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Document 61990CC0159

Conclusões do advogado-geral Van Gerven apresentadas em 11 de Junho de 1991.
The Society for the Protection of Unborn Children Ireland Ltd contra Stephen Grogan e outros.
Pedido de decisão prejudicial: High Court - Irlanda.
Livre circulação de serviços - Proibição de divulgação de informações sobre clínicas que pratican interrupções voluntárias de gravidez noutros Estados-membros.
Processo C-159/90.

Colectânea de Jurisprudência 1991 I-04685

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1991:249

CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

WALTER VAN GERVEN

apresentadas em 11 de Junho de 1991 ( *1 )

Sumário

 

Matéria de facto e contexto jurídico

 

Competência do Tribunal

 

A noção de serviços na acepção do artigo 60.o do Tratado CEE

 

Alcance e convergência da segunda e da terceira questão

 

A proibição de informação releva do âmbito de aplicação dos artigos 59.o e 60.o do Tratado CEE?

 

Razões imperativas ligadas ao interesse geral podendo justificar restrições à livre prestação de serviços

 

Apreciação de uma regulamentação nacional que proíbe a divulgação de informações relativas a serviços médicos de aborto

 

Apreciação de normas nacionais face aos direitos e liberdades fundamentais garantidos pelo direito comunitário

 

Compatibilidade da proibição de informar com os princípios gerais de direito comunitário relativos aos direitos e liberdades fundamentais

 

Conclusão e análise do artigo 62.o do Tratado CEE

 

Respostas propostas

Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

1. 

As questões prejudiciais apresentadas pela High Court, Dublim (a seguir «juiz de reenvio») inserem-se no àmbito de um processo que a Society for the Protection of Unborn Children Ireland Limited (a seguir «SPUC» ou «demandante no processo principal») moveu contra um certo nùmero de pessoas na sua qualidade de representantes de uma das três associações estudantis seguintes: a Union of Students in Ireland (a seguir «USI»), a University College Dublin Students Union (a seguir «UCDSU») e a Trinity College Dublin Students Union (a seguir «TCDSU»).

Matéria de facto e contexto jurídico

2.

A SPUC é uma associação de direito irlandês, constituída para impedir a despenalização do aborto e, de modo mais geral, para proteger os direitos da vida humana desde o momento da concepção.

A UCDSU e a TCDSU publicam ambas um guia destinado aos estudantes. A semelhança da edição anterior, a edição de 1989/1990 de cada um destes guias anuais incluía um capítulo de informações destinadas às estudantes grávidas. O aborto é aí descrito como um dos recursos possíveis em caso de gravidez não desejada. Os guias indicam a este respeito o nome, o endereço e o número de telefone de algumas clínicas situadas na Grã-Bretanha onde a gravidez pode ser interrompida sob controlo médico.

A USI publica mensalmente uma revista estudantil intitulada «USI News». O número de Fevereiro de 1989 contém, nomeadamente, informações sobre a possibilidade de praticar um aborto na Grã-Bretanha e sobre o modo de entrar em contacto com as instituições que efectuam essa intervenção.

3.

O litígio que opõe a SPUC aos representantes das associações de estudantes deve ser apreciado no contexto da legislação irlandesa relativa ao aborto. Em conformidade com o artigo 58.o do Offences Against the Person Act de 1861, a mulher grávida que tente provocar um aborto de modo ilícito é passível de sanções. O artigo 59.o daquele diploma declara igualmente passível de sanções qualquer pessoa que ofereça assistência ilícita para o efeito. Com base nestas disposições penais nomeadamente, os órgãos jurisdicionais irlandeses reconheceram o direito à vida do nascituro («the right to life of the unborn») e isto desde o momento da concepção.

Na sequência de um referendo organizado em 1983, o direito à vida do nascituro foi expressamente inscrito na Constituição irlandesa. O novo artigo 40.3.3.o desta Constituição tem a seguinte redacção:

«The State acknowledges the right to life of the unborn and, with due regard to the equal right to life of the mother, guarantees in its laws to respect, and, as far as practicable, by its laws to defend and vindicate that right.« ( *2 )

Em 16 de Março de 1988, a Supreme Court irlandesa proferiu no processo The Attorney General at the relation of Society for the Protection of Unborn Children (Ireland) Ltd/Open Door Counselling Ltd and Dublin Wellwoman Centre Ltd ( 1 ) um acórdão em que declarou, nomeadamente, que:

«The court doth declare that the activities of the defendants, their servants or agents in assisting pregnant women within the jurisdiction to travel abroad to obtain abortions by referral to a clinic; by the making of their travel arrangements, or by informing them of the identity and location of and method of communication with a specified clinic or clinics are unlawful, having regard to the provisions of A.rticle 40.3.3.o of the Constitution » (o sublinhado é nosso). ( *3 )

4.

No mês de Setembro de 1989, a SPUC chamou a atenção das associações de estudantes acima mencionadas para o acórdão da Supreme Court e pediu-lhes para se comprometerem a não publicar nas suas revistas durante o ano académico de 1989/1990 informações que indiquem o nome e o endereço de clínicas que praticam o aborto e o modo de entrar em contacto com as mesmas. As associações de estudantes não deram qualquer seguimento a este pedido.

Em 25 de Setembro de 1989, a SPUC accionou os representantes das três associações de estudantes (a seguir «demandados no processo principal») perante a High Court e concluiu pedindo que a mesma se dignasse declarar a publicação das informações acima referidas incompatível com o artigo 40.3.3.o da Constituição. Simultaneamente apresentou um pedido de injunção perante o mesmo órgão jurisdicional, solicitando a proibição, antes da decisão quanto ao mérito, da publicação, no futuro, deste tipo de informações.

Durante o processo acima referido, os demandados no processo principal alegaram que o direito comunitário permite às mulheres grávidas que residem na Irlanda deslocarem-se a outro Estado-membro onde o aborto seja autorizado a fim de aí realizarem essa intervenção num estabelecimento médico desse país. Observaram ainda que esta liberdade do direito comunitário comporta igualmente o direito de as mulheres em questão obterem, na Irlanda, informações sobre o nome e a morada das clínicas que praticam o aborto nos outros Estados-membros e sobre o modo de entrar em contacto com as mesmas. Por último sustentaram que, tendo em conta o direito à informação que as mulheres grávidas residentes na Irlanda podem invocar, eles mesmos podem encontrar no direito comunitário o direito de divulgar este tipo de informações na Irlanda.

