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Document 61993CC0427

Conclusões conjuntas do advogado-geral Jacobs apresentadas em 14 de Dezembro de 1995.
Bristol-Myers Squibb contra Paranova A/S (C-427/93) e C. H. Boehringer Sohn, Boehringer Ingelheim KG e Boehringer Ingelheim A/S contra Paranova A/S (C-429/93) e Bayer Aktiengesellschaft e Bayer Danmark A/S contra Paranova A/S (C-436/93).
Pedido de decisão prejudicial: Sø- og Handelsretten - Dinamarca.
Directiva 89/104/CEE que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas - Artigo 36. do Tratado CE - Reembalagem de produtos de marca.
Processos apensos C-427/93, C-429/93 e C-436/93.
Eurim-Pharm Arzneimittel GmbH contra Beiersdorf AG (C-71/94), Boehringer Ingelheim KG (C-72/94) e Farmitalia Carlo Erba GmbH (C-73/94).
Pedido de decisão prejudicial: Bundesgerichtshof - Alemanha.
Reembalagem de produtos de marca - Artigo 36. do Tratado CE.
Processos apensos C-71/94, C-72/94 e C-73/94.
MPA Pharma GmbH contra Rhône-Poulenc Pharma GmbH.
Pedido de decisão prejudicial: Oberlandesgericht Köln - Alemanha.
Reembalagem de produtos de marca - Artigo 36. do Tratado CE.
Processo C-232/94.

Colectânea de Jurisprudência 1996 I-03457

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1995:440

CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

F. G. JACOBS

apresentadas em 14 de Dezembro de 1995 ( *1 )

índice

 

I — O contexto factual e as questões submetidas

 

1) Os processos apensos C-427/93, C-429/93 c C-436/93, Paranova

 

a) O processo C-427/93, Bristol-Myers Squibb/Paranova

 

b) O processo C-429/93, C. H. Boehringer Sohn, Boehringer Ingelheim KG e Boehringer Ingelheim A/S/Paranova Λ/S

 

c) O processo C-436/93, Bayer AG e Bayer Danmark A/S/Paranova

 

2) Os processos apensos C-71/94, C-72/94 e C-73/94, Eurim-Pharm

 

a) O processo C-71/94, Eurim-Pharm/Beiersdorf AG

 

b) O processo C-72/94, Eurim-Pharm/Boehringer Ingelheim KG

 

c) O processo C-73/94, Eurim-Pharm/Farmitalia Carlo Erba GmbH

 

3) O processo C-232/94, ΜΡΛ Pharma GmbH/Rhône-Poulcnc Pharma GmbH

 

II — A jurisprudência e a legislação relevantes

 

1) A jurisprudência relativa aos artigos 30.° c 36.odo Tratado

 

2) A Directiva 89/104

 

3) A relação entre as disposições do Tratado e a directiva

 

III — O esgotamento dos direitos no caso dos produtos rcembalados

 

1) A rcembalagcm ao abrigo das regras do Tratado

 

a) A base do esgotamento: a comercialização na Comunidade com o consentimento do titular da marca

 

b) Os dois tipos de rcembalagcm: são realmente diferentes?

 

c) A verdadeira razão para restringir a aplicação do princípio do esgotamento no que concerne aos produtos rcembalados

 

d) A noção de restrição dissimulada

 

e) As condições suplementares que o importador paralelo deve preencher

 

f) Uma conclusão geral

 

2) A reembalagem nos termos da directiva

 

3) O ónus da prova

 

IV — A aplicação dos princípios anteriormente expostos aos factos específicos de cada processo

 

1) O processo C-427/93

 

2) O processo C-429/93

 

3) O processo C-436/93

 

4) O processo C-71/94

 

5) O processo C-72/94

 

6) O processo C-73/94

 

7) O processo C-232/94

 

V — A resposta às questões submetidas

 

Conclusão

 

Processos apensos C-427/93, C-429/93 e C-436/93

 

Processos apensos C-71/94, C-72/94 e C-73/94

 

Processo C-232/94

1. 

Estas conclusões referem-se a uma série de processos nos quais tribunais dinamarqueses e alemães solicitam decisões a título prejudicial para determinarem se e dentro de que limites é compatível com o direito comunitário que o titular de uma marca se oponha à importação e venda num Estado-Membro de produtos farmacêuticos que a ostentam e que foram colocados no mercado de outro Estado-Membro com o consentimento do seu titular e foram posteriormente reembalados por outras pessoas sem o seu consentimento.

I — O contexto factual e as questões submetidas

2.

Os presentes processos revelam uma surpreendente falta de uniformidade no mercado comum, pelo menos no que concerne ao comércio dos produtos farmacêuticos. São pertinentes dois aspectos desta falta de uniformidade. Por um lado, verificam-se grandes diferenças nos preços dos produtos farmacêuticos. Os preços são consideravelmente mais baixos em certos países (Grécia, Espanha, Portugal e o Reino Unido, por exemplo) do que noutros (Dinamarca c Alemanha, por exemplo). Há discordância quanto às razões dessas diferenças, mas parece não haver dúvida de que são, pelo menos cm certa medida, devidas à existência em certos países de preços controlados e às diferentes regras sobre as quantias máximas que podem ser reembolsadas aos pacientes ao abrigo dos regimes de seguro de saúde cm certos Estados-Membros ( 1 ).

3.

Seja qual for a causa das diferenças dos preços, a sua existência estimula o fenômeno dito das «importações paralelas», que consiste cm certas pessoas exteriores ao sistema oficial de distribuição do produtor comprarem produtos que se encontram no mercado dos países de preços mais baixos c os exportarem para os países de preços mais elevados, onde os podem vender com lucro apesar de o fazerem abaixo dos preços oficiais de venda do produtor.

4.

Todavia, estas importações paralelas enfrentam graves obstáculos que resultam do segundo aspecto da falta de uniformidade anteriormente referida. Devido às diferenças das regras e práticas relativas à embalagem dos produtos farmacêuticos — por exemplo, as normas relativas ao número de comprimidos por embalagem —, os importadores paralelos têm frequentemente que proceder à reembalagem dos produtos. Quando se trata de produtos de marca, têm então que reapor a marca no produto reembalado ou deixar que esta continue a ser visível através da nova embalagem, de modo a que o produto seja identificado. Caso os fabricantes dos produtos em questão invoquem os seus direitos de marca para se oporem a essas importações paralelas de produtos reembalados, os subsequentes processos judiciais suscitam uma questão que tem sido submetida freqüentemente ao Tribunal de Justiça c dos modos mais variados: designadamente, a de saber se c cm que circunstâncias os direitos de propriedade industrial prevalecem sobre a livre circulação de mercadorias no mercado comum.

5.

Tendo assim exposto o contexto global, vou agora resumir a matéria de facto específica dos sete processos submetidos ao Tribunal de Justiça.

1) Os processos apensos C-427/93, C-429/93 e C-436/93, Paranova

6.

Estes três processos foram submetidos ao Tribunal de Justiça por tribunais dinamarqueses. Nos dois primeiros, o tribunal a quo é o Sø-og Handelsretten i København (tribunal comercial de Copenhaga), enquanto o terceiro processo foi submetido pelo Højesteret (Tribunal Supremo). Em todos os três processos, a ré (ou a recorrida no processo C-436/93) é uma companhia dinamarquesa denominada Paranova A/S (a seguir «Para-nova»), que é uma distribuidora de produtos farmacêuticos. As autoras (recorrentes no processo C-436/93) são fabricantes de produtos farmacêuticos.

a) O processo C-427/93, Bristol-Myers Squibb/Paranova

7.

A autora, Bristol-Myers Squibb, é titular do registo dinamarquês das marcas «Capoten», «Mycostatin», «Vepesid», «Vumon» e «Diclocil». Os produtos em questão são especialidades farmacêuticas que são fabricadas e comercializadas pela Bristol-Myers Squibb ou uma companhia sua associada em vários Estados-Membros.

8.

A Paranova comprou lotes dos cinco produtos que tinham sido colocados no mercado pela Bristol-Myers Squibb ou por uma companhia sua associada num Estado-Membro diferente da Dinamarca. A Paranova reembalou os produtos e comercializou-os na Dinamarca, tendo registado os cinco produtos como especialidades farmacêuticas com os mesmos nomes que eram utilizados pela Bristol-Myers Squibb no registo dinamarquês das especialidades farmacêuticas. No caso do Capoten, que é um produto com efeito hipotensor, a Paranova comprou os comprimidos na Grécia em caixas de blisteres e reembalou-as numa embalagem externa fabricada pela Paranova. A embalagem tinha bandas amarelo e verde que correspondem às cores do material de publicidade utilizado pela Bristol-Myers Squibb. A Paranova imprimiu o nome «Capoten» na embalagem sem o símbolo «R» e indicou que os produtos eram fabricados pela Bristol-Myers Squibb e tinham sido importados e reembalados pela Paranova.

9.

A Paranova efectuou idênticas operações no que se refere ao Diclocil que é um antibiótico contra infecções. O Diclocil que foi embalado pela Paranova foi igualmente adquirido na Grécia.

10.

O Vepesid e o Vumon são medicamentos anticancerosos vendidos em ampolas. A Paranova comprou lotes destes produtos no Reino Unido e mais tarde na Espanha. A Paranova removeu as ampolas dos seus suportes protectores e colocou uma etiqueta em cada ampola, cobrindo a indicação da Bristol-Myers Squibb. A marca da Bristol-Myers Squibb foi impressa na etiqueta sem o símbolo «R». Foi ainda indicado nas etiquetas que os bens foram «fabricados pela Bristol-Myers Squibb» e «importados e reembalados pela Paranova». As ampolas foram depois colocadas no suporte protector original e embaladas numa embalagem externa não fornecida pela Bristol-Myers Squibb. A embalagem externa tinha aposta as marcas e as informações anteriormente referidas no que toca ao fabricante dos produtos e à sua reembalagem. A Paranova escolheu para a embalagem externa cores correspondentes às utilizadas na embalagem externa na qual a Bristol-Myers Squibb apresentava os seus produtos. A Paranova retirou a bula que a Bristol-Myers Squibb juntou aos produtos (escrita em inglês e em espanhol) e juntou uma versão dinamarquesa da bula, onde foram impressas as marcas.

11.

O Mycostatin é utilizado contra as micoses da boca. O produto é apresentado em várias formas. A Paranova comprou lotes vendidos em Portugal na forma de uma mistura acondicionada em frascos. A Paranova retirou a embalagem externa original, colocou a sua própria etiqueta, com a marca, nos frascos e colocou os frascos numa nova embalagem externa que ostentava a marca «Mycostatin» e tinha as mesmas cores que a embalagem original. A Paranova também juntou à embalagem um vaporizador que não era fabricado pela Bristol-Myers Squibb.

12.

A Paranova procedeu às operações de reembalagem anteriormente referidas de modo a poder oferecer os produtos cm questão em embalagens de tamanhos idênticos aos normalmente utilizados na Dinamarca pela Bristol-Myers Squibb. Em princípio, os farmacêuticos dinamarqueses estão obrigados a fornecer os produtos farmacêuticos nas quantidades estipuladas na receita.

13.

A Bristol-Myers Squibb accionou a Paranova no Sø-og Handelsret, requerendo, designadamente, que a Paranova seja obrigada a deixar de violar as marcas da Bristol-Myers Squibb através da sua aposição, sem o consentimento da Bristol-Myers Squibb, em produtos por ela rcembalados. A Paranova invoca em sua defesa que a sua actuação não se traduziu numa violação da marca face ao disposto no artigo 7° da Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988 (primeira directiva que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas; a seguir «directiva») ( 2 ). O artigo 7° da directiva dispõe:

«1.   O direito conferido pela marca não permite ao seu titular proibir o uso desta para produtos comercializados na Comunidade sob essa marca pelo titular ou com o seu consentimento.

2.   O n.° 1 não é aplicável sempre que existam motivos legítimos que justifiquem que o titular se oponha à comercialização ( 3 ) posterior dos produtos, nomeadamente sempre que o estado desses produtos seja modificado ou alterado após a sua colocação no mercado.»

14.

O artigo 7° da directiva foi transposto na Dinamarca pelo artigo 6.° da Lei n.° 341, que reproduz o teor do artigo 7° praticamente expressis verbis.

15.

O Sø-og Handelsretten suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça para decisão a título prejudicial as seguintes questões:

«1)

O artigo 7°, n.° 1, da Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas, deve ser interpretado no sentido de que um titular de uma marca que lançou um produto no circuito comercial num Estado-Membro sob uma marca comercial não se pode opor a que um terceiro importe o produto para um outro Estado-Membro para o comercializar sob a mesma marca comercial, mesmo que este terceiro tenha incluído na embalagem interna do produto um folheto informativo no qual a marca é reaposta e tenha substituído a embalagem externa original por uma nova em que a marca comercial é reaposta, a menos que seja aplicável o artigo 7.°, n.° 2?

Deve realçar-se que com a pergunta não se pretende uma tomada de posição relativamente aos casos abrangidos pelo artigo 36.°, segundo período, do Tratado, que podem justificar a reembalagem e a reaposição da marca em conformidade com os princípios estabelecidos no processo 102/77, mas unicamente sobre se o artigo 7.°, n.o 1, deve ser entendido no sentido de que o estabelecimento do princípio do esgotamento do direito conferido pela marca dentro da Comunidade Europeia também comporta uma restrição geral dos direitos adquiridos pelo titular da marca ao uso duma marca comercial para o qual aquele titular da marca não deu a sua autorização.

2)

No caso de resposta afirmativa à questão 1, pretende-se esclarecer se o referido artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 89/104/CEE implica na sua aplicação que a jurisprudência do Tribunal de Justiça, tal como vem desenvolvida na sequência do referido processo 102/77, passa a ter um significado subsidiário, na medida em que o direito de proceder à reembalagem deve ser decidido em primazia mediante a aplicação das disposições nacionais correspondentes ao artigo 7.°, n.° 2, da acima referida directiva.

3)

No caso de se considerar que o artigo 7.°, n.° 1, da acima referida directiva tem em vista permitir que o importador paralelo reaponha a marca comercial, pretende-se que seja esclarecido se nos termos do artigo 7.°, n.° 2, deve ser considerado como ‘motivos legítimos’ o facto de o produto ser reembalado.

Deve esclarecer-se em especial se faz alguma diferença que se trate apenas da reembalagem e da reaposição da marca na embalagem externa e não também na interna.

4)

Relativamente à disposição derrogatória de princípio prevista no artigo 36.°, segundo período, do Tratado e com base no que foi declarado pelo Tribunal de Justiça no processo 102/77, pretende-se que seja esclarecido o que é que em relação a um certo produto pode caracterizar-se como uma compartimentação do mercado, especialmente quais as circunstâncias qualificativas que devem entrar na apreciação da questão de saber se, cm relação a um produto concreto conjugado com o sistema de vendas utilizado pelo titular da marca, se pode dizer que se está perante uma ‘compartimentação artificial’ do mercado entre os Estados-Membros?»

b) O processo C-429/93, C. H. Boehringer Sohn, Boehringer Ingelheim KG e Boehringer Ingelheim A/S/Paranova A/S

16.

AC. H. Boehringer Sohn c a Boehringer Inglheim KG são companhias alemãs associadas que fabricam produtos farmacêuticos. A Boehringer Ingelheim A/S ć uma filial dinamarquesa da Boehringer Ingelheim KG. Distribui os produtos Boehringer na Dinamarca. Passarei a referir as três companhias colectivamente sob o nome de «Boehringer».

17.

A Boehringer registou na Dinamarca as marcas «Boehringer Ingelheim», «Atrovent», «Berodual», «Berotec» c «Catapresan». A primeira é utilizada de um modo geral nos produtos farmacêuticos fabricados pela Boehringer. As outras quatro são utilizadas para designar produtos farmacêuticos específicos. O Atrovent, o Berodual e o Berotec são utilizados para o tratamento de asma brônquica e são vendidos em aerossóis para inalação. A Boehringer fabrica os produtos na Alemanha e comercializa-os através da Comunidade, mas com diferentes quantidades da substância activa. O Catapresan é utilizado para o tratamento da hipertensão arterial. É fabricado na Alemanha sob o controlo da Boehringer na forma de comprimidos acondicionados em pacotes de blisteres. A Paranova comprou lotes dos quatro produtos anteriormente referidos num Estado-Membro diferente da Dinamarca. A Paranova rccmbalou os produtos e, no caso do Bedual c do Berotec, incluiu novas bulas redigidas em línguas que, na decisão de reenvio, são indicadas como «escandinavas». Na nova embalagem, refere-se o fabricante como sendo a «Boehringer Ingelheim». A Boehringer não autorizou a Paranova a fabricar ou embalar produtos cm seu nome ou a neles apor as suas marcas comerciais. A Paranova registou os quatro produtos na Dinamarca como especialidades novas com os mesmos nomes das especialidades da Boehringer.

18.

