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Document 61998CJ0448

    Acórdão do Tribunal de 5 de Dezembro de 2000.
    Processo-crime contra Jean-Pierre Guimont.
    Pedido de decisão prejudicial: Tribunal de police de Belley - França.
    Medidas de efeito equivalente a uma restrição quantitativa - Situação puramente interna - Fabrico e comercialização de queijo emental sem casca.
    Processo C-448/98.

    Colectânea de Jurisprudência 2000 I-10663

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2000:663

    61998J0448

    Acórdão do Tribunal de 5 de Dezembro de 2000. - Processo-crime contra Jean-Pierre Guimont. - Pedido de decisão prejudicial: Tribunal de police de Belley - França. - Medidas de efeito equivalente a uma restrição quantitativa - Situação puramente interna - Fabrico e comercialização de queijo emental sem casca. - Processo C-448/98.

    Colectânea da Jurisprudência 2000 página I-10663


    Sumário
    Partes
    Fundamentação jurídica do acórdão
    Decisão sobre as despesas
    Parte decisória

    Palavras-chave


    Livre circulação de mercadorias - Restrições quantitativas - Medidas de efeito equivalente - Regulamentação nacional que proíbe a comercialização de um queijo sem casca com a denominação «emental» - Aplicação aos produtos importados de outro Estado-Membro - Inadmissibilidade - Justificação - Inexistência

    [Tratado CE, artigo 30.° (que passou, após alteração, a artigo 28.° CE)]

    Sumário


    $$O artigo 30.° do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 28.° CE) opõe-se a que um Estado-Membro aplique aos produtos importados de outro Estado-Membro, onde são legalmente produzidos e comercializados, uma regulamentação nacional que proíbe a comercialização neste Estado-Membro de um queijo sem casca com a denominação «emental».

    Com efeito, uma tal regulamentação, na medida em que se aplica aos produtos importados, é susceptível de tornar a sua comercialização mais difícil e, por conseguinte, de entravar as trocas comerciais entre os Estados-Membros. É certo que os Estados-Membros podem, com o fim de garantir a lealdade das transacções comerciais e de garantir a defesa dos consumidores, exigir aos interessados que alterem a denominação de um género alimentício quando um produto apresentado sob uma certa denominação seja de tal modo diferente, do ponto de vista da sua composição ou da sua fabricação, das mercadorias geralmente conhecidas sob essa mesma denominação no seio da Comunidade, que ele não possa ser considerado como abrangido pela mesma categoria. Em contrapartida, em caso de uma diferença de importância menor, uma etiquetagem adequada deve bastar para fornecer as informações necessárias ao adquirente ou ao consumidor. Mesmo admitindo que a diferença no método de afinação entre um emental com casca e um emental sem casca possa constituir um elemento susceptível de induzir o consumidor em erro, basta, mantendo a denominação «emental», acompanhar esta denominação de uma informação adequada acerca dessa diferença. Nessas condições, a falta de casca não pode ser considerada como uma característica que justifique a recusa de utilização da denominação «emental».

    (cf. n.os 25-26, 30-31, 33-35 e disp.)

    Partes


    No processo C-448/98,

    que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CE (actual artigo 234.° CE), pelo tribunal de police de Belley (França), destinado a obter, no processo penal pendente neste órgão jurisdicional contra

    Jean-Pierre Guimont,

    uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 3.°, alínea a), do Tratado CE [que passou, após alteração, a artigo 3.°, n.° 1, alínea a), CE], do artigo 30.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 28.° CE) e dos artigos seguintes,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

    composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, C. Gulmann (relator), M. Wathelet e V. Skouris, presidentes de secção, D. A. O. Edward, J.-P. Puissochet, P. Jann, L. Sevón e R. Schintgen, juízes,

    advogado-geral: A. Saggio,

    secretário: H. von Holstein, secretário adjunto,

    vistas as observações escritas apresentadas:

    - em representação de J.-P. Guimont, por A. Lestourneaud, advogado no foro de Thonon-les-Bains e Pays de Léman,

