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Document 61998CC0412

Conclusões do advogado-geral Fennelly apresentadas em 9 de Março de 2000.
Group Josi Reinsurance Company SA contra Universal General Insurance Company (UGIC).
Pedido de decisão prejudicial: Cour d'appel de Versailles - França.
Convenção de Bruxelas - Âmbito pessoal - Requerente domiciliado num Estado não contratante - Âmbito material - Regras de competência em matéria de seguros - Litígio incidente num contrato de resseguro.
Processo C-412/98.

Colectânea de Jurisprudência 2000 I-05925

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2000:116

61998C0412

Conclusões do advogado-geral Fennelly apresentadas em 9 de Março de 2000. - Group Josi Reinsurance Company SA contra Universal General Insurance Company (UGIC). - Pedido de decisão prejudicial: Cour d'appel de Versailles - França. - Convenção de Bruxelas - Âmbito pessoal - Requerente domiciliado num Estado não contratante - Âmbito material - Regras de competência em matéria de seguros - Litígio incidente num contrato de resseguro. - Processo C-412/98.

Colectânea da Jurisprudência 2000 página I-05925


Conclusões do Advogado-Geral


1 O presente reenvio prejudicial relativo à convenção de Bruxelas suscita duas questões: a primeira destina-se a saber se a convenção se aplica quando o requerente está domiciliado num Estado não Contratante; a segunda é a de saber se as regras especiais de «competência em matéria de seguros» se aplicam aos litígios em matéria de resseguros. (1)

I - Quadro jurídico e factual

A - Disposições pertinentes da Convenção de Bruxelas

2 O artigo 2._ do Título II, Secção 1, da convenção enuncia a regra geral de competência, segundo a qual «as pessoas domiciliadas no território de um Estado Contratante devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado». Esta regra geral de competência baseada no domicílio está sujeita às regras relativas às «competências especiais» definidas no Título II, Secção 2. Entre estas regras, figura o artigo 5._, que dispõe, designadamente:

«O requerido com domicílio no território de um Estado Contratante pode ser demandado num outro Estado Contratante:

1. em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido foi ou deva ser cumprida; ... .»

3 A Secção 2 está igualmente sujeita às regras da Secção 3, constituída pelos artigos 7._ a 12._-A, relativa à «competência em matéria de seguros». O artigo 8._ prevê:

«O segurador domiciliado no território de um Estado Contratante pode ser demandado:

1. perante os tribunais do Estado em que tiver domicílio, ou

2. noutro Estado Contratante, perante o tribunal do lugar em que o tomador do seguro tiver o seu domicílio, ou

3. tratando-se de um co-segurador, perante o tribunal de um Estado Contratante onde tiver sido instaurada a acção contra o segurador principal.

O segurador que, não tendo domicílio no território de um Estado Contratante, possua sucursal, agência ou qualquer outro estabelecimento no Estado Contratante, será considerado, quanto aos litígios relativos à exploração daqueles, como tendo domicílio no território desse Estado.»

B - O processo principal e o reenvio prejudicial

4 A Universal General Insurance Company («UGIC»), actualmente em liquidação, tem domicílio na Columbia Britânica, no Canadá. Tinha encarregado a sua corretora, a Euromepa, uma sociedade com sede na França, de celebrar um contrato de resseguros, com efeitos a 1 de Abril de 1990, relativamente a uma carteira de apólices de seguro de habitação localizada no Canadá. Em cumprimento destas instruções, a Euromepa contactou, por fax de 27 de Março de 1990, a Group Josi Reinsurance Company (a seguir «Group Josi»), sociedade com sede na Bélgica, e propôs a esta última uma participação no referido contrato de resseguros indicando que «os resseguradores principais são a Union Ruck com 24% e a Agrippina Ruck com 20%...». Por fax de 6 de Abril de 1990, a Group Josi deu o seu acordo a uma participação não superior a 7,5%

5 Entretanto, em 28 de Março de 1990, a Union Ruck indicou à Euromepa que não pretendia prolongar a sua participação para além de 31 de Maio de 1990 e, por carta de 30 de Março de 1990, a Agrippina Ruck informou-a de que reduziria a sua participação de 20% para 10%, a contar de 1 de Junho de 1990.