Em 11 de Outubro de 1989, a High Court proferiu uma decisão pela qual submetia à apreciação do Tribunal um certo número de questões prejudiciais — ainda não concretizadas nesse momento. No entanto, nessa altura não se pronunciou sobre a proibição de publicar pedida pela SPUC. Esta última recorreu desta decisão para a Supreme Court que, em 19 de Dezembro de 1989, proferiu a proibição de publicar até que fosse proferida a decisão quanto ao mérito. Quanto ao restante, a Supreme Court não alterou a decisão da High Court de submeter à apreciação do Tribunal um certo número de questões prejudiciais. Reconheceu no entanto às partes o direito de pedirem à High Court para modificar, à luz do acórdão do Tribunal sobre as questões prejudiciais, a proibição de publicar pronunciada a pedido da SPUC.

5.

Foi apenas na sequência do acórdão da Supreme Court que, em 5 de Março de 1990, a High Court decidiu, no prolongamento da sua decisão de 11 de Outubro de 1989, submeter ao Tribunal as três questões prejudiciais seguintes :

«1)

A actividade ou o processo organizado da prática do aborto ou da interrupção clínica da gravidez devem ser abrangidos pela definição de “serviços” estabelecida no artigo 60.o do Tratado CEE?

2)

Na falta de medidas com vista à aproximação das legislações dos Estados-membros no que respeita à actividade ou ao processo organizado da prática do aborto ou da interrupção clínica da gravidez, pode um Estado-membro proibir a distribuição de informação específica sobre a identidade, localização e formas de contacto com uma clínica ou clínicas especializadas de outros Estados-membros, nas quais são praticados abortos?

3)

Segundo o direito comunitário, constitui um direito de uma pessoa no Estado-membro A distribuir informação específica sobre a identidade, localização e formas de contacto com uma clínica ou clínicas especializadas do Estado-membro B nas quais são praticados abortos, no caso de o aborto ser proibido nos termos da Constituição e da lei penal do Estado-membro A, mas legalmente permitido, sob determinadas condições, no Estado-membro B?»

Competência do Tribunal de Justiça

6.

A Comissão salienta nas suas alegações que não se vislumbra claramente se as questões prejudiciais foram colocadas pela High Court no âmbito do procedimento de injunção ou no àmbito do processo quanto ao mèrito.

Pensamos, tal como a Comissão, que apesar do acórdão Pardini ( 2 ), esta incerteza não é susceptível de afectar a competência do Tribunal para responder às questões prejudiciais. Se as questões foram colocadas no âmbito do processo quanto ao mérito, são certamente pertinentes para a decisão a proferir pelo juiz de reenvio. No entanto são-no igualmente se tiverem sido colocadas no âmbito do procedimento de injunção. E um facto que a injunção requerida foi entretanto concedida pela Supreme Court mas, dado que esta deu às partes a possibilidade de obterem da High Court a modificação da injunção decidida depois de o Tribunal ter respondido às questões prejudiciais, as mesmas são igualmente pertinentes nesta hipótese.

7.

A demandante no processo principal e o Governo irlandês consideram que o litígio no processo principal não suscita qualquer problema de direito comunitário. Trata-se com efeito de saber se os demandados, a saber, os representantes das associações de estudantes, têm o direito de divulgar as informações em causa entre as mulheres grávidas. Dado que o fazem gratuitamente e não intervêm na qualidade de representante das clínicas de aborto cujas coordenadas fornecem, não se pode tratar de uma actividade económica na acepção do artigo 2.o do Tratado CEE. De qualquer modo, acrescentam a demandante e o Governo irlandês, a divulgação das informações fornecidas pelos demandados limita-se ao território irlandês não apresentando, assim, qualquer caracter transfronteiras, de modo que as disposições do Tratado relativas à livre prestação de serviços não são aplicáveis.

Os demandados no processo principal não são desta opinião. Como indicámos mais atrás (ponto 4), consideram poder encontrar no direito comunitário um direito à divulgação de informações que é o prolongamento do direito à informação que decorre para as mulheres grávidas residentes na Irlanda da liberdade, que lhes é garantida pelas disposições do Tratado, de receberem serviços médicos noutros Estados-membros. As informações prestadas pelos demandados não podem, assim, ser dissociadas dos serviços económicos fornecidos noutro Estado-membro.

8.

A tese dos demandados parece-nos correcta. As questões colocadas pelo juiz de reenvio têm por objecto esclarecer se as actividades das clínicas que praticam o aborto são serviços na acepção do artigo 60.o do Tratado CEE e, em caso afirmativo, se as disposições do Tratado relativas à livre prestação de serviços constituem obstáculo a uma regulamentação nacional que proíbe a divulgação de informações relativas a abortos praticados noutro Estado-membro. A segunda parte da questão incide, portanto, sobre a prestação de informações a mulheres grávidas que residem num Estado-membro mas que desejam eventualmente deslocar-se a outro Estado-membro para aí receberem certos serviços. Assim entendida, a questão não trata de actividades «cujos elementos relevantes se situam todos no interior de um único Estado-membro» ( 3 ). A proibição feita na Irlanda de fornecer informações a este respeito pode com efeito ter por consequência reduzir o número de mulheres que conhecem a existência, e que, portanto, os utilizam de serviços prestados noutro Estado-membro. Esta proibição pode portanto influenciar desfavoravelmente o comércio intracomunitário de serviços ( 4 ). As questões colocadas ao Tribunal comportam, assim, uma dimensão de direito comunitário.

A noção de serviços na acepção do artigo 60.o do Tratado CEE

9.

O juiz de reenvio colocou a sua primeira questão a fim de esclarecer se a «actividade ou as operações organizadas que consistem em realizar um aborto ou uma interrupção clínica da gravidez» devem ser consideradas um serviço na acepção do artigo 60.o do Tratado CEE.