    - em representação do Governo francês, por K. Rispal-Bellanger, subdirectora na Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e C. Vasak, secretária adjunta dos Negócios Estrangeiros na mesma direcção, na qualidade de agentes,

    - em representação do Governo dinamarquês, por J. Molde, chefe de divisão no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente,

    - em representação do Governo alemão, por W.-D. Plessing, Ministerialrat no Ministério Federal das Finanças, e C.-D. Quassowski, Regierungsdirektor no mesmo ministério, na qualidade de agentes,

    - em representação do Governo neerlandês, por M. A. Fierstra, chefe do serviço de direito europeu no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente,

    - em representação do Governo austríaco, por C. Stix-Hackl, Gesandte no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente,

    - em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por H. van Lier, consultor jurídico, e O. Couvert-Castéra, funcionário nacional destacado junto do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

    visto o relatório para audiência,

    ouvidas as alegações de J.-P. Guimont, do Governo francês, do Governo dinamarquês e da Comissão na audiência de 11 de Janeiro de 2000,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 9 de Março de 2000,

    profere o presente

    Acórdão

    Fundamentação jurídica do acórdão


    1 Por decisão de 24 de Novembro de 1998, entrada no Tribunal de Justiça em 9 de Dezembro seguinte, o tribunal de police de Belley submeteu, ao abrigo do artigo 177.° do Tratado CE (actual artigo 234.° CE), uma questão prejudicial sobre a interpretação do artigo 3.°, alínea a), do Tratado CE [que passou, após alteração, a artigo 3.°, n.° 1, alínea a), CE], do artigo 30.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 28.° CE) e dos artigos seguintes.

    2 Esta questão foi suscitada no âmbito de um processo penal desencadeado contra J.-P. Guimont, por ter detido para venda, vendido e oferecido um produto alimentar, no caso emental, com uma rotulagem enganadora.

    As normas nacionais em causa

    3 O artigo 3.°, primeiro parágrafo, do Decreto francês n.° 84-1147, de 7 de Dezembro de 1984, que regulamenta a lei de 1 de Agosto de 1905 sobre as fraudes e falsificações em matéria de produtos ou de serviços (a seguir «decreto de 1984»), dispõe:

    «A etiquetagem e as modalidades da sua realização não devem ser susceptíveis de criar confusão no espírito do comprador ou do consumidor, nomeadamente quanto às características do produto alimentar e, mais especialmente, quanto à natureza, a identidade, as qualidades, a composição, a quantidade, a durabilidade, a conservação, a origem ou a proveniência, o modo de fabricação ou de obtenção.»

    4 As «características do produto alimentar» denominado «emental», na acepção da regulamentação francesa, são definidas pelo artigo 6.° e pelo anexo do Decreto n.° 88-1206, de 30 de Dezembro de 1988, que regulamenta a lei de 1 de Agosto de 1905, sobre as fraudes e falsificações em matéria de produtos ou de serviços, e a lei de 2 de Julho de 1935, relativa à organização e ao saneamento do mercado do leite no que diz respeito aos queijos (JORF de 31 de Dezembro de 1988, p. 16753, a seguir «decreto de 1988»). O artigo 6.° do decreto de 1988 determina que «as denominações enumeradas no anexo são reservadas aos queijos que cumpram as regras relativas ao fabrico e à composição descritas no referido anexo». Neste anexo, o emental é descrito como um produto que apresenta as características seguintes: «pasta firme, cozida, prensada e salgada na superfície ou em salmoura; de cor marfim a amarelo pálido, com aberturas de dimensões que vão do tamanho de uma cereja ao de uma noz; casca dura e seca, de cor amarela dourada a castanha clara».

    Matéria de facto e processo nacional

    5 Por despacho de 6 de Janeiro de 1998, J.-P. Guimont foi condenado no pagamento de 260 multas de 20 FRF cada, por ter detido para venda, vendido ou oferecido um produto alimentar com etiquetagem enganosa, no caso emental, o que constitui uma infracção prevista e punida pelo artigo 3.°, primeiro parágrafo, do decreto de 1984.

