4)      Sem prejuízo das disposições referidas no ponto 3, a possibilidade de utilizar o termo ‘Tocai’, de acordo com as condições do ponto 1, caducará no termo do período transitório referido no mesmo número.

[...]»

26     Nos termos da Declaração comum relativa ao n.° 5 do artigo 4.° do acordo [CE‑Hungria sobre os vinhos] (JO 1993, L 337, p. 171, a seguir «declaração comum sobre as denominações homónimas»), que também constitui um dos actos a que se refere o artigo 1.°, primeiro parágrafo, da Decisão 93/724:

«Em relação ao artigo 4.°, n.° 5, alínea a), as partes notam que nas negociações não estavam ao corrente de qualquer caso específico em que pudesse ser aplicável o disposto neste artigo.

[...]»

 A regulamentação comunitária relativa à organização comum do mercado vitivinícola (a seguir «OCM vitivinícola»)

 A OCM vitivinícola em vigor no momento da celebração do acordo CE‑Hungria sobre os vinhos

27     Nos termos do artigo 63.° do Regulamento (CEE) n.° 822/87 do Conselho, de 16 de Março de 1987, que estabelece a organização comum do mercado vitivinícola (JO L 84, p. 1):

«1.      Os vinhos importados, destinados ao consumo humano directo e designados por uma indicação geográfica, podem beneficiar, para a sua comercialização na Comunidade, sob condição de reciprocidade, do controlo e da protecção [referidos no artigo 15.° do Regulamento n.° 823/87] para os v.q.p.r.d.

2.      O disposto no n.° 1 será aplicado através de acordos com os países terceiros interessados, a negociar e a celebrar de acordo com o procedimento previsto no artigo [133.° CE].

3.      As regras de execução do presente artigo serão adoptadas de acordo com o procedimento previsto no artigo 83.°»

28     Nos termos do artigo 1.°, n.° 3, do Regulamento (CEE) n.° 823/87 do Conselho, de 16 de Março de 1987, que estabelece disposições especiais relativas aos vinhos de qualidade produzidos em regiões determinadas (JO L 84, p. 59), com a redacção que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) n.° 2043/89 do Conselho, de 19 de Junho de 1989 (JO L 202, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 823/87»):

«Os Estados‑Membros transmitirão à Comissão a lista dos v.q.p.r.d. que tenham reconhecido, indicando, para cada um desses v.q.p.r.d., a referência às disposições nacionais que regulamentam a produção e elaboração.

A Comissão assegurará a publicação da referida lista no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, série C.»

29     O artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 823/87 dispõe:

«Cada Estado‑Membro estabelecerá uma lista das castas aptas à produção de cada um dos v.q.p.r.d. produzidos no seu território, castas essas [...] que devem pertencer às categorias recomendadas ou autorizadas referidas no artigo 13.° do Regulamento (CEE) n.° 822/87.»

30     Nos termos do artigo 15.°, n.° 4, do Regulamento n.° 823/87:

«[...]

Sem prejuízo das disposições comunitárias relativas, especificamente, aos tipos de v.q.p.r.d., os Estados‑Membros podem admitir [...] que o nome de uma região determinada seja combinado com uma precisão relativa ao modo de elaboração ou ao tipo de produto, ou com o nome de uma casta ou seu sinónimo.

[...]»

31     A menção «Tocai friulano» figura no título I do anexo do Regulamento (CEE) n.° 3800/81 da Comissão, de 16 de Dezembro de 1981, que estabelece a classificação das castas de videira (JO L 381, p. 1; EE 03 F24 p. 13), em especial na parte V do seu primeiro subtítulo, como casta recomendada ou autorizada em determinadas províncias italianas.

32     O artigo 14.°, n.° 1, do Regulamento (CEE) n.° 2392/89 do Conselho, de 24 de Julho de 1989, que estabelece as regras gerais para a designação e a apresentação dos vinhos e dos mostos de uvas (JO L 232, p. 13), dispõe:

«A indicação do nome de uma casta de videira referida no n.° 2, alínea n), do artigo 11.° para designar um v.q.p.r.d. na rotulagem apenas pode ser feita se:

a)      Essa casta figurar na lista estabelecida pelos Estados‑Membros, nos termos do n.° 1 do artigo 4.° do Regulamento (CEE) n.° 823/87, para designar as castas aptas à produção de cada um dos v.q.p.r.d. produzidos no respectivo território;

b)      A casta estiver mencionada pelo nome que figura:

–       na classe das castas recomendadas ou autorizadas da classificação das castas de videira para a unidade administrativa em causa,

–       eventualmente, numa lista de sinónimos a aprovar. Esta lista pode prever que um dado sinónimo só possa ser utilizado para a designação [de um v.q.p.r.d. produzido nos locais de produção] em que esta utilização é tradicional e habitual;

[...]

e)      O nome dessa variedade não se preste a confusão com o nome de uma região determinada ou de uma unidade geográfica utilizada para designação de outro v.q.p.r.d. ou de um vinho importado.»

33     O artigo 26.°, n.° 1, deste mesmo regulamento prevê:

«Relativamente aos vinhos importados destinados ao consumo humano directo, designados por meio de uma indicação geográfica e constantes de uma lista a aprovar, a designação na rotulagem incluirá a indicação:

a)      Do nome de uma unidade geográfica situada no país respectivo, nas condições previstas no artigo 29.°;

[...]

Apenas podem figurar nesta lista os vinhos importados para os quais a equivalência das condições de produção de cada um destes vinhos com as de um v.q.p.r.d. ou as de um vinho de mesa com indicação geográfica seja reconhecida.»

34     O artigo 11.°, n.° 2, do Regulamento (CEE) n.° 3201/90 da Comissão, de 16 de Outubro de 1990, que contém normas de execução relativas à designação e à apresentação dos vinhos e dos mostos (JO L 309, p. 1), dispõe:

«A lista dos vinhos importados designados por meio de uma indicação geográfica referida no n.° 1 do artigo 26.° do Regulamento (CEE) n.° 2392/89 consta do Anexo II.

Os nomes que figuram nesta lista serão indicados de modo a destacá‑los claramente das outras indicações na rotulagem do vinho importado em questão, nomeadamente em relação às indicações geográficas referidas no n.° 2, alínea b), do artigo 26.° do Regulamento (CEE) n.° 2392/89.»

35     Os vinhos húngaros denominados «Tokaj» ou «Tokaji» figuram no título 11, ponto 5, do Anexo II do Regulamento n.° 3201/90, intitulado «Lista [...] dos vinhos importados designados através de uma indicação geográfica».

36     Nos termos do artigo 12.°, n.° 1, do referido regulamento:

«A lista dos sinónimos dos nomes de variedades de videira que podem ser utilizados para a designação dos vinhos de mesa e dos v.q.p.r.d., em aplicação do n.° 1, alínea b), do artigo 5.° e do n.° 1, alínea b), do artigo 14.° do Regulamento (CEE) n.° 2392/89, consta do Anexo III.»

37     No ponto 5 deste Anexo III, intitulado «Lista [...] dos sinónimos de nomes de variedades de videira que podem ser utilizados para a designação dos vinhos de mesa e dos v.q.p.r.d.», figuram a variedade «Tocai friulano» e o seu sinónimo «Tocai italico».

 A OCM vitivinícola em vigor à data do litígio na causa principal

38     O Regulamento (CE) n.° 1493/1999 do Conselho, de 17 de Maio de 1999, que estabelece a organização comum do mercado vitivinícola (JO L 179, p. 1), passou a ser aplicável a partir de 1 de Agosto de 2000.