Não pode haver qualquer dúvida, em nossa opinião, que «a interrupção clínica da gravidez» abrange um conjunto de prestações que, quando são realizadas «normalmente mediante remuneração» — o que nenhuma das partes contesta no caso concreto — constituem serviços na acepção do artigo 60.o do Tratado CEE. Os termos do artigo 60.o, n.o 2, em que, nomeadamente são designadas como serviços as «actividades das profissões liberais» indicam já que a noção de «serviços» abrange tais serviços. Aliás, no acórdão Luisi e Carbone ( 5 ), o Tribunal declarou expressamente (no n.o 16) que os «beneficiários de cuidados médicos» devem ser considerados destinatários de serviços na acepção do artigo 60.o Além disso, as profissões médicas e paramédicas são expressamente mencionadas no Tratado CEE no artigo 57.o, n.o 3 (relativo à liberdade de estabelecimento) para o qual remete o artigo 66.o (que se refere à livre prestação de serviços).

10.

Segundo a SPUC, a interrupção clínica da gravidez escaparia no entanto ao âmbito de aplicação do artigo 60.o porque tem por efeito destruir a vida de outrem, ou seja, o nascituro, o que na Irlanda é proibido pela Constituição que protege a vida antes do nascimento ( 6 ) e que proíbe o aborto intencional. O aborto intencional é, em princípio, igualmente proibido nos outros Estados-membros mas é no entanto autorizado, mais precisamente durante a primeira fase da gravidez, sob certas condições e em certas circunstâncias particulares que diferem de Estado-membro para Estado-membro. Pode-se aliás deduzir da terceira questão colocada pelo juiz de reenvio que ele se refere a uma situação em que o serviço em causa, a respeito do qual são divulgadas informações na Irlanda, é prestado no outro Estado-membro, no caso concreto no Reino Unido, nas condições aí previstas pela lei.

E esta a razão pela qual a questão que devemos examinar aqui não é aquela que já foi tratada várias vezes na jurisprudência do Tribunal a propósito da circulação das mercadorias ( 7 ), ou seja, a de saber se serviços ilegais não são abrangidos pelo âmbito de aplicação das disposições do Tratado relativas às prestações de serviços. Tal como decorre da questão prejudicial, trata-se no caso concreto de serviços de interrupção clínica da gravidez que, no país onde são prestados, o são de modo legal (ver igualmente o ponto 14 adiante) e que apresentam além disso um caracter transfronteiras, tal como vimos mais atrás (no ponto 8).

Propomos portanto que se responda à primeira questão nos seguintes termos:

«A intervenção clínica, realizada normalmente mediante remuneração, pela qual é posto fim à gravidez de uma mulher originária de outro Estado-membro, no respeito da legislação do Estado-membro onde é efectuada a intervenção, é um serviço (transfronteiras) na acepção do artigo 60.o do Tratado CEE.»

Alcance e convergência da segunda e da terceira questão

11.

A segunda questão do juiz de reenvio incide sobre a questão de saber se, no estádio actual da legislação comunitária, um Estado-membro pode proibir a divulgação de informações precisas quanto à identidade e à localização de clínicas estabelecidas noutro Estado-membro onde são praticadas interrupções clínicas da gravidez, e sobre o modo de entrar em contacto com estas clínicas. Se fizermos uma comparação com a primeira questão, afigura-se que o juiz faz alusão às disposições relativas à circulação de serviços. Trata-se portanto de saber se as disposições do Tratado relativas à livre prestação de serviços permitem a um Estado-membro impedir o acesso a serviços médicos de interrupção da gravidez legalmente prestados noutro Estado-membro proibindo a divulgação de informações relativas a estes serviços.

12.

A terceira questão do juiz de reenvio incide sobre a questão de saber se o direito comunitário confere a uma pessoa que reside no Estado-membro A o direito de divulgar as informações acima referidas a respeito de clínicas que praticam o aborto num Estado-membro B, quando o aborto é proibido tanto pela Constituição como pelo direito penal do Estado-membro A mas é legal, sob certas condições, no Estado-membro B. Decorre dos autos no processo principal que se trata de informações divulgadas no Estado-membro A por pessoas que não recebem qualquer remuneração por esta actividade e que não têm qualquer ligação com as clínicas estabelecidas no Estado-membro B. O juiz de reenvio pretende saber se o direito comunitário, ou seja, as disposições do Tratado relativas à livre prestação de serviços, confere a estas pessoas o direito de divulgar as referidas informações.

Pretende saber, o que explica a tónica que coloca na disparidade entre a legislação do Estado-membro A (a Irlanda) e a legislação do Estado-membro B (a Grã-Bretanha) ( 8 ), se, na hipótese de as disposições do Tratado relativas à livre prestação de serviços constituírem obstáculo a uma proibição de informar tal como a descrita, a situação é diferente quando esta proibição resulta de disposições fundamentais consagradas na Constituição e no direito penal do primeiro Estado-membro. Noutros termos, essa regulamentação nacional pode ser justificada ao abrigo de considerações de natureza imperativa ou de ordem pública inscritas nas disposições constitucionais e penais da ordem jurídica nacional?

13.

Assinale-se que tanto do que precede como do que segue resulta que as questões prejudiciais não dizem directamente respeito à compatibilidade com o direito comunitário da própria proibição de abortar que é imposta às mulheres grávidas mas sim da compatibilidade com o direito comunitário da proibição feita a terceiros de prestar assistência e, mais precisamente, de fornecer informações a mulheres grávidas que desejem abortar noutro Estado-membro. A proibição do aborto é, no entanto, indirectamente pertinente na medida em que é invocada para justificar a proibição de divulgar as informações (ver quanto a este aspecto os pontos 26 e 33).