    6 No decurso de uma audiência em que o tribunal de police de Belley examinou a contestação apresentada por J.-P. Guimont contra o referido despacho, foi recordado que tinha sido feito um controlo em 5 de Março de 1996 pela direcção departamental da concorrência, do consumo e da repressão das fraudes do departamento de Vaucluse numa sociedade especializada no corte e acondicionamento de queijos pré-embalados em celofane destinados mais especialmente à grande distribuição. No decurso deste controlo, foram descobertos 260 queijos emental provenientes da sociedade «laiterie d'Argis», de que J.-P. Guimont é o director técnico.

    7 Durante o controlo evocado no ponto precedente, a direcção departamental verificou a total ausência de casca nos queijos examinados, o que constitui contravenção ao disposto no artigo 6.° e do anexo do decreto de 1988.

    8 J.-P. Guimont alegou em sua defesa, no órgão jurisdicional de reenvio, nomeadamente que o artigo 6.° do decreto de 1988 é incompatível com o disposto nos artigos 3.°, alínea a), 30.° e seguintes do Tratado.

    9 Recordou, perante o órgão jurisdicional de reenvio, que a designação «emental» é genérica e que é largamente utilizada em diversos países da União Europeia sem qualquer condição ligada à existência de casca. Alegou que o decreto de 1988, ao reservar a denominação «emental» apenas aos queijos com uma «casca dura e seca, de cor amarela dourada a castanha clara», institui uma restrição quantitativa às trocas intracomunitárias ou uma medida de efeito equivalente.

    10 Na sua decisão de reenvio, o tribunal de police de Belley formulou, nomeadamente, as considerações seguintes:

    - o arguido só pode ser declarado culpado na medida em que o decreto de 1988 não contrarie normas supranacionais;

    - J.-P. Guimont demonstrou documentalmente que o emental sem casca é fabricado ou comercializado noutros países da Comunidade Europeia;

    - o Codex alimentarius da Organização das Nações Unidas para a alimentação e a agricultura e da Organização Mundial de Saúde contém uma norma que faz referência ao consumo de emental sem casa;

    - a disparidade das regulamentações nacionais e, em particular, a posição restritiva adoptada pela regulamentação francesa em relação a outras regulamentações europeias são susceptíveis de entravar, directa ou indirectamente, actual ou potencialmente, o comércio intracomunitário, quando não é reconhecido pela regulamentação comunitária qualquer direito à protecção genérica dita «emental»;

    - tal discriminação não parece justificar-se por qualquer um dos motivos que o artigo 36.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 30.° CE) autoriza a invocar.

    11 Nestas circunstâncias, o órgão jurisdicional nacional decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a questão prejudicial seguinte:

    «Os artigos 3.°-A, 30.° e seguintes do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia, com as alterações nele introduzidas, devem ser interpretados no sentido de que a regulamentação francesa resultante do Decreto n.° 88-1206, de 30 de Dezembro de 1988, que proíbe a fabricação e a comercialização em França de um queijo sem casca, sob a denominação 'emental', deve ser considerada como constituindo uma restrição quantitativa das trocas comerciais intracomunitárias ou uma medida de efeito equivalente?»

    Observações preliminares

    12 É conveniente, em primeiro lugar, recordar que o artigo 3.° do Tratado determina os domínios e os objectivos sobre os quais deve incidir a acção da Comunidade. Enuncia, assim, os princípios gerais do mercado comum, que são aplicados em conjugação com os capítulos respectivos do Tratado destinados a concretizar estes princípios (v. acórdão de 14 de Julho de 1998, Bettati, C-341/95, Colect., p. I-4355, n.° 75). O objectivo geral inscrito no artigo 3.°, alínea a), do Tratado foi explicitado pelo disposto nos seus artigos 30.° e seguintes. Nestas condições, a referência feita na questão prejudicial ao artigo 3.°, alínea a), do Tratado não requer uma resposta distinta da que será dada acerca da interpretação dos artigos 30.° e seguintes do Tratado.