39     O artigo 19.°, n.° 1, deste regulamento dispõe:

«Os Estados‑Membros procederão à classificação das castas destinadas à produção de vinho. [...]»

40     As normas relativas à designação, à denominação e à apresentação de determinados produtos vitivinícolas, bem como à protecção de determinadas indicações, menções e termos, constam dos artigos 47.° a 53.° e dos Anexos VII e VIII do referido regulamento.

41     O artigo 50.° do Regulamento n.° 1493/1999 prevê:

«1.      Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para permitir que os interessados evitem, nos termos dos artigos 23.° e 24.° do acordo [ADPIC], a utilização na Comunidade de uma indicação geográfica associada aos produtos referidos no n.° 2, alínea b), do artigo 1.° para produtos que não sejam originários do local mencionado na indicação geográfica em causa [...].

2.      Na acepção do presente artigo, entende‑se por ‘indicação geográfica’ uma indicação que identifique um produto como originário do território de um país terceiro membro da Organização Mundial de Comércio ou de uma região ou localidade situada nesse território, nos casos em que determinada qualidade, reputação ou outra característica do produto possa ser atribuída, essencialmente, a essa origem geográfica.

[...]»

42     Nos termos do artigo 52.°, n.° 1, do mesmo regulamento:

«Se um Estado‑Membro atribuir o nome de uma região determinada a um v.q.p.r.d. e, eventualmente, a um vinho destinado a ser transformado nesse v.q.p.r.d., esse nome não pode ser utilizado para a designação de produtos do sector vitivinícola não provenientes dessa região e/ou aos quais não tenha sido atribuído esse nome nos termos das regulamentações comunitária e nacional aplicáveis. [...]

Sem prejuízo das disposições comunitárias específicas sobre determinados tipos de v.q.p.r.d., os Estados‑Membros podem admitir, em condições de produção a determinar por eles próprios, que o nome de uma região determinada seja combinado com uma precisão quanto ao modo de elaboração ou ao tipo de produto ou com o nome ou o sinónimo de uma casta.

[...]»

43     Decorre do Anexo VII, A, pontos 1 e 2, do Regulamento n.° 1493/1999 que a rotulagem dos v.q.p.r.d. e dos vinhos originários de países terceiros comportará determinadas menções obrigatórias, entre as quais a denominação de venda que, para os v.q.p.r.d., é constituída nomeadamente pela designação da região determinada de que provêm e, para os vinhos importados, pela menção «vinho», completada obrigatoriamente com a designação do país de origem, e, quando sejam designados através de uma indicação geográfica, pelo nome da unidade geográfica em questão.

44     A parte B do mesmo anexo, pontos 1 e 4, prevê:

«1.      A rotulagem dos produtos elaborados na Comunidade pode ser completada com as indicações seguintes, em condições a determinar:

[...]

b)      para os vinhos de mesa com indicação geográfica e para os v.q.p.r.d.:

[...]

–       o nome de uma ou mais castas,

[...]

4.      Os Estados‑Membros produtores podem tornar obrigatórias determinadas indicações referidas nos pontos 1 e 2, proibi‑las ou limitar a sua utilização, relativamente aos vinhos obtidos nos respectivos territórios.»

45     O artigo 54.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1493/1999 dispõe:

«Os Estados‑Membros transmitirão à Comissão a lista dos v.q.p.r.d. por si reconhecidos, indicando, em relação a cada um deles, as disposições nacionais aplicáveis à sua produção e elaboração.»

46     O Regulamento n.° 1493/1999 foi executado pelo Regulamento n.° 753/2002.

47     O artigo 19.° do Regulamento n.° 753/2002, intitulado «Indicação das castas de videira», dispõe:

«1.      Da rotulagem de um vinho de mesa com indicação geográfica ou de um v.q.p.r.d. podem constar os nomes das castas de videira utilizadas para a sua elaboração, ou os respectivos sinónimos, desde que:

[...]

c)      O nome da casta ou um dos seus sinónimos não inclua uma indicação geográfica utilizada para a designação de um v.q.p.r.d. ou de um vinho de mesa ou de um vinho importado que conste das listas dos acordos celebrados entre países terceiros e a Comunidade e, quando for acompanhada de outro termo geográfico, conste da rotulagem sem esse termo geográfico;

[...]

2.      Em derrogação da alínea c) do n.° 1:

a)      O nome de uma casta de videira ou um dos seus sinónimos que inclua uma indicação geográfica pode figurar na rotulagem de um vinho designado com essa indicação geográfica;

b)      Podem ser utilizados os nomes das castas e os seus sinónimos constantes do Anexo II de acordo com as regras nacionais e comunitárias aplicáveis na data de entrada em vigor do presente regulamento.

3.      Os Estados‑Membros comunicarão à Comissão, antes de 1 de Outubro de 2002, as medidas a que se refere o ponto b) do n.° 2. A Comissão assegurará, por todos os meios adequados, a publicidade dessas medidas.»

48     No Anexo II deste regulamento, intitulado «Nomes das castas de videira ou dos sinónimos que incluem uma indicação geográfica e que podem figurar na rotulagem dos vinhos nos termos do n.° 2 do artigo 19.°», figura, designadamente, para a Itália, a menção «Tocai Friulano, Tocai italico». Nos termos da nota de pé de página referente a esta menção, «[o] nome ‘Tocai friulano’ e o sinónimo ‘Tocai italico’ podem ser utilizados por um período transitório, até 31 de Março de 2007».

49     A este respeito, este anexo não sofreu alterações com a introdução do Regulamento (CE) n.° 1429/2004 da Comissão, de 9 de Agosto de 2004, que altera o Regulamento n.° 753/2002 (JO L 263, p. 11).

 A legislação italiana

50     O artigo 1.°, primeiro parágrafo, do decreto de 26 de Setembro de 2002 dispõe:

«As condições nacionais para a utilização, por derrogação do disposto no artigo 19.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento (CE) n.° 753/2002, dos nomes das castas de videira e dos seus sinónimos que incluem uma indicação geográfica e que podem figurar na rotulagem dos [v.q.p.r.d.] e dos vinhos com indicação geográfica típica italianos estão previstas no Anexo I, que constitui parte integrante do presente decreto e no qual são enumerados os nomes das castas de videira e os seus sinónimos respeitantes a Itália que figuram no Anexo II do referido Regulamento (CE) n.° 753/2002.»

51     Consta nomeadamente do anexo I do decreto de 26 de Setembro de 2002, na rubrica «Nomes de castas de videira ou seus sinónimos», a menção «Tocai friulano ou Tocai italico», à qual corresponde, na rubrica «Alcance da derrogação (território administrativo e/ou [v.q.p.r.d.] específico e/ou [vinhos com indicação geográfica típica])», a seguinte menção:

«Para certos [v.q.p.r.d.] das Regiões Friul‑Venécia Júlia e Venécia e por um período transitório, que expira em 31 de Março de 2007, em conformidade com o acordo entre a [União Europeia] e a República da Hungria.»

 Os factos na causa principal e as questões prejudiciais

52     Na sua decisão, o órgão jurisdicional de reenvio refere que a Regione e a ERSA criticam a injustiça decorrente do facto de, entre as 106 denominações de vinhos às quais se aplica a derrogação prevista no artigo 19.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 753/2002, apenas as previstas para o Tocai friulano ou Tocai italico e para a denominação francesa Tokay Pinot gris estão limitadas no tempo.