As questões prejudiciais referem-se com efeito à proibição de divulgar «informações precisas quanto à identidade e à localizasção» de clínicas britânicas em que são praticados abortos e «quanto aos modos de entrar em contacto com as mesmas». Esta descrição aproxima-se notoriamente da formulação utilizada pela Supreme Court irlandesa no seu acórdão Open Door Counselling, já referido (ver ponto 3) em que declarou que tanto o facto de divulgar essas informações como o de encaminhar mulheres grávidas para clínicas estabelecidas no estrangeiro que praticam o aborto e o facto de organizar viagens para o efeito são considerados um meio ilegal de prestar assistência a mulheres grávidas residentes na Irlanda para a realização de uma interrupção da gravidez. Nas suas alegações escritas, a Comissão sublinhou acertadamente que esta proibição de assistência é uma proibição geral aplicável na Irlanda a todo e qualquer prestador de serviços e/ou qualquer pessoa que forneça informações, independentemente da sua nacionalidade ou do seu local de estabelecimento, e que a mesma impede as mulheres grávidas residentes na Irlanda, seja qual for a sua nacionalidade, de receber os serviços em causa tanto na Irlanda como noutros Estado-membros.

As questões prejudiciais só têm por objecto interrogar o Tribunal sobre a licitude da proibição de prestar assistência através da divulgação de informações. Mais precisamente, não dizem respeito à eventual sanção penal a que se expõem as mulheres grávidas que abortam no estrangeiro. Nem os elementos dados a conhecer ao Tribunal, nem as declarações das partes na audiência permitiram, aliás, estabelecer com suficiente clareza se a legislação irlandesa prevê uma sanção nessa situação. Em contrapartida, os demandados no processo principal indicaram nas suas alegações escritas que a Irlanda não proíbe as mulheres grávidas, ou não procura impedi-las, de utilizar o seu direito de viajar e de receber serviços de interrupção da gravidez no estrangeiro.

14.

Outro aspecto retém ainda brevemente a nossa atenção. Como já afirmámos, as questões dizem respeito a uma interrupção clínica da gravidez praticada noutro Estado-membro em conformidade com a legislação aí em vigor. Pressupomos que tal significa igualmente — o que aliás não parece ser contestado no presente processo — que as informações divulgadas na Irlanda pelos demandados no processo principal satisfazem as normas em vigor no Reino Unido no que diz respeito aos casos em que a lei aí autoriza a interrupção da gravidez. Com efeito, nos Estados-membros em que o aborto é autorizado em certas condições, são muitas vezes previstas exigências em matéria de informação e de acompanhamento para impedir uma banalização e uma comercialização do aborto ( 9 ) ou para garantir que a informação só é fornecida por pessoas competentes ( 10 ) e que a decisão de abortar é tomada com conhecimento de causa, quer dizer, depois de ter beneficiado das informações e dos conselhos necessários ( 11 ).

Pressupomos assim que a divulgação de informações na Irlanda se situa no âmbito do que é autorizado no Estado-membro de origem do serviço. Esta precisão é importante porque o direito de fornecer informações invocado pelos demandados no processo principal não pode, em caso algum, ser mais lato do que o direito do qual deriva, em sua opinião, ou seja, o direito à livre prestação de serviços que pode invocar o próprio prestador dos serviços, que está estabelecido noutro Estado-membro. Com efeito, em regra geral, só as mercadorias ou os serviços regularmente «produzidos» ou «comercializados» no país de origem podem beneficiar da livre circulação de mercadorias e de serviços no interior da Comunidade.

15.

Do que precede resulta que as segunda e terceira questões estão intimamente ligadas devendo ser entendidas conjuntamente do seguinte modo:

«As disposições do Tratado relativas à livre circulação de serviços constituem obstáculo a que um Estado-membro em que o aborto é proibido tanto pela Constituição como pelo direito penal, proíba a quem quer que seja, prestador de serviços ou independente de qualquer prestador de serviços, e seja qual for a sua nacionalidade ou o seu local de estabelecimento, prestar assistência a mulheres que residam neste Estado-membro, independentemente da sua nacionalidade, com vista a uma interrupção da gravidez, mais especialmente através da divulgação de informações a respeito da identidade e da localização de clínicas estabelecidas noutro Estado-membro e que praticam o aborto, bem como sobre a maneira de entrar em contacto com essas clínicas, e isso mesmo que os serviços de interrupção clínica da gravidez e as informações relativas à mesma sejam prestados em conformidade com a legislação em vigor nesse outro Estado-membro?»

Para responder a esta questão, procederemos em três etapas. Em primeiro lugar examinaremos, à luz da jurisprudência do Tribunal relativa à livre prestação de serviços, se a proibição de informar em causa releva em princípio do âmbito de aplicação das disposições do Tratado relativas à livre circulação de serviços (pontos 16 a 21). Analisaremos em seguida a questão de saber se, na hipótese em que se deva responder afirmativamente a esta questão, a proibição pode no entanto ser justificada em direito comunitário por exigências imperativas ligadas ao interesse geral, tanto ao nível dos princípios (pontos 22 a 24) como no plano concreto (pontos 25 a 29). Por último, apreciaremos a questão de saber se o Tribunal é competente para examinar a proibição de informar em causa à luz dos princípios gerais do direito comunitário relativos aos direitos e liberdades fundamentais (pontos 30 a 31) e, em caso afirmativo, investigaremos qual é o resultado desse exame (pontos 32 a 38).

A proibição de informação releva do âmbito de aplicação dos artigos 59.o e 60.o do Tratado CEE?

16.

Desde o termo do período de transição, os artigos 59.o e 60.o do Tratado CEE são directamente aplicáveis ( 12 ). Na sua segunda questão, o juiz de reenvio assinala que não existe qualquer medida de aproximação das legislações dos Estados-membros relativas à interrupção clínica da gravidez. Esta ausência de harmonização não constitui obstáculo à aplicabilidade directa das disposições do Tratado.

17.

Segundo jurisprudência constante do Tribunal ( 13 ), o artigo 59.o do Tratado CEE exige a supressão de toda e qualquer restrição que tenha por finalidade ou por efeito submeter, em razão da sua nacionalidade ou do seu local de estabelecimento, um prestador de serviços estabelecido num Estado-membro diferente daquele em que o serviço deve ser fornecido, a um tratamento menos favorável que o prestador de serviços estabelecido neste último Estado-membro.