6 As partes estão de acordo com o facto de que a Euromepa não informou a Group Josi desta troca de correspondência. Em 25 de Fevereiro de 1991, a Euromepa enviou à Group Josi um extracto de conta indicando que esta era devedora, devido à sua participação, de um montante de 54 679.34 CAD. A Group Josi recusou-se a pagar este montante por a sua adesão ao contrato de resseguro ter sido determinada pela apresentação de informações que «posteriormente, se revelaram falsas».

7 Em 6 de Julho de 1994, a UGIC accionou a Group Josi no Tribunal de Commerce de Nanterre. A Group Josi alegou incompetência dos tribunais franceses, considerando que o órgão jurisdicional competente era o Tribunal de Commerce de Bruxelas, lugar da sua sede social. A Group Josi invocou, por um lado, a Convenção de Bruxelas e, por outro, o artigo 1247._ do código civil francês.

8 Em 27 de Julho de 1995, o Tribunal de Commerce de Nanterre declarou-se competente em virtude da lei francesa, por a Convenção de Bruxelas não se aplicar a uma sociedade canadiana. Deu provimento aos pedidos da UGIC e condenou a Group Josi a pagar à requerente o montante de 54 679.34 CAD, acrescido de juros.

9 A Group Josi interpôs, então, recurso desta decisão para a cour d'appel de Versailles (a seguir «órgão jurisdicional de reenvio»). Alegou que a Convenção de Bruxelas devia ser aplicada porque, como requerida, tem o domicílio no território de um Estado Contratante. (2) A UGIC alegou que as regras de competência fixadas pela convenção só podem ser aplicadas se o requerente e o requerido estiverem domiciliados no território de um Estado Contratante. Sendo ela própria uma sociedade de direito canadiano sem qualquer estabelecimento secundário no território da Comunidade Europeia, daí conclui que a convenção não se pode aplicar e que o litígio relativo à competência deve ser decidido em conformidade com regras nacionais de direito nacional privado, em virtude das quais os tribunais franceses são competentes.

10 Tendo solicitado parecer ao Ministério Público, o órgão jurisdicional de reenvio decidiu reenviar as questões seguintes ao Tribunal de Justiça, ao abrigo do protocolo de 3 de Junho de 1971 relativo à interpretação pelo Tribunal de Justiça da Convenção de Bruxelas:

«1. É adequada a aplicação da Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial não apenas aos litígios `intracomunitários' mas igualmente aos litígios `integrados na Comunidade'? Mais precisamente, podem ser opostas a uma parte demandante, domiciliada no Canadá, pela parte demandada, estabelecida num Estado contratante, as regras específicas de competência estabelecidas por esta convenção?

2. É adequada a aplicação das regras específicas de competência em matéria de seguros, estabelecidas nos artigos 7._ e seguintes da Convenção de Bruxelas, em matéria de resseguro?»

II - Análise

11 Foram apresentadas observações escritas pela UGIC, pelo Group Josi, República Francesa, Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte e Comissão. Apenas a República Francesa e a Comissão fizeram alegações.

A - Aplicabilidade da Convenção de Bruxelas

12 Todas as partes que apresentaram observações ao Tribunal, com excepção da UGIC, sustentam que a Convenção de Bruxelas é aplicável em circunstâncias como as que caracterizam o processo principal. (3)

13 A Comissão, o Reino Unido e a República Francesa alegam que, quando o objecto de um litígio entre no âmbito material da Convenção de Bruxelas e, em especial, quando o requerido esteja domiciliado no território de um Estado Contratante, o domicílio do requerente não é um elemento pertinente. (4)

14 Nada no relatório Jenard sobre a Convenção de Bruxelas parece indicar a existência de uma restrição geral à aplicação da regra de base baseada na localização do domicílio do requerente no território de um Estado Contratante. (5) Além disso, na convenção, o lugar do domicílio do requerente só é pertinente a título excepcional. (6) As referências expressas feitas a este local em certos casos excepcionais mostram que em todos os outros ele não é pertinente.