53     O referido órgão jurisdicional refere seguidamente a argumentação da Regione e da ERSA destinada a demonstrar a importância que se prende com as origens históricas da denominação Tocai friulano.

54     Trata‑se de uma casta autóctone da zona de Collio goriziano (Região de Friul‑Venécia Júlia) que aí terá sido cultivada desde tempos remotos. Serve para a produção de um vinho branco seco, não apto a ser conservado.

55     O órgão jurisdicional de reenvio refere que, tendo em conta o anteriormente exposto, a Regione e a ERSA invocam os seguintes fundamentos:

–       abuso de poder por falta de fundamentação e contradição devida ao facto de as autoridades italianas terem pedido à Comissão uma derrogação sem limites temporais, mas, seguidamente, terem aprovado o decreto de 26 de Setembro de 2002 com a limitação temporal que este prevê;

–       abuso de poder por manifesta injustiça e violação do princípio da igual dignidade dos cidadãos comunitários devido ao facto de a discriminação operada em relação aos produtores italianos se mostrar totalmente injustificada;

–       ilegalidade decorrente indirectamente da ilegalidade do acordo CE‑Hungria sobre os vinhos, uma vez que o acto que constitui o pressuposto da limitação ilegal, ou seja, o referido acordo, tal como foi aprovado pela Decisão 93/724, é também ilegal, na medida em que:

–       os dois produtos homónimos são completamente diferentes, sendo o vinho da Hungria um vinho doce;

–       ambas as comunidades utilizam a mesma denominação desde tempos imemoriais;

–       é legítimo superar a homonímia acrescentando o nome da região ou das cepas, igualmente com base no acordo CE‑Hungria sobre os vinhos e no acordo de Madrid de 1891;

–       dado que a República da Hungria vai aderir à Comunidade Europeia, o acordo CE‑Hungria sobre os vinhos deverá, para manter a sua validade, ser conforme com os princípios que figuram no acordo OMC, designadamente nos artigos 22.° a 24.° do acordo ADPIC, que regem as indicações geográficas enganosas;

–       o acordo CE‑Hungria sobre os vinhos é contrário aos princípios do direito internacional, na medida em que a limitação temporal do uso da denominação resulta de uma troca de cartas (ou seja, a troca de cartas sobre o Tocai) e não do texto do referido acordo, viola o princípio das normas consuetudinárias internacionais e assenta numa falsa representação da realidade no que respeita à homonímia em questão;

–       violação do artigo 1.° do protocolo adicional à CEDH, bem como do artigo 17.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em 7 de Dezembro de 2000, em Nice (JO 2000, C 364, p. 1, a seguir «carta dos direitos fundamentais»), na medida em que decorre destas disposições que a propriedade intelectual é protegida, que ninguém pode ser privado da sua propriedade a não ser em razão de utilidade pública, que os princípios da proporcionalidade e da justa indemnização devem ser respeitados e que a restrição do direito de propriedade deve ser sempre operada através de uma norma legal.

56     O órgão jurisdicional de reenvio refere ainda que, através do decreto de 26 de Setembro de 2002, as autoridades nacionais se limitaram a transpor a disposição prevista pelo Regulamento n.° 753/2002 e o seu Anexo II que limita temporalmente a utilização da denominação «Tocai friulano», e apenas precisaram que esta limitação decorre de um acordo celebrado entre a Comunidade e a República da Hungria.

57     Por conseguinte, parece evidente a esse órgão jurisdicional que o prejuízo invocado no recurso na causa principal, ou seja, a impossibilidade de utilizar a denominação Tocai friulano ou Tocai italico após 31 de Março de 2007, resulta directamente de duas fontes normativas comunitárias, a saber, a Decisão 93/724 e o Regulamento n.° 753/2002.

58     Nestas condições, por entender que a resposta a determinadas questões de direito comunitário era indispensável para a solução do litígio na causa principal, o Tribunale amministrativo regionale del Lazio decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O Acordo europeu entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a República da Hungria, por outro, celebrado em 16 de Dezembro de 1991 [...], pode constituir uma base jurídica válida e suficiente para investir a Comunidade Europeia no poder de adoptar o Acordo entre a Comunidade Europeia e a República da Hungria sobre a protecção recíproca e o controlo de denominações de vinho, celebrado em 29 de Novembro de 1993 [...]; coloca‑se também esta questão relativamente aos termos do artigo 65.°, n.° 1, da Declaração comum n.° 13 e do anexo XIII (pontos 3, 4 e 5) do Acordo europeu de 1991, sobre a eventual reserva de soberania e competência de cada um dos Estados em matéria de denominações geográficas nacionais para os seus produtos agro‑alimentares, incluindo os produtos vitivinícolas, com exclusão de qualquer transferência de soberania e de competência nessa matéria para a Comunidade Europeia?

2)      O Acordo entre a Comunidade Europeia e a República da Hungria sobre a protecção recíproca e o controlo de denominações de vinho, celebrado em 29 de Novembro de 1993 [...], que regula a protecção das denominações geográficas que fazem parte da matéria da propriedade industrial e comercial, deve ser declarado nulo e sem efeito no ordenamento jurídico comunitário, tendo em conta que o referido acordo não foi individualmente ratificado pelos Estados‑Membros da Comunidade Europeia, de acordo com o parecer 1/94 do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, no que respeita à competência exclusiva da CE?

3)      No caso de o Acordo entre a Comunidade Europeia e a República da Hungria [...] de 1993 dever ser considerado legal e aplicável, no seu todo, a proibição de utilizar na Itália, após 2007, a denominação ‘Tocai’, que resulta das cartas trocadas entre as partes aquando da celebração do referido acordo (e a ele anexas) deve ser considerada nula e sem efeito, por contrariar o regime das denominações homónimas previsto nesse mesmo acordo de 1993 (v. artigo 4.°, n.° 5, e protocolo anexo ao acordo)?

4)      A segunda declaração comum anexa ao Acordo [...] de 1993, nos termos da qual as partes contratantes não estavam ao corrente, no momento das negociações, da existência de designações homónimas relativas aos vinhos europeus e húngaros, deve ser considerada uma representação manifestamente errada da realidade (visto que as denominações italianas e húngaras para os vinhos ‘Tocai’ existiam e conviviam desde há séculos, tinham sido oficialmente reconhecidas em 1948 num acordo entre a Itália e a Hungria e tinham sido recentemente retomadas na regulamentação comunitária) que conduz à nulidade da parte do acordo de 1993 de que resulta a proibição de utilizar na Itália a denominação Tocai, e isto com base no artigo 48.° da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados?

5)      À luz do artigo 59.° da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, o acordo TRIPs sobre os aspectos do direito da propriedade intelectual relacionados com o comércio [acordo ADPIC] [...], celebrado no quadro da Organização Mundial do Comércio (OMC‑WTO), em vigor desde 1 de Janeiro de 1996, por conseguinte após o acordo comunitário de 1993 [...], deve ser interpretado no sentido de que as suas disposições referentes à regulamentação das designações homónimas dos vinhos se aplicam em lugar das do acordo comunitário de 1993, em caso de incompatibilidade entre as referidas disposições, uma vez que as partes signatárias dos dois acordos são as mesmas?