Mas mesmo quando o prestador de serviços se encontra estabelecido no mesmo Estado-membro em que o serviço é prestado e quando é o beneficiário do serviço que se desloca a este Ęstado-membro à partida de outro Estado-membro, o artigo 59.o do Tratado CEE exige a supressão das restrições que incidam sobre este beneficiário em razão da sua nacionalidade ou do seu local de estabelecimento noutro Estado-membro que não o Estado-membro a que se desloca para receber o serviço. O Tribunal justificou esta posição no n.o 10 do acórdão Luisi e Carbone do seguinte modo:

«A fim de permitir a execução da prestação de serviços, pode verificar-se a deslocação, quer do prestador que se desloca ao Estado-membro onde o destinatário se encontra estabelecido, quer do destinatário que se desloca ao Estado de estabelecimento do prestador. Enquanto o primeiro destes casos se encontra expressamente mencionado no artigo 60.o, terceiro parágrafo, que admite o exercício, a título temporário, da actividade do prestador de serviços no Estado-membro onde a prestação é fornecida, o segundo caso constitui o seu complemento necessário, que corresponde ao objectivo de liberar toda e qualquer actividade remunerada e não abrangida pela livre circulação de mercadorias, de pessoas e de capitais.»

No n.o 16 o Tribunal tira a seguinte conclusão:.

«Daqui decorre que a liberdade de prestação de serviços abrange a liberdade de os destinatários dos serviços se deslocarem a outro Estado-membro para aí beneficiarem de um serviço, sem serem entravados por restrições, mesmo em matéria de pagamentos»

O Tribunal confirmou esta última posição de modo explícito no n.o 15 do acórdão Cowan ( 14 ).

Resulta desta jurisprudência que as disposições do Tratado relativas à livre prestação de serviços conferem direitos não só aos prestadores de serviços que actuam a título profissional mas igualmente aos cidadãos da Comunidade que desejem obter serviços. Conferem mais precisamente a estes últimos o direito de se deslocarem a outro Estado-membro com vista a receberem aí um serviço fornecido neste.

18.

A questão que se coloca presentemente é a de saber se o direito de os cidadãos comunitários receberem serviços noutro Estado-membro inclui o direito de receber no seu próprio Estado-membro informações sobre os fornecedores de serviços estabelecidos neste outro Estado-membro e sobre o modo de entrar em contacto com eles. Consideramos que se deve responder afirmativamente a esta questão.

No acórdão GB-INNO-BM ( 15 ), o Tribunal sublinhou, a propósito da oferta de mercadorias, a importância da informação dos consumidores. Assinalou (no n.o 8) que a liberdade do consumidor se abastecer noutro Estado-membro fica comprometida quando o acesso à publicidade disponível no Estado de compra lhe é recusado. Não se descortina porque é que seria diferente no que diz respeito às informações relativas a um serviço: a liberdade de os particulares se deslocarem a outro Estado-membro a fim de aí receberem um serviço pode ficar comprometida se o acesso às informações relativas nomeadamente à identidade e à localização do estabelecimento do prestador de serviços e/ou aos serviços por ele prestados lhes for proibido no seu próprio país.

19.

O mesmo acontece, em nossa opinião, quando a informação provém de uma pessoa que não é o próprio prestador do serviço e que também não age por conta deste. A liberdade de se deslocar a outro Estado-membro, que o Tribunal reconheceu a um destinatário de serviços, bem como o direito que a mesma implica de ter acesso às informações (regularmente fornecidas) que se relacionam com estes serviços e com o prestador dos mesmos resultam de regras fundamentais do Tratado às quais se deve dar um efeito útil tão lato quanto possível. Sem prejuízo de restrições que examinaremos posteriormente e que assentam em exigências imperativas ou outras causas de justificação, a liberdade de prestação de serviços é um princípio fundamental do Tratado. Esta liberdade deve ser respeitada por todos e pode ser promovida por quem quer que seja, nomeadamente fornecendo, a título oneroso ou a título gratuito, informações sobre os serviços propostos por si próprio ou por outrem.

Esta interpretação do direito comunitário é, aliás, conforme ao artigo 10.o da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) cujos princípios de base fazem, conforme o Tribunal admite, parte da ordem jurídica comunitária, tal como é igualmente conforme ao artigo 5.o da Declaração dos Direitos e Liberdades Fundamentais feita pelo Parlamento Europeu ( 16 ). Em conformidade com estas disposições é possível a quem quer que seja, sob reserva de restrições precisas enunciadas pela lei, «receber ou transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras» (artigo 10.o, n.o 1, da CEDH). A protecção garantida por estas disposições visa em especial as informações que tenham por finalidade influenciar ou mobilizar a opinião pública mas é igualmente válida para as informações «de caracter comercial» ( 17 ). Adiante voltaremos mais em pormenor a estas disposições (ponto 34).

20.

Como indicámos atrás (no ponto 13), a proibição de fornecer informações a respeito de abortos praticados no estrangeiro é uma medida de aplicação geral na Irlanda, resultante da Constituição deste país, que afecta do mesmo modo e sem qualquer discriminação os prestadores de serviços e de informações ou os destinatários de serviços, quer nacionais quer estrangeiros. Nas alegações que apresentou ao Tribunal, a Comissão defendeu que esta medida não discriminatória não é abrangida pelos artigos 59.o e 60.o do Tratado CEE. Fundamenta-se, para o efeito, nos acórdãos Koestler ( 18 ) e Debauve ( 19 ).

E um facto que o Tribunal ainda não declarou expressamente que o artigo 59.o do Tratado CEE se aplica a medidas que, sem serem discriminatórias, afectam no entanto (actual ou potencialmente) a circulação intracomunitária de serviços. Em contrapartida também não limitou o âmbito de aplicação do artigo 59.o às medidas que incluam. uma discriminação (seja ela manifesta ou oculta). Como o advogado-geral Jacobs o declarou recentemente nas conclusões que apresentou no processo Säger ( 20 ), tal explica-se incontestavelmente pelo facto de que se tratava, na maior parte dos processos, de uma situação em que o prestador de serviços se tinha deslocado a outro Estado-membro tendo aí sido confrontado com regulamentações nacionais que afectavam mais os prestadores de serviços originários de outros Estados-membros que os seus homólogos nacionais, o que conferia a estas regulamentações um efeito «discriminatório» (ou seja, desfavorável) em relação aos primeiros.