A Boehringer accionou a Paranova no Sø-og Handelsret, requerendo, designadamente, que a Paranova seja obrigada a cessar de violar as suas marcas através da sua aposição cm produtos reembalados. Este tribunal submeteu ao Tribunal de Justiça duas questões a título prejudicial de teor idêntico às questões n.os 1 e 2 do processo C-427/93.

c) O processo C-436/93, Bayer AG e Bayer Danmark A/S/Paranova

19.

As recorrentes neste processo são a Bayer AG e a Bayer Danmark A/S. A Bayer AG é uma companhia alemã que fabrica produtos farmacêuticos. A Bayer Danmark A/S (a seguir «Bayer Danmark») é uma filial dinamarquesa a 100% da Bayer AG que distribui os produtos desta última na Dinamarca. A Bayer AG registou as marcas comerciais «Bayer» na Alemanha, Dinamarca e outros Estados-Membros. A Bayer AG também registou a marca nominativa «Adalat» em todos os Estados-Membros. O Adalat é um produto farmacêutico para o tratamento de doenças cardíacas e cardiovasculares. A Bayer Danmark comercializava o Adalat na Dinamarca em embalagens que continham 30 ou 100 comprimidos. As embalagens eram compostas de um certo número de pacotes-de blisteres, cada um com 10 comprimidos. Após 1990, apenas as embalagens com 100 comprimidos têm sido vendidas na Dinamarca. A Bayer AG comercializa o Adalat noutros Estados-Membros, mas o número de comprimidos por embalagem varia de país para país. Na Grécia, o produto é vendido em embalagens de 30 comprimidos (três pacotes de blisteres, cada um com 10 comprimidos). Na Grécia, o preço do Adalat é consideravelmente inferior ao praticado na Dinamarca.

20.

Em 19 de Novembro de 1989, a Paranova informou aos grossistas de produtos farmacêuticos na Dinamarca que, a partir de 3 de Dezembro de 1990, podia fornecer o Adalat em embalagens de 100 comprimidos. Por carta de 3 de Dezembro de 1990, a Paranova informou a Bayer Danmark de que passava a comercializar o Adalat. Os comprimidos Adalat comercializados pela Paranova na Dinamarca são importados da Grecia (onde foram colocados no mercado pela filial grega da Bayer AG) em embalagens de 30 comprimidos que a Paranova reembala em embalagens de 100 comprimidos. A Paranova inscreveu o nome «Adalat» na nova embalagem, mencionando que os produtos foram fabricados pela Bayer e importados e reembalados pela Paranova. Uma advertência na parte lateral da embalagem, assinalando que os produtos devem ser protegidos da luz, foi, segundo as recorrentes, acrescentada apenas após terem chamado a atenção da Paranova para a sensibilidade à luz do produto. Contudo, na audiência, o advogado da Paranova declarou que o produto originalmente colocado no mercado pelas recorrentes não continha essa advertência.

21.

Em 25 de Setembro de 1991, as recorrentes accionaram a Paranova no Sø-og Handelsret, que julgou a sua acção improcedente. As recorrentes interpuseram então recurso no Højesteret, que submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões a título prejudicial:

«1)

A faculdade de um titular de uma marca comercial se opor a que um importador paralelo substitua a embalagem original dos seus produtos total ou parcialmente por uma nova embalagem, na qual o importador paralelo procede à reaposição da marca comercial, deve ser apreciada nos termos do direito de marca nacional apenas em conjugação com o artigo 7.°, n.os 1 e 2, da Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-membros em matéria de marcas, ou também em conjugação com o artigo 36.°, primeiro c segundo períodos, do Tratado CEE?

2)

No caso de se julgar que é legal a faculdade de reacção do titular da marca comercial, tal significa que se pode considerar que isso constitui uma ‘compartimentação artificial do mercado’ relativamente à circulação do produto cm questão?

Solicita-se ao Tribunal de Justiça que cm tal caso defina qual o significado da faculdade de reacção em causa.

3)

No caso de resposta afirmativa à questão 2, tal significa, no que se refere aos direitos do titular da marca, que este teve a intenção de provocar c beneficiar de tal compartimentação artificial do mercado?

Solicita-se ao Tribunal de Justiça que cm tal caso defina qual o significado dos direitos cm questão.

4)

Em relação à questão 3, é o importador paralelo que deve justificar ou demonstrar que existiu a referida intenção, ou é o titular da marca comercial que deve justificar ou demonstrar que não existiu tal intenção?

5)

A reaposição da marca comercial, tal como descrita na questão 1, é cm si própria susceptível de caber no conceito de ‘motivos legítimos’, na acepção do artigo 7.° da directiva, ou deve além disso o titular da marca demonstrar circunstâncias de facto complementares, tais como que o estado dos produtos foi modificado ou alterado após a sua colocação no mercado pelo importador paralelo?»

2) Os processos apensos C-71/94, C-72/94 e C-73/94, Enrim-Pharm

22.

Estes três processos foram submetidos ao Tribunal de Justiça para decisão prejudicial pelo Bundesgerichtshof. Em todos os três casos, a recorrente (que era a ré cm primeira instância) é a Eurim-Pharm Arzneimittel GmbH (a seguir «Eurim-Pharm»). A Eurim-Pharm é uma companhia alemã que distribui produtos farmacêuticos. Em todos os três processos, a recorrida é uma companhia alemã que fabrica c distribui esse produtos.

a) O processo C-71/94, Eurim-Pharm//Beiersdorf AG

23.

A Beiersdorf AG (a seguir «Beiersdorf») fabrica comprimidos denominados bloqueadores beta para o tratamento da hipertensão e comercializa-os na Alemanha com o nome de «Kerlone». Fá-lo através da licença concedida pela Laboratoires Synthelabo France (a seguir «Synthelabo»), que é a titular da marca comercial «Kerlone» na Alemanha e noutros países. A Beiersdorf comercializa o Kerlone em embalagens de 50 ou 100 comprimidos, que correspondem às dimensões normalizadas que são recomendadas pelas várias associações comerciais e profissionais e pelas instituições de seguro de saúde na Alemanha. Na França, a Synthelabo comercializa o Kerlone em embalagens de 28 comprimidos para satisfazer a regulamentação legal, de acordo com a qual só são admitidas embalagens que correspondam, no máximo, ao necessário para um mês. Cada embalagem contém duas tiras de blisteres com 14 comprimidos cada. O verso da tira de blisteres contém a indicação dos dias de duas semanas, em língua francesa, de tal forma que a cada comprimido corresponde um dia da semana.

24.

Desde finais de 1988, a Eurim-Pharm tem vindo a comercializar na Alemanha os comprimidos Kerlone que importa da França, onde foram colocados no mercado pela Synthelabo. Para alcançar as dimensões normalizadas que são recomendadas na Alemanha, a Eurim-Pharm tem de proceder à reembalagem dos produtos. Não sendo 50 ou 100 múltiplos de 14, esse resultado só pode ser atingido cortando algumas tiras de blisteres. A Eurim-Pharm coloca um certo número de tiras de blisteres (algumas inteiras e nas suas embalagens originais, outras cortadas e retiradas das suas embalagens originais) dentro de uma caixa, de seu próprio desenho, na qual foi cortada uma pequena abertura; através dessa abertura é visível a marca «Kerlone» impressa numa das embalagens originais da Synthelabo. A embalagem externa contém informação sobre as substâncias activas e uma indicação de que os produtos foram importados, embalados e distribuídos pela Eurim-Pharm. Um aspecto adicional a ter em consideração é o de que, quando as tiras de blisteres são cortadas, a série dos dias da semana a que cada comprimido é atribuído fica incompleta.

25.

A Beiersdorf, que foi autorizada pela Synthelabo a invocar, em nome próprio, os direitos resultantes da lesão da marca «Kerlone», accionou nos tribunais alemães a Eurim-Pharm, pedindo uma indemnização e que esta seja obrigada a cessar de utilizar a marca «Kerlone» do modo descrito. O processo subiu finalmente até ao Bundesgerichtshof, que submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

O titular da licença de uma marca com registo internacional (marca RI) válida no Estado-Membro A pode, ao abrigo do artigo 36.°, invocar o direito das marcas para impedir que um importador adquira um medicamento comercializado com esta mesma marca no Estado-Membro B pelo titular da marca RI, sendo que o referido medicamento só pode ser vendido no Estado-Membro A com receita médica, e que neste Estado é normalmente vendido em embalagens com determinadas dimensões adequadas à terapia, recomendadas por direcções de associações, nomeadamente, da indústria farmacêutica, enquanto no Estado-Membro B é vendido em embalagens com dimensões diferentes, estipuladas por lei, tendo o importador criado uma nova embalagem para distribuição no Estado-Membro A, encontrando-se dentro daquela embalagens de origem do Estado-Membro B, com tiras de blisteres de origem, bem como partes de tiras de blisteres cortadas, apresentando a nova embalagem uma janela recortada através da qual é visível a marca RI da embalagem original, de modo a que a embalagem contenha a indicação do acondicionamento c distribuição pelo vendedor, mas não tenha qualquer referência ao produtor? E relevante para a resposta à questão o facto de as tiras de blisteres originais apresentarem no verso (em língua estrangeira no Estado-Membro Λ) a indicação do dia da semana, numa série de duas semanas, que passa a ficar incompleta com o corte das tiras de blisteres?

2)

O facto de a invocação do direito nacional das marcas, cm conjugação com o sistema de comercialização utilizado pelo titular da marca RI, conduzir objectivamente à compartimentação dos mercados entre os Estados-membros é suficiente para concluir pela existencia de uma restrição dissimulada às trocas comerciáis entre os Estados-Mcmbros, na acepção do artigo 36.°, ou, para este efeito, é necessária a prova de que o titular da marca RI invoca o respectivo direito das marcas cm conjugação com o seu sistema de comercialização com a finalidade de criar uma compartimentação artificial dos mercados?»

b) O processo C-72/94, Eurim-Pharm//Boehringer Ingelheim KG

26.

Λ Boehringer Ingelheim KG (a seguir «Boehringer Ingelheim») é titular da marca registada «Mexitil» na Alemanha c na França. O Mexitil é usado no tratamento de perturbações do ritmo cardíaco. A Boehringer Ingelheim vende o medicamento na Alemanha em embalagens dc 20, 50 ou 100 cápsulas, para satisfazer as dimensões normalizadas recomendadas na Alemanha. Na França, o mesmo preparado é fabricado sob licença pela Boehringer Ingelheim France SARL (a seguir «Boehringer France»), que pertence ao mesmo grupo da Boehringer Ingelheim. Na França, o Mexitil é vendido cm embalagens de 30 cápsulas. Cada embalagem contém três tiras de blisteres, cada uma com 10 cápsulas. Cada tira de blisteres destina-se a cobrir as necessidades dos pacientes durante dez dias, satisfazendo assim a legislação francesa nos termos da qual esses medicamentos devem corresponder às necessidades para um período de dez dias ou de um mês.

27.

A Eurim-Pharm importa e distribui na Alemanha o Mexitil que foi colocado no mercado em França pela Boehringer France. A Eurim-Pharm reembala os produtos de modo a poder vender o Mexitil em embalagens de 50 e 100 cápsulas, satisfazendo desse modo as pertinentes recomendações relativas às dimensões normalizadas. Para obter uma embalagem de 50 cápsulas, a Eurim-Pharm coloca numa caixa por si desenhada uma embalagem original francesa de 30 cápsulas e duas tiras de blisteres francesas originais de 10 cápsulas, junto com uma bula redigida em alemão e outras indicações. A caixa tem uma abertura rectangular suficientemente grande para revelar a marca «Mexitil» aposta na embalagem francesa original de 30 cápsulas. Para obter uma embalagem de 100 cápsulas, a Eurim-Pharm procede do mesmo modo, excepto que coloca dentro da embalagem externa três embalagens francesas originais de 30 cápsulas e uma tira de blisteres de 10 cápsulas. Em ambos os casos, a Eurim-Pharm coloca autocolantes nas embalagens originais de 30 cápsulas. Os autocolantes descrevem a Eurim-Pharm como sendo o importador e o distribuidor e referem que a substância activa é o cloridrato de mexiletina. Resulta do que acaba de ser exposto que a Eurim-Pharm obtém as dimensões normalizadas de 50 e 100 cápsulas sem proceder ao corte das tiras de blisteres originais.

28.

A Boehringer Ingelheim considera que a comercialização pela Eurim-Pharm dos produtos reembalados constitui uma violação da sua marca, pretendendo que esta ponha termo a essa violação e ainda uma indemnização. O Bundesgerichtshof, por despacho de 27 de Janeiro de 1994, submeteu ao Tribunal de Justiça duas questões a título prejudicial. A segunda é idêntica à questão 2 no processo C-71/94. A primeira questão tem o seguinte teor:

«1)

O titular de uma marca com registo internacional (marca RI) válida no Estado-Membro A pode, ao abrigo do artigo 36.°, invocar o direito das marcas para impedir que um importador adquira um medicamento comercializado no Estado-Membro B pelo titular da marca RI com esta mesma marca, sendo que o referido medicamento só pode ser vendido no Estado-Membro A com receita médica, e que no Estado-Membro A é normalmente vendido em embalagens recomendadas por direcções de associações, nomeadamente, da indústria farmacêutica, enquanto no Estado-Membro B é vendido em embalagens com dimensões diferentes, estipuladas por lei, tendo o importador criado uma nova embalagem para distribuição no Estado-Membro A, caso nesta embalagem se encontrem embalagens de origem do Estado-Membro B, com tiras de blisteres de origem, bem como partes de tiras de blisteres cortadas, apresentando a nova embalagem uma janela recortada através da qual é visível a marca RI da embalagem original, de modo a que a embalagem contenha a indicação do acondicionamento e distribuição pelo vendedor, mas não tenha qualquer referência ao produtor?»

29.

Esta questão é quase idêntica à questão 1 do processo C-71/94, tendo como únicas diferenças que a última frase, que refere a possível relevância do corte das tiras de blisteres, é, por razões óbvias, omitida e que as palavras «com determinadas dimensões adequadas à terapia»(über therapiegerechte Packlingsgrößen) são omitidas. Esta última omissão pode ser devida a um erro de tipografia. Curiosamente, a questão 1 no processo C-72/94 ainda refere a adição de tiras de blisteres cortadas, apesar de não ocorrer neste caso quaisquer corte de tiras de blisteres. O que também pode ser devido a erro de tipografia.

c) O processo C-73/94, Eurim-Pharm//Farmitalia Carlo Erba GmbH

30.

A Farmitalia Carlo Erba GmbH (a seguir «Farmitalia») é uma filial alemã de uma companhia italiana de nome Farmitalia Carlo Erba SrL. Esta última é o titular da marca registada «Sermion» na Alemanha, Espanha e Portugal. A Farmitalia comercializa na Alemanha sob licença da sua sociedade-mãe os medicamentos «Sermion» (substância activa: nicergolina 5 mg) e «Sermion forte» (substância activa: nicergolina 10 mg), que são usados no tratamento de perturbações das funções cerebrais. Na Alemanha, estes produtos são vendidos em embalagens de 50 e 100 drageias para satisfazer as pertinentes recomendações relativas às dimensões normalizadas.

31.

Em Portugal, uma empresa associada da Farmitalia comercializa a versão de 10 mg do produto com a denominação de «Sermion» (ou seja, sem o acrescento da palavra «forte»). O produto é vendido em embalagens de 60 drageias, que contêm seis tiras de blisteres, contendo cada uma 10 drageias. A dimensão da embalagem é calculada com base num período de tratamento de 20 dias à razão de 3 drageias por dia. Nos termos do despacho de reenvio, o produto atinge desse modo o limite máximo de reembolso permitido pelo regime português de seguro de doença. Em Espanha, uma sociedade associada da Farmitalia comercializa a versão de 5 mg do produto com o nome «Sermion» cm embalagens de 45 drageias. As 45 drageias estão contidas numa única tira de blisteres. A Eurim-Pharm compra lotes de Sermion e de Sermion forte que foram colocados nos mercados de Espanha e de Portugal pelas sociedades associadas da Farmitalia. A Eurim-Pharm importa esses produtos para a Alemanha e comercializa-os nesse país, após proceder à sua reembalagem em embalagens de 50 ou 100 drageias. No caso dos produtos comprados em Portugal, coloca no verso de cada tira de blisteres um autocolante com a palavra «forte». Cobre a face e uma janela lateral da embalagem original de 60 drageias com autocolantes. Coloca então a embalagem original sem qualquer outra alteração, mas acresccntando-lhe quatro tiras de blisteres avulsas, cada uma com 10 drageias, numa embalagem externa da sua criação. A embalagem externa tem uma abertura rectangular que é suficientemente grande para permitir ver o nome «Sermion» inscrito na embalagem portuguesa original. A palavra «forte» é impressa logo abaixo dessa janela. A embalagem exterior também contém a indicação de que os produtos foram importados, embalados e distribuídos pela Eurim-Pharm.

32.

