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Document 62002CJ0276

Acórdão do Tribunal (Segunda Secção) de 14 de Septembro de 2004.
Reino de Espanha contra Comissão das Comunidades Europeias.
Auxílios de Estado - Conceito - Não pagamento de impostos e de contribuições para a segurança social por uma empresa - Atitude das autoridades nacionais após uma declaração de cessação de pagamentos.
Processo C-276/02.

Colectânea de Jurisprudência 2004 I-08091

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2004:521

Arrêt de la Cour

Processo C‑276/02

Reino de Espanha

contra

Comissão das Comunidades Europeias

«Auxílios de Estado – Conceito – Não pagamento de impostos e de contribuições para a segurança social por uma empresa – Atitude das autoridades nacionais após uma declaração de cessação de pagamentos»

Sumário do acórdão

1.        Auxílios concedidos pelos Estados – Conceito – Intervenção que tem por efeito aliviar os encargos de uma empresa

(Artigo 87.°, n.° 1, CE)

2.        Auxílios concedidos pelos Estados – Decisão da Comissão – Apreciação da legalidade em função dos elementos de informação disponíveis no momento da adopção da decisão

(Artigo 87.° CE)

1.        O artigo 87.°, n.° 1, CE define os auxílios de Estado regulamentados pelo Tratado como os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados‑Membros.

O conceito de auxílio de Estado, na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE, é mais lato do que o de subvenção, pois não se limita a abranger prestações positivas, como as próprias subvenções, compreendendo também intervenções que, de formas diversas, aliviam os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa.

(cf. n.° 24)

2.        A legalidade de uma decisão em matéria de auxílios de Estado deve ser apreciada em função dos elementos de informação de que a Comissão podia dispor no momento em que a tomou.

(cf. n.° 31)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)
14 de Setembro de 2004(1)

«Auxílios de Estado – Conceito – Não pagamento de impostos e de contribuições para a segurança social por uma empresa – Atitude das autoridades nacionais após uma declaração de cessação de pagamentos»

No processo C-276/02,que tem por objecto um recurso de anulação nos termos do artigo 230.° CE,entrado no Tribunal de Justiça em 23 de Julho de 2002,

Reino de Espanha, representado por S. Ortiz Vaamonde, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por V. Kreuschitz e J. L. Buendía Sierra, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,



O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),,



composto por: C. W. A. Timmermans, presidente de secção, C. Gulmann, J.‑P. Puissochet (relator), J. N. Cunha Rodrigues e F. Macken, juízes,

advogado-geral: M. Poiares Maduro,
secretário: R. Grass,

vistos os autos,ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 1 de Abril de 2004,

profere o presente



Acórdão



1
Através da sua petição, o Reino de Espanha pede a anulação da Decisão 2002/935/CE da Comissão, de 14 de Maio de 2002, relativa a um auxílio a favor do Grupo de Empresas Álvarez (JO L 329, p. 1, a seguir «decisão impugnada»).


Enquadramento factual e decisão impugnada

2
O Grupo de Empresas Álvarez SA (a seguir «GEA»), que era um dos principais fabricantes e vendedores espanhóis de louça e porcelana, conheceu prejuízos importantes após a sua privatização em 1991.

3
A empresa beneficiou de auxílios estatais sob a forma de garantias e de uma subvenção directa, autorizados pela Comissão através da Decisão 98/364/CE, de 15 de Julho de 1997 (JO 1998, L 164, p. 30), na condição de as autoridades espanholas se absterem de conceder qualquer novo auxílio e de porem integralmente em prática o plano de reestruturação que tinham comunicado.

4
Todavia, nos três anos que se seguiram a essa autorização, o GEA e a sua filial Vidrios Automáticos del Noroeste SA (a seguir «Vanosa») não cumpriram as respectivas obrigações fiscais e de pagamento das contribuições para a segurança social.

5
Após o GEA e a Vanosa, a seu pedido, terem sido declarados em situação de cessação de pagamentos, em 19 de Novembro de 1997, o primeiro, e em 14 de Novembro de 1997, a segunda, a Agencia Estatal de Administración Tributaria (Agência Estatal de Administração Fiscal, a seguir «agência fiscal») celebrou um acordo particular com cada uma das duas sociedades, em 14 de Abril de 1998.