Nas suas conclusões, o advogado-geral Jacobs defende que os entraves não discriminatórios ao fornecimento de serviços devem ser tratados como as restrições não discriminatórias à livre circulação de mercadorias o são na jurisprudência «Cassis de Dijon». Em sua opinião, esta analogia parece particularmente adequada quando o fornecedor dos serviços não se desloca fisicamente ( 21 ). Em tal situação, obrigar o prestador de serviços a agir em conformidade com a legislação muita vezes detalhada de cada Estado-membro com destino ao qual o serviço «se desloca» através dos correios ou das telecomunicações (ou, a fortiori, com a legislação do Estado-membro de onde é originário o destinatário do serviço) afectaria gravemente a instauração de um mercado comum dos serviços ( 22 ). Ao adoptar esta posição o advogado-geral Jacobs subscreve a opinião já anteriormente defendida por diversos advoga-dos-gerais ( 23 ).

Estamos plenamente de acordo com esta concepção. Excluir a priori do âmbito de aplicação do artigo 59.o do Tratado CEE as medidas que, embora não sendo discriminatórias, entravam a circulação intracomunitária de serviços, afecta de modo não desprezível o efeito útil do princípio da livre circulação de serviços que terá ainda mais importância numa economia em que o sector terciário se continua a desenvolver. Tal conclusão criaria, além disso, uma divergência indesejada entre a jurisprudência do Tribunal relativa à circulação das mercadorias e a relativa à circulação dos serviços, em situações em que apenas o serviço ou os destinatários do serviço transpõem as fronteiras internas da Comunidade, situações que não se distinguem verdadeiramente daquelas em que as mercadorias ou os compradores transpõem essas fronteiras, bem como situações em que os serviços são muitas vezes apresentados como «produtos», caso, por exemplo, do sector financeiro.

Aliás, a noção de discriminação é já tão extensa na jurisprudência do Tribunal que abrange a situação em que, devido a uma disparidade entre as legislações dos Estados-membros em causa, os fornecedores de serviços de um Estado-membro se encontrem numa situação menos vantajosa porque, era consequência desta disparidade, lhes é imposto um ónus mais pesado quando desejam exercer a sua profissão noutro Estado-membro ( 24 ). Se se admitir a interpretação lata do artigo 59.o que aqui é defendida, tal ónus mais pesado será então evidentemente considerado uma medida entravante sem que seja necessário dar um significado impróprio à proibição de discriminação ( 25 ).

21.

Concluímos portanto que mesmo quando não comportem qualquer discriminação, as regulamentações nacionais que entravem, abertamente ou de modo oculto, actual ou potencialmente, a circulação intracomunitária dos serviços, relevam em princípio do âmbito de aplicação dos artigos 59.o e 60.o do Tratado CEE. Dizemos bem: em princípio, porque tais regulamentações nacionais podem, no entanto, ser compatíveis com as referidas disposições do Tratado quando sejam justificadas por razões imperativas ligadas ao interesse geral (ver pontos 22 e seguintes adiante). Chegamos igualmente à conclusão de que, quando aplicáveis, os artigos 59.o e 60.o conferem em princípio aos cidadãos da Comunidade o direito de receberem informações sobre serviços regularmente fornecidos noutro Estado-membro, do mesmo modo que extraem destes artigos o direito de divulgar tais informações, a título oneroso ou gratuito.

Razões imperativas ligadas ao interesse geral podendo justificar restrições à livre prestação de serviços

22.

Numa jurisprudência constante, nomeadamente no acórdão Webb ( 26 ) (no n.o 17 onde se faz referência ao acórdão Van Wesemael ( 27 )), o Tribunal reconheceu que

«tendo em conta a natureza especial de determinadas prestações de serviços, não se podem considerar incompatíveis com o Tratado exigências específicas impostas ao prestador, motivadas pela aplicação de regras que regulam estes tipos de actividades. Todavia, a livre prestação de serviços, enquanto princípio fundamental do Tratado, só pode ser limitada por regulamentações justificadas pelo interesse geral e aplicáveis a qualquer pessoa ou empresa que exerça uma actividade no território do referido Estado, na medida em que esse interesse não seja protegido pelas regras a que o prestador se encontra sujeito no Estado onde está estabelecido».

No seu acórdão Comissão/Alemanha ( 28 ), o Tribunal esclarece que as exigências específicas impostas ao fornecedor de serviços em razão da natureza especial dos serviços (de seguro) em causa«devem ser objectivamente necessárias a fim de garantir o cumprimento das regras profissionais e garantir a protecção dos interesses que constituem o seu objectivo» (n.o 27),

acrescentando ainda a exigência de que

«o mesmo resultado não possa ser obtido por normas menos restritivas» (n.o 29).

O Tribunal formulou esta jurisprudência pela última vez, nos acórdãos «guias turísticos» que proferiu recentemente ( 29 ). Exprimiu-se do seguinte modo:

«Por conseguinte, essas exigências só podem ser consideradas compatíveis com os artigos 59.o e 60.o do Tratado se for provado que, no domínio da actividade considerada, existem razões imperiosas ligadas ao interesse geral que justificam restrições à livre prestação de serviços, que esse interesse não está já protegido pelas regras do Estado em que o prestador está estabelecido e que o mesmo resultado não pode ser obtido através de normas menos restritivas.»

Decorre do referido número do acórdão Webb que se trata nesta jurisprudência de regulamentações que são aplicáveis sem distinção, ou seja «aplicáveis a qualquer pessoa ou empresa que exerça uma actividade no território do Estado-membro destinatário da prestação» (incluindo regulamentações que, em razão de disparidades entre as legislações, podem constituir um ónus mais pesado para os prestadores de serviços estabelecidos noutros Estados-membros e são, nessa acepção, «discriminatórias»: ver ponto 20 atrás). As regulamentações nacionais que são (de modo manifesto ou oculto) em si discriminatórias para os prestadores de serviços estabelecidos noutros Estados-membros podem além disso ser «justificadas por razões de ordem pública, de segurança pública e de saúde pública» ( 30 ), em conformidade com as disposições conjugadas dos artigos 56.o, n.o 1, e 66.o, do Tratado CEE.