No caso dos produtos comprados cm Espanha, a Eurim-Pharm completa a embalagem original de 45 drageias com uma tira de blisteres de cinco drageias cortada da tira de blisteres espanhola original e acrescenta-lhe uma bula redigida em alemão. A Eurim-Pharm coloca um autocolante com o seu nome e endereço e outras informações (número do conteúdo, prazo de validade, número de registo, etc.) na embalagem espanhola original de 45 drageias. Na face posterior da embalagem coloca um autocolante com as indicações «importação e distribuição: Eurim-Pharm Arzneimittel GmbH, 8235 Piding».

33.

A Farmitalia, que foi autorizada pela sua sociedade-mãe a agir quanto às violações dos seus direitos de marca, considera que as práticas anteriormente descritas constituem violações das marcas «Sermion» e «Sermion forte». Accionou a ré, ora recorrente, pedindo que seja obrigada a cessar as violações e uma indemnização. O Bundesgerichtshof, por despacho de 27 de Janeiro de 1994, submeteu ao Tribunal de Justiça duas questões a título prejudicial. A segunda é idêntica à questão 2 nos processos C-71/94 e C-72/94. A primeira questão tem o seguinte teor:

«1)

O titular de uma marca com registo internacional (marca RI) válida no Estado-membro A pode, ao abrigo do artigo 36.°, invocar o direito das marcas para impedir que um importador adquira um medicamento comercializado com a mesma marca no Estado-Membro B por empresa pertencente ao mesmo grupo que o titular da marca, sendo que o referido medicamento só pode ser vendido no Estado-Membro A com receita médica, e que neste Estado é normalmente vendido em embalagens com determinadas dimensões adequadas à terapia, recomendadas por direcções de associações, nomeadamente, da indústria farmacêutica, enquanto no Estado-Membro B é vendido em embalagens com dimensões diferentes, adequadas à prática habitual no que toca às receitas médicas, tendo o importador criado uma nova embalagem, e

a)

o comercialize no Estado-Membro A, encontrando-se dentro daquela embalagens de origem do Estado-Membro B, com tiras de blisteres de origem, bem como mais algumas tiras de blisteres originais, apresentando a nova embalagem uma janela recortada através da qual é visível a marca da embalagem original, de modo a que a embalagem contenha a indicação do acondicionamento e distribuição pelo vendedor, mas não tenha qualquer referência ao produtor,

ou

b)

o comercialize na embalagem original do Estado-Membro B, com a respectiva marca, à qual o importador apôs autocolantes com a respectiva firma e outras indicações (número do conteúdo, prazo de validade, número de registo, etc.) e acrescentou partes cortadas das tiras de blisteres originais, cada uma com cinco drageias?»

3) O processo C-232/94, MPA Pharma GmbH/Rhône-Poulenc Pharma GmbH

34.

A Rhône-Poulenc Pharma GmbH (a seguir «Rhône-Poulenc») é uma filial alemã da companhia francesa Rhône-Poulcnc Rover SA, que é a titular da marca registada «Orudis» de produtos farmacêuticos na Alemanha e noutros países. Sob licença da sociedade-mãe francesa, a Rhône-Poulcnc comercializa na Alemanha o medicamento «Orudis retard», vendido apenas com receita médica, como anti-rcumatismal e analgésico, cm embalagens de 20, 50 c 100 comprimidos que correspondem às dimensões normalizadas recomendadas na Alemanha. O Orudis retard também é comercializado em Espanha, onde é vendido apenas em embalagens de 20 comprimidos (duas tiras de blisteres, cada uma com 10 comprimidos) por outra filial da Rhône-Poulenc Rover SA.

35.

A MPA Pharma GmbH (a seguir «MPA») compra o Orudis retard que foi colocado no mercado dc Espanha pela filial espanhola do grupo Rhône-Poulcnc e comercializa o produto na Alemanha em embalagens de 50 comprimidos. Para o efeito, a MPA retira as tiras de blisteres da sua embalagem original c coloca cinco tiras de blisteres numa nova embalagem por si criada. Em cada um dos lados maiores da embalagem existe a seguinte inscrição cm alemão:

«MPA medicamento importado 50 comprimidos ‘retard’ do medicamento

Orudis retard

Administração oral»

num dos lados há a seguinte indicação:

«Fabricante:

Rhône-Poulcnc SAE

Espanha»

e

«Importador e responsável

farmacêutico:

MPA Pharma GmbH, D-22946

Trittau».

Num dos lados da embalagem está impressa a seguinte indicação:

«O conteúdo desta embalagem de Orudis retard foi produzido por Rhône-Poulenc Pharma SAE, Alcorcón (Madrid), Espanha, e importado para a República Federal da Alemanha e aqui embalado pela MPA Pharma GmbH, D-22946 Trittau, em conformidade com as disposições da lei alemã sobre produtos farmacêuticos.»

A MPA acrescenta à embalagem uma bula por ela redigida.

36.

A Rhône-Poulenc accionou a MPA no Landgericht, pedindo que esta seja obrigada a cessar de comercializar o medicamento Orudis retard reembalado, com o fundamento de que o comportamento da MPA se traduz numa violação da marca. A acção foi julgada procedente pelo Landgericht e a MPA recorreu para o Oberlandesgericht Köln que, por despacho de 11 de Agosto de 1994, submeteu ao Tribunal de Justiça duas questões a título prejudicial. A primeira questão é idêntica à questão 2 no processo C-71/94 (com a única diferença — sem importância — de que em vez de se referir o titular de uma marca com registo internacional se refere simplesmente o titular de uma marca registada). A segunda questão submetida pelo Oberlandesgericht tem o seguinte teor:

«Deve concluir-se pela existência de ‘uma restrição dissimulada ao comércio entre os Estados-membros’, nos termos do segundo período do artigo 36.° do Tratado CEE, numa situação em que: o titular do direito de propriedade de uma marca comercial protegida nos Estados-Membros A e B usa esse direito para impedir um importador de adquirir no Estado B por grosso um medicamento com essa marca e aí em venda por uma empresa membro do consórcio dela proprietário; o importador acondiciona aquele medicamento em nova embalagem exterior de sua criação, sem autorização do proprietário da marca, o que faz constar da nova embalagem; põe o medicamento à venda no Estado-Membro A, onde está sujeito a receita médica; o uso do direito à marca conduz efectivamente a uma compartimentação dos mercados entre os Estados-membros (v. questão 1); se demonstra que a nova embalagem não pode prejudicar o estado original do produto e ao proprietário da marca é dado prévio conhecimento da sua colocação à venda na nova embalagem e, além disso, desta consta não só a indicação do produtor e importador, mas ainda de quem procedeu à embalagem, verificando-se no entanto que

a)

esta última informação não é suficientemente clara, de modo que pode não ser notada na circulação comercial,

e/ou

b)

nem das informações sobre a nova embalagem nem do seu especial aspecto externo resulta que foi feita pelo importador com o consentimento do proprietário da marca ou da empresa membro do consórcio?»

II — A jurisprudência e a legislação relevantes

37.

A principal questão que estes processos suscitam é a de saber se e cm que circunstâncias, o titular de uma marca que permitiu que produtos que a ostentam fossem colocados no mercado num Estado-Mcmbro pode invocá-la para impedir a importação c a venda desses produtos noutro Estado-Membro após estes terem sido reembalados por outras pessoas sem o seu consentimento.

38.

Antes de analisar esta questão, č necessário determinar quais são as disposições relevantes do direito comunitário. Em certos processos, resulta claro do teor das questões submetidas que os tribunais nacionais partem do princípio de que esta matéria cai na previsão das disposições do Tratado sobre a livre circulação de mercadorias (artigos 30.° e 36.°). Noutros processos, as questões submetidas suscitam a questão da aplicabilidade da directiva.

39.

Passo agora a resumir a relevante jurisprudência relativa aos artigos 30.° e 36.° c analisarei seguidamente as disposições relevantes da directiva.

1) A jurispriídênáa relativa aos artigos 30.° e 36° do Tratado

40.

O artigo 30.° do Tratado proíbe, no comércio entre os Estados-Membros, as restrições quantitativas à importação, bem como todas as medidas de efeito equivalente. Nos termos do primeiro período do artigo 36.° do Tratado, o artigo 30.° não veda as proibições ou restrições justificadas por razões de protecção da propriedade industrial c comercial. O segundo período do artigo 36.° acrescenta que estas proibições ou restrições não devem constituir nem um meio de discriminação arbitrária nem qualquer restrição dissimulada ao comércio entre os Estados-Membros.

41.

É claro que caso se permita ao titular de uma marca utilizá-la para impedir a importação e a venda de produtos que foram legalmente colocados no mercado noutro Estado-Membro, daí resultará uma restrição quantitativa ou uma medida de efeito equivalente na acepção do artigo 30.° Portanto, é necessário — partindo da premissa de que as disposições do Tratado sobre a livre circulação de mercadorias se aplicam — analisar se essa medida se justifica por razões de protecção da propriedade industrial e comercial.

42.

E certo que existe uma vasta jurisprudência sobre a aplicação do artigo 36.° no que concerne aos direitos de propriedade industrial e comercial. O Tribunal de Justiça julgou iterativamente que o titular de semelhante direito (incluindo o de marca) não pode invocá-lo para impedir a importação e a venda de produtos que foram colocados no mercado de outro Estado-Membro com o seu consentimento. Este princípio, conhecido como o do esgotamento dos direitos, foi pela primeira vez expandido no processo Deutsche Grammophon ( 4 ) e foi desde então confirmado em numerosas ocasiões, sendo a mais recente a do processo IHT Internationale Heiztechnik e Danzinger ( 5 ).

43.

Em dois acórdãos, o Tribunal de Justiça analisou a aplicação desse princípio a produtos farmacêuticos reembalados sem o con-. sentimento do titular da marca. A matéria de facto no processo Hoffmann-La Roche ( 6 ) era a seguinte: a Hoffmann-La Roche comercializava um medicamento com a marca «Valium» na Alemanha em embalagens de 20 ou 50 comprimidos destinadas aos particulares e em caixas de cinco embalagens contendo 100 ou 250 comprimidos para uso dos hospitais. A sua filial do Reino Unido comercializava o mesmo produto nesse país em embalagens de 100 ou 500 comprimidos a preços sensivelmente inferiores. A Centrafarm comercializou na Alemanha o Valium comprado no Reino Unido nas embalagens de origem, que colocou em novas embalagens de 1000 comprimidos e nas quais apôs a marca registada da Hoffmann-La Roche, acrescentando-lhe uma indicação de que o produto era comercializado pela Centrafarm. A Centrafarm também tinha revelado a intenção de reacondicionar os comprimidos em embalagens mais pequenas, destinadas à venda aos particulares.

44.

A Hoffmann-La Roche tentou impedir estas «importações paralelas», invocando o seu direito de marca. O Landgericht Freiburg considerou que, nos termos do direito alemão, o comportamento da Centrafarm se traduzia numa violação da marca da Hoffmann-La Roche. O Landgericht solicitou ao Tribunal de Justiça que se pronunciasse a título prejudicial sobre a questão de saber se o titular de uma marca podia, nos termos do artigo 36.° do Tratado, invocar o direito de marca para impedir as importações paralelas nas referidas circunstâncias. No seu acórdão, o Tribunal de Justiça observou que, embora o Tratado não afecte a existência de direitos reconhecidos pela legislação de um Estado-Membro em matéria de propriedade industrial e comercial, o exercício desses direitos pode, todavia, segundo as circunstâncias, ser limitado pelas proibições contidas no Tratado. Na medida em que implica uma excepção a um dos princípios fundamentais do mercado comum, o artigo 36.° só admite derrogações à livre circulação de mercadorias que sejam justificadas por razões de salvaguarda dos direitos que constituam objecto específico daquela propriedade (n.° 6 do acórdão). Seguidamente, o Tribunal considerou:

«7

O objecto específico do direito de marca consiste em assegurar ao seu titular o direito exclusivo de utilizar a marca na primeira comercialização de um produto, protegendo-o, desse modo, contra eventuais concorrentes que pretendam desfrutar da posição da empresa c da reputação da marca através da utilização abusiva desta.

Para responder à questão de saber se este direito exclusivo integra o direito de oposição à utilização da marca por terceiro após recmbalagcm do produto, há que ter em conta a função essencial da marca, que é a de garantir ao consumidor ou utente final a identidade originária do produto marcado, permitindo-lhe distinguir, sem confusão possível, tal produto de outros, com diversa proveniência.

Esta garantia de proveniência implica que o consumidor ou utente final possa ter a certeza de que o produto de marca que lhe tenha sido oferecido no mercado não foi objecto, numa fase anterior à da comercialização, de qualquer intervenção, efectuada por um terceiro sem a autorização do titular da marca, c que tenha afectado o produto no seu estado originário.

O direito reconhecido ao titular de se opor a qualquer utilização da marca que seja susceptível de falsear a garantia de proveniência, assim entendida, releva do objecto específico do direito de marca.

8

E, por conseguinte, justificado, nos termos do primeiro período do artigo 36.°, que se reconheça ao titular da marca o direito de se opor a que um importador de um produto de marca aponha, após o reacondicionamento do mesmo produto c sem autorização sua, a mesma marca na nova embalagem.

9

Há ainda, contudo, que analisar se o exercício de tal direito pode constituir uma ‘restrição dissimulada ao comércio entre os Estados-membros’, na acepção do segundo período do artigo 36.°

Tal restrição poderá resultar, nomeadamente, do facto de ter o titular da marca comercializado, em diversos Estados-Mcmbros, um mesmo produto cm diversas embalagens, fazendo-se valer dos direitos inerentes à marca para impedir a recmbalagcm por um terceiro, mesmo que esta não venha a afectar nem a identidade, nem o estado originário do produto.

Assim, o problema em causa consiste em saber se a reembalagem de um produto de marca, como a que foi efectuada pela Centrafarm, é susceptível de afectar o estado originário do produto.

10

A resposta a esta questão dependerá, necessariamente, das circunstâncias, nomeadamente, da natureza do produto e do processo de reembalagem.

Em muitos casos, e devido à própria natureza do produto, a reembalagem afecta inevitavelmente o seu estado, enquanto noutros o reacondicionamento comporta apenas o risco, mais ou menos evidente, de que o produto tenha sido exposto a manipulações ou influências que possam vir a afectar o seu estado originário.

É concebível, mesmo assim, que o reacondicionamento tenha sido efectuado em circunstâncias tais que torne impossível a alteração do estado originário do produto.

Tal poderá ocorrer, por exemplo, nos casos em que o titular da marca tenha comercializado o produto em embalagens duplas, tendo sido apenas a embalagem exterior objecto de reacondicionamento e mantendo-se intacta a embalagem interior; ou nos casos em que seja o reacondicionamento controlado por uma autoridade pública, para que se assegure a integridade do produto.

Sendo assegurada a garantia de proveniência enquanto função essencial da marca, o exercício do direito de marca como forma de impedir a livre circulação de mercadorias entre os Estados-membros poderá constituir uma restrição dissimulada, na acepção do segundo período do artigo 36.° do Tratado, se se demonstrar que a utilização do direito de marca pelo respectivo titular, dado o sistema de comercialização por ele aplicado, contribui para separar artificialmente os mercados dos diversos Estados-Membros.

11

Esta conclusão, que se impõe no interesse da liberdade de trocas, implica que se reconheça ao operador, que vende o produto importado com a marca aposta sobre a nova embalagem sem autorização do titular, uma faculdade que, em circunstâncias normais, seria reservada ao mesmo titular.

No interesse do titular enquanto proprietário da marca, e para o proteger de qualquer abuso, convém que se reconheça tal faculdade apenas se se demonstrar que o estado originário do produto não poderá, de forma alguma, ser afectado pelo reacondicionamento.

12

Tendo em conta que é também do interesse do titular da marca que o consumidor não seja induzido em erro quanto à proveniencia do produto, convém ainda que só se reconheça ao operador a faculdade de vender o produto importado com a marca aposta sobre a nova embalagem se se tiver, previamente, informado o titular, e se se indicar claramente na embalagem quem procedeu ao reacondicionamento do produto.

13

Decorre de quanto precede que, sem prejuízo da apreciação das questões de facto específicas de cada caso concreto, não releva para a solução do problema jurídico cm análise, relativo à matéria do direito de marca, que a questão colocada pelo órgão jurisdicional nacional diga exclusivamente respeito a medicamentos.»

Por conseguinte, o Tribunal de Justiça declarou o seguinte:

«a)

Nos termos do artigo 36.°, primeiro período, do Tratado, é justificada a oposição do titular de um direito de marca, protegido simultaneamente cm dois Estados-Mcmbros, ao facto de um produto, licitamente portador de marca num desses Estados, ser colocado no mercado do outro Estado-Membro com nova embalagem, à qual foi aposta, por um terceiro, a mesma marca.

b)

Tal posição constitui, no entanto, uma restrição dissimulada ao comércio entre os Estados-Membros, na acepção do artigo 36.°, segundo período, do Tratado:

se se demonstrar que o exercício do direito de marca pelo seu titular, dado o sistema de comercialização por ele aplicado, contribui para estabelecer uma compartimentação artificial entre os mercados dos Estados-Mcmbros;

se se demonstrar que a rcembalagcm não poderá afectar o estado originário do produto;

se o titular da marca for previamente avisado da colocação no mercado do produto reembalado, e

se se indicar, na nova embalagem, quem procedeu ao reacondicionamento do produto.»