6
Nos termos desses acordos, cerca de dois terços da dívida fiscal foram perdoados e, relativamente ao saldo da dívida, procedeu‑se a uma reprogramação e a um reescalonamento a longo prazo, consistentes em dois anos de carência seguidos de pagamentos trimestrais durante dez anos, o primeiro a ser efectuado em Janeiro de 2000, na condição de que as duas empresas respeitassem o reescalonamento e cumprissem pontualmente as suas obrigações fiscais ulteriores. Essas condições deviam ser respeitadas sob pena de rescisão dos acordos e, por conseguinte, do ressurgimento de toda a dívida inicial.

7
Em 6 de Novembro de 1998, a Tesorería General de la Seguridad Social (a seguir «segurança social») também celebrou um acordo particular com a Vanosa, da mesma natureza que os acordos de 14 de Abril de 1998, devendo a primeira mensalidade prevista no reescalonamento ser paga em Janeiro de 2000. Em contrapartida, o GEA não chegou a um acordo similar com a segurança social.

8
Durante os dois anos que se seguiram à celebração dos acordos com a agência fiscal e a segurança social, o GEA e a Vanosa continuaram a não pagar as respectivas contribuições sociais e os respectivos impostos que se iam vencendo, com excepção de alguns pagamentos pontuais. A partir do início do ano de 2000, essas empresas também não pagaram os montantes em atraso segundo as modalidades previstas nos referidos acordos.

9
Em 7 de Fevereiro de 2001, após diversas interpelações infrutuosas, a agência fiscal, segundo o Governo espanhol, denunciou os acordos de 14 de Abril de 1998 celebrados com o GEA e a Vanosa. Em 20 de Dezembro de 2001, a segurança social denunciou, por sua vez, o acordo de 6 de Novembro de 1998 que celebrara com a Vanosa.

10
Por outro lado, sempre segundo o Governo espanhol, mesmo após as declarações de cessação de pagamentos, a segurança social e a agência fiscal requereram diversas penhoras no seguimento de penhoras anteriores a essas declarações de cessação de pagamentos e requereram outras medidas executivas. Assim, a agência fiscal requereu, designadamente, a penhora de 96 habitações sociais (em 23 de Dezembro de 1999), de marcas comerciais do grupo GEA (em 22 de Agosto de 2000), de créditos dos principais clientes das empresas em causa (entre Outubro de 2000 e Abril de 2001) e da fábrica da Vanosa (em 5 de Junho de 2002), enquanto a segurança social conseguiu recuperar certos montantes (por exemplo, 42 767 950 ESP, em Novembro de 1998) e requereu a penhora de depósitos bancários (em Janeiro de 2001) e de um crédito sobre o Tesouro Público (em Abril de 2001). Estas actuações acabaram por conduzir ao encerramento das empresas na Primavera de 2001, pois as receitas que as respectivas actividades podiam gerar eram em grande parte desviadas para os credores públicos.

11
A Comissão, tendo‑lhe sido apresentadas, no primeiro semestre de 2001, duas denúncias em que se alegava, designadamente, que as autoridades espanholas tinham renunciado à cobrança de impostos e de contribuições sociais devidos pelo GEA e pela Vanosa, enviou diversos pedidos de informações a essas autoridades. Após diversas trocas de correspondência com essas autoridades, a Comissão, em 19 de Setembro de 2001, deu início ao procedimento previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE, tendo desse facto informado as autoridades espanholas por ofício do mesmo dia, que, em seguida, publicou no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, convidando todos os interessados a apresentar observações (JO 2001, C 336, p. 6).

12
As observações das autoridades espanholas deram entrada na Comissão em 4 de Dezembro de 2001. Mais nenhum Estado‑Membro ou outro interessado formulou observações. Em 14 de Maio de 2002, a Comissão adoptou a decisão impugnada.

13
Nos fundamentos desta, a Comissão afirma que o não pagamento sistemático das contribuições sociais e de impostos pelo GEA e pela Vanosa, pelo menos entre Novembro de 1997, altura em que cessaram os pagamentos, e Janeiro de 2001, equivale a uma transferência de recursos do Estado para essas empresas e constitui um auxílio na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

14
Com efeito, essa transferência conferiu às referidas empresas uma vantagem concorrencial na medida em que, contrariamente aos seus concorrentes, não tiveram de suportar as despesas de contribuições sociais e de impostos como normalmente acontece. Esta vantagem decorreu da não aplicação de medidas previstas pela legislação espanhola, ou seja, da não propositura de acções executivas distintas pelas dívidas posteriores à cessação de pagamentos, que teriam evitado que as empresas em causa prosseguissem as respectivas actividades sem respeitar as suas obrigações fiscais e de segurança social.