23.

Grande é a tentação de estabelecer um paralelo entre a referida jurisprudência sobre a circulação dos serviços e a jurisprudência relativa às razões imperiosas (artigo 30.o do Tratado CEE) ou às razões de interesse geral (artigo 36.o do Tratado CEE).

Resistiremos a esta tentação — o que, tendo em conta a complexidade da matéria, não nos será difícil — e limitar-nos-emos a algumas considerações susceptíveis de situar a noção de razões imperiosas ligadas ao interesse geral no quadro global do direito comunitário.

Em ambos os domínios (a saber, a circulação das mercadorias ou a circulação dos serviços), as razões que podem justificar regulamentações nacionais (discriminatórias ou não, consoante o caso) devem ser conformes ao direito comunitário. No domínio da livre circulação de mercadorias, o Tribunal apenas terá em atenção, no que diz respeito aos motivos de justificação nos termos do artigo 36.o, a enumeração limitativa que consta do Tratado ao passo que no que diz respeito às razões imperiosas do artigo 30.o, admite na sua jurisprudência um grupo restrito de razões sempre idênticas (ou seja, a protecção dos consumidores, a lealdade das práticas comerciais e a transparência do mercado, a protecção do ambiente e do meio do trabalho, a eficácia dos controlos fiscais). No domínio da livre circulação de serviços, em contrapartida, excluídas as razões enunciadas no artigo 56.o conjugado com o artigo 66.o, o Tribunal parece ter delimitado de modo menos preciso o grupo das razões imperiosas ligadas ao interesse geral. No entanto trata-se aí igualmente de razões que são análogas às enunciadas no artigo 36.o (protecção da propriedade intelectual ( 31 ) e protecção das riquezas artísticas e arqueológicas ( 32 )) e/ou às razões relevando do artigo 30.o (protecção dos trabalhadores ( 33 ) e dos consumidores, nomeadamente dos tomadores de contratos de seguro ( 34 )).

Decorre no entanto de uma jurisprudência recente que, em ambos os domínios, o Tribunal parece disposto a incluir igualmente nas razões imperiosas do «artigo 30.o» ou entre as razões ligadas ao interesse geral do «artigo 59.o» razões que «constituem [...] a expressão de certas escolhas políticas e económicas» e que se prendem com «particularidades sócio-culturais nacionais ou regionais cuja apreciação cabe, no estádio actual do direito comunitário, aos Estados-mem-bros» ( 35 ). No que diz respeito à circulação de mercadorias, este ponto de vista foi expresso no acórdão Cinéthèque ( 36 ) (relacionado com um objectivo de natureza cultural, a saber, o incentivo da indústria de filmes) e nos diferentes acórdãos relativos ao encerramento dominical ( 37 ) (que diziam respeito à repartição das horas de trabalho e de repouso e, portanto, a um objectivo de natureza sócio-recreativa). No que diz respeito à circulação de serviços, pode-se já detectar um indício deste ponto de vista em acórdãos como o acórdão Koestler ( 38 ) (em que uma regulamentação nacional não discriminatória que excluía a cobrança judicial de dívidas de jogo por razões de «ordem social» e que, deste modo, tinha simultaneamente natureza política e ética, foi considerada aceitável) e o acórdão Debauve (em que o Tribunal considerou justificada uma proibição nacional aplicável «sem distinção» à publicidade difundida nos canais de televisão por cabo; a proibição destinava-se essencialmente a assegurar a sobrevivência de uma imprensa escrita pluralista ( 39 )).

É inevitável que o Tribunal seja levado a adoptar um tal ponto de vista numa sociedade em que a preocupação do interesse geral é confiada aos poderes públicos em todos os tipos de domínios de acção dos quais muitos não dizem respeito ao direito comunitário ou apenas o dizem indirectamente. O que importa é velar por que tais objectivos de interesse geral e os efeitos concretos das regulamentações nacionais de caracter geral exigidas por estes objectivos sejam compatíveis com o direito comunitário. É por esta razão que o Tribunal põe a tónica na necessidade de as medidas nacionais prosseguirem objectivos justificados face ao direito comunitário, seja porque, quando se trata de objectivos que se situam no âmbito de aplicação das disposições do Tratado, estão na linha dos objectivos prosseguidos por este, seja porque, quando se trata de objectivos situados fora do âmbito de aplicação do Tratado, não são dirigidos contra os objectivos prosseguidos pelas disposições do Tratado, em especial a instauração de um mercado unificado. É igualmente por esta razão que o Tribunal sublinha com insistência que os entraves às trocas comerciais intracomunitárias resultantes das medidas nacionais em causa não devem ir para além da medida objectivamente necessária para realizar o objectivo prosseguido pelas referidas medidas nacionais, o que pressupõe que este interesse não seja ainda garantido por uma regulamentação análoga no Estado-membro de origem (do produto ou do prestador de serviços) e que o mesmo resultado não possa ser atingido tão optimamente através de uma medida nacional menos restritiva para o interesse comunitário.

24.

E à luz deste quadro de referência (que é análogo para circulação das mercadorias e para a circulação dos serviços) que, em nossa opinião, deve ser examinada a regulamentação nacional em causa. As questões que se colocam a este respeito são as de saber se a regulamentação prossegue um objectivo justificado face ao direito comunitário, ou seja, se se pode invocar uma razão imperiosa ligada ao interesse geral que se situe na linha dos objectivos inscritos nas disposições do Tratado ou que não seja incompatível com os mesmos, e a de saber se a regulamentação não tem efeitos que vão para além do necessário e, em especial, se não são desproporcionados, ou seja, se satisfaz o critério da proporcionalidade.

Apreciação de uma regulamentação nacional que proíbe a divulgação de informações relativas a serviços médicos de aborto

25.

Como indicámos, trata-se aqui de uma regulamentação nacional com uma proibição geral, que não prevê a menor discriminação em razão da nacionalidade ou do local de estabelecimento, de divulgar no Estado-membro em causa informações que assumem um carácter de assistência entre os destinatários potenciais, que residam neste Estado-membro, de serviços médicos de interrupção da gravidez praticados legalmente noutro Estado-membro, serviços que admitimos relevarem em princípio do âmbito de aplicação dos artigos 59.o e 60.o do Tratado CEE.