45.

O segundo processo no qual o Tribunal de Justiça analisou a legalidade da utilização do direito de marca para impedir as importações paralelas de medicamentos reembalados foi o processo Pfizer ( 7 ). A matéria de facto nesse processo era a seguinte: a Pfizer comercializava um antibiótico de marca «Vibramycin» através de sociedades filiais na Alemanha e no Reino Unido. A embalagem utilizada pela Pfizer nesses dois países era diferente e os preços de venda eram consideravelmente inferiores no Reino Unido. A Eurim-Pharm importou e vendeu na Alemanha Vibramycin que tinha sido comercializado no Reino Unido pela Pfizer em embalagens que continham um certo número de tiras de blisteres. Cada tira de blisteres continha cinco cápsulas e as palavras «Vibramycin Pfizer» surgiam numa folha incorporada em cada tira de blisteres. A Eurim-Pharm retirou as tiras de blisteres da embalagem externa original do fabricante e colocou cada tira numa nova embalagem por si criada, sem alterar as tiras ou o seu conteúdo. Na parte da frente da caixa existia uma abertura coberta de material transparente que permitia ver as palavras «Vibramycin Pfizer» inscritas na folha incorporada nas tiras de blisteres. Na parte detrás da embalagem surgia a indicação de que os produtos foram fabricados pela filial britânica da Pfizer e tinham sido importados e reembalados pela Eurim-Pharm. Na embalagem foi inserida uma bula com indicações relativas ao produto, nos termos das normas legais alemãs. A Pfizer accionou a Eurim-Pharm nos tribunais alemães, pedindo que esta fosse obrigada a cessar a comercialização do Vibramycin reembalado com o fundamento de que essa prática correspondia a uma violação do seu direito de marca. O Landgericht Hamburg solicitou ao Tribunal de Justiça que se pronunciasse a título prejudicial sobre essa matéria.

46.

No seu acórdão, o Tribunal de Justiça repetiu as observações que já tinha feito no processo Hoffmann-La Roche a respeito do objecto específico e da função essencial do direito de marca, e sobre o papel que desempenha como uma garantia de proveniência. Declarou depois:

«10

Essa utilização da marca susceptível de falsear a garantia de proveniência não se verifica, porém, num caso como o que está em apreço, caso em que, tal como decorre dos factos dados como provados pelo órgão jurisdicional nacional e dos termos da questão que este coloca, um importador paralelo reacondicionou um produto farmacêutico, limitando-se a substituir a embalagem exterior sem tocar na embalagem interior e deixando visível, através da nova embalagem exterior, a marca aposta pelo fabricante na embalagem interior.

11

Nestas condições, efectivamente, o reacondicionamento não implica qualquer risco de exposição do produto a manipulações ou a influências que afectem o seu estado original, e o consumidor ou o utilizador final do produto não pode ser induzido em erro quanto à proveniência deste, sobretudo quando, como no caso em apreço, o importador paralelo indica claramente na embalagem exterior que o produto foi fabricado por uma filial do titular da marca e por ele, importador, reembalado.

12

O facto de o importador paralelo ter colocado na embalagem exterior um folheto com indicações relativas ao medicamento... não é susceptível de afectar esta conclusão.»

47.

Outro acórdão indirectamente relevante é o acórdão American Home Products Corporation ( 8 ), no qual a abordagem do Tribunal de Justiça é muito semelhante à seguida no acórdão Hoffmann-La Roche. A American Home Products Corporation vendia o mesmo produto farmacêutico com a marca «Serenid» no Reino Unido e com a marca nominativa «Seresta» nos Países Baixos. A Centrafarm comprou medicamentos que a American Home Products Corporation tinha comercializado no Reino Unido com o nome «Serenid» e marcou-os de novo com o nome «Seresta» antes de os comercializar nos Países Baixos, Nos termos do direito neerlandês, essa actuação traduzia-se numa violação do direito de marca. O litígio foi submetido a um tribunal neerlandês que solicitou ao Tribunal de Justiça que se pronunciasse a título prejudicial sobre a questão de saber se o facto de invocar o direito de marca nessas circunstâncias era compatível com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de mercadorias. O Tribunal de Justiça declarou o seguinte:

«18

Assim sendo, considera-se justificado, nos termos do artigo 36.°, primeira frase, o reconhecimento ao titular de uma marca protegida num Estado-Mcmbro do direito de oposição à comercialização, neste Estado-Membro, por um terceiro de uma mercadoria à qual foi aposta a marca em causa, ainda que a referida mercadoria já tenha sido antes escoada licitamente noutro Estado-mcmbro com outra marca detida neste Estado pelo mesmo titular.

19

Há, contudo, que analisar ainda se o exercício de tal direito poderá constituir uma ‘restrição dissimulada ao comércio entre os Estados-Membros’, na acepção do artigo 36.°, segunda frase.

20

Convém salientar, a este propósito, que pode ser legítima a utilização, pelo fabricante de um produto, de marcas diferentes para um mesmo produto, cm diferentes Estados-Membros.

21

É, no entanto, possível que tal prática seja adoptada pelo titular das marcas no âmbito de um sistema de comercialização, cujo objectivo é o de provocar uma compartimentação artificial dos mercados.

22

Em tal hipótese, a oposição do titular à utilização não autorizada da marca por um terceiro constituiria uma restrição dissimulada ao comércio intracomunitário, na acepção da disposição já referida.

23

É ao juiz da acção principal que cabe decidir, cm cada caso concreto, se se comprovou que a prática que consiste na utilização de marcas diferentes para um mesmo produto foi adoptada pelo titular dessas marcas com o intuito de compartimentar os mercados.»

48.

Concluo este apanhado da jurisprudência, recordando que o Tribunal de Justiça fez uma declaração mais enfática sobre o papel das marcas registadas numa economia desenvolvida no processo HAG GF («HAG II») ( 9 ). Neste processo, o Tribunal de Justiça declarou:

«No que respeita ao direito de marca, há que referir que este direito constitui um elemento essencial do sistema de concorrência leal que o Tratado pretende criar e manter. Neste sistema, as empresas devem estar em condições de reter a clientela pela qualidade dos respectivos produtos ou serviços, o que só é possível graças à existência de sinais distintivos que permitam identificar aqueles produtos e serviços. Para que a marca possa desempenhar este papel, terá que constituir a garantia de que todos os produtos que a ostentam foram fabricados sob o controlo de uma única empresa à qual possa ser atribuída a responsabilidade pela qualidade daqueles.»

2) A Directiva 89/104

49.

A directiva foi adoptada com base no artigo 100.°-A do Tratado. Tem por objectivo eliminar as disparidades das legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas «susceptíveis de entravar a livre circulação dos produtos e a livre prestação de serviços e de distorcer as condições de concorrência no mercado comum»: v. o primeiro considerando do seu preâmbulo. A utilização do adjectivo «primeira» no título da directiva implica que a aproximação das legislações nacionais prosseguida pela directiva não pretende ser completa. O que é confirmado pelo terceiro considerando do seu preâmbulo, que refere que «actualmente não se afigura necessário proceder a uma aproximação total das legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas e que basta limitar a aproximação às disposições nacionais que tenham uma incidência mais directa sobre o funcionamento do mercado interno.»

50.

O artigo 5.° da directiva define os direitos conferidos pela marca. Dispõe, na parte que releva, o seguinte:

«1.   A marca registada confere ao seu titular um direito exclusivo. O titular fica habilitado a proibir que um terceiro, sem o seu consentimento, faça uso na vida comercial:

a)

de qualquer sinal idêntico à marca para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca foi registada;

b)

de um sinal relativamente ao qual, devido à sua identidade ou semelhança com a marca e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços a que a marca e o sinal se destinam, exista, no espírito do público, um risco de confusão que compreenda o risco de associação entre o sinal e a marca.

2.   ...

3.   Pode nomeadamente ser proibido, caso se encontrem preenchidas as condições enumeradas nos n.os 1 e 2:

a)

apor o sinal nos produtos ou na respectiva embalagem;

b)

oferecer os produtos para venda ou colocá-los no mercado ou armazená-los para esse fim, ou oferecer ou fornecer serviços sob o sinal;

c)

importar ou exportar produtos com esse sinal;

d)

utilizar o sinal nos documentos comerciais c na publicidade.

...»

O n.° 1 do artigo 6.° determina:

«1.   O direito conferido pela marca não permite ao seu titular proibir a terceiros o uso, na vida comercial:

a)

...

b)

...

c)

da marca, sempre que tal seja necessário para indicar o destino de um produto ou serviço, nomeadamente sob a forma de acessórios ou peças sobressalentes,

desde que esse uso seja feito em conformidade com práticas honestas em matéria industrial ou comercial.»

51.

O esgotamento dos direitos é tratado no artigo 7.°, cujo texto já referi no ponto 13 destas conclusões.

52.

O artigo 16.° determina:

«1.   Os Estados-Membros farão entrar cm vigor as disposições legislativas, regulamentares c administrativas necessárias para dar cumprimento à presente directiva o mais tardar em 28 de Dezembro de 1991. Disso informarão imediatamente a Comissão.

2.   O Conselho, deliberando por maioria qualificada sob proposta da Comissão, pode prorrogar a data referida no n.° 1 até, o mais tardar, 31 de Dezembro de 1992.

...»

53.

Através da Decisão 92/10/CEE ( 10 ), o Conselho fez uso do poder que lhe foi atribuído pelo n.° 2 do artigo 16.° e prorrogou o prazo para a transposição da directiva até 31 de Dezembro de 1992.

3) A relação entre as disposições do Tratado e a directiva

54.

A relação entre os artigos 30.° e 36.° do Tratado e as disposições da directiva foi discutida com uma considerável amplitude em algumas das observações apresentadas ao Tribunal. A discussão centrou-se na questão de saber se as disposições da directiva substituíram, ou apenas completaram, as do Tratado. Em meu entender e uma vez que o legislador comunitário adoptou disposições específicas que tratam dos efeitos da marca registada e especificamente da questão do seu esgotamento, é lógico tentar procurar uma solução no teor da legislação relevante. O que, todavia, não significa que nos possamos alhear dos artigos 30.° e 36.° do Tratado. Pelo contrário, a directiva deve ser interpretada à luz das disposições do Tratado. Caso se verifique um conflito entre estas e a directiva, o conflito terá que ser resolvido dando proeminência às disposições do Tratado, que são uma fonte primária do direito. E óbvio que uma directiva adoptada ao abrigo do artigo 100.°-A do Tratado com o objectivo de aproximar as legislações dos Estados-Membros não pode constituir uma derrogação às regras fundamentais do Tratado sobre a livre circulação de mercadorias. E também claro que uma directiva não pode legitimamente criar obstáculos ao comércio entre os Estados-Membros que, na sua ausência, seriam contrários aos artigos 30.° e 36.° do Tratado. Felizmente, e vou tentar demonstrá-lo, creio não existir qualquer conflito entre as disposições do Tratado e as da directiva.

55.

Chegados a este ponto, há ainda que analisar outros dois problemas, designadamente, o do efeito directo da directiva e o da sua aplicação temporal.

56.

No que respeita ao primeiro, constitui agora jurisprudência bem firmada que uma directiva não pode produzir o que é conhecido como um efeito directo horizontal; por outras palavras, apenas pode ser invocada em processos contra o Estado ou uma entidade pública ( 11 ). Todavia, os tribunais nacionais têm o dever de interpretar a legislação nacional à luz da directiva de modo a se atingir, na medida do possível, o resultado por ela prosseguido ( 12 ). Esta obrigação aplica-se não apenas no que respeita à legislação nacional introduzida especificamente para dar execução à directiva, mas também no que concerne a outras disposições do direito nacional, incluindo as aprovadas antes da directiva.

57.

No que toca à aplicação temporal da directiva, é dado assente que ć relevante para os processos submetidos pelos tribunais dinamarqueses. Λ Dinamarca adoptou legislação para a transposição da directiva antes da expiração — cm 31 de Dezembro de 1992 — do prazo fixado para a sua transposição. Esta legislação deve obviamente ser interpretada à luz da directiva, mesmo no que respeita ao período compreendido entre a sua adopção e a expiração do prazo fixado para a transposição da directiva ( 13 ).

58.

Na Alemanha, a directiva não foi transposta dentro do prazo fixado e, segundo as observações escritas da Boehringer, ainda não tinha sido transposta quando essas observações foram apresentadas em Junho de 1994. A Comissão sustenta que a directiva não é relevante no que toca aos processos alemães, porque as importações que estiveram na origem do litígio ocorreram antes de 31 de Dezembro de 1992. Na medida em que se pedem indemnizações por alegadas violações de marcas ocorridas antes dessa data, a posição que a Comissão defende é, sem dúvida, correcta, caso se parta do pressuposto — que aceito — que, antes da expiração do prazo para a transposição da directiva, a obrigação dos tribunais nacionais de interpretarem o seu direito interno à luz da directiva vale apenas no que concerne a legislação adoptada especificamente para os efeitos da sua transposição. Todavia, há que ter em mente que nos presentes processos os titulares das marcas não pedem apenas uma indemnização, mas ainda que seja imposta a obrigação de pôr termo à infracção. Ao passo que as indemnizações constituem a reparação das violações ocorridas no passado, a imposição da obrigação de cessar um comportamento tem por objectivo impedir que uma violação ocorra, uma ou mais vezes, no futuro. A obrigação de cessar um comportamento que venha a ser imposta pelos tribunais nacionais após ser proferida a decisão a título prejudicial nos presentes processos aplicar-se-á necessariamente ao período posterior a 31 de Dezembro de 1992. Após essa data, a obrigação dos tribunais nacionais de interpretarem o direito interno à luz da directiva vale não apenas para a legislação que especificamente tiver procedido à transposição, mas para todas as disposições do direito interno. Portanto, quando tomarem posição sobre a questão de saber se deverão impor as obrigações que pretendem os titulares das marcas, os tribunais alemães deverão interpretar as disposições relevantes do direito alemão de modo a garantir que será atingido o resultado prosseguido pela directiva.

III — O esgotamento dos direitos no caso dos produtos reembalados

59.

Analisarei primeiro o problema nos termos dos artigos 30.° e 36.° do Tratado e seguidamente verificarei se a directiva veio alterar esse quadro.

1) A reembalagem ao abrigo das regras do Tratado

a) A base do esgotamento: a comercialização na Comunidade com o consentimento do titular da marca

60.

A ideia subjacente ao princípio do esgotamento é de que o comércio seria injustificadamente obstruído caso os titulares de direitos de propriedade intelectual pudessem fazer uso desses direitos de modo a controlarem as posteriores transacções sobre os seus produtos após terem voluntariamente transferido a propriedade desses produtos para outras pessoas. O exclusivo que se prende com a marca, a patente, o desenho, o direito de autor, etc, vale apenas no que toca à primeira venda; o titular do direito deve realizar o seu lucro com essa venda e abrir mão do direito de impedir aos subsequentes proprietários dos produtos a sua revenda ou transmissão do modo que entendam apropriado.

61.

O princípio do esgotamento, ou algo análogo, existe na maior parte dos sistemas legais internos e normalmente aplica-se apenas às mercadorias comercializadas no interior do território nacional. De acordo com a filosofia do mercado único que resulta do Tratado, o Tribunal aplicou constantemente uma doutrina do esgotamento a nível comunitário: qualquer venda no interior do território da Comunidade, feita com o consentimento do titular de um direito de propriedade intelectual, esgota o seu direito. A justificação para esta abordagem é a de que, caso o titular do direito possa impedir a importação e a venda de produtos comercializados noutro Estado-Membro por si ou com o seu consentimento, teria a possibilidade de repartir os mercados nacionais e desse modo restringir o comércio entre os Estados-Membros, mesmo quando semelhante restrição não fosse necessária para proteger a essência do seu direito ( 14 ). O que releva para a aplicação do princípio do esgotamento, de acordo com a jurisprudência do Tribunal, não é a questão de saber se o titular do direito obtém uma justa contrapartida pela venda efectuada, mas sim se nela consente ( 15 ).

62.

Em todos os presentes processos, o titular da marca que se opõe às importações paralelas é membro do mesmo grupo de companhias de que faz parte a empresa que fabricou os bens importados c os colocou no mercado noutro Estado-Membro. Portanto, há que presumir que os titulares da marca consentiram na comercialização dos produtos em questão: os produtos estão abrangidos pelo conceito dos «produtos lançados em circulação pela ou por um licenciado ou por uma sociedade-mãe ou por uma filial do mesmo grupo ou ainda por um concessionário exclusivo», que o tribunal utilizou no processo IHT Internationale Heiztechnik e Danzinger ( 16 ) para definir as situações às quais se aplica o princípio do esgotamento. Há, pois, que analisar a questão de saber se existem razões para não aplicar esse princípio aos presentes processos.

b) Os dois tipos de rccmbalagem: são realmente diferentes?