15 A Group Josi compartilha desta opinião, mas acrescenta que os litígios que tenham uma ligação com a Comunidade entram no âmbito da convenção. Um litígio está «integrado» na Comunidade quando é abrangido por uma das regras de competência da convenção. A República Francesa sustenta que, uma vez que a UGIC pode ser considerada como domiciliada na França através do seu mandatário francês, a primeira questão não se suscita. (7) ¶cresce que a aplicação do artigo 2._, qualquer que seja o lugar do domicílio do requerente, aumenta a segurança jurídica das partes domiciliadas em Estados terceiros, que não têm que suportar a incerteza ligada aos caprichos da aplicação das regras nacionais do direito internacional privado.

16 Estou de acordo com o Reino Unido e com a República Francesa em que seria inadequado, para efeitos de definir o âmbito pessoal da Convenção de Bruxelas - cujo objectivo é promover a segurança jurídica - recorrer a um critério tão indefinido como o relativo ao carácter integrado ou não do litígio na Comunidade. «A segurança jurídica», segundo o relatório Jenard, «é melhor garantida pela convenção baseada na competência directa» - quer dizer, quando as regras de competência adoptadas são aplicáveis no Estado do processo inicial e não apenas nos tribunais do Estado em que se procura fazer reconhecer e executar a decisão - «dado que a decisão é proferida por um juiz cuja competência decorre da própria convenção». (8) É precisamente o que se passa no âmbito da Convenção de Bruxelas: esta adopta «normas de competência comuns... [a fim de] assegurar... dentro do âmbito que ela deve regular, uma verdadeira ordem jurídica da qual deve resultar a maior segurança». (9) Para uma convenção cuja regra cardinal em matéria de competência é a de que o requerido deve normalmente ser accionado nos tribunais do Estado em que está domiciliado, seria curioso que a localização do domicílio do requerente fosse um factor pertinente. (10)

17 Basta recordar a economia da Convenção de Bruxelas para concluir que o domicílio do requerente não é um elemento pertinente. O âmbito da convenção está definido no artigo 1._, que prevê que esta «aplica-se em matéria civil e comercial independentemente da natureza da jurisdição». O Tribunal de Justiça confirmou que a convenção prevê normas de competência que determinam em que casos, limitativamente enumerados, o requerido pode ser accionado perante um órgão jurisdicional de outro Estado Contratante. (11) O artigo 26._, sobre o reconhecimento das decisões e o artigo 31._, sobre a sua execução, disposições chave do Título III da convenção («Reconhecimento e execução»), estão ambos redigidos em termos gerais. (12) Em suma, os termos das principais disposições implicam que o âmbito material da convenção seja definido por referência aos processos desencadeados nos tribunais dos Estados Contratantes, quaisquer que sejam as partes.

18 A Convenção de Bruxelas adopta sistematicamente como ponto de referência para o exercício de competência o domicílio do requerido. A regra de base do artigo 2._ e as regras especiais contidas nomeadamente nos artigos 5._ e 6._ referem-se invariavelmente ao lugar onde uma pessoa ou um requerido «com domicílio no território de um Estado Contratante» pode ser demandado. Nem estas disposições nem qualquer disposição especial como o artigo 13._ (contratos celebrados pelos consumidores) ou o artigo 16._ (competências exclusivas) mencionam o domicílio do requerente. De facto, segundo as indicações que resultam do texto destas disposições, há que presumir que a convenção se aplica aos litígios que impliquem pessoas domiciliadas no território dos Estados não Contratantes. O artigo 13._, segundo parágrafo, dispõe que «o co-contratante do consumidor que, não tendo domicílio no território de um Estado Contratante», possua sucursal, agência ou qualquer outro estabelecimento num Estado Contratante «será considerado... como tendo domicílio» no território desse Estado. Esta última disposição tem simplesmente por finalidade identificar o Estado Contratante que pode, no âmbito de um processo desencadeado por um consumidor, exercer a sua competência. (13) O artigo 17._ atribui competência exclusiva aos órgãos jurisdicionais de um Estado Contratante designado para esse efeito num contrato celebrado entre partes «das quais pelo menos uma se encontra domiciliada no território de um Estado Contratante».