    13 Em segundo lugar, é conveniente examinar a argumentação do Governo francês de que o artigo 30.° do Tratado não é aplicável num caso como o que está em apreço no processo principal.

    14 Por um lado, o Governo francês alega que esta inaplicabilidade resulta já do facto de a norma cuja violação é censurada a J.-P. Guimont não ser, na prática, aplicada aos produtos importados. A referida regra destina-se a criar obrigações exclusivamente para os produtores nacionais e não diz de modo algum respeito ao comércio intracomunitário. Ora, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça e especialmente do acórdão de 18 de Fevereiro de 1987, Mathot (98/86, Colect., p. 809, n.os 8 e 9), que o artigo 30.° do Tratado visa apenas proteger o comércio intracomunitário.

    15 A este respeito, é conveniente recordar que o artigo 30.° do Tratado visa toda e qualquer regulamentação dos Estados-Membros susceptível de entravar directa ou indirectamente, actual ou potencialmente, o comércio intracomunitário (v. acórdão de 11 de Julho de 1974, Dassonville, 8/74, Recueil, p. 837, n.° 5; Colect., p. 423). Em contrapartida, este artigo não tem por fim garantir que as mercadorias de origem nacional beneficiem, em todos os casos, do mesmo tratamento que as mercadorias importadas e que uma diferença de tratamento entre mercadorias que não seja susceptível de entravar a importação ou de desfavorecer a comercialização de mercadorias importadas não seja abrangida pela proibição estabelecida por este artigo (v. acórdão Mathot, já referido, n.os 7 e 8).

    16 Ora, no que diz respeito à norma nacional em causa no processo principal, o Governo francês não contesta que ela seja, segundo a sua redacção, indistintamente aplicável aos produtos franceses e aos produtos importados.

    17 Por conseguinte, este argumento do Governo francês não pode ser aceite. Com efeito, o simples facto de uma regra não ser aplicada, na prática, aos produtos importados não impede que ela possa ter efeitos que entravem indirecta e potencialmente o comércio intracomunitário (v., neste sentido, acórdão de 22 de Outubro de 1998, Comissão/França, C-184/96, Colect., p. I-6197, n.° 17).

    18 Por outro lado, o Governo francês, apoiado neste aspecto pelo Governo dinamarquês, alega que, no caso particular em apreço no processo principal, a norma em causa não é constitutiva de um entrave, ainda que indirecto ou potencial, às trocas intracomunitárias na acepção da jurisprudência do Tribunal de Justiça. Com efeito, segundo estes governos, os factos que estão na origem do reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça dizem respeito a uma situação puramente interna, por o arguido ser de nacionalidade francesa e o produto em causa inteiramente fabricado no território francês.

    19 J.-P. Guimont, os Governos alemão, neerlandês e austríaco e a Comissão salientam que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o artigo 30.° do Tratado não pode ser afastado com fundamento apenas em que, no caso concreto submetido ao órgão jurisdicional nacional, todos os elementos estarem localizados no interior de um único Estado-Membro (v. acórdão de 7 de Maio de 1997, Pistre e o., C-321/94 a C-324/94, Colect., p. I-2343, n.° 44).

    20 A este respeito, há que observar que o acórdão Pistre e o., já referido, dizia respeito a uma situação em que a norma nacional em causa não era indistintamente aplicável, mas antes criava uma discriminação directa contra as mercadorias importadas de outros Estados-Membros.

    21 Quanto a uma regra como a que está em causa no processo principal, que é, de acordo com a sua redacção, indistintamente aplicável aos produtos nacionais e aos produtos importados e que se destina a impor aos produtores certas condições de produção para lhes permitir comercializarem os seus produtos sob uma certa denominação, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que essa regra só é abrangida pelo artigo 30.° do Tratado na medida em que se tenha que aplicar a situações que tenham um traço de ligação com a importação de mercadorias no comércio intracomunitário (v. acórdãos de 15 de Dezembro de 1982, Oosthoek's Uitgeversmaatschappij, 286/81, Recueil, p. 4575, n.° 9, e Mathot, já referido, n.os 3 e 7 a 9).