6)      Perante duas denominações homónimas para vinhos produzidos em dois países que são partes no [acordo] ADPIC (tanto se a homonímia disser respeito a duas denominações geográficas usadas em ambos os países partes no acordo como se respeitar a uma denominação geográfica de um país contratante e à denominação homónima referente a uma cepa tradicionalmente cultivada no outro país contratante), os artigos 22.° a 24.°, que figuram [na parte II, secção 3, do anexo C] do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio, a saber, o [acordo] ADPIC [...], entrado em vigor em 1 de Janeiro de 1996, devem ser interpretados no sentido de que ambas as denominações podem continuar a ser utilizadas no futuro desde que tenham sido utilizadas no passado pelos respectivos produtores, de boa fé ou durante, pelo menos, os dez anos anteriores a 15 de Abril de 1994 (artigo 24.°, n.° 4, do [acordo] ADPIC), e que qualquer uma das denominações indique claramente o país ou a região ou a zona de origem do vinho protegido, de modo a não induzir os consumidores em erro?

7)      O direito de propriedade a que se refere o artigo 1.° do Protocolo n.° 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais [...], retomado no artigo 17.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em Nice em 7 de [Dezembro] de 2000, cobre também a propriedade intelectual sobre as denominações de origem dos vinhos e o seu exercício e, consequentemente, a protecção desta obsta à aplicação dos elementos previstos na troca de cartas anexas ao Acordo entre a Comunidade Europeia e a República da Hungria sobre a protecção recíproca e o controlo de denominações de vinho [...], mas que não são retomados no corpo deste acordo, nos termos dos quais os viticultores de Friul não poderão utilizar a denominação ‘Tocai friulano’, tendo nomeadamente em consideração a total inexistência de qualquer forma de indemnização a favor dos viticultores de Friul expropriados, a falta de um interesse geral público que justifique as expropriações e o não respeito do princípio da proporcionalidade?

8)      No caso de ser declarada a ilegalidade, na medida indicada nas questões precedentes, das normas comunitárias que figuram no Acordo entre a Comunidade Europeia e a República da Hungria sobre a protecção recíproca e o controlo de denominações de vinho [...] e/ou na troca de cartas a ele anexas, as disposições do Regulamento [...] n.° 753/2002 [...], que põem termo à utilização da denominação ‘Tocai friulano’ após 31 de Março de 2007 (artigo 19.°, segundo parágrafo) devem ser consideradas nulas ou, pelo menos, inaplicáveis?»

59     Por requerimento de 11 de Março de 2005, entrado na Secretaria do Tribunal de Justiça no dia 15 de Março seguinte, a Regione e a ERSA pediram ao Tribunal que permitisse a todas as partes implicadas nos presentes autos apresentar as suas observações sobre certos factos novos aí expostos antes de o Tribunal proferir o seu acórdão. Estes factos novos dizem respeito à eminente conclusão, pela Comunidade, de novos acordos com a Austrália e os Estados Unidos que, em conformidade com o artigo 24.°, n.° 6, do acordo ADPIC, permitirão aos produtores desses países continuar a utilizar nos seus mercados nacionais, bem como nos mercados de países terceiros, a denominação «Tokay».

60     A este respeito, recorde‑se que o Tribunal de Justiça pode, oficiosamente ou sob proposta do advogado‑geral, ou ainda a pedido das partes, ordenar a reabertura da fase oral, nos termos do artigo 61.° do seu Regulamento de Processo, se considerar que não está suficientemente esclarecido ou que o processo deve ser decidido com base num argumento que não foi debatido entre as partes (v., designadamente, acórdão de 18 de Junho de 2002, Philips, C‑299/99, Colect., p. I‑5475, n.° 20).

61     O Tribunal entende que, no caso em apreço, não há que ordenar a reabertura da fase oral, encerrada em 16 de Dezembro de 2004, pois dispõe de todos os elementos de que necessita para responder às questões colocadas no processo principal.

62     Consequentemente, o pedido da Regione e da ERSA é indeferido.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

63     Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta essencialmente se o acordo de associação CE‑Hungria pôde constituir uma base jurídica adequada para a adopção da Decisão 93/724, através da qual a Comunidade celebrou o acordo CE‑Hungria sobre os vinhos.

64     Esta questão assenta na premissa de que a base jurídica que conferiu à Comunidade poderes para celebrar o acordo CE‑Hungria sobre os vinhos é constituída pelo acordo de associação CE‑Hungria. Esta premissa tem origem na remissão, feita no primeiro parágrafo do preâmbulo do acordo CE‑Hungria sobre os vinhos, para o acordo de associação CE‑Hungria.

65     Ora, como correctamente salientaram o Conselho e a Comissão, esta premissa não pode ser acolhida.

66     Com efeito, a remissão para o acordo de associação CE‑Hungria tem por objectivo situar o acordo CE‑Hungria sobre os vinhos no seu contexto político. Não pode ser entendida como indicando as disposições de direito comunitário com base nas quais a Comunidade celebrou o referido acordo.

67     A base jurídica que confere à Comunidade poderes para celebrar o acordo CE‑Hungria sobre os vinhos é, antes, mencionada no primeiro parágrafo do preâmbulo da Decisão 93/724, por meio da qual este acordo foi celebrado e aprovado em nome da Comunidade.

68     Com efeito, resulta claramente deste parágrafo que esta base jurídica é constituída pelo artigo 133.° CE, que atribui à Comunidade competência em matéria de política comercial comum.

69     A questão de saber se a base jurídica assim escolhida pelo Conselho é adequada constitui o objecto da segunda questão prejudicial e será, portanto, examinada no quadro desta.

70     Vistas as precedentes considerações, há que responder à primeira questão que o acordo de associação CE‑Hungria não constitui a base jurídica da Decisão 93/724, por meio da qual foi celebrado o acordo CE‑Hungria sobre os vinhos.

 Quanto à segunda questão

71     Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta essencialmente se o artigo 133.° CE, que confere à Comunidade competência exclusiva em matéria de política comercial comum, constitui uma base jurídica adequada para a celebração, apenas pela Comunidade, do acordo CE‑Hungria sobre os vinhos, tendo em conta o facto de este acordo comportar um regime de protecção das denominações geográficas que se insere no domínio da propriedade industrial e comercial.

72     Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a escolha da base jurídica de um acto comunitário deve assentar em elementos objectivos susceptíveis de fiscalização jurisdicional, entre os quais figuram, designadamente, a finalidade e o conteúdo do acto (v., designadamente, acórdão de 19 de Setembro de 2002, Huber, C‑336/00, Colect., p. I‑7699, n.° 30).

73     Decorre do primeiro parágrafo do preâmbulo da Decisão 93/724 que o Conselho escolheu especificamente o artigo 133.° CE como base jurídica para a celebração do acordo CE‑Hungria sobre os vinhos.

74     Decorre ainda do terceiro considerando desta decisão que, uma vez que as estipulações do referido acordo estavam directamente relacionadas com as medidas reguladas pela política comercial e agrícola comum, no caso em apreço, pela regulamentação comunitária vitivinícola, o Conselho entendeu que era necessária a celebração deste acordo a nível comunitário.

75     Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, um acto comunitário só se insere na competência exclusiva em matéria de política comercial comum prevista no artigo 133.° CE quando verse especificamente sobre as trocas internacionais, na medida em que se destine essencialmente a promover, a facilitar ou a regular as trocas comerciais e tenha efeitos directos imediatos sobre o comércio ou as trocas dos produtos em questão (v. parecer 1/94, de 15 de Novembro de 1994, Colect., p. I‑5267, n.° 57; parecer 2/00, de 6 de Dezembro de 2001, Colect., p. I‑9713, n.° 40; e acórdão de 12 de Dezembro de 2002, Comissão/Conselho, C‑281/01, Colect., p. I‑12049, n.os 40 e 41).