19 As disposições em matéria de competência adoptadas pela Convenção de Bruxelas compreendem dois conjuntos distintos de disposições que definem um quadro para aplicação do Título III. Em primeiro lugar, o artigo 2._ consagra a competência dos tribunais do Estado Contratante no território do qual o requerido tenha o seu domicílio, sob reserva de um certo número de disposições especiais como os artigos 5._, 6._, 7._ a 12._-A, 13._ a 15._, 16._ e 17._ O artigo 4._ prevê que, se «o requerido não tiver domicílio no território de um Estado Contratante, a competência será regulada em cada Estado Contratante pela lei desse Estado», quer dizer, pelas regras de direito internacional privado específicas dos diferentes Estados Contratantes. A convenção institui, por conseguinte, um sistema global que se aplica a todos os requeridos, estejam ou não domiciliados no território de um Estado Contratante.

20 A exclusão dos requerentes domiciliados no território de Estados não Contratantes do âmbito do artigo 2._, defendida pela UGIC, criaria uma grande e ilógica lacuna no sistema da Convenção de Bruxelas. Em primeiro lugar, não faria qualquer sentido excluir do âmbito da convenção os casos em que os requerentes têm o seu domicílio no território de Estados não Contratantes, quando os casos que implicam requeridos domiciliados nesses Estados entram nesse âmbito. Em particular, as contestações abrangidas pelo artigo 4._ seriam reguladas, eventualmente, pelos artigos 21._ e 22._ relativos à litispendência e à conexão, ao passo que as contestações de requerentes não domiciliados no território de um Estado Contratante dirigidas contra pessoas domiciliadas nesse território não seriam forçosamente reguladas por essas disposições. Embora estas últimas disposições não sejam atributivas de competência, os seus termos implicam, tal como os dos artigos 26._ e 31._, que a convenção se aplica, de modo geral, a todas as contestações apresentadas pelos órgãos jurisdicionais dos diferentes Estados Contratantes.

21 Além disso, o facto de a Convenção de Bruxelas não se aplicar aos processos relativos ao reconhecimento e à execução de decisões proferidas em Estados não Contratantes não pode, em caso algum, militar a favor da sua não aplicação. (14) Os processos que estão na origem de tais acções, diferentemente de um processo desencadeado contra um requerido domiciliado no território de um Estado Contratante perante órgãos jurisdicionais de outro Estado Contratante, não têm manifestamente qualquer ligação com a Comunidade. Além disso, tal como a Comissão observou, certos precedentes relativos a processos desencadeados por requerentes domiciliados no território de Estados não Contratantes, mas nos quais este domicílio não pode ser considerado como relevante, militam no sentido da recusa do domicílio do requerente como critério pertinente. Assim, no processo Rich, o Tribunal de Justiça não comentou o facto de o processo principal implicar um requerente suíço que tinha desencadeado nos tribunais ingleses uma acção contra um requerido domiciliado na Itália e destinado a obter a designação de um árbitro. (15) Do mesmo modo, no processo Tatry, embora uma das séries de acções em causa implicasse um processo iniciado nos Países Baixos por proprietários polacos de um navio e destinado a obter a declaração de que não eram responsáveis pela alegada contaminação de certas mercadorias transportadas por um dos seus navios do Brasil para Roterdão, não foi sugerido que os tribunais nos quais os posteriores pedidos foram apresentados podiam ignorar as regras estabelecidas pelo artigo 21._ da convenção em matéria de litispendência pelo facto de esta não se aplicar ao processo neerlandês iniciado em primeiro lugar. (16)

22 Em consequência, recomendo que o Tribunal confirme que a localização do domicílio do requerente num Estado não Contratante não é pertinente para efeitos de aplicação da Convenção de Bruxelas. Em meu entender, esta localização só pode ter incidência nas situações em que a convenção preveja expressamente que ela constitui, directa ou indirectamente, um factor pertinente. (17)

B - A Convenção de Bruxelas e resseguro

23 Apenas a UGIC alega que o resseguro deve ser considerado como entrando no âmbito do Título II, Secção 3, da Convenção de Bruxelas. A UGIC invoca, em especial, a posição potencialmente muito fraca do segurador em certas situações ditas de «fronting» e afirma que o resseguro deve estar sujeito às regras específicas em matéria de seguros. (18)