15
Ao proceder deste modo, as autoridades espanholas não adoptaram um comportamento equiparável ao de um credor privado diligente que pretendesse recuperar pelo menos uma pequena parte dos impostos e das contribuições em dívida. A sua passividade ocasionou um aumento considerável da dívida fiscal e social, implicando o desrespeito flagrante do plano de reestruturação em que se baseava a decisão de 15 de Julho de 1997.

16
Em seguida, a Comissão alega que o auxílio identificado não pode beneficiar de nenhuma das derrogações previstas no artigo 87.°, n.os 2 e 3, CE e que, em especial, não satisfaz as condições fixadas na Comunicação (1999/C 288/02) sobre as orientações comunitárias dos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade (JO 1999, C 288, p. 2).

17
Em conclusão, a Comissão decidiu que «[o] auxílio correspondente ao incumprimento do pagamento numa base contínua de impostos e de contribuições sociais por parte [do GEA e da Vanosa], desde o início do processo de suspensão de pagamentos em 19 de Novembro de 1997 relativamente ao GEA e em 14 de Novembro de 1997 relativamente à Vanosa e Janeiro de 2001, é incompatível com o mercado comum». Além disso, decidiu que o Reino de Espanha deve adoptar «todas as medidas necessárias para obter do seu beneficiário a recuperação do auxílio [em causa], colocado ilegalmente à sua disposição».


Quanto ao recurso

18
O Governo espanhol alega, designadamente, que a Comissão cometeu um erro de direito e um erro de facto na aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE. Há que examinar, em primeiro lugar, estes fundamentos.

Quanto ao fundamento assente em erro de direito

Argumentos das partes

19
O Governo espanhol sustenta que a decisão impugnada viola o artigo 87.°, n.° 1, CE na medida em que, nas circunstâncias do caso em apreço, não ficou provada a existência de um auxílio de Estado na acepção dessa disposição.

20
Segundo o Governo espanhol, as autoridades competentes limitaram‑se a celebrar acordos de perdão e de reescalonamento de dívidas com o GEA e a Vanosa, permitidos pela legislação nacional aplicável em sede de cessação de pagamentos de empresas, como teriam feito com qualquer outra sociedade que se encontrasse na mesma situação. Não se pode considerar que a simples celebração desses acordos, no quadro de um processo de cessação de pagamentos, represente um auxílio de Estado.

21
O raciocínio da Comissão, segundo o qual constitui um auxílio de Estado o facto de as empresas terem beneficiado de acordos que tornaram possível a prossecução das respectivas actividades, quando os credores públicos poderiam ter provocado a sua liquidação imediata, equivale a considerar que qualquer processo de cessação de pagamentos contém elementos de auxílio e que os processos preventivos da falência instituídos pelos Estados‑Membros são, em si mesmos, contrários às regras comunitárias em matéria de auxílios de Estado.

22
O Governo espanhol alega ainda que, no caso em apreço, a Comissão não demonstrou nem alegou que os acordos que os credores públicos celebraram com o GEA e a Vanosa eram diferentes ou mais vantajosos do que os normalmente celebrados nos processos de cessação de pagamentos.

23
A Comissão sublinha, em contrapartida, que não foram os próprios acordos de perdão e de reescalonamento de dívidas relativamente aos credores públicos que estiveram na origem do auxílio de Estado, mas a passividade de que fizeram prova a segurança social e a agência fiscal após a celebração desses acordos. Contrariamente ao que o Governo espanhol sustenta, a Comissão nunca defendeu, no presente processo, que os referidos acordos representavam um auxílio de Estado.

Apreciação do Tribunal

24
O artigo 87.°, n.° 1, CE define os auxílios de Estado regulamentados pelo Tratado CE como os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados‑Membros. O conceito de auxílio de Estado, na acepção desta disposição, é mais lato do que o de subvenção, pois não se limita a abranger prestações positivas, como as próprias subvenções, compreendendo também intervenções que, de formas diversas, aliviam os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa (v., designadamente, acórdãos de 23 de Fevereiro de 1961, De Gezamenlijke Steenkolenmijnen in Limburg/Alta Autoridade, 30/59, Colect. 1954‑1961, pp. 551, 559; de 15 de Março de 1994, Banco Exterior de España, C‑387/92, Colect., p. I‑877, n.° 13; de 29 de Junho de 1999, DM Transport, C‑256/97, Colect., p. I‑3913, n.° 19; e de 12 de Dezembro de 2002, Bélgica/Comissão, C‑5/01, Colect., p. I‑11991, n.° 32).