76     No caso em apreço, coloca‑se mais especificamente a questão de saber se o acordo CE‑Hungria sobre os vinhos se insere na competência exclusiva da Comunidade em matéria de política comercial comum ou, como sustentaram a Regione e a ERSA, bem como o Governo italiano, na matéria da protecção dos direitos da propriedade intelectual, matéria em que a Comunidade e os Estados‑Membros têm competência partilhada.

77     A este respeito, há que recordar o quadro regulamentar comunitário relevante ratione temporis, ou seja, a OCM vitivinícola em vigor no momento da celebração do acordo CE‑Hungria sobre os vinhos.

78     O artigo 63.° do Regulamento n.° 822/87 prevê, com efeito, que os vinhos importados, destinados ao consumo humano directo e designados por uma indicação geográfica, podem beneficiar, para a sua comercialização na Comunidade, sob condições de reciprocidade, do controlo e da protecção previstos para os v.q.p.r.d. e que esta disposição será aplicada através de acordos com os países terceiros interessados em negociar e em celebrar de acordo com o procedimento previsto no artigo 133.° CE.

79     É manifesto que o acordo CE‑Hungria sobre os vinhos constitui um dos acordos a que se refere o artigo 63.° do Regulamento n.° 822/87.

80     Estes acordos têm como objectivo principal promover as trocas comerciais entre as partes contratantes, favorecendo com base na reciprocidade, por um lado, a comercialização de vinhos originários dos países terceiros em causa, assegurando a estes vinhos protecção idêntica à prevista para os v.q.p.r.d. de origem comunitária e, por outro, a comercialização nestes países terceiros de vinhos originários da Comunidade.

81     Em especial, estes acordos asseguram a protecção recíproca de determinadas indicações geográficas mencionadas na rotulagem utilizada para a comercialização dos vinhos em causa nos mercados da Comunidade e do país terceiro em causa. Trata‑se, portanto, de um instrumento que influencia directamente o comércio dos vinhos (v., neste sentido, acórdão Comissão/Conselho, já referido, n.° 40).

82     Vistos estes elementos, há que concluir que estes acordos preenchem os critérios que, segundo a jurisprudência recordada no n.° 75 do presente acórdão, devem estar preenchidos para que um acto comunitário se possa inserir na competência exclusiva em matéria de política comercial comum prevista no artigo 133.° CE.

83     Donde se conclui que há que responder à segunda questão prejudicial que o artigo 133.° CE, evocado no preâmbulo da Decisão 93/724, constitui uma base jurídica adequada para a celebração, apenas pela Comunidade, do acordo CE‑Hungria sobre os vinhos.

 Quanto à terceira questão

84     Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta essencialmente se, no caso de o acordo CE‑Hungria sobre os vinhos dever ser julgado legal e aplicável, na íntegra, a proibição de utilizar na Itália a denominação «Tocai» após 31 de Março de 2007, que resulta da troca de cartas sobre o Tocai, é nula e inaplicável, por ser contrária ao regime das denominações homónimas previsto no artigo 4.°, n.° 5, do referido acordo.

85     Esta questão deve ser entendida à luz da argumentação da Regione e da ERSA, nos termos da qual existe uma contradição entre o regime das denominações homónimas, previsto no artigo 4.°, n.° 5, do acordo CE‑Hungria sobre os vinhos, e a proibição que decorre da troca de cartas sobre o Tocai, de utilizar o termo «Tocai» na menção «Tocai friulano» ou «Tocai italico» para a designação e a apresentação de determinados v.q.p.r.d. italianos, no termo do período transitório que expira em 31 de Março de 2007.

86     Esta contradição decorre do facto de, na troca de cartas sobre o Tocai, ter sido dada prioridade à denominação húngara «Tokaj», em detrimento da denominação homónima italiana «Tocai», quando o regime das denominações homónimas previsto no artigo 4.°, n.° 5, do acordo CE‑Hungria, acordo principal que não pode ser derrogado por um acto a ele anexo, como a troca de cartas sobre o Tocai, assenta numa regra que assegura a coexistência de cada uma das denominações na medida em que não se prestem a confusão.

87     A este respeito, há que salientar que esse conflito só pode existir se as denominações reputadas homónimas na acepção do artigo 4.°, n.° 5, do acordo CE‑Hungria constituírem cada uma delas uma indicação geográfica protegida nos termos do referido acordo.

88     Resulta do artigo 4.°, n.° 1, alínea a), deste acordo que, no que respeita aos vinhos originários da Comunidade, as indicações geográficas protegidas nos termos do referido acordo estão enumeradas no seu anexo, na parte A, intitulada «Vinhos originários da Comunidade Europeia».

89     Ora, contrariamente à denominação húngara «Tokaj», que figura na parte B do referido anexo, onde são mencionadas as indicações geográficas relativas aos vinhos originários da República da Hungria protegidos nos termos do artigo 4.°, n.° 1, alínea b), do acordo CE‑Hungria sobre os vinhos, as menções «Tocai friulano» e «Tocai italico» não figuram na parte A deste anexo, consagrada aos vinhos originários da Comunidade.

90     Além disso, em todo o caso, estas últimas denominações não podem ser qualificadas de indicações geográficas na acepção do acordo CE‑Hungria sobre os vinhos.

91     Com efeito, nos termos do artigo 2.°, n.° 2, do referido acordo, constitui uma «indicação geográfica»: «uma indicação, incluindo uma ‘denominação de origem’, reconhecida pela regulamentação de uma das partes para efeitos da descrição e apresentação de um vinho originário do território de uma parte ou de uma região ou localidade desse território, onde uma determinada qualidade, reputação ou qualquer característica do vinho seja essencialmente atribuível à sua origem geográfica».

92     Ora, no que respeita à regulamentação relevante em vigor na Comunidade à data em que o acordo CE‑Hungria sobre os vinhos foi celebrado, as denominações «Tocai friulano» e «Tocai italico» não constituíam uma indicação geográfica, mas o nome de uma casta ou de uma variedade de videira reconhecida em Itália como apta à produção de determinados v.q.p.r.d. produzidos no território deste Estado‑Membro.

93     Com efeito, é dado assente que a menção «Tocai friulano» figurava no título I do anexo do Regulamento n.° 3800/81 como variedade de videira recomendada, ou mesmo autorizada, em certas províncias italianas, bem como no ponto 5 do Anexo III do Regulamento n.° 3201/90 como sinónimo da variedade de videira «Tocai italico» que pode ser utilizada para a designação de determinados v.q.p.r.d. italianos.

94     Pelo contrário, os vinhos húngaros denominados «Tokaj» ou «Tokaji» figuravam no Anexo II, título 11, ponto 5, do Regulamento n.° 3201/90, sob o título «Lista [...] dos vinhos importados designados por meio de indicação geográfica».

95     A Regione e a ERSA assim como o Governo italiano sustentam que, em conformidade com a regulamentação comunitária, estava e continua a estar previsto que, em Itália, para a designação e a apresentação de determinados v.q.p.r.d. italianos, as indicações geográficas em causa como «Collio goriziano», «Collio», «Isonzo del Friuli» e «Isonzo» são, uma vez respeitadas determinadas condições específicas dos cadernos de encargos, combinadas com a menção da variedade de videira «Tocai friulano» ou o seu sinónimo «Tocai italico» a partir da qual os vinhos são produzidos.

96     Todavia, não resulta de nenhum elemento apresentado ao Tribunal que a opção assim feita pelo referido Estado‑Membro, de admitir esta combinação, tenha tido por consequência que a redacção decorrente desta última constitua uma indicação geográfica, de forma a que as menções «Tocai friulano» e «Tocai italico» que dela fazem parte tenham deixado de designar uma variedade de videira para passar a constituir uma indicação geográfica.