24 A Group Josi, apoiada neste ponto pela República Francesa e pelo Reino Unido, alega que as regras específicas em matéria de seguros (em especial o artigo 8._, n._ 2, da Convenção de Bruxelas, que permitem ao tomador do seguro intentar uma acção nos órgãos jurisdicionais do Estado em que está domiciliado) não se aplicam. Estas regras destinam-se a proteger as pessoas seguradas como partes presumidas fracas no contrato. Esta situação não existe no caso do resseguro. A Group Josi, bem como a República Francesa e o Reino Unido, invocam o relatório Schlosser sobre a Convenção de Adesão de 1978, segundo o qual «um contrato de resseguro não pode ser equiparado a um contrato de seguro. Resulta deste facto que os artigos 7._ a 12._ não são aplicáveis aos contratos de resseguro». (19) A República Francesa observa que é certo ter já sido posta em causa a questão do resseguro no âmbito de processos relativos ao artigo 21._, mas que o Tribunal não considerou que as regras específicas em matéria de seguros se aplicassem. Considera igualmente que, mesmo que o resseguro entrasse no âmbito material da convenção, o artigo 8._, n._ 2, da convenção só poderia aplicar-se se o segurado fosse a parte fraca e estivesse domiciliado no território de um Estado Contratante; nenhuma destas condições é preenchida pela UGIC.

25 A Comissão nota que a relação entre o ressegurado e o ressegurador não afecta a relação entre o segurador e o tomador de seguro e que as disposições pertinentes da convenção são ambíguas. Todavia, decidiu reconsiderar a opinião que tinha emitido nas suas observações relativas ao processo Overseas Union Insurance e Outros. (20) Por conseguinte, passou a sustentar que as regras em matéria de seguro têm por vocação proteger a parte «fraca», o que tende a excluir os contratos de resseguro. É conveniente considerar que as regras em matéria de seguro se inspiram na mesma filosofia que a que subjaz às regras aplicáveis aos contratos celebrados pelos consumidores, constantes do Título II, Secção 4 (artigos 13._ a 15._), da Convenção de Bruxelas.

26 Há dois motivos pelos quais o resseguro poderia ser considerado como entrando no âmbito das regras específicas em matéria de seguros. O primeiro é que não existe diferença fundamental entre o seguro e o resseguro que justifique a exclusão do segundo do âmbito de aplicação do Título II, Secção 3, da Convenção de Bruxelas. O segundo, é o argumento textual segundo o qual, enquanto certos riscos importantes foram expressamente excluídos pelo artigo 12._-A, aditado pela Convenção de Adesão de 1978, o resseguro não faz parte dele. O facto de o legislador francês ter decidido, para excluir o resseguro do âmbito do Código dos Seguros francês, inserir neste código uma disposição expressa para esse efeito (o artigo L.111-1) pode parecer, como sugere a UGIC, militar indirectamente a favor desta concepção.

27 Todavia, estes argumentos não me parecem convincentes. Em primeiro lugar, o seguro e o resseguro, embora ligados, «são distintos do ponto de vista conceptual». (21) Assim, embora não exista definição ampla geralmente aceite de resseguro, este pode-se distinguir dos contratos de seguro ordinários por «não constituir nem uma cessão nem uma transferência da operação de seguro inicial de um segurador para outro, nem uma relação de parceria ou de mandato entre seguradores», mas antes «um contrato de seguro autónomo pelo qual o ressegurador se obriga a garantir integral ou parcialmente o ressegurado contra as perdas de que este seja responsável para com o segurado em virtude do contrato de seguro inicial». (22)