63.

A jurisprudência anterior versou sobre duas situações que por conveniência designarei por «A e B». Na situação A, o importador paralelo retira os produtos da sua embalagem externa original c, sem alterar a embalagem interna, coloca-os numa nova embalagem externa na qual apõe a marca. Na situação B, o importador paralelo substitui de igual modo a embalagem externa mas, cm vez de apor a marca na nova embalagem externa, desenha-a de tal modo que a marca aposta na embalagem interna pelo titular da marca continua a ser visível.

64.

A situação A foi analisada pelo Tribunal no acórdão Hoffmann-La Roche ( 17 ). A situação B foi discutida no acórdão Pfizer ( 18 ). No primeiro acórdão, o Tribunal consagrou o princípio de base de que, nos termos do primeiro período do artigo 36.°, o titular da marca tem o direito de se opor a que um importador de um produto de marca aponha, após o reacondicionamento do mesmo produto c sem autorização sua, a mesma marca na nova embalagem (n.° 8). A razão desta decisão consiste no facto de a garantia de proveniência subjacente à marca implicar que o consumidor possa ter a certeza de que o produto de marca não foi objecto de qualquer intervenção efectuada por um terceiro, sem a autorização do titular da marca, c que tenha afectado o produto no seu estado originário (n.° 7). O Tribunal declarou também que este princípio de base deixa de ser aplicável caso se verifique uma restrição dissimulada, na acepção do segundo período do artigo 36.°; tal restrição poderá resultar do facto de o titular da marca ter comercializado, em diversos Estados-Membros, um mesmo produto em embalagens diferentes, fazendo-se valer dos direitos inerentes à marca para impedir a rccmbalagem, mesmo que esta não venha a afectar nem a identidade, nem o estado originário do produto (n.°9).

65.

No acórdão Pfizer, o Tribunal considerou que a reembalagem efectuada nos termos da situação Β não pode entravar a função da marca como garantia da proveniência, pois que não pode afectar o estado original dos produtos, nem induzir em erro o consumidor quanto à sua proveniência; portanto, não há razões que justifiquem que se permita ao titular da marca opor-se às importações paralelas. O Tribunal parece ter chegado a esta conclusão com base no primeiro período do artigo 36.°, sem analisar o problema da restrição dissimulada nos termos do segundo período.

66.

Eu creio que não é correcto proceder a uma distinção rígida entre a situação A e a situação B; como também creio que não se deve necessariamente entender a jurisprudência como tendo instituído uma distinção rígida. Parecem existir poucas diferenças essenciais entre as duas situações. Este aspecto será talvez entendido mais claramente se tivermos em consideração um exemplo mais mundano e muito afastado do mercado dos produtos farmacêuticos, que é um pouco especial. Suponhamos, por exemplo, que a companhia X compra uma grande quantidade de uma bebida gaseificada bem conhecida que foi embalada em caixas de cartão, cada uma contendo 100 latas nas quais foi aposta a marca comercial «Coca-Cola», pela companhia Coca Cola e por ela comercializada no Estado-Membro A; a companhia X retira a embalagem externa e coloca 12 latas da bebida numa caixa de cartão, inscrevendo no exterior da caixa «12 latas de Coca-Cola fabricadas pela companhia Coca Cola, Atlanta, USA, e reembaladas pela companhia X». Caso a companhia X importe seguidamente o produto para o Estado-Membro B, haverá qualquer razão justificativa para permitir ao titular da marca «Coca-Cola» obstar a essas importações paralelas? Haveriam mais razões justificativas caso a companhia X colocasse 12 latas da Coca-Cola numa caixa de cartão com uma janela em celofane através da qual era possível ver a marca aposta nas latas?

67.

Em meu entender, não é fácil de ver que razões haverá para se opor a semelhantes importações paralelas num dos casos mas não no outro. Em nenhum dos casos, a companhia X apropriou-se da clientela pertencente à companhia Coca Cola ou-apresentado os seus próprios produtos como sendo produtos de outrem. A reembalagem não impede em nenhum dos casos a capacidade de a marca funcionar como uma garantia da proveniência. Em ambos, resulta do mesmo modo claro que a reembalagem não pode afectar a qualidade dos produtos.

68.

E certo que já assim não seria caso a companhia X comprasse a Coca-Cola em barris de 100 litros e transferisse depois a bebida para latas nas quais apusesse a marca. Em semelhante caso, não haveria meio de garantir que a reembalagem não afectou a qualidade do produto. A bebida poderia ter sido contaminada ou adulterada e a função da marca como garantia de proveniência seria claramente comprometida. Isto sugere que o factor crucial para determinar se o titular da marca tem razões justificativas para se opor às importações paralelas de produtos reembalados não consiste no facto de o importador paralelo ter aposto a marca nos produtos ou de apenas ter deixado visível a marca original, mas sim no facto de ter interferido com os produtos de um modo tal que já não seja possível saber com certeza se o seu estado original foi ou não afectado.

69.

O que é de facto confirmado por uma análise mais aprofundada do raciocínio do Tribunal de Justiça no processo Hoffmann-La Roche. Na parte do acórdão cm que se afirma o princípio de base de que o titular da marca se pode opor à venda dc produtos recmbalados nos quais a marca tenha sido aposta sem o seu consentimento, o Tribunal estava a pronunciar-sc sobre o problema da reembalagcm nos termos mais gerais possíveis. Não se faz qualquer referência, nos n.os 7 e 8 do acórdão, aos factos específicos desse processo e o princípio que aí é afirmado tem claramente por objectivo cobrir o tipo de situação em que a reembalagcm é feita de um modo tal que o estado original dos produtos pode ser afectado (por exemplo, a situação que descrevi no ponto anterior).

70.

Foi apenas na parte seguinte do acórdão (n.os 9 c 10) que o Tribunal tratou da situação específica que se suscitava no processo Hoffmann-La Roche: designadamente, a situação em que um titular de uma marca utilizava diferentes embalagens em diferentes Estados-Mcmbros, os produtos eram acondicionados em embalagens duplas e só a embalagem externa era alterada. Esta parte do acórdão, cm conjugação com a decisão no processo Pfizer, determina que a marca não pode ser utilizada para se opor à venda de produtos rcembalados quando a utilização de embalagens diferentes cm Estados-Membros diferentes conduza a uma repartição do mercado e quando esteja demonstrado que a reembalagcm não pode afectar o estado original dos produtos. Trata-se, creio cu, de uma correcta interpretação do artigo 36.° pelas razões que passarei a explicar seguidamente.

c) A verdadeira razão para restringir a aplicação do princípio do esgotamento no que concerne aos produtos rcembalados

71.

Que significa precisamente a autorização pelo artigo 36.o das restrições comerciais «justificadas por razões... de protecção da propriedade industrial c comercial», desde que não constituam nem um meio de «discriminação arbitrária» nem qualquer «restrição dissimulada» ao comércio entre os Estados-Membros Para responder a esta questão, no que toca às restrições com fundamento no direito de marca, é necessário analisar um problema fundamental que é o da razão da existência de uma protecção da marca.

72.

Todos os sistemas legais mais avançados conferem aos agentes económicos o direito de utilizar determinados sinais e símbolos distintivos para os seus produtos. Fazem-no a) para permitir aos agentes económicos protegerem a reputação dos seus produtos e impedirem a apropriação da sua clientela por concorrentes sem escrúpulos, que de outro modo seriam tentados a fazer passar os seus próprios produtos pelos de um outro agente econômico com uma reputação bem estabelecida c b) para permitir aos consumidores procederem às suas escolhas com conhecimento de causa e partindo do princípio de que os produtos vendidos com o mesmo nome provêm da mesma fonte e, em circunstâncias normais, têm uma qualidade uniforme. Portanto, o direito de marca visa proteger os interesses não apenas do titular da marca, mas ainda do consumidor. Na medida em que a marca protege os interesses do seu titular, permitindo-lhe impedir que os seus concorrentes retirem uma vantagem indevida da sua reputação comercial, os direitos exclusivos conferidos ao titular são considerados, na linguagem da jurisprudência do Tribunal, como constituindo o objecto específico do direito de marca. Na medida em que a marca protege os interesses do consumidor, actuando como uma garantia de que os produtos de marca têm uma mesma proveniência comercial, essa realidade é definida na terminologia do Tribunal de Justiça como constituindo a função essencial do direito de marca. Estes dois aspectos da protecção da marca constituem, claro está, as duas faces da mesma moeda.

73.

Não constituem, diga-se muito enfaticamente, objectivos da marca auxiliar à compartimentação do mercado comum pelos agentes económicos, à manutenção de diferenças de preços entre os diferentes Estados-Membros e à criação ou ao reforço de barreiras artificiais ao comércio entre os Estados-Membros. Contudo, quando as diferenças de preços são devidas a causas alheias à vontade do fabricante, como os controlos legais dos preços ou as normas sobre o reembolso de despesas médicas, é compreensível que o fabricante se sinta lesado quando os produtos que colocou no mercado num Estado-Membro a determinado preço controlado acabem por entrar no mercado de outro Estado-Membro onde teoricamente existe um mercado livre mas onde a liberdade do fabricante está restringida pelo facto de estar sujeito à concorrência das importações paralelas dos seus próprios produtos.

74.

Em certo sentido, o efeito final da livre circulação das mercadorias em semelhante contexto é o de a legislação sobre os preços ser exportada de determinado país para o resto do mercado comum. Embora os fabricantes possam considerar esta situação injusta, ela não pode justificar a utilização das marcas como forma de impedir as importações paralelas dos produtos que o titular da marca colocou no mercado ao abrigo de um regime de preços legalmente controlados. Não constitui certamente função das marcas remediar às distorções causadas pelas divergências das legislações sobre os preços.

75.

É matéria bem assente que o princípio do esgotamento não deixa de ser aplicável apenas por os produtos em questão terem sido colocados no mercado de um Estado-Membro onde existam controlos de preços. No acórdão Winthrop ( 19 ), o Tribunal declarou que a marca não podia ser invocada pelo seu titular para se opor a importações paralelas de produtos que colocou no mercado, com a marca, num outro Estado-Membro onde eram aplicados controlos de preços. No acórdão Sterling Drug ( 20 ), o Tribunal declarou que um titular de patentes paralelas nos Países Baixos e no Reino Unido não podia invocar a patente neerlandesa para se opor às importações para os Países Baixos de produtos farmacêuticos que tinha colocado no mercado no Reino Unido onde vigoravam controlos legais dos preços.

76.

No que respeita às patentes, a aplicação do princípio do esgotamento em semelhante situação pode ser objecto de crítica, pois que constitui a própria finalidade da patente (ou o seu objecto específico) permitir ao seu titular obter uma justa contrapartida da sua contribuição para o progresso científico e que pode acontecer que não lhe seja possível obter uma justa contrapartida caso não lhe seja permitido fixar os seus próprios preços de venda. Mas esta crítica não é válida no que toca às marcas, cujo objecto é inteiramente diferente. Nenhum dos interesses protegidos por uma marca (ou seja, os seus objecto específico e função essencial, como definidos no ponto 72 supra) 6 afectado pelas regras que restringem a liberdade do seu titular de fixar os seus próprios preços de venda. A capacidade da marca para funcionar como uma garantia de proveniencia não é prejudicada apenas pelo facto de o princípio do esgotamento ser aplicado a produtos que foram colocados no mercado a preço regulamentado.

77.

Para determinar quais são as restrições ao comércio que o artigo 36.° permite por razões de protecção da marca, é necessário ter sempre presentes os interesses definidos no ponto 72 supra. É necessário contrapor esses interesses ao objectivo fundamental do artigo 30.°, que é o de garantir que as mercadorias podem circular livremente no interior da Comunidade c que o comércio entre os Estados-Membros não será afectado mais do que o necessário. É o que o Tribunal pretende afirmar quando põe cm ênfase, como fez cm numerosas ocasiões, o facto de o artigo 36.°, constituindo uma excepção a um princípio fundamental, ser de interpretação restrita c apenas poder ser invocado quando estejam em causa restrições necessárias à salvaguarda do objecto específico de um direito de propriedade industrial.

78.

Portanto, para determinar se o titular da marca se pode opor a importações paralelas de produtos reembalados, é necessário responder às seguintes questões: o estado dos produtos foi de tal modo modificado que verdadeiramente já não podem ser descritos como produtos do seu titular, com o resultado de o importador paralelo estar ilicitamente a retirar vantagem da reputação da marca? O estado dos produtos foi alterado de tal modo que a sua nova comercialização com a marca constituirá um dano ilícito à reputação desta? Serão os consumidores enganados, no sentido de que partirão do princípio de que os produtos foram fabricados sob o controlo do titular da marca c, portanto, possuem a qualidade que normalmente lhe vai associada, quando, de facto c devido à recmbalagem, os produtos foram manipulados de tal modo que a sua qualidade original pode ter sido afectada? Por outras palavras, está comprometida a função da marca como garantia de proveniência?

79.

Caso qualquer destas questões seja respondida pela afirmativa, o titular da marca terá razão justificativa para se opor às importações paralelas dos produtos reembalados. Caso, por outro lado, todas estas questões mereçam resposta negativa, é difícil de ver uma qualquer justificação para se permitir a introdução de um obstáculo à livre circulação de mercadorias cm nome da protecção da marca. Não há dúvida de que alguns dos factores invocados pelos titulares das marcas nos presentes processos são irrelevantes. O facto de os titulares da marca terem despendido grandes quantias na promoção dos seus produtos na Dinamarca c na Alemanha não pode justificar que venham agora tentar excluir a concorrência dos produtos que eles próprios comercializaram noutros Estados-Membros. É também irrelevante, pelas razões anteriormente referidas, o facto de se verem obrigados a vender os seus produtos a preços mais baixos noutros Estados-Membros devido aos controlos legais de preços ou às normas que regulam o reembolso das despesas médicas.

d) A noção de restrição dissimulada

80.

Os titulares das marcas em causa nestes processos invocam, com base nos acórdãos Hoffmann-La Roche e American Home Products Corporation ( 21 ), ser necessário estar ainda preenchida uma outra condição para serem impedidos de utilizar o direito de se oporem às importações paralelas de produtos reembalados nos quais tenham sido apostas as suas marcas sem a sua autorização. Sustentam que é necessário que esteja demonstrado que, ao utilizarem diferentes embalagens nos diferentes Estados-Membros, procuraram deliberadamente compartimentar artificialmente o mercado e desse modo criar uma restrição dissimulada ao comércio entre os Estados-Membros.

81.

Não estou de acordo com este entendimento. Caso a reembalagem seja feita de tal modo que não comprometa a função da marca como garantia de proveniência e não ponha em risco a sua reputação, não creio que exista qualquer razão válida para sustentar que ao importador paralelo apenas deverá ser permitido vender os produtos reembalados caso possa demonstrar que o titular da marca utilizou deliberadamente embalagens diferentes com o objectivo de artificialmente compartimentar o mercado.

82.

Não quero com isto afirmar que a questão da restrição dissimulada é irrelevante, e ainda menos que se pode ignorar a existência do segundo período do artigo 36.° Ambos os dois períodos do artigo 36.° devem, creio eu, ser lidos em conjunto. É um erro interpretar o segundo período como introduzindo uma excepção a uma regra geral estabelecida no primeiro (ou, como defendem a Boehringer Ingelheim e a Farmitalia, como uma contra-excepção, partindo do pressuposto de que o artigo 30.° estabelece a regra geral e que o primeiro período do artigo 36.° introduz uma excepção a essa regra). Ou uma medida se justifica por uma das razões taxativamente fixadas no artigo 36.° ou não se justifica. Um dos factores a ter em conta no que toca ao problema da justificação é o de saber se a medida conduz a uma restrição dissimulada, por outras palavras, a de saber se a medida, tendo embora aparentemente como objectivo a salvaguarda da propriedade industrial procura, na realidade, atingir um objectivo diferente sem qualquer relação com a protecção da marca. Se o titular de uma marca a utiliza para se opor às importações paralelas dos seus próprios produtos quando a venda desses produtos não constitui uma ameaça para os interesses que protege o objecto específico da marca e não compromete a função essencial da marca enquanto garantia de proveniência, surge então inevitavelmente a presunção de que a marca está a ser utilizada para um efeito diferente, por exemplo, para obter ou reforçar uma comparticipação do mercado comum e para permitir ao seu titular manter preços diferentes nos vários Estados-Membros. O facto desta compartimentação surgir como o resultado das regulamentações que regem as embalagens dos produtos farmacêuticos não é, creio eu, relevante. Quando o titular de uma marca retira uma vantagem de uma situação surgida de circunstâncias alheias à sua vontade e a invoca para impedir as importações paralelas, não sendo essa exclusão necessária por razões que se prendam com a protecção da marca, o seu comportamento traduz-se no exercício abusivo do direito de marca e numa restrição dissimulada ao comércio.

83.