25
No caso em apreço, a Comissão não põe em causa, na decisão impugnada, a celebração dos acordos de perdão de dívidas e de reescalonamento celebrados com o GEA e a Vanosa. Contrariamente ao que o Governo espanhol alega, não é da celebração desses acordos com os credores públicos no quadro de um processo de cessação de pagamentos que a Comissão infere a existência de um auxílio de Estado.

26
Com efeito, nos fundamentos e no dispositivo da decisão impugnada, a Comissão refere expressamente o incumprimento, numa base contínua, pelas duas empresas, das suas obrigações de pagamento em matéria fiscal e de segurança social. Segundo a decisão impugnada, designadamente os n.os 44 e 47 da sua fundamentação, é a vantagem retirada do não pagamento sistemático dos impostos e das contribuições sociais, pelo menos entre Janeiro de 1997 e Janeiro de 2001, ou seja, durante um período tanto anterior como posterior à declaração de cessação de pagamentos e à celebração dos acordos, que constitui um auxílio de Estado. Esta vantagem decorre do facto de as autoridades competentes não terem intentado acções executivas distintas que permitissem evitar que as duas empresas prosseguissem as respectivas actividades, designadamente após a celebração dos acordos, sem respeitarem as suas obrigações fiscais e de segurança social, especialmente sem honrarem as suas dívidas posteriores à cessação de pagamentos, não incluídas nos perdões e no reescalonamento previstos nos acordos. No n.° 53 da fundamentação da decisão impugnada, esclarece‑se que, ao procederem deste modo, os credores públicos não actuaram como credores privados que tentavam recuperar, pelo menos, uma pequena parte dos impostos e das contribuições em dívida.

27
Por conseguinte, baseado numa interpretação errónea da decisão impugnada, o primeiro fundamento do Governo espanhol não pode ser acolhido.

Quanto ao fundamento assente em erro de facto

Argumentos das partes

28
O Governo espanhol alega, em substância, que a decisão impugnada está inquinada por um erro de facto, pois a Comissão considerou que as autoridades espanholas permaneceram inactivas após ter sido declarada a situação de cessação de pagamentos do GEA e da Vanosa, em Novembro de 1997.

29
Contrariamente ao que se considerou na decisão impugnada, tanto a segurança social como a agência fiscal utilizaram todos os meios à sua disposição, em especial acções executivas distintas, para garantir a cobrança das dívidas surgidas após a celebração dos acordos de perdão e de reescalonamento. O Governo espanhol refere‑se às actuações evocadas no n.° 10 do presente acórdão.

30
Em contrapartida, segundo a Comissão, as autoridades espanholas não fizeram prova de diligência suficiente face ao incumprimento das respectivas obrigações fiscais e de segurança social pelas empresas em causa. Com efeito, a segurança social e a agência fiscal permaneceram inactivas após a celebração dos acordos de perdão e de reescalonamento em 1998, o que conduziu a aumentar consideravelmente as dívidas ulteriores.

Apreciação do Tribunal

31
A legalidade de uma decisão em matéria de auxílios de Estado deve ser apreciada em função dos elementos de informação de que a Comissão podia dispor no momento em que a tomou (v., designadamente, acórdãos de 10 de Julho de 1986, Bélgica/Comissão, 234/84, Colect., p. 2263, n.° 16, e de 26 de Setembro de 1996, França/Comissão, C‑241/94, Colect., p. I‑4551, n.° 33).

32
No que respeita à fundamentação da decisão impugnada, como referido no n.° 26 do presente acórdão, a Comissão considera que o auxílio de Estado tem a sua origem no facto de as autoridades espanholas não terem intentado acções executivas distintas e não terem actuado como credores privados que tentavam recuperar, pelo menos, uma pequena parte dos seus créditos.