97     Pelo contrário, resulta da citação das menções «Tocai friulano» e «Tocai italico» no Anexo II do Regulamento n.° 753/2002 que, mesmo na regulamentação comunitária aplicável à data do litígio na causa principal, estas menções correspondiam ainda a uma variedade de videira que podia ser utilizada, ao abrigo do artigo 19.°, n.os 2, alínea b), e 3, desse regulamento, na rotulagem dos v.q.p.r.d. italianos em causa. Não se trata, portanto, de um nome de uma variedade de videira ou de um dos seus sinónimos que inclua uma indicação geográfica na acepção do artigo 19.°, n.° 2, alínea a), do referido regulamento.

98     Tendo em conta as precedentes considerações, há que responder à terceira questão que a proibição de utilizar a denominação «Tocai» em Itália, após 31 de Março de 2007, como decorre da troca de cartas sobre o Tocai, não é contrária ao regime das denominações homónimas previsto no artigo 4.°, n.° 5, do acordo CE‑Hungria sobre os vinhos.

 Quanto à quarta questão

99     Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta essencialmente se a declaração comum sobre as denominações homónimas, na medida em que enuncia, no seu primeiro parágrafo, que, no que respeita ao artigo 4.°, n.° 5, alínea a), do acordo CE‑Hungria sobre os vinhos, as partes contratantes concluíram que, no momento das negociações, não conheciam nenhum caso específico em que as disposições em causa pudessem ser aplicadas, constitui uma representação manifestamente errada da realidade que conduz, por força do artigo 48.° da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, à nulidade do referido acordo, na medida em que comporta a proibição de utilizar em Itália a denominação «Tocai» após 31 de Março de 2007.

100   Esta questão deve ser entendida à luz da argumentação da Regione e da ERSA, nos termos da qual, visto todo um conjunto de elementos, a dúvida quanto ao carácter errado da declaração comum sobre as denominações homónimas não parece possível, uma vez que a Comunidade e a República da Hungria não podiam ignorar a existência de uma homonímia entre as denominações «Tocai» para um vinho seco italiano e «Tokaj» para um vinho de sobremesa húngaro.

101   Ora, como decorre dos n.os 88 a 97 do presente acórdão, a denominação italiana «Tocai friulano» e o seu sinónimo «Tocai italico» não constituem uma indicação geográfica protegida na acepção do acordo CE‑Hungria sobre os vinhos, pelo que as disposições do artigo 4.°, n.° 5, alínea a), do referido acordo em matéria de homonímia não são aplicáveis para resolver o caso de uma eventual homonímia ou identidade entre aquela denominação e a denominação húngara «Tokaj» que, como se concluiu no n.° 89 do presente acórdão, constitui uma indicação geográfica protegida por força desse mesmo acordo.

102   Portanto, há que responder à quarta questão que a declaração comum sobre as denominações homónimas, na medida em que enuncia, no seu primeiro parágrafo, que, no que respeita ao artigo 4.°, n.° 5, alínea a), do acordo CE‑Hungria sobre os vinhos, as partes contratantes concluíram que, no momento das negociações, não conheciam nenhum caso específico em que as disposições em causa pudessem ser aplicadas, não constitui uma representação manifestamente errada da realidade.

 Quanto à sexta questão

103   Com a sua sexta questão, que deve ser examinada antes da quinta, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta essencialmente se os artigos 22.° a 24.° do acordo ADPIC devem ser interpretados no sentido de que, num caso de homonímia entre denominações geográficas ou entre uma indicação geográfica e uma denominação que retoma o nome de uma casta, cada uma das denominações pode continuar a ser utilizada futuramente desde que tenha sido utilizada no passado pelos produtores respectivos, de boa fé ou durante, pelo menos, dez anos antes de 15 de Abril de 1994, e que indique claramente o país, a região ou a zona de origem do vinho protegido, de forma a não induzir o consumidor em erro.

104   A Regione e a ERSA assim como o Governo italiano sustentam que os artigos 22.° a 24.° do acordo ADPIC impõem à Comunidade a protecção, enquanto membro da OMC, de cada uma das indicações geográficas homónimas, inclusive no caso de homonímia entre uma indicação geográfica e o nome de uma casta, e que, por conseguinte, estes artigos obstam a que seja retirada a protecção à denominação «Tocai friulano».

105   Esta argumentação não pode ser acolhida, tendo em conta os próprios termos das disposições relevantes dos referidos artigos do acordo ADPIC.

106   Em primeiro lugar, o artigo 23.°, n.° 3, do acordo ADPIC estipula designadamente que, no caso de indicações geográficas homónimas para os vinhos, a protecção será concedida a cada indicação e que cada membro da OMC determinará as condições práticas em que as indicações homónimas em questão serão diferenciadas umas das outras, tendo em conta a necessidade de assegurar um tratamento equitativo dos produtores envolvidos e de não induzir em erro os consumidores.

107   Por força do n.° 1 do artigo 22.° do acordo ADPIC, entende‑se por «indicações geográficas» as indicações que identifiquem um produto como sendo originário do território de um membro da OMC, ou de uma região ou localidade desse território, caso determinada qualidade, reputação ou outra característica do produto possa ser atribuída essencialmente a esta origem geográfica.

108   Ora, como já se concluiu nos n.os 88 a 97 do presente acórdão, contrariamente à denominação húngara «Tokaj», as denominações italianas «Tocai friulano» e «Tocai italico» correspondem ao nome de uma variedade de videira ou de uma casta, mas não constituem uma indicação geográfica na acepção do acordo CE‑Hungria sobre os vinhos. Tendo em conta o facto de que o conceito de indicação geográfica, tal como está definido neste último acordo, é essencialmente o mesmo que o que consta do artigo 22.°, n.° 1, do acordo ADPIC, a mesma conclusão se impõe no âmbito do acordo ADPIC.

109   Portanto, o artigo 23.°, n.° 3, do acordo ADPIC não é aplicável no processo na causa principal, uma vez que este não respeita a uma homonímia entre duas indicações geográficas.

110   Em segundo lugar, o artigo 24.°, n.° 4, do acordo ADPIC prevê que nenhuma disposição da secção 3 deste acordo exigirá a um membro da OMC que impeça que um dos seus nacionais ou pessoa domiciliada no seu território faça uma utilização continuada e semelhante de uma indicação geográfica específica de outro membro que identifique vinhos ou bebidas alcoólicas, relativamente a produtos ou serviços, caso essa pessoa tenha utilizado essa indicação geográfica de um modo continuado para produtos ou serviços idênticos ou afins no território desse membro durante, pelo menos, dez anos antes de 15 de Abril de 1994 ou, de boa fé, antes dessa data.

111   Decorre claramente desta disposição que, embora a Comunidade não esteja obrigada a proibir a utilização continuada e semelhante de uma indicação geográfica específica de outro membro da OMC que identifique vinhos ou bebidas alcoólicas por um nacional de um Estado‑Membro ou por uma pessoa domiciliada no território de um Estado‑Membro, na acepção do artigo 24.°, n.° 4, do acordo ADPIC, a referida disposição não se opõe a essa proibição.

112   Por outras palavras, o referido artigo 24.°, n.° 4, deve ser interpretado no sentido de que consagra, nas condições por ele fixadas, a faculdade, e não a obrigação, de conceder uma protecção a cada denominação homónima.