Embora no acórdão Hoffmann-La Roche, o Tribunal de Justiça tenha mencionado uma compartimentação artificial do mercado, não afirmou que só se verifica uma restrição dissimulada ao comércio quando o titular da marca contribua deliberadamente para compartimentar o mercado através da utilização de embalagens diferentes. O Tribunal afirmou que se estará perante uma restrição dissimulada quando esteja demonstrado «que a utilização do direito de marca pelo respectivo titular, dado o sistema de comercialização por ele aplicado, contribui para compartimentar artificialmente os mercados entre os Estados-Mcmbros» ( 22 ). Ainda que esta redacção não seja isenta de toda a ambiguidade, parece implicar um critério essencialmente objectivo. Na medida em que seja exigido um elemento subjectivo, bastará o mero facto de se invocar o direito de marca para impedir as importações paralelas que não põem em causa os seus objecto específico ou função essencial. Os titulares de marcas equivocam-se quando crêem que são livres de explorar, do modo que muito bem entenderem, uma compartimentação do mercado devida a factores alheios à sua vontade. Em todo o caso, seria ilógico e impraticável exigir-se a prova de uma intenção deliberada de compartimentação do mercado através da utilização de embalagens diferentes. Semelhante intenção poderá ser de prova difícil ou, mesmo, impossível. Um importador paralelo que pretenda reembalar certos produtos deve poder determinar com razoável grau de certeza se o pode ou não fazer legalmente. A legalidade do seu comportamento não deve depender das intenções subjectivas de outra pessoa.

84.

Por último, é digna de nota uma nítida diferença entre o acórdão Hoffmann-La Roche c o acórdão American Home Products Corporation proferido vários meses mais tarde no que toca à relevância da intenção de proceder à compartimentação do mercado. Neste último acórdão, o Tribunal deixou realmente muito claro que, quando o titular da marca usa marcas diferentes para o mesmo produto cm Estados-Mcmbros diferentes, um importador paralelo não tem o direito de substituir uma marca por outra, a menos que a utilização de marcas diferentes tenha o intuito deliberado de compartimentar o mercado ( 23 ). Todavia, creio que se suscitam problemas mais difíceis quando o importador paralelo altera a marca do que quando modifica apenas a embalagem e que é possível que mereçam soluções diferentes.

e) As condições suplementares que o importador paralelo deve preencher

85.

No acórdão Hoffmann-La Roche, o Tribunal declarou que o importador paralelo que aponha a marca em produtos reembalados deve informar previamente o titular da marca da colocação no mercado do produto reembalado e indicar na nova embalagem que procedeu ao reacondicionamento do produto. No processo C-232/94 foi defendido que no produto reembalado se deve ainda informar que o reacondicionamento foi efectuado sem o consentimento do titular da marca. As questões submetidas nos processos apensos C-71/94, C-72/94 e C-73/94 implicam que a falta de menção do nome do fabricante na nova embalagem pode constituir fundamento para permitir ao titular da marca opor-se às importações paralelas.

86.

A razão precisa para a exigência de o titular da marca ser previamente informado da reembalagem não resulta claramente do acórdão Hoffmann-La Roche, e podem haver circunstâncias em que isso seja supérfluo. Todavia e em geral, essa exigência não parece ser desrazoável, pelo menos no que toca aos produtos farmacêuticos. Pode justificar-se pela razão de tornar mais fácil para o titular da marca verificar a autenticidade dos produtos reembalados e desse modo combater as actividades dos contrafactores. Caso produtos de marca venham a surgir em várias partes da Comunidade em embalagens fora do habitual, poderá tornar-se difícil para o titular da marca verificar se os produtos são genuínos. Essa tarefa será até um certo ponto simplificada caso a nova embalagem e a identidade da empresa por ela responsável tenham antecipadamente sido levadas ao conhecimento do titular da marca. Os perigos da contrafacção, do ponto de vista do público, são particularmente sérios no que concerne aos produtos farmacêuticos.

87.

Realmente, eu iria um pouco mais longe do que foi o Tribunal no acórdão Hoffmann-La Roche e afirmaria que uma empresa que reembala produtos farmacêuticos de marca deve não apenas informar previamente o titular da marca, mas ainda fornecer-lhe uma amostra do produto assim reembalado, de modo a que o titular da marca possa apontar quaisquer deficiências e solicitar a sua correcção. A embalagem original pode conter importantes informações (por exemplo, que os produtos farmacêuticos são fotossensíveis, que devem ser armazenados a certa temperatura e fora do alcance das crianças, etc). O titular da marca deverá ter o direito de objectar à comercialização dos produtos reembalados caso essas informações não sejam reproduzidas na nova embalagem. Em todo o caso, algumas dessas menções devem constar na embalagem exterior dos medicamentos por força do artigo 2.° da Directiva 92/27/CEE do Conselho, de 31 de Março de 1992, relativa à rotulagem e à bula dos medicamentos para uso humano ( 24 ).

88.

A exigencia de que o produto reembalado contenha uma menção que identifique a empresa responsável pela reembalagem está obviamente justificada. Sem essa menção, criar-se-ia a impressão de que o titular da marca é o responsável pela nova embalagem e pelos seus eventuais defeitos. O importador paralelo que proceda à reembalagem deve indicar o papel que desempenhou no que toca à alteração da aparência do produto. Por outro lado, não creio que seja necessário que se indique que a reembalagem foi realizada sem o consentimento do titular da marca. Semelhante menção, que inevitavelmente seria entendida como implicando que o produto reembalado não é totalmente legítimo, não é necessária para assegurar que a marca funcione como garantia de proveniência. Como também não creio que seja essencial mencionar o nome do fabricante na nova embalagem. Embora o importador paralelo deseje normalmente incluir essa informação, é difícil ver como poderia a sua omissão afectar a função da marca ou prejudicar os interesses do seu titular, pelo menos quando este esteja identificado como sendo o fabricante dos produtos na embalagem interna original.

f) Uma conclusão geral

89.

Com base nas considerações expostas, chego à seguinte conclusão geral:

Quando os produtos nos quais foi aposta a marca são colocados no mercado de um Estado-Membro com o consentimento do seu titular e outra pessoa compra-os, coloca-os numa nova embalagem externa, na qual apõe a marca ou através da qual continua visível a marca da embalagem interna e comercializa-os reembalados noutro Estado-Membro, o titular da marca não pode invocá-la para impedir essa comercialização, a menos que a reembalagem seja feita de tal modo que possa afectar o estado original dos produtos ou, seja de que modo for, ponha cm risco a reputação da marca. Quem proceder à reembalagem dos produtos deve, cm princípio, disso dar conhecimento ao titular da marca e fornecer-lhe uma amostra do produto reembalado. Deve ainda indicar no produto reembalado ser responsável pela reembalagem, mas não está obrigado a mencionar o fabricante dos produtos ou a informar que o titular da marca não autorizou a reembalagem.

2) A reembalagem nos termos da directiva

90.

Creio que se chegará exactamente aos mesmos resultados com base no artigo 7° da directiva.

91.

O artigo 7° foi obviamente inspirado pela jurisprudência do Tribunal que instituiu o princípio do esgotamento. Isso resulta claramente da sua redacção c da sua epígrafe, do seguinte teor: «Esgotamento dos direitos conferidos pela marca». O objectivo do artigo 7.° era o de garantir que o princípio do esgotamento a nível comunitário fosse transposto para o direito interno dos Estados-Membros, alguns dos quais consideravam que os direitos de propriedade intelectual apenas se esgotavam com a comercialização no interior do seu território nacional.

92.

Assim, o n.° 1 do artigo 7.° estabelece que o titular da marca não pode proibir o seu uso para produtos que tenham sido comercializados na Comunidade sob essa marca pelo titular ou com o seu consentimento. Esta redacção retoma claramente a linguagem utilizada nos acórdãos do Tribunal de Justiça que instituíram o princípio do esgotamento.

93.

O n.° 2 do artigo 7° da directiva reconhece, como a jurisprudência do Tribunal, que o princípio do esgotamento não é absoluto: não é aplicável sempre que existam «motivos legítimos» que justifiquem que o titular da marca se oponha à comercialização posterior dos produtos, «nomeadamente sempre que o estado desses produtos seja modificado ou alterado após a sua colocação no mercado». Uma vez mais, a linguagem da directiva ecoa a jurisprudência do Tribunal, especificamente, a resultante dos acórdãos Hoffmann-La Roche e Pfizer. Portanto, não se pode afirmar que a jurisprudência anterior se tornou supérflua. Pelo contrário, o n.° 2 do artigo 7 ° é tão vago que é necessário completá-lo com o conhecimento da jurisprudência. A vaga referência à condição de os produtos serem modificados ou alterados ajuda pouco, só por si, à compreensão de quais são os «motivos legítimos» que justificam a não aplicação do princípio do esgotamento. A relevância dessa matéria apenas surge claramente através de um estudo da jurisprudência.

94.

Todavia, não seria correcto afirmar que a directiva tem por objectivo proceder à «codificação» da jurisprudência. A brevidade do n.° 2 do artigo 7° basta para demonstrar que não é esse o objectivo prosseguido. Existem boas razões que o explicam. E duvidosa a questão de saber até que ponto o Conselho é competente ao abrigo do artigo 100.°-A do Tratado, para proceder à codificação da jurisprudência relacionada com o artigo 36.° do Tratado. A isto acresce que o Conselho terá certamente concluído que princípios que foram estabelecidos numa mão cheia de processos não estavam ainda suficientemente maduros para serem fixados em algo que se pudesse entender como um código legislativo, mas, pelo contrário, que era necessário permitir a sua evolução à luz das situações de facto, fossem elas quais fossem, que os acidentes da vida judicial pudessem revelar. A utilização do termo «nomeadamente» no n.° 2 do artigo 7° confirma a natureza não exaustiva da disposição e demonstra que o Conselho não pretendeu limitar o poder do Tribunal para definir, e redefinir, as circunstâncias que justificam a oposição do titular da marca à comercialização posterior dos produtos de marca após a sua primeira colocação.

95.

Como o artigo 36.° do Tratado, o artigo 7° da directiva pretende conciliar a livre circulação de mercadorias no interior do mercado comum com a protecção dos direitos de marca. Pode-se atingir a adequada conciliação só permitindo as restrições à livre circulação que sejam necessárias para salvaguardar o objecto específico e a função essencial da marca. Portanto, o exposto nos pontos 71 a 89, supra, também releva para a interpretação da directiva. O principal efeito do artigo 7° da directiva é simplesmente, uma vez a directiva adequadamente transposta, que a solução pode agora ser encontrada nas medidas nacionais de transposição. Enquanto anteriormente podia existir um conflito entre o direito interno e o Tratado (um conflito que teria que ser resolvido através da não aplicação das disposições não conformes de direito interno), o direito interno deverá agora ser conforme ao Tratado: o princípio do esgotamento a nível comunitário dos direitos de marca, ressalvada uma excepção por «motivos legítimos», deverá, após a correcta transposição da directiva, existir presentemente no direito interno dos Estados-Membros. Creio que isto era tudo o que o artigo 7.° da directiva pretendia atingir.

96.

O Governo alemão e os titulares das marcas nos processos apensos C-427/93, C-429/93 e C-436/93 invocam, com efeito, que o artigo 7° concedeu direitos mais vastos aos titulares de marcas e limitou as circunstâncias em que se aplica o princípio do esgotamento no que respeita aos produtos rccmbalados. Avança-sc com esse argumento que o n.° 1 do artigo 7° só se aplica aos produtos que tenham sido comercializados no seu estado original, ou seja, na sua embalagem original. Portanto, o titular da marca poder-se-á opor à comercialização de produtos rccmbalados nos quais a marca tenha sido aposta sem o seu consentimento, mesmo quando o estado desses produtos não possa ser afectado pela rccmbalagem.

97.

Não concordo com este argumento. Em primeiro lugar, é de difícil reconciliação com a redacção do n.° 2 do artigo 7.°, nos termos da qual o n.° 1 desse artigo apenas deixa de ser aplicável quando existam motivos legítimos que justifiquem que o titular da marca se oponha à comercialização posterior dos produtos. Existem certamente situações (como as descritas no ponto 66 supra) nas quais não é de modo algum óbvio ter o titular da marca qualquer motivo legítimo para se opor à sua utilização nos produtos reembalados. Defender que nunca é permitido a quem apenas modifique a embalagem externa dos produtos identificá-los, através da aposição da marca na nova embalagem será excessivo.

98.

Em segundo lugar, o argumento antes exposto não tem em conta o facto de o artigo 7° ter por base a jurisprudência do Tribunal. Resulta claro do acórdão Hoffmann-La Roche que o Tribunal não partilhou da opinião de que o princípio do esgotamento não pode ser aplicado aos produtos rccmbalados quando a marca tenha sido aposta por um terceiro. Caso o legislador tivesse pretendido alterar radicalmente o direito vigente, teria certamente recorrido a uma redacção clara nesse sentido e não teria ecoado a linguagem utilizada pelo Tribunal.

99.

Em terceiro lugar, a se aceitar o referido argumento, isso significaria que a directiva se traduziria, efectivamente, num passo atrás em termos da integração do mercado e da remoção das barreiras comerciais entre os Estados-Mcmbros. Significaria que os obstáculos às importações paralelas passariam agora a ser superiores ao que eram antes da adopção da directiva. Deve-se certamente partir da premissa de que o objectivo da harmonização das legislações dos Estados-Membros ao abrigo dos artigos 100.° e 100.°-A do Tratado é o de eliminar as barreiras ao comércio intracomunitário existentes e não reforçá-las.

3) O ónus da prova

100.

O Reino Unido defende que o artigo 7° da directiva tem ainda um outro efeito, designadamente, o de provocar a inversão do ónus da prova: anteriormente, a empresa que apôs a marca nos produtos reembalados teria o ónus da prova de que a reembalagem não poderia afectar o estado original dos produtos, agora esse ónus caberá ao titular da marca, que deverá demonstrar a existência de motivos legítimos que justifiquem a sua oposição à comercialização dos produtos reembalados.

101.

Esta afirmação não me convence. Não vislumbro qualquer referência, expressa ou implícita, ao ónus da prova no artigo 7.o Essa matéria não é tratada nesse artigo. Como o Tribunal de Justiça também não tratou expressamente do problema do ónus da prova nos acórdãos Hoffmann-La Roche e Pfizer. E certo que algumas das expressões utilizadas no acórdão Hoffmann-La Roche podem dar a impressão de que a matéria foi discutida. O acórdão parece sugerir que o titular da marca pode, em princípio, opor-se à utilização da marca nos produtos reembalados e que apenas deixa de ter esse direito em circunstâncias excepcionais, designadamente, quando se demonstrar que o exercício do direito de marca contribui para estabelecer uma compartimentação artificial entre os mercados e se demonstrar que a reembalagem não poderá afectar o estado originário do produto (v. n.° 1 da parte decisória do acórdão).

102.

Todavia, não creio que esta redacção pretendesse referir-se às normas técnicas relativas ao ónus da prova ou que com ela se pretendesse estabelecer uma presunção no sentido de que o uso pelo titular da marca do seu direito para impedir a comercialização de produtos reembalados será legítimo até prova em contrário. A matéria da prova tem natureza processual e, portanto, é regulada, de acordo com o princípio da autonomia processual, pelo direito interno ( 25 ). Constitui jurisprudência constante do Tribunal que, na falta de regras específicas do direito comunitário, compete à ordem jurídica interna de cada Estado-Membro estabelecer as regras e condições que regulam a aplicação das normas comunitárias com efeito directo nos Estados-Membros, desde que estejam preenchidas duas condições: designadamente, que as regras processuais aplicáveis aos pedidos com base no direito comunitário não podem ser menos favoráveis do que as que regulam acções análogas de natureza interna e que as suas modalidades não podem ser tais que tornem o exercício dos direitos conferidos pelo direito comunitário praticamente impossível ou excessivamente difícil ( 26 ). É apenas em casos excepcionais que o direito comunitário interfere na competência dos tribunais nacionais para aplicarem as suas próprias regras processuais a matérias como a produção da prova e o ónus da prova ( 27 ). Por vezes, a legislação comunitária refere expressamente a quem incumbe o ónus da prova ou especifica o tipo de prova a prestar, por exemplo, em matéria de direito aduaneiro ( 28 ). Outras vezes, o Tribunal determinou expressamente que em certos tipos de processos o ónus da prova de certos factos incumbe a determinada parte; o que parece ter ocorrido principalmente em processos relacionados com a igualdade de remuneração entre homens e mulheres ( 29 ) e a justificação dada para intervir na autonomia processual dos Estados-Mcmbros foi a de que o exercício efectivo do direito à igualdade de remuneração poderia ser tornado virtualmente impossível caso cm certas circunstâncias se fizesse recair o ónus da prova sobre o trabalhador ( 30 ).

103.