    22 Todavia, esta conclusão não implica que não haja que responder à questão prejudicial submetida ao Tribunal de Justiça no presente processo. Em princípio, compete unicamente aos órgãos jurisdicionais nacionais apreciarem, face às particularidades de cada processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para estarem em condições de proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submetem ao Tribunal de Justiça. A recusa por este último de um pedido apresentado por um órgão jurisdicional nacional só é possível se se verificar de modo manifesto que a interpretação solicitada do direito comunitário não tem qualquer relação com a realidade ou o objecto do litígio no processo principal (v. acórdão de 6 de Junho de 2000, Angonese, C-281/98, Colect., p. I-4139, n.° 18).

    23 No presente caso, não se verifica de maneira manifesta que a interpretação solicitada do direito comunitário não é necessária ao juiz nacional. Com efeito, essa resposta pode ser-lhe útil no caso de o seu direito nacional impor, num processo como o do caso em apreço, fazer beneficiar um produtor nacional dos mesmos direitos que os de um produtor de outro Estado-Membro retira do direito comunitário na mesma situação.

    24 Nestas circunstâncias, há que examinar se uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, constitui, na medida em que ela seja aplicada aos produtos importados, uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa contrária ao artigo 30.° do Tratado.

    Quanto à interpretação do artigo 30.° do Tratado

    25 A título preliminar, embora isso não seja contestado no presente processo, há que salientar que uma norma nacional como a que está em causa no processo principal constitui uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação na acepção do artigo 30.° do Tratado, na medida em que seja aplicada aos produtos importados.

    26 Com efeito, uma legislação nacional que sujeita mercadorias provenientes de outros Estados-Membros, onde elas são legalmente fabricadas e comercializadas, a certas condições para poderem utilizar a denominação genérica comummente utilizada para esse produto e que impõe, assim, eventualmente, aos produtores a utilização de denominações desconhecidas ou menos apreciadas pelo consumidor não exclui certamente, de modo absoluto, a importação no Estado-Membro em causa de produtos originários de outros Estados-Membros. No entanto, ela não deixa de ser susceptível de tornar a sua comercialização mais difícil e, por conseguinte, de entravar as trocas comerciais entre os Estados-Membros (v., neste sentido, acórdão de 14 de Julho de 1988, Smanor, 298/87, Colect., p. 4489, n.° 12).

    27 Quanto à questão de saber se essa regra pode, apesar de tudo, estar em conformidade com o direito comunitário, deve lembrar-se que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma regulamentação nacional, adoptada em caso de falta de regras comuns ou harmonizadas e indistintamente aplicável aos produtos nacionais e aos produtos importados de outros Estados-Membros, só é compatível com o referido Tratado na medida do necessário para satisfazer exigências imperiosas atinentes, nomeadamente, à lealdade das transacções comerciais e à protecção dos consumidores (v. acórdão de 20 de Junho de 1991, Denkavit, C-39/90, Colect., p. I-3069, n.° 18), ou se for proporcionada ao objectivo deste modo prosseguido e quando este objectivo não possa ser atingido por medidas menos restritivas das trocas comerciais intracomunitárias (v., nomeadamente, acórdão de 26 de Junho de 1997, Familiapress, C-368/95, Colect., p. I-3689, n.° 19).