113   No que toca, em terceiro lugar, ao artigo 24.°, n.° 6, do acordo ADPIC, esta disposição permite designadamente à Comunidade aplicar, enquanto membro da OMC, as disposições do referido acordo no que respeita a uma indicação geográfica de qualquer outro membro da OMC para os produtos da vinha cuja indicação pertinente seja idêntica ao nome corrente de uma variedade de uva existente no território de um Estado‑Membro na data da entrada em vigor do acordo OMC.

114   Portanto, esta disposição também prevê uma faculdade, e não uma obrigação, para a Comunidade, de conceder uma protecção a uma variedade de uva ou de videira comunitária, designadamente quando esta seja homónima de uma indicação geográfica referente a um vinho originário de um país terceiro.

115   Nestas condições, há que responder à sexta questão que os artigos 22.° a 24.° do acordo ADPIC devem ser interpretados no sentido de que, no que toca a um caso como o do processo principal, que respeita a uma homonímia entre uma indicação geográfica de um país terceiro e uma denominação que retoma o nome de uma casta utilizada para a designação e a apresentação de determinados vinhos comunitários produzidos a partir dela, não exigem que esta denominação possa continuar a ser utilizada futuramente, apesar da dupla circunstância de ter sido utilizada no passado pelos produtores em causa, de boa fé ou durante, pelo menos, dez anos antes de 15 de Abril de 1994, e de indicar claramente o país, a região ou a zona de origem do vinho protegido, de forma a não induzir o consumidor em erro.

116   Tendo em conta esta resposta, não há que responder à quinta questão, visto que foi colocada na hipótese de o acordo CE‑Hungria sobre os vinhos, na medida em que tem por efeito excluir a utilização do termo «Tocai» para a designação e a apresentação de certos v.q.p.r.d. italianos no termo de um período transitório que expira em 31 de Março de 2007, ser incompatível com as disposições dos artigos 22.° a 24.° do acordo ADPIC, uma vez que estas exigem que, em caso de homonímia, cada uma das denominações possa continuar a ser utilizada futuramente.

117   Com efeito, decorre da resposta dada à sexta questão que esta hipótese não se verifica no processo principal, que respeita a uma homonímia entre uma indicação geográfica de um país terceiro e uma denominação que retoma o nome de uma casta utilizada para a designação e a apresentação de determinados vinhos comunitários.

 Quanto à sétima questão

118   Com a sua sétima questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta essencialmente se o direito de propriedade a que se refere o artigo 1.° do Protocolo adicional n.° 1 à CEDH e retomado no artigo 17.° da Carta dos Direitos Fundamentais também abrange a propriedade intelectual sobre as denominações de origem dos vinhos e o seu exercício e, sendo este o caso, se a protecção desta última se opõe a que os operadores em causa da Região Autónoma de Friul‑Venécia Júlia sejam privados da possibilidade de utilizar o termo «Tocai» na menção «Tocai friulano» ou «Tocai italico» para a designação e a apresentação de determinados v.q.p.r.d. italianos, no termo de um período transitório que expira em 31 de Março de 2007, como decorre da troca de cartas sobre o Tocai em anexo ao acordo CE‑Hungria sobre os vinhos, mas que não figura neste acordo, atendendo nomeadamente à inexistência de qualquer forma de indemnização a favor dos viticultores de Friul expropriados, à falta de um interesse geral que justifique esta expropriação e ao não respeito do princípio da proporcionalidade.

119   Segundo jurisprudência constante, o direito de propriedade integra os princípios gerais do direito comunitário. Todavia, este princípio não constitui uma prerrogativa absoluta, devendo ser tomado em consideração em relação com a sua função na sociedade. Por conseguinte, podem ser impostas restrições ao exercício do direito de propriedade, desde que tais restrições correspondam efectivamente a objectivos de interesse geral prosseguidos pela Comunidade e não constituam, relativamente ao fim prosseguido, uma intervenção excessiva e intolerável que atente contra a própria substância do direito assim garantido (v., neste sentido, designadamente, acórdãos de 13 de Dezembro de 1994, SMW Winzersekt, C‑306/93, Colect., p. I‑5555, n.° 22, e de 15 de Julho de 2004, Di Lenardo e Dilexport, C‑37/02 e C‑38/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 82 e jurisprudência aí referida).

120   A fim de determinar o alcance do direito fundamental de propriedade, princípio geral do direito comunitário, há, designadamente, que ter em conta o artigo 1.° do Protocolo adicional n.° 1 à CEDH, que consagra este mesmo direito.

121   Portanto, há que examinar se a proibição de utilizar o termo «Tocai» para a designação e a apresentação de determinados v.q.p.r.d. italianos a partir de 1 de Abril de 2007, tal como decorre da troca de cartas sobre o Tocai, constitui uma intervenção excessiva e intolerável que atente contra a própria substância do direito fundamental de propriedade dos operadores económicos em causa.

122   Esta proibição, uma vez que não exclui toda e qualquer forma razoável de comercializar os vinhos italianos em causa, não constitui uma privação da propriedade, na acepção do primeiro parágrafo do artigo 1.° do Protocolo adicional n.° 1 à CEDH.

123   Portanto, a inexistência de indemnização a favor dos viticultores de Friul expropriados, referida pelo órgão jurisdicional de reenvio, não constitui em si mesma uma circunstância que demonstre uma incompatibilidade entre a medida de proibição em causa no processo principal e o direito de propriedade.

124   Além disso, sem que seja necessário decidir da questão de saber se a referida medida constitui, enquanto medida de regulamentação do uso dos bens, uma ingerência no direito ao respeito dos bens susceptível de estar abrangido pelo segundo parágrafo do artigo 1.° do Protocolo adicional n.° 1 à CEDH e, portanto, de conduzir a uma restrição ao direito fundamental de propriedade, é forçoso concluir que uma restrição a este direito, mesmo supondo‑a demonstrada, pode ser justificada.

125   Resulta da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que, para ser justificada, uma medida de regulamentação do uso de bens deve respeitar o princípio da legalidade e prosseguir uma finalidade legítima através de meios razoavelmente proporcionados a esta última (v., designadamente, TEDH, acórdão Jokela c. Finlândia, de 21 de Maio de 2002, Colectânea dos acórdãos e decisões 2002‑IV, § 48).

126   Em primeiro lugar, no que toca à legalidade da medida de proibição em causa no processo principal, é ponto assente que a troca de cartas sobre o Tocai, em anexo ao acordo CE‑Hungria sobre os vinhos, prevê expressamente esta proibição e que, através da Decisão 93/724, este acto foi aprovado em nome da Comunidade. Trata‑se, portanto, de uma medida prevista por uma disposição legal tomada, como foi salientado nos n.os 77 a 81 do presente acórdão, no quadro da OCM vitivinícola em vigor no momento da celebração do referido acordo.

127   Seguidamente, no que respeita à finalidade de interesse geral prosseguida pela medida em causa no processo principal, já foi salientado nos n.os 80 e 81 do presente acórdão que o acordo CE‑Hungria sobre os vinhos, no qual essa medida se insere, tem em vista a implementação de uma política, no âmbito da OCM vitivinícola, cujo principal objectivo é a promoção das trocas comerciais entre as partes contratantes, favorecendo, com base na reciprocidade, por um lado, a comercialização de vinhos originários dos países terceiros designados ou apresentados através de uma indicação geográfica, assegurando a estes vinhos protecção idêntica à prevista para os v.q.p.r.d. de origem comunitária, e, por outro, a comercialização, nestes países terceiros, de vinhos originários da Comunidade.