28 No entanto, o argumento decisivo deve ser procurado nas preocupações que estão na base das regras específicas de competência em matéria de seguros. O relatório Jenard indica claramente que «considerações de ordem social que assentam numa preocupação de protecção de certas categorias de pessoas como os segurados...» tornaram necessárias excepções à regra geral de competência baseada no domicílio e que têm «nomeadamente como objectivo evitar os abusos que podem resultar de contratos de adesão». (23) A ideia de proteger o segurado, em matéria de competência, contra o segurador, que é (habitualmente) a parte mais forte do ponto de vista económico, parece mesmo ter inspirado o texto inicial do Título II, Secção 3 da Convenção de Bruxelas. Com efeito, o Tribunal de Justiça tinha considerado, no seu acórdão Bertrand, diversos meses antes da assinatura da Convenção de Adesão de 1978, que a protecção da parte privada mais fraca (o consumidor final) tinha inspirado as regras do Título II, Secção 4, na sua versão inicial, embora estas disposições não mencionem os «consumidores» (24) Em 1983, no seu acórdão Gerling, o Tribunal de Justiça confirmou expressamente esta opinião no que concerne ao Título II, Secção 3, da versão original da Convenção de Bruxelas. Declarou então: «resulta... do exame das disposições desta secção, esclarecidas pelos seus trabalhos preparatórios, que oferecendo ao segurado uma gama de competências mais alargadas que aquela que é oferecida ao segurador, excluindo qualquer possibilidade de cláusula de extensão de competência em proveito do segurador, elas foram inspiradas por uma preocupação de protecção do segurado, o qual, muitas vezes, se encontra confrontado com um contrato pré-determinado cujas cláusulas não são negociáveis e constitui a pessoa economicamente mais fraca». (25)

29 É neste contexto que se deve apreciar a opinião inequívoca emitida a propósito do resseguro no n._ 151 do relatório Schlosser. Dado que este relatório rejeita categoricamente a equiparação dos contratos de resseguro aos contratos de seguro e que o artigo 9._ da Convenção de Adesão de 1978 aditou um novo artigo 12._-A à Convenção de Bruxelas, a fim de excluir expressamente alguns (mas não a totalidade) dos contratos de seguro que cobrem riscos comerciais, deve-se considerar que os autores da Convenção de Adesão de 1978 admitiram a opinião exarada no relatório Schlosser, segundo a qual não havia que excluir um qualquer tipo de contratos de resseguro pois o resseguro nunca tinha sido abrangido originalmente pela convenção.

30 Além disso, segundo uma jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, todas as excepções à regra geral de que um requerido deve ser demandado perante os tribunais do Estado onde tem o seu domicílio devem ser interpretadas de modo restritivo. (26) Dado ser, pelo menos, duvidoso que os autores da convenção tenham querido, na origem, incluir o resseguro no âmbito do Título II, Secção 3, da Convenção de Bruxelas ou, se o resseguro estava originalmente incluído, querido manter essa inclusão após a assinatura da Convenção de Adesão de 1978, o Tribunal de Justiça deverá agora confirmar que as regras gerais de competência da Convenção de Bruxelas são aplicáveis. Com efeito, o objectivo do Título II, Secção 3, é de fixar uma série de regras alternativas de competência que se presume beneficiarem as pessoas que demandam um «segurador domiciliado no território de um Estado Contratante» (v. artigo 8._). Apenas o artigo 11._ diz respeito ao direito de um segurador intentar uma acção. No entanto, prevê que, com excepção dos pedidos reconvencionais, que podem sempre ser apresentados ao Tribunal a quem foi feito o pedido original, a acção do segurador deva ser intentada «perante os tribunais do Estado Contratante em cujo território estiver domiciliado o requerido». Por conseguinte, como observa a República Francesa, no que diz respeito ao direito de recurso dos seguradores, o Título II, Secção 3, mais não faz do que confirmar a regra geral do artigo 2._ Se estas disposições se aplicassem igualmente ao resseguro, poder-se-ia afirmar, sem que isso fosse irrazoável, que o ressegurado só poderia demandar o «ressegurador» perante os tribunais do Estado onde este último tem o seu domicílio pois, finalmente, ele permaneceria um «segurador» e que, de igual modo, o ressegurador, que seria equiparado a um «segurador» só poderia demandar o «segurador» ressegurado perante os tribunais do Estado onde o ressegurado tivesse o seu domicílio. Parece-me improvável que os autores da Convenção de Bruxelas tenham querido privar os seguradores ou resseguradores do direito de, nos litígios que os opõem, intentarem uma acção nomeadamente nos termos do artigo 5._