    28 Neste contexto, há que remeter, como fez a Comissão, para a Directiva 79/112/CEE do Conselho, de 18 de Dezembro de 1978, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à rotulagem, apresentação e publicidade dos géneros alimentícios destinados ao consumidor final (JO 1979, L 33, p. 1; EE 13 F9 p. 162), tal como alterada pela Directiva 89/395/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1989 (JO L 186, p. 17), que, na época dos factos do processo principal, dispunha no seu artigo 5.°, n.° 1:

    «A denominação de venda de um género alimentício é a denominação prevista pelas disposições legislativas, regulamentares ou administrativas que lhe são aplicáveis e, na sua ausência, o nome consagrado pela prática do Estado-Membro onde se efectua a venda ao consumidor final e às colectividades ou uma descrição do género alimentício e, se necessário, da sua utilização suficientemente pormenorizada para permitir ao comprador conhecer a natureza real do produto e distingui-lo dos produtos com os quais poderia ser confundido.»

    29 Embora esta disposição demonstre a importância de uma utilização correcta das denominações dos géneros alimentícios para a protecção dos consumidores, não autoriza os Estados-Membros a adoptarem, em matéria de denominações, regras que restrinjam a importação de mercadorias, legalmente fabricadas e comercializadas noutro Estado-Membro, quando essas regras não sejam proporcionadas a este efeito ou quando essa protecção possa ser atingida através de medidas que restrinjam menos as trocas comerciais intracomunitárias.

    30 É certo que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, os Estados-Membros podem, com o fim de garantir a lealdade das transacções comerciais e de garantir a defesa dos consumidores, exigir aos interessados que alterem a denominação de um género alimentício quando um produto apresentado sob uma certa denominação seja de tal modo diferente, do ponto de vista da sua composição ou da sua fabricação, das mercadorias geralmente conhecidas sob essa mesma denominação no seio da Comunidade, que ele não possa ser considerado como abrangido pela mesma categoria (v. acórdão de 12 de Setembro de 2000, Geffroy, C-366/98, Colect., p. I-6579, n.° 22).

    31 Em contrapartida, em caso de uma diferença de importância menor, uma etiquetagem adequada deve bastar para fornecer as informações necessárias ao adquirente ou ao consumidor (v. acórdão Geffroy, já referido, n.° 23).

    32 No caso do processo principal, há que recordar que, de acordo com o Codex alimentarius mencionado no n.° 10 do presente acórdão, que fornece indicações que permitem definir as características do produto em causa, um queijo fabricado sem casca pode ter a denominação «emental», pois é fabricado a partir de matérias-primas e segundo o método de fabricação idênticos aos usados para o emental com casca, sob reserva de uma diferença de tratamento no estado da afinação. De resto, é constante que essa variante do queijo «emental» é legalmente fabricada e comercializada noutros Estados-Membros que não a República Francesa.

    33 Portanto, mesmo admitindo que a diferença no método de afinação entre um emental com casca e um emental sem casca possa constituir um elemento susceptível de induzir o consumidor em erro, bastaria, mantendo a denominação «emental», acompanhar esta denominação de uma informação adequada acerca dessa diferença.

    34 Nessas condições, a falta de casca não pode ser considerada como uma característica que justifique a recusa de utilização da denominação «emental», para mercadorias provenientes de outros Estados-Membros onde são legalmente fabricadas e comercializadas com essa denominação.

    35 Há, portanto, que responder à questão prejudicial que o artigo 30.° do Tratado se opõe a que um Estado-Membro aplique aos produtos importados de outro Estado-Membro, onde eles são legalmente produzidos e comercializados, uma regulamentação nacional que proíbe a comercialização neste Estado-Membro de um queijo sem casca com a denominação «emental».

    Decisão sobre as despesas


    Quanto às despesas

    36 As despesas efectuadas pelos Governos francês, dinamarquês, alemão, neerlandês e austríaco e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

    Parte decisória


    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

    pronunciando-se sobre a questão submetida pelo tribunal de police de Belley, por decisão de 24 de Novembro de 1998, declara:

    O artigo 30.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 28.° CE) opõe-se a que um Estado-Membro aplique aos produtos importados de outro Estado-Membro, onde são legalmente produzidos e comercializados, uma regulamentação nacional que proíbe a comercialização neste Estado-Membro de um queijo sem casca com a denominação «emental».

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