É, portanto, lógico que nos interroguemos se nos presentes processos a aplicação de regras sobre o ónus da prova pode ter o efeito de tornar o exercício dos direitos reconhecidos pelo direito comunitário impossível ou excessivamente difícil. Estão em causa dois destes direitos: designadamente, o direito de os titulares da marca impedirem uma utilização injustificada das suas marcas por terceiros e o direito de os importadores paralelos comercializarem os produtos de marca desde que não causem qualquer dano aos interesses legítimos dos seus titulares. Estes direitos são ambos de grande importância c qualquer conflito que entre eles se verifique deve ser resolvido aquilatando os interesses em presença. A nenhuma das partes deverá ser imposta uma probatio diabolica: ou seja, não lhes deve ser imposta a prova do que não é possível provar ou do que só será possível com as maiores dificuldades. E defensável que assim aconteceria caso fosse exigida aos importadores paralelos a prova de que a reembalagem não pode afectar o estado original dos produtos. Seria um truísmo afirmar que a prova de um facto negativo é extremamente difícil. É claro que os tribunais nacionais devem evitar aplicar regras que não sejam razoáveis no que toca ao ónus da prova c à força probatória. Contudo, não será desrazoável exigir-se dos importadores paralelos a prova de que tiveram os cuidados adequados com a rccmbalagem dos produtos, por exemplo, de que dispõem de instalações apropriadas e empregam pessoal competente.

104.

Portanto, é necessária uma abordagem baseada na ponderação dos interesses, análoga à prescrita pelo Tribunal de Justiça no acórdão Sandoz ( 31 ). Esse processo respeitava a uma disposição do direito neerlandês nos termos da qual os géneros alimentícios e as bebidas aos quais tivessem sido adicionadas vitaminas só podiam ser vendidos com autorização do ministro competente. O Tribunal declarou que «o direito comunitário (ou seja, os artigos 30.° e 36.° do Tratado) impede a aprovação de legislação nacional que subordine a autorização de comercialização à prova, feita pelo importador, de que o produto em causa não é nocivo para a saúde, sem prejuízo da faculdade de as autoridades nacionais solicitarem ao importador a apresentação de todos e quaisquer dados em seu poder que possam ser úteis à apreciação dos factos» ( 32 ).

105.

O acórdão Sandoz é um dos muitos nos quais o Tribunal de Justiça declarou que, sempre que se invoque o artigo 36.°, é necessário que se demonstre que a restrição às importações é necessária para os efeitos da salvaguarda de um dos interesses referidos nessa disposição ( 33 ). O que o Tribunal pretende afirmar com essa declaração é que a autoridade nacional — ou o titular de um direito de propriedade intelectual — deve, para poder invocar a aplicação do artigo 36.°, fazer mais do que uma mera referência geral a um dos interesses taxativamente referidos nessa disposição: impõe-se uma argumentação coerente que demonstre precisamente de que modo o interesse em questão será afectado. Não creio que o Tribunal tivesse pretendido estabelecer normas técnicas relativas à incidência do ónus da prova ou à força probatória.

106.

De onde concluo que, em princípio, o tribunal nacional deve aplicar as suas próprias regras internas sobre o ónus da prova, a força probatória e a admissibilidade da prova, desde que essas regras não sejam discriminatórias e não tornem o exercício dos direitos conferidos pelo direito comunitário indevidamente difícil. Caso o titular de uma marca se oponha à importação de produtos que colocou no mercado noutro Estado-Membro com o fundamento de que foram reembalados por outra pessoa, não será desrazoável exigir dessa pessoa que demonstre ter tomado as precauções necessárias para garantir que não é provável que a reembalagem afecte o estado original dos produtos.

IV — A aplicação dos princípios anteriormente expostos aos factos específicos de cada processo

107.

Incumbe, claro está, ao tribunal nacional determinar o modo como os princípios anteriormente expostos devem ser aplicados aos factos específicos de cada processo. Todavia, o Tribunal de Justiça pode auxiliá-lo, tendo em conta esses factos. E o que eu passo agora a tentar fazer.

1) O processo C-427/93

108.

A reembalagem a que procedeu a Paranova no que concerne aos produtos da Bristol-Myers Squibb consistiu essencialmente em substituir a embalagem externa dos produtos. No que respeita aos cinco produtos farmacêuticos em questão, a embalagem interna não parece ter sofrido qualquer alteração, excepto que em certos casos (Vepesid, Vumon e Mycostatin) nela foi colocada um autocolante. No que respeita ao Capoten e ao Diclocil, a preparação farmacêutica tem a forma de comprimidos e a embalagem interna consiste em caixas de blisteres. No caso do Vepesid e do Vumon, a preparação farmaceutica é apresentada em forma líquida e são utilizadas ampolas ou frascos como embalagens internas. Na nova embalagem externa, a Paranova utiliza geralmente os mesmos motivos coloridos que a Bristol-Myers Squibb. Num dos produtos (Mycostatin) foi inserido um produto adicional na nova embalagem, designadamente, um pequeno vaporizador em forma de seringa. O vaporizador é embalado num envelope plástico selado onde figuram os nomes «Asie» e «ONCE»; não há qualquer indicação no sentido de esses nomes serem marcas da Bristol-Myers Squibb. Na embalagem externa informa-se que a caixa contém um vaporizador que foi fabricado pela Paranova.

109.

A questão que se suscita é a de saber se alguma das operações acima descritas põe cm causa algum dos interesses legítimos protegidos pelo direito de marca (interesses definidos no ponto 72 supra). O simples facto de a Paranova ter substituído a embalagem externa c ter aposto a marca registada na nova embalagem não parece afectar nenhum desses interesses. O produto descrito como «Capoten» é Capoten genuíno que foi produzido pela Bristol-Myers Squibb. A Paranova não apresenta os seus próprios produtos como sendo os da Bristol-Myers Squibb. O consumidor não é enganado c induzido a comprar um produto que parece ser proveniente do titular da marca «Capoten» c que na realidade provém de fonte diferente. A utilização das mesmas cores que são utilizadas para os produtos comercializados na Dinamarca pela Bristol-Myers Squibb não é enganosa; apenas ajuda a identificar os produtos. Não se verifica qualquer apropriação indevida da clientela da Bristol-Myers Squibb. Podcr-se-ia defender que caso a embalagem externa fosse de qualidade inferior ou defeituosa poderia prejudicar a reputação da marca, mas não parece que a Bristol-Myers Squibb tenha avançado essa critica.

110.

No que concerne à questão crucial de saber se a reembalagem č susceptível de afectar o estado original dos produtos, verifica-se que a resposta é negativa no que toca a quatro dos produtos. No que respeita ao Capoten e ao Diclocil, as caixas de blisteres originais são deixadas intactas e a Paranova limita-se a nelas imprimir uma informação (que não esconde as marcas originais) no sentido de os produtos terem sido por ela reembalados. No que concerne ao Vepesid e ao Vumon, a Paranova, ao que parece, remove o rótulo original das ampolas ou dos frascos c coloca-lhes uma nova etiqueta na qual identifica os produtos c descreve o papel por ela desempenhado. Não é fácil de ver, no que toca a todos estes produtos, como poderá a reembalagem afectar o estado original dos produtos.

111.

O Mycostatin é recmbalado do mesmo modo que o Vepesid e o Vumon, c, uma vez mais, o estado original do medicamento propriamente dito não deverá ter sido afectado. Todavia, maiores dificuldades coloca a adição de um vaporizador no que toca ao Mycostatin. Em princípio, o titular da marca tem o direito de objectar à inserção, numa embalagem que ostenta a sua marca, de produtos provenientes de fonte diferente, uma vez que com isso se cria a impressão de que os produtos adicionais foram produzidos sob o seu controlo. Pode-se defender que uma indicação clara num dos lados da embalagem no sentido de os produtos terem sido produzidos por uma empresa diferente deve ser considerada como adequada para dissipar essa impressão. Incumbe ao tribunal nacional decidir das questões de saber se essa indicação é suficientemente clara e se, apesar dessa informação, é ainda possível atribuir a responsabilidade pelo material adicional ao titular da marca.

2) O processo C-429/93

112.

Em princípio, é difícil de ver como poderão as reembalagens realizadas pela Paranova neste processo afectar o estado original dos produtos. No que toca ao Atrovent, ao Berodual e ao Berotec, a Paranova apenas retira os inaladores de aerossol das suas caixas de cartão originais e coloca-os em novas caixas. Antes de os reembalar, a Paranova coloca-lhes um novo autocolante com informação escrita em dinamarquês. O novo autocolante cobre completamente o autocolante original. Contém informações sobre as substâncias activas, a data-limite de utilização e o número do lote e informa que o produto foi importado e reembalado pela Paranova. Em certos casos, é inserida na embalagem uma versão dinamarquesa da bula.

113.

Poder-se-á defender que é possível que se cometam erros ao reproduzir a data-limite de utilização ou na tradução da bula ou que existe um risco de contaminação dos inaladores durante a reembalagem. Trata-se de questões de facto a serem resolvidas pelo tribunal nacional. No que respeita à reembalagem do Catapresan, é difícil de ver como poderá haver qualquer risco de ser alterado o estado original dos produtos. A Paranova simplesmente retira os pacotes de blisteres das suas caixas originais e coloca-os em novas caixas. As tiras de blisteres não são cortadas e o risco de contaminação afigura-se mínimo ou não existente. Incumbe ao tribunal nacional determinar a questão de saber se a informação impressa na nova embalagem externa é exacta e suficiente.

3) O processo C-436/93

114.

Este processo também respeita à reembalagem de pacotes de blisteres não cortados numa nova embalagem externa. As observações feitas em relação ao Catapresan afiguram-se também aplicáveis ao produto (Adalat) em questão neste processo.

115.

Incumbe ao tribunal nacional decidir da questão de saber se a falta de inclusão de uma advertência acerca da sensibilidade à luz do produto pode justificar a proibição da venda dos produtos em questão. Este elemento ilustra até que ponto é preferível que uma amostra do produto reembalado seja fornecida ao titular da marca. Quase não merece a pena sublinhar que, caso a advertência não tenha sido colocada na embalagem original, o titular da marca não pode denunciar a sua omissão no produto reembalado.

4) O processo C-71/94

116.

Três aspectos específicos deste processo suscitam dificuldades particulares. Em primeiro lugar, há a questão de saber se a utilização de tiras de blisteres cortadas e de uma embalagem externa com uma janela através da qual é visível a marca impressa na embalagem interna original confere ao produto a aparência de um produto de qualidade inferior e se esse simples facto pode constituir fundamento para a não aplicação do princípio do esgotamento. Em segundo lugar, há a questão de saber se o corte das tiras de blisteres apresenta um risco de contaminação. Em terceiro, é necessário considerar a questão de saber se a interrupção — em resultado do seu corte — da série de dias da semana a que corresponde cada comprimido pode confundir o consumidor e pôr mesmo cm risco a sua saúde.

117.

O primeiro destes aspectos suscita uma importante questão de ordem geral acerca do alcance da protecção conferida pela marca. É possível invocar a marca para impedir uma nova comercialização dos produtos reembalados com o fundamento de que a reembalagem foi feita de tal modo que, embora não afecte a qualidade técnica dos produtos, a imagem da marca é susceptível de ser prejudicada pela aparência do produto reembalado? Uma vez que faz parte da função da marca permitir ao seu titular proteger a sua reputação comercial, não será correcto afirmar que nunca é possível invocá-la para impedir uma nova comercialização dos produtos devido a terem a aparência de produtos de qualidade inferior. E óbvio que a reputação da marca pode sofrer caso seja utilizada em produtos que têm uma má apresentação. A importância da apresentação pode variar conforme o tipo de produtos. Para os produtos de luxo, como os perfumes e os artigos de joalharia, uma apresentação atractiva pode ser mais importante do que é para os produtos mais funcionais, como os produtos farmacêuticos.

118.

Uma vez mais, incumbe ao tribunal nacional decidir se, com base nos factos, a aparência dos produtos reembalados pode prejudicar a reputação da marca. Ao fazê-lo, terá que resolver a questão de saber se a afirmação na nova embalagem externa no sentido de os produtos terem sido rcembalados pela Eurim-Pharm exclui qualquer perigo de a marca ser prejudicada devido à alegada aparência inferior da nova embalagem. Podcr--sc-á defender que, tratando-se de produtos farmacêuticos vendidos apenas com receita, as pessoas que relevam, para os efeitos de se decidir da questão de saber se a reputação da marca é prejudicada, são os farmacêuticos que vendem o produto c que, conhecedores da existência de importações paralelas, sabem precisamente as razões pelas quais os produtos foram rcembalados, sendo pouco provável que dêem menos valor à marca simplesmente devido ao facto das embalagens originais terem sido colocadas numa nova caixa com uma abertura num dos seus lados ou por estarem incompletas algumas das tiras de blisteres.

119.

Incumbe ainda ao tribunal nacional decidir da questão de saber se existe um risco de contaminação devido ao corte das tiras de blisteres. Note-se que, na amostra fornecida ao Tribunal de Justiça pela Eurim-Pharm, a tira de blisteres foi cortada de tal modo que alguns dos comprimidos se encontram extremamente perto da extremidade. O tribunal nacional deverá decidir da questão de saber se esse facto aumenta o risco de os comprimidos serem acidentalmente expostos ao ar. Realmente, é difícil afirmar a priori que não existe qualquer risco de contaminação.

120.

No que respeita à interrupção das séries de dias da semana, é inegável que pode resultar numa considerável confusão para o consumidor. Na amostra fornecida ao Tribunal de Justiça, a série está interrompida de tal modo que surge a impressão de que dois comprimidos são atribuídos ao mesmo dia (quinta-feira). O perigo de alguns consumidores poderem ocasionalmente exceder a dose correcta não pode ser afastado. O facto de os dias da semana serem indicados em francês e em inglês, e não em alemão, não altera esta conclusão, pois é presumível que um número significativo de consumidores alemães de produtos farmacêuticos tenha alguns conhecimentos de inglês ou de francês.

5) O processo C-72/94

121.

Neste processo, não parece verificar-se qualquer risco de contaminação dos produtos farmacêuticos, pois que a Eurim-Pharm simplesmente remove as tiras de blisteres da sua embalagem externa original e coloca-as, não cortadas, em novas embalagens. Também neste processo é utilizado o método das «janelas» nas novas embalagens e as observações feitas no que respeita ao processo C-71/94 parecem-me válidas também aqui, embora não se afigure que o titular da marca conteste especificamente a aparência dos produtos.

6) O processo C-73/94

122.

Dois aspectos específicos deste processo suscitam dificuldades, designadamente, a utilização de tiras de blisteres cortadas de modo a obter uma embalagem de 50 drageias a partir das embalagens de 45 drageias vendidas em Espanha e o facto de ter sido acrescentada a palavra «forte» para indicar que os produtos importados de Portugal correspondem à versão mais forte do produto.

123.

Relativamente ao corte das tiras de blisteres, as observações feitas no que respeita ao processo C-71/94 são também relevantes para o presente processo. Acrescentarei apenas que, na amostra fornecida ao Tribunal de Justiça, a tira de blisteres foi cortada de tal modo que as drageias estão a vários milímetros de distância da extremidade da tira. Caso a amostra seja representativa, o risco de contaminação parece ser muito fraco, embora deva realçar que a decisão final quanto a essa questão incumbe ao tribunal nacional.

124.

O facto de ter sido acrescentada a palavra «forte» suscita problemas mais difíceis. De certo modo, existe ura paralelismo com o acórdão American Home Products Corporation ( 34 ), na medida em que são utilizados nomes ligeiramente diferentes (Sermion c Sermion forte) para o mesmo produto (a versão mais forte do medicamento, com 10 mg de substância activa) em diferentes Estados-Membros (Portugal e Alemanha). Sc a decisão proferida no referido processo fosse aqui aplicada directamente, o resultado a que se chegaria poderia ser no sentido de a Farmitalia poder contestar a alteração do nome pelo importador paralelo, a menos que se comprovasse que a Farmitalia e as empresas a ela associadas tinham utilizado os nomes diferentes com o objectivo deliberado de compartimentar o mercado.

125.

Não defendo essa abordagem para o presente processo. Recorde-se que, no processo American Home Products Corporation, as duas marcas eram a «Scrcnid» c a «Seresta»; não era possível transformar uma na outra simplesmente juntando-lhe um autocolante com uma palavra adicional. Portanto, o presente processo não é idêntico. O ponto de partida na busca de uma solução para o problema suscitado no presente processo consiste na observação de que o Sermion comercializado com o consentimento da Farmitalia em Portugal pode, cm princípio, ser revendido na Alemanha por um importador paralelo com o nome de «Sermion»; o titular da marca não poderá a isso objectar com o fundamento de que o produto que vende em Portugal com o nome de «Sermion» é diferente do produto que vende na Alemanha com esse mesmo nome. O titular da marca não pode alegar que os consumidores (ou os farmacêuticos) serão induzidos em erro, pensando que o produto contém 5 mg de substância activa e não 10 mg. No acórdão IHT Internationale Heiztechnik c Danzingcr ( 35 ), o Tribunal declarou que, «se a fabricação dos produtos for descentralizada no seio do mesmo grupo de sociedades e as filiais estabelecidas em cada um dos Estados-Membros fabricarem produtos cuja qualidade ć adaptada às particularidades de cada mercado nacional, uma lei nacional que permita a uma filial do grupo invocar estas diferenças de qualidade para se opôr no seu território à comercialização de produtos fabricados por uma sociedade-irmã... não deverá ser aplicada (por ser contrária aos artigos 30.° c 36.°)» ( 36 ).