31 Esta conclusão parece-me corroborada pela reacção académica e judicial às disposições do Título II, Secção 3, da Convenção de Bruxelas, tal como alterada pela Convenção de Adesão de 1978. Em 1990, um comentador, «em previsão de um pedido de decisão prejudicial que poderá um dia ser apresentado ao Tribunal de Justiça... afirmou que o resseguro deverá de modo praticamente certo ser afastado do âmbito da Secção 3». (27) É conveniente notar que os tribunais ingleses - que conhecem particularmente bem o resseguro, devido ao facto de a maior parte das operações internacionais de resseguro se praticarem no mercado de Londres (28) - tomaram sistematicamente partido contra a inclusão do resseguro nas regras específicas de competência. (29)

32 Por conseguinte, estou convencido de que os contratos de resseguro, ou seja, os contratos que criam relações entre um ressegurado e o seu ressegurador, não devem ser considerados abrangidos pelas regras de competência em matéria de seguros para efeitos da Convenção de Bruxelas. Esta conclusão não é afectada pelo argumento da Comissão de que o resseguro deve ser considerado como abrangido por essas regras quando o tomador do seguro inicial esteja colocado numa relação directa com o ressegurador, quer isso suceda devido a uma legislação nacional ou por qualquer outra razão. (30) Nestas circunstâncias, o ressegurador agiria efectivamente como segurador e estaria, por conseguinte, sujeito às regras específicas de competência fixadas pelo Título II, Secção 3. Dito de outra forma, deveria ser considerado, face a este tomador do seguro, como sub-rogado na situação do segurador para efeitos da Secção 3. (31)

III - Conclusão

33 Face ao que precede, sugiro que o Tribunal responda da seguinte forma às questões submetidas pela cour d'appel de Versailles:

«1) A convenção de 27 de Setembro de 1968, relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, tal como alterada, aplica-se a todas as acções civis ou comerciais intentadas no território de um Estado Contratante contra um requerido domiciliado no território desse Estado ou no território de outro Estado Contratante, qualquer que seja o lugar do domicílio do requerente;

2) As regras específicas de competência em matéria de seguros, fixadas pelo Título II, Secção 3, tal como alterado, da Convenção de Bruxelas, não se aplicam em matéria de resseguro.»

(1) - Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972 L 299, p. 32; EE 1 F1 p. 186). No momento dos factos que estão na origem do processo principal, as disposições pertinentes do título II da convenção de Bruxelas, ou seja, a secção 3 intitulada «Competência em matéria de seguros», tinham sido alteradas pela convenção de 9 de Outubro de 1978, relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte (JO L 304 p. 1; EE 1 F2 p. 131, a seguir «Convenção de Adesão de 1978»). Nem a Convenção de 25 de Outubro de 1982, relativa à adesão da República Helénica (JO L 388, p. 1; EE 1 F3 p. 234), nem a convenção de 26 de Maio, relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa (JO L 285, p. 1) introduziram qualquer alteração pertinente para o presente caso.

(2) - Invocou também o artigo 5._, n._ 1, que se refere de modo específico à competência em matéria contratual.

(3) - A UGIC deixa à apreciação do tribunal a questão de saber se um requerido pode opor a Convenção de Bruxelas a um requerente domiciliado no Canadá.

(4) - V. acórdãos do Tribunal de Justiça de 25 de Junho de 1991, Rich (C-190/89, Colect. p. I-3855) e de 6 de Dezembro de 1994, Tatry (C-406/92, Colect., p. I-5439).

(5) - JO C 189, de 28 de Julho de 1990, p. 122.

(6) - O Reino Unido menciona os artigos 5._, n._ 2, 8._, n._ 2, 14._, n._ 1 e 17.

(7) - O agente da Comissão observou na audiência que, segundo o artigo 52._ da Convenção, este problema é da competência do juiz a quem foi submetido o litígio, a saber, no processo principal, o juiz francês que, todavia, não se debruçou sobre esta questão.

(8) - Op. cit., p. 129.

(9) - Ibidem, p. 135.

(10) - Salvo quando se trate de litígios não internacionais em que o requerente esteja domiciliado no mesmo Estado-Membro que o requerido, caso em que, apenas as regras de competência em vigor neste Estado se aplicam; v. o relatório Jenard, já referido, p. 130.

(11) - Acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Junho de 1992, Handte, C-26/91, Colect., p. I-3967, N._ 13).