33
Todavia, da correspondência trocada entre as partes durante o procedimento administrativo resulta que as autoridades espanholas indicaram ter efectuado diligências durante o período compreendido entre Janeiro de 1997 e Janeiro de 2001, para recuperar uma parte dos créditos públicos sobre o GEA e a Vanosa e para levar estas empresas a respeitar as suas obrigações. É verdade que as informações fornecidas à Comissão no quadro do procedimento administrativo eram menos completas do que as apresentadas pelo Governo espanhol no presente recurso e eram por vezes imprecisas, mas não autorizavam a Comissão a concluir que as medidas previstas pela legislação espanhola (acções executivas distintas) para evitar que as empresas prosseguissem as suas actividades sem respeitar as suas obrigações fiscais e de segurança social não tinham minimamente sido postas em prática e que os credores públicos não tinham, portanto, actuado como credores privados que tentavam recuperar, pelo menos, uma pequena parte dos seus créditos.

34
Com efeito, na resposta que deram a um pedido de informações da Comissão, por esta recebida em 5 de Julho de 2001, as autoridades espanholas apenas referiram penhoras que a segurança social efectuou de bens imóveis pertencentes ao GEA e à Vanosa, sem precisar a data dessas penhoras e sem fornecer elementos a respeito de eventuais acções intentadas pela agência fiscal. Foi nesta base que, no ofício que as informou da sua decisão de dar início ao procedimento previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE, a Comissão indicou às referidas autoridades que estas não tinham afirmado ter utilizado determinados instrumentos jurídicos existentes no respectivo direito nacional, como a abertura do processo de falência ou a propositura de acções executivas distintas, para pôr termo ao incumprimento, pelas empresas, das suas obrigações relativamente à segurança social e aos impostos.

35
Nas suas observações de resposta, que deram entrada na Comissão em 4 de Dezembro de 2001, as autoridades espanholas indicaram que, como o GEA e a Vanosa não tinham respeitado os acordos de 14 de Abril de 1998, a agência fiscal tinha denunciado esses acordos em 7 de Fevereiro de 2001 e que tinha sido relançado um determinado número de medidas de execução. A este propósito, enumeraram penhoras de créditos sobre clientes, de marcas comerciais, de acções de filiais e de imóveis. Também invocaram a constituição de uma primeira hipoteca sobre um imóvel. Estes elementos devem ser entendidos no sentido de que os processos executivos indicados só foram relançados após o período indicado na decisão impugnada, que terminou em Janeiro de 2001. Mas as autoridades espanholas referiram‑se ainda a um relatório e à documentação da segurança social juntos à sua resposta, que incluíam, designadamente, uma lista das penhoras de bens imobiliários, de depósitos bancários e de créditos das duas empresas sobre outras empresas ou sobre o Tesouro Público. O exame da referida lista revela que diversas penhoras de imóveis, iniciadas entre 1993 e 1996, foram relançadas entre Outubro de 1997 e Novembro de 1998, que, em 1 de Fevereiro de 2001, foi notificada ao banco em causa a penhora de um depósito bancário do GEA, o que pressupõe uma preparação dessa medida nas semanas anteriores, e que, em 9 de Abril de 2001, também se procedeu à penhora de um crédito sobre o Tesouro Público.

36
Tendo em conta estas informações, a Comissão não podia globalmente considerar que «a Espanha não [tomou] as medidas que a legislação espanhola prevê (distintos procedimentos com carácter executório) para evitar que as empresas prossigam as suas actividades não cumprindo as suas obrigações fiscais e sociais», e daí deduzir que «o comportamento do Estado não permite concluir de modo algum que actuou como um credor privado que tentava recuperar, pelo menos, uma pequena parte dos impostos e das contribuições, cujo pagamento se encontrava pendente».

37
Sem pretender antecipar o juízo sobre a existência, ou não, de auxílios de Estado no presente processo, cabe, portanto, declarar que a conclusão da decisão impugnada segundo a qual o «incumprimento do pagamento numa base contínua de impostos e de contribuições sociais por parte [do GEA e da Vanosa], desde o início do processo de suspensão de pagamentos em 19 de Novembro de 1997 […] e Janeiro de 2001 [constitui um auxílio de Estado incompatível com o mercado comum]» assenta em premissas de facto erradas. Assim, sem que seja necessário examinar os outros fundamentos ou argumentos invocados pelo Governo espanhol, deve ser anulada a decisão impugnada.


Quanto às despesas

38
Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Governo espanhol pedido a condenação da Comissão e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

1)
A Decisão 2002/935/CE da Comissão, de 14 de Maio de 2002, relativa a um auxílio a favor do Grupo de Empresas Álvarez, é anulada.

2)
A Comissão das Comunidades Europeias é condenada nas despesas.

Assinaturas.


1
Língua do processo: espanhol.

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