126.

É, portanto, evidente que a Eurim-Pharm podia, cm princípio, vender na Alemanha com a marca «Sermion» um produto que o seu titular colocou no mercado cm Portugal com essa mesma marca. Mas podendo isso causar confusão, por o produto ser duplamente mais forte do que o produto conhecido como «Sermion» na Alemanha, é evidentemente necessário, do ponto de vista de todos os interessados, que se permita à Eurim-Pharm remover essa confusão, esclarecendo que o produto corresponde ao produto conhecido na Alemanha como «Sermion forte».

7) O processo C-232/94

127.

Em princípio, este processo não parece suscitar quaisquer dificuldades especiais. A MPA retira as tiras de blisteres da sua embalagem externa original e coloca-as, intactas, na nova embalagem externa. Afigura-se que não há qualquer risco de a qualidade dos produtos ser alterada.

128.

A segunda questão do tribunal nacional implica que a informação referente à empresa que procedeu à reembalagem do produto não é exposta com suficiente clareza na embalagem externa. O conteúdo dessa informação, como descrito no ponto 35 destas conclusões, parece ser perfeitamente adequado e pode acontecer que o litígio verse unicamente sobre a questão de saber se essa informação está impressa em letras suficientemente grandes. Trata-se, claro está, de uma questão de facto cuja resolução incumbe ao tribunal nacional. Todavia, devo sublinhar que relativamente a essa questão é necessário optar por uma abordagem razoável. Caso a informação esteja expressa de tal modo que um consumidor com uma faculdade de visão normal e que lhe preste um grau normal de atenção seja capaz de entender quem é o responsável pela reembalagem, isso será suficiente. As letras não devem ser anormalmente pequenas, mas também não é necessário que sejam anormalmente grandes.

V — A resposta às questões submetidas

129.

Em vez de se responder directamente a cada uma das questões específicas submetidas pelos diferentes tribunais nacionais, será, em meu entender, mais proveitoso enunciar um certo número de regras gerais que auxiliarão os tribunais nacionais a determinar em que circunstâncias um titular de uma marca pode invocá-la para se opor a uma nova comercialização de produtos reembalados e seguidamente proferir um certo número de decisões específicas que permitam aos tribunais nacionais resolver os particulares problemas que se suscitam em certos processos. Ao formular as respostas que proponho, procurei ainda esclarecer que se atingirão os mesmos resultados quer se recorra às disposições do Tratado quer à aplicação das da directiva.

Conclusão

130.

Por conseguinte, concluo no sentido de que as questões submetidas ao Tribunal de Justiça devem ser respondidas do seguinte modo:

Processos apensos C-427/93, C-429/93 e C-436/93

«1)

Os artigos 30.° e 36.° do Tratado e o artigo 7.°, n.os 1 e 2, da Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas, devem ser interpretados no sentido de que, quando os produtos nos quais foi aposta a marca são colocados no mercado de um Estado-Membro com o consentimento do seu titular e outra pessoa compra-os, coloca-os numa nova embalagem externa, na qual apõe a marca, e comercializa-os reembalados noutro Estado-Membro, o titular da marca não pode invocá-la para impedir essa comercialização, a menos que a reembalagem seja feita de tal modo que possa afectar o estado original dos produtos ou ponha em risco, seja de que modo for, a reputação da marca. No que concerne aos produtos farmacêuticos, quem proceder à reembalagem dos produtos deve, em princípio, disso dar conhecimento ao titular da marca e fornecer-lhe uma amostra do produto reembalado. Deve ainda indicar no produto reembalado ser responsável pela reembalagem, mas não está obrigado a mencionar o fabricante dos produtos ou a informar que o titular da marca não autorizou a reembalagem.

2)

A questão de saber se a reembalagem pode afectar o estado original dos produtos ou pôr em risco, seja de que modo for, a reputação da marca é, essencialmente, uma questão de facto a ser decidida pelo tribunal nacional nos termos das suas próprias regras internas em matéria processual, como as relativas ao ónus da prova, à força probatória e à admissibilidade da prova. Essas regras não podem reservar aos pedidos com base no direito comunitário um tratamento menos favorável do que àqueles que se fundam no direito interno e não devem tornar o exercício dos direitos conferidos pelo direito comunitário exageradamente difícil.

3)

Sendo o produto em questão um produto farmacêutico que foi originalmente acondicionado em caixas de blisteres, âmpolas, frascos ou vaporizadores e quando a pessoa responsável pela sua reembalagem retire simplesmente as caixas de blisteres, as ampolas, os frascos, ou os vaporizadores da sua embalagem externa original c os coloque numa nova embalagem externa sem os cortar ou abrir, utilizando instalações apropriadas, empregando pessoal competente c tendo tomado todas as razoáveis precauções, não existe, em princípio, qualquer razão para se concluir no sentido de o estado original dos produtos poder ter sido afectado e está vedado ao tribunal nacional decidir nesse sentido na falta de provas específicas em contrário.

4)

O facto de a pessoa responsável pela reembalagem utilizar os mesmos motivos coloridos no produto reembalado que utiliza o titular da marca não é relevante.

5)

(Apenas para o processo C-427/93) Quando a pessoa responsável pela reembalagem tenha inserido na nova embalagem produtos adicionais que não foram produzidos sob a responsabilidade do titular da marca, este último pode, em princípio, opor-se à posterior comercialização dos produtos reembalados ostentando a marca, a menos que a proveniência do material adicional seja indicada de tal modo que dissipe qualquer impressão de que o titular da marca é por ele responsável.»

Processos apensos C-71/94, C-72/94 e C-73/94

«1)

Os artigos 30.° e 36.° do Tratado e o artigo 7.°, n.os 1 e 2, da Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas, devem ser interpretados no sentido de que, quando os produtos nos quais foi aposta a marca são colocados no mercado de um Estado-Membro com o consentimento do seu titular e outra pessoa compra-os, coloca-os numa nova embalagem externa, na qual apõe a marca e comercializa-os reembalados noutro Estado-Membro, o titular da marca não pode invocá-la para impedir essa comercialização, a menos que a reembalagem seja feita de tal modo que possa afectar o estado original dos produtos ou ponha em risco, seja de que modo for, a reputação da marca. No que concerne aos produtos farmacêuticos, quem proceder à reembalagem dos produtos deve, em princípio, disso dar conhecimento ao titular da marca e fornecer-lhe uma amostra do produto reembalado. Deve ainda indicar no produto reembalado ser responsável pela reembalagem, mas não está obrigado a mencionar o fabricante dos produtos ou a informar que o titular da marca não autorizou a reembalagem.

2)

A questão de saber se a reembalagem pode afectar o estado original dos produtos ou pôr em risco, seja de que modo for, a reputação da marca é, essencialmente, uma questão de facto a ser decidida pelo tribunal nacional nos termos das suas próprias regras internas em matéria processual, como as relativas ao ónus da prova, à força probatória e à admissibilidade da prova. Essas regras não podem reservar aos pedidos com base no direito comunitário um tratamento menos favorável do que àqueles que se fundam no direito interno e não devem tornar o exercício dos direitos conferidos pelo direito comunitário exageradamente difícil.

3)

Sendo o produto em questão um. produto farmacêutico que foi originalmente acondicionado em tiras de blisteres e quando a pessoa responsável pela sua reembalagem retire simplesmente as tiras de blisteres da sua embalagem externa original e as coloque numa nova embalagem externa sem as cortar, utilizando instalações apropriadas, empregando pessoal competente e tendo tomado todas as razoáveis precauções, não existe, em princípio, qualquer razão para se concluir no sentido de o estado original dos produtos poder ter sido afectado e está vedado ao tribunal nacional decidir nesse sentido na falta de provas específicas em contrário.

4)

Quando as tiras de blisteres sejam cortadas, o titular da marca tem o direito de se opor a uma posterior comercialização dos produtos, caso o tribunal nacional considere que essa prática pode afectar o estado original dos produtos devido a um risco de contaminação.

5)

O titular da marca tem o direito de se opor à posterior comercialização de produtos reembalados ostentando a marca não apenas quando a reembalagem afecte a qualidade técnica dos produtos, mas ainda quando lhes dê a aparência de produtos de qualidade inferior, podendo prejudicar a reputação da marca.

6)

(Apenas para o processo C-71/94) Quando a indicação impressa no verso das tiras de blisteres atribua cada comprimido a um dia específico da semana durante um certo período de tempo e esse período fique incompleto devido ao facto de as tiras de blisteres serem cortadas, o titular da marca tem o direito de se opor a uma posterior comercialização dos produtos, caso o tribunal nacional considere que a interrupção das séries de dias da semana provoca uma confusão inaceitável no espírito do consumidor e põe em risco a sua saúde ou prejudica a reputação da marca.

7)

(Apenas para o processo C-73/94) Quando o titular de uma marca venda duas versões de um produto no Estado-Membro A com os nomes ‘Sermion’ e ‘Sermion forte’ e venda no Estado-Membro Β, com o nome de «Sermion», um produto que corresponde ao produto conhecido como «Sermion forte» no Estado-Membro A, não pode invocar o seu direito de marca para impedir a revenda no Estado-Membro A de produtos que colocou no mercado no Estado-Membro Β com o nome de ‘Sermion’ mesmo que a pessoa que proceda à revenda dos produtos os descreva como sendo ‘Sermion forte’».

Processo C-232/94

«1)

Os artigos 30.° e 36.° do Tratado e o artigo 7.°, n.os 1 e 2, da Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas, devem ser interpretados no sentido de que, quando os produtos nos quais foi aposta a marca são colocados no mercado de um Estado-Membro com o consentimento do seu titular e outra pessoa compra-os, coloca-os numa nova embalagem externa na qual apõe a marca e comercializa-os reembalados noutro Estado-Membro, o titular da marca não pode invocá-la para impedir essa comercialização, a menos que a reembalagem seja feita de tal modo que possa afectar o estado original dos produtos ou ponha em risco, seja de que modo for, a reputação da marca. Quem proceder à reembalagem dos produtos deve, em princípio, disso dar conhecimento ao titular da marca e fornecer-lhe uma amostra do produto reembalado. Deve ainda indicar no produto reembalado ser responsável pela reembalagem, mas não é necessário mencionar o fabricante dos produtos ou a informar que o titular da marca não autorizou a reembalagem. A informação referente à pessoa que procedeu à reembalagem deve ser impressa de tal modo que uma pessoa com uma faculdade de visão normal e que lhe preste um grau normal de atenção seja capaz de a entender.

2)

A questão de saber se a reembalagem pode afectar o estado original dos produtos ou pôr em risco, seja de que modo for, a reputação da marca é, essencialmente, uma questão de facto a ser decidida pelo tribunal nacional nos termos das suas próprias regras internas em matéria processual, como as relativas ao ónus da prova, à força probatória e à admissibilidade da prova. Essas regras não podem reservar aos pedidos com base no direito comunitário um tratamento menos favorável do que àqueles que se fundam no direito interno e não devem tornar o exercício dos direitos conferidos pelo direito comunitário exageradamente difícil.

3)

Sendo o produto em questão um produto farmacêutico que foi originalmente acondicionado em tiras de blisteres e quando a pessoa responsável pela sua reembalagem retire simplesmente as tiras de blisteres da sua embalagem externa original e as coloque numa nova embalagem externa sem as cortar, utilizando instalações apropriadas, empregando pessoal competente e tendo tomado todas as razoáveis precauções, não existe, em princípio, qualquer razão para se concluir no sentido de o estado original dos produtos poder ter sido afectado e está vedado ao tribunal nacional decidir nesse sentido na falta de provas específicas em contrário.»


( *1 ) Língua original: inglês.

( 1 ) A existências de medidas nacionais que afectam a formação do preço resulta claramente da Directiva 89/105/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, relativa à transparência das medidas que regulamentam a formação do preço das especialidades farmacêuticas para uso humano c a sua inclusão nos sistemas nacionais de seguro de saúde (JO L 40, p. 8).

( 2 ) JO L 40, p. I.

( 3 ) Esta nota só diz respeito à versão inglesa das presentes conclusões.

( 4 ) Acórdão de 8 de Junho de 1971 (78/70, Colect., p. 183, n.° 13).

( 5 ) Acórdão de 22 de Junho de 1994 (C-9/93, Colect., p. I-2789, n.° 34).

( 6 ) Acórdão de 23 de Maio de 1978 (102/77, Colect., p. 391).

( 7 ) Acórdão de 3 de Dezembro de 1981 (1/81, Recueil, p. 2913).

( 8 ) Acórdão de 10 de Outubro de 1978 (3/78, Colect., p. 621).

( 9 ) Acórdão de 17 de Outubro de 1990 (10/89, Colect., p. I-3711, n.°13).

( 10 ) JO 1992, L 6, p. 35.

( 11 ) Acórdãos de 26 de Fevereiro de 1986, Marshall (152/84, Colcct., p. 723, n.° 46); de 14 de Julho de 1994, Faccini Dori (C-91/92, Colcct., p. I-3325), c de 3 de Março de 1994, Vancctvcld (C-316/93, Colcct., p. I-763).

( 12 ) Acórdãos de 10 de Abril de 1984, Von Colson c Kamann (14/83, Recueil, p. 1891, n.° 26), c de 13 de Novembro de 1990, Marlcasing (C-106/89, Colcct., p. I-4135, n.° 8).

( 13 ) V. Prêchai, Directives in European Community law: a study of directives and their enforcement in national courts, Oxford, 1995, p. 207; v. também as conclusões que apresentei no processo Mansa Fleisch Ernst Mundt (acórdão de 10 de Novembro de 1992 (C-156/91, Colect., p. I-5567, ponto 23 das conclusões).

( 14 ) Acórdãos de 14 de Julho de 1981, Merck (187/80, Recueil, p. 2063, n.(tm) 10 e 11), e de 9 de Julho de 1985, Pharmon (19/84, Recueil, p. 2281, n.os 25 e 30).

( 15 ) V, por exemplo, acórdão de 31 de Outubro de 1974, Sterling Drug (15/74 Colect., p. 475, n.° 12).

( 16 ) Já referido na nota 5.

( 17 ) Já referido na noia 6.

( 18 ) Já referido na nota 7.

( 19 ) Acórdão de 31 de Outubro de 1974 (16/74, Colect, p. 499).

( 20 ) Já referido na nota 15.

( 21 ) Já referidos na nota 8.

( 22 ) N.° 10 do acórdão.

( 23 ) V. n.os 21 a 23 do acórdão.

( 24 ) JO L 113, p. 8.

( 25 ) Acórdão de 21 de Setembro de 1983, Deutsche Milchkontor (205/82 a 215/82, Recueil, p. 2633, n.os 36 c 39). Quanto ao princípio da autonomia processual cm geral, v. Bridge: Procedural aspects of the enforcement of Community law through the legal systems of the Member States, 9 EL Rev. 28, c Mertens de Wilmars: L'efficacité des différentes techniques nationales de protection juridique contre les violations du droit communautaire par les autorités nationales et les particuliers, 1981, 17 CDE 379.

( 26 ) V., por exemplo, acórdãos de 16 de Dezembro de 1976, Rewe (33/76, Colect., p. 813, n.° 5); San Giorgio (199/82, Recueil, p. 3595, n.os 12 e 14); de 25 de Julho de 1991, Emmot (C-208/90, Colect., p. I-4269, n.° 16), e de 1 de Abril de 1993, Lageder e o. (C-31/91 a C-44/91, Colect, p. I-1761, n.os 27 a 29).

( 27 ) V. acórdão San Giorgio, referido na nota 26, n.° 14, e o acórdão de 19 de Novembro de 1991, Francovich e o. (C-6/90 e C-9/90, Colect. p. I-5357, n.° 43).

( 28 ) V., por exemplo, a legislação em litígio nos acórdãos de 22 de Março de 1990, Houben, (C-83/89, Colect., p. I-1161), e de 24 de Outubro de 1990, Fish Producers e Grimsby Fish (C-301/88, Colect., p. I-3803).

( 29 ) Acórdãos de 17 de Outubro de 1989, Danfoss (109/88, Colect., p. 3199), e de 27 de Outubro de 1983, Enderby (C-127/92, Colect., p. I-5535).

( 30 ) V. os acordaos Danfoss, n.os 13 e 14, e Enderby, n.° 14.

( 31 ) Acórdão de 14 de Julho de 1983 (174/82, Recueil, p. 2445).

( 32 ) V. n.° 29 do acórdão.

( 33 ) N.° 22 do acórdão. V. também os acórdãos de 8 de Novembro de 1979, Denkavit Futtermittel (251/78, Recueil, p. 3369, n.° 24), e de 30 d Novembra de 1983, Van Bennekom (227/82, Recueil, p. 3883, n.° 40).

( 34 ) Referido na nota 8.

( 35 ) Referido na nota 5.

( 36 ) N.° 38 do acórdão.

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