128   Designadamente, decorre do terceiro e do quinto considerando do Regulamento n.° 2392/89 que a regulamentação comunitária em matéria de designação e de apresentação de vinhos tem por objectivo conciliar a necessidade de dar ao consumidor final uma informação exacta e precisa sobre os produtos em causa com a de proteger os produtores no seu território contra as distorções de concorrência.

129   O objectivo assim prosseguido pela medida em causa no processo principal constitui um objectivo legítimo de interesse geral (v. acórdão SMW Winzersekt, já referido, n.° 25).

130   Por último, há que examinar se a referida medida é proporcionada ao objectivo de interesse geral prosseguido.

131   Num processo respeitante a uma medida comunitária tomada no quadro da OCM vitivinícola e que proibia, no termo de um período transitório de cinco anos, a utilização da menção «méthode champenoise» para vinhos sem o direito à denominação controlada «champagne», o Tribunal de Justiça recordou que, segundo jurisprudência constante, o legislador comunitário dispõe, em matéria de política agrícola comum, de um amplo poder de apreciação que corresponde às responsabilidades políticas que os artigos 34.° CE e 37.° CE lhe atribuem, e que apenas a natureza de uma medida adoptada neste domínio, manifestamente inapropriada ao objectivo que a instituição competente pretende prosseguir, pode afectar a legalidade dessa medida (v. acórdão SMW Winzersekt, já referido, n.° 21).

132   Importa a este respeito salientar que, no termo do período transitório, os v.q.p.r.d. italianos em causa poderão continuar a ser produzidos a partir da variedade de videira «Tocai friulano» e a ser comercializados com as suas denominações geográficas respectivas, embora sem o acrescento do nome da variedade de videira a partir da qual são produzidos.

133   No caso em apreço, o carácter proporcionado da medida em causa no processo principal não pode ser contestado, uma vez que, por um lado, foi previsto um período transitório de treze anos na troca de cartas sobre o Tocai e, por outro, como salientou a Comissão na audiência, existem menções alternativas para substituir a denominação «Tocai friulano» e o seu sinónimo «Tocai italico», a saber, designadamente, «Trebbianello» e «Sauvignonasse».

134   Nestas circunstâncias, há que responder à sétima questão que o direito de propriedade não se opõe à proibição imposta aos operadores em causa da Região Autónoma de Friul‑Venécia Júlia, de utilizar o termo «Tocai» na menção «Tocai friulano» ou «Tocai italico» para a designação e a apresentação de determinados v.q.p.r.d. italianos, no termo de um período transitório que expira em 31 de Março de 2007, como decorre da troca de cartas sobre o Tocai, em anexo ao acordo CE‑Hungria sobre os vinhos, mas que não figura neste último.

 Quanto à oitava questão

135   Com a sua oitava questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se, em caso de declaração da ilegalidade, na medida indicada nas questões precedentes, do acordo CE‑Hungria sobre os vinhos e/ou da troca de cartas sobre o Tocai, as disposições do artigo 19.°, n.° 2, do Regulamento n.° 753/2002, que põem termo à utilização da denominação «Tocai friulano» após 31 de Março de 2007, são nulas ou, pelo menos, inaplicáveis.

136   Uma vez que esta questão só é colocada na hipótese de um exame das sete primeiras questões prejudiciais revelar a ilegalidade, na medida indicada nestas questões, do acordo CE‑Hungria sobre os vinhos e/ou da troca de cartas sobre o Tocai, e uma vez que decorre das respostas dadas a estas questões pelo presente acórdão que essa hipótese não se verifica, não há que lhe responder.

137   Importa ainda recordar que, em princípio, incumbe unicamente ao órgão jurisdicional de reenvio delimitar o alcance das questões prejudiciais que julgue útil submeter ao Tribunal de Justiça.

138   Daqui decorre, como acertadamente salientou a Comissão na audiência, que determinadas questões, suscitadas designadamente na audiência pela Regione e pela ERSA assim como pelo Governo italiano, a respeito da oitava questão prejudicial, isto é, saber se a validade do acordo CE‑Hungria sobre os vinhos é afectada devido a uma alegada violação do dever de fundamentação, ou mesmo do princípio da proporcionalidade e do princípio da igualdade de tratamento tal como está consagrado no artigo 34.°, n.° 2, CE, não podem ser apreciadas pelo Tribunal porque excedem claramente o alcance desta oitava questão, tal como foi formulada pelo órgão jurisdicional de reenvio.

 Quanto às despesas

139   Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

1)      O Acordo europeu entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a República da Hungria, por outro, não constitui a base jurídica da Decisão 93/724/CE do Conselho, de 23 de Novembro de 1993, relativa à celebração do Acordo entre a Comunidade Europeia e a República da Hungria sobre a protecção recíproca e o controlo de denominações de vinho.

2)      O artigo 133.° CE, evocado no preâmbulo da Decisão 93/724, constitui uma base jurídica adequada para a celebração, apenas pela Comunidade, do Acordo entre a Comunidade Europeia e a República da Hungria sobre a protecção recíproca e o controlo de denominações de vinho.

3)      A proibição de utilizar a denominação «Tocai» em Itália, após 31 de Março de 2007, como decorre da troca de cartas relativa ao artigo 4.° do Acordo entre a Comunidade Europeia e a República da Hungria sobre a protecção recíproca e o controlo de denominações de vinho, não é contrária ao regime das denominações homónimas previsto no artigo 4.°, n.° 5, do mesmo acordo.

4)      A Declaração comum relativa ao n.° 5 do artigo 4.° do Acordo entre a Comunidade Europeia e a República da Hungria sobre a protecção recíproca e o controlo de denominações de vinho, na medida em que enuncia, no seu primeiro parágrafo, que, no que respeita ao artigo 4.°, n.° 5, alínea a), do mesmo acordo, as partes contratantes concluíram que, no momento das negociações, não conheciam nenhum caso específico em que as disposições em questão pudessem ser aplicadas, não constitui uma representação manifestamente errada da realidade.

5)      Os artigos 22.° a 24.° do Acordo sobre os aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio, que figura no anexo 1 C do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio, aprovado em nome da Comunidade, em relação às matérias da sua competência, pela Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994, devem ser interpretados no sentido de que, no que toca a um caso como o do processo principal, que respeita a uma homonímia entre uma indicação geográfica de um país terceiro e uma denominação que retoma o nome de uma casta utilizada para a designação e a apresentação de determinados vinhos comunitários produzidos a partir dela, não exigem que esta denominação possa continuar a ser utilizada futuramente, apesar da dupla circunstância de ter sido utilizada no passado pelos produtores em causa, de boa fé ou durante, pelos menos, dez anos antes de 15 de Abril de 1994, e de indicar claramente o país, a região ou a zona de origem do vinho protegido, de forma a não induzir o consumidor em erro.

6)      O direito de propriedade não se opõe à proibição imposta aos operadores em causa da Região Autónoma de Friul‑Venécia Júlia (Itália), de utilizar o termo «Tocai» na menção «Tocai friulano» ou «Tocai italico» para a designação e a apresentação de determinados vinhos de qualidade produzidos numa região determinada italianos, no termo de um período transitório que expira em 31 de Março de 2007, como decorre da troca de cartas relativa ao artigo 4.° do Acordo entre a Comunidade Europeia e a República da Hungria sobre a protecção recíproca e o controlo de denominações de vinho, em anexo a este acordo, mas que não figura neste último.

Assinaturas


* Língua do processo: italiano.

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