(12) - O relatório Jenard, op. cit., p. 160, indica que a Convenção «aplica-se a qualquer decisão proferida por um Tribunal de um Estado contratante em matéria civil e comercial incluída no âmbito da Convenção, independentemente das partes terem ou não tido o seu domicílio na Comunidade e da sua nacionalidade» (o sublinhado é meu).

(13) - Acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Setembro de 1994, Brenner e Noller, C-318/93, Colect., p. I-4275.

(14) - Foi o que o Tribunal de Justiça confirmou no seu acórdão de 20 de Janeiro de 1994, Owens Bank (C-129/92, Colect., p. I-117, n._ 37).

(15) - Acórdão já referido na nota 4.

(16) - Acórdão já referido na nota 4.

(17) - V. artigos 5._, n._ 2, 8._, n._ 2, 14._, n._ 1, e 17._ da Convenção.

(18) - Diz-se de «fronting» uma situação em que o segurador B, normalmente em contrapartida de uma comissão, age na qualidade de mandatário sem representação («front») de um segurador A, que pode não dispor de licença ou não ser desejado pelo segurado. Habitualmente, o segurador B, em virtude de um contrato de seguro, será inteiramente responsável para com o segurado mas terá direito, em virtude do contrato de resseguro, a uma garantia de reembolso por parte do segurador A; v. MacGillivray Insurance Law, editor geral Leigh-Jones, Londres, 1997, n.os 33-21.

(19) - JO 1979 C 59, p. 117; C-189, de 28 de Julho de 1990, p. 184, n._ 151.

(20) - Acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Junho de 1991 (C-351/89, Colect., p. I-3317).

(21) - V. acórdão do juiz Evans, da Court of Appeal of England and Wales, no processo Agnew e Outros/Lansförsäkringsbølagens [1997] 4 All ER 937, p. 944.

(22) - V. MacGillivray on Insurance, op. cit., n._ 33-2, onde são citados diversos precedentes de direito inglês.

(23) - Op. cit., pp. 28 e 29.

(24) - Acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Junho de 1978, (150/77, Colect. 1978, p. 487, n._ 18).

(25) - Acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 1983 (201/82, Recueil p. 2503, n._ 17, o sublinhado é meu).

(26) - V., entre outros, os acórdãos Handte, já referido, n.os 13 e 14, e de 27 de Outubro de 1998, Réunion Européenne e Outros (C-51/97, Colect., p. I-6511, n._ 16).

(27) - Kaye, «Business insurance and reinsurance under European Judgments Convention: application of protective provisions» (1990) Journal of Business Law 517, p. 522. V. também: Hunter, «Reinsurance Litigation and the Civil Jurisdiction and Judgments Act 1982», (1987) Journal of Business Law p. 344; O'Malley and Layton, European Civil Practice (1989), parágrafo 18.7; MacGillivray on Insurance Law, op. cit., n._ 33-84; Colinvaux's Law of Insurance (Merkin editor), 7° edição, 1997, p. 39.

(28) - V. Colinvaux's Law of Insurance, op. cit., p. 29. O papel significativo desempenhado pelos órgãos jurisdicionais do Reino Unido e resultante da importância do mercado de Londres foi também salientado pelo Tribunal de Commerce de Nanterre, num acórdão que proferiu no processo principal e foi, de resto, reconhecido pelo relatório Schlosser, op. cit., n._ 136.

(29) - V. acórdão do juiz Kerr, da Court of appeal of England and Wales, no processo Citadel Insurance/Atlantic Union Insurance [1982] 2 Lloyd's Rep. 543, p. 549; acórdão do juiz Rix, da High Court of England and Wales, no processo Trade Indemnity and Others/Førsäkringsaktiebølaget Njord (em liquidação) [1995] 1 All ER 796, p. 804 e o acórdão do juiz Evans no processo Agnew e Outros, op. cit., já referido na nota 21 supra, pp. 943 e 944.

(30) - Na audiência, a Comissão invocou, a este propósito, certas disposições do direito espanhol. Contrariamente ao que a UGIC sustentou, estas considerações não se aplicam à relação entre um ressegurador e um segurador na situações ditas de «fronting».

(31) - A noção de sub-rogação foi recentemente examinada pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 27 de Janeiro de 2000, Dansommer (C-8/98, ainda não publicado na Colectânea, n._ 37).

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