Desejamos recordar igualmente que, segundo a Supreme Court irlandesa, a referida proibição de informar decorre de uma disposição que foi inserida na Constituição irlandesa em 1983 na sequência de um referendo e que visa proteger a vida do nascituro, no respeito do direito igual da mãe à vida, protecção que, segundo esta disposição, deve ser garantida «na medida em que tal seja realizável». Noutros termos, entram aqui em conflito duas regras decorrentes de direitos fundamentais: por um lado, a liberdade de os demandados no processo principal divulgarem informações, liberdade que admitimos (ponto 19) ser uma emanação da liberdade de prestar serviços que o direito comunitário garante aos prestadores de serviços propriamente ditos e, por outro, a proibição de prestar assistência, através da divulgação de informações, a mulheres grávidas que desejem abortar, proibição que, segundo a Supreme Court irlandesa, é uma emanação da protecção constitucional da vida do nascituro.

26.

É inegável que uma proibição como a que está aqui em causa, de prestar assistência e, no caso concreto, de prestar informações é inspirada por um objectivo considerado no Estado-membro em causa como uma razão imperiosa ligada ao interesse geral. A protecção da vida do nascituro inscrita na Constituição (e a proibição do aborto a ela inerente) bem como a necessidade que daí decorre de impedir os abortos, dentro dos limites evidentemente da jurisdição do Estado-membro em causa, proibindo a divulgação de informações a este respeito no seu território, são consideradas no Estado-membro em causa como fazendo parte dos fundamentos da sociedade.

Sem prejuízo da resposta que daremos posteriormente à questão dos direitos e liberdades fundamentais (ponto 32), tal objectivo é justificado face ao direito comunitário desde que diga respeito a uma escolha política que releve de considerações éticas e filosóficas que cabe aos Estados-membros apreciar, e relativamente à qual podem invocar a razão de ordem pública enunciada no artigo 56.o do Tratado CEE conjugado com o artigo 66.o (e igualmente enunciada no artigo 36.o, razão que pode mesmo justificar medidas discriminatórias), quer dizer, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal, um interesse cuja perturbação implica uma «ameaça real e suficientemente grave, que afecte um interesse fundamental da sociedade» ( 40 ). Se bem que o conteúdo da noção de ordem pública «não possa ser determinado [...] unilateralmente por cada um dos Estados-membros sem controlo das instituições da Comunidade», é necessário no entanto, dado que se trata de circunstâncias que «podem variar de um país para outro e de uma época para outra», «reconhecer às autoridades nacionais competentes uma margem de apreciação dentro dos limites impostos pelo Tratado e pelas disposições adoptadas em sua execução» ( 41 ). E incontestável, em nossa opinião, que valores que, em razão do seu lugar na Constituição, fazem parte, num Estado-membro, do «conjunto de valores superiores a que uma nação declara solenemente aderir» ( 42 ), relevam do domónio relativamente ao qual foi reconhecido aos Estados-membros um poder de apreciação, poder que cada Estado-membro exerce «de acordo com a sua própria escala de valores e pela forma que ele escolher» ( 43 ).

27.

Não basta no entanto que uma regulamentação nacional seja baseada numa razão imperiosa ligada ao interesse geral justificada face ao direito comunitário, é necessário ainda que os seus efeitos não vão além da medida necessária. Noutros termos, essa regulamentação deve resistir ao teste da proporcionalidade.

Este princípio engloba dois aspectos. Em primeiro lugar, para ser justificada face ao direito comunitário, uma regulamentação deve ser objectivamente necessária para realizar o objectivo prosseguido pela regulamentação : tal significa que deve ser simultaneamente util (ou pertinente) e indispensável, noutros termos, que não deve poder ser substituída por uma regulamentação alternativa igualmente útil mas que constituiria um entrave menor à livre circulação ( 44 ). Em segundo lugar, mesmo quando a regulamentação nacional seja útil e indispensável para realizar a finalidade prosseguida, o Estado-membro deve no entanto abandoná-la ou substituíla por uma regulamentação menos restritiva quando os entraves ao comércio intracomunitário provocados por esta regulamentação sejam desproporcionados, quer dizer, quando os entraves ocasionados deste modo não tenham relação com, ou sejam desproporcionados em relação ao objectivo prosseguido pela regulamentação nacional ou em relação ao resultado que permite atingir ( 45 ).

28.

Ainda que não seja ao Tribunal mas ao juiz nacional que cabe pronunciar-se sobre a compatibilidade de uma regulamentação nacional com o direito comunitário, o Tribunal deve fornecer ao juiz nacional todos os elementos susceptíveis de garantir que a apreciação pelo juiz nacional permaneça nos limites do direito comunitário que são uniformes para todos os Estados-membros. Entre estes elementos de direito comunitário figura o princípio da proporcionalidade que, para ser útil ao juiz de reenvio, deve ser aplicado pelo Tribunal tão concretamente quanto possível à regulamentação nacional em causa e aos factos do caso concreto. Ao agir deste modo, o Tribunal deve referir-se estritamente à descrição da regulamentação nacional e aos factos que foram reconhecidos como provados e pertinentes durante a instância nacional, tais como resultam da decisão de reenvio e dos documentos anexos.

29.

Uma regulamentação nacional que proíbe fornecer informações às mulheres grávidas resiste ao teste da proporcionalidade? Parece-nos que na medida em que se trata unicamente de informações susceptíveis de ajudar ( 46 ) mulheres grávidas a pôr termo à vida de um nascituro (a seguir «informações com caracter de assistência»), um Estado-membro, exercendo o poder de apreciação que lhe compete, pode considerar que tal proibição é útil e necessária à finalidade prosseguida e não é desproporcionada em relação a essa finalidade, desde que essa finalidade seja dar efeito ao juízo de valor inscrito na sua Constituição que considera que a vida do nascituro merece uma protecção alargada. Embora seja um facto que tal proibição engloba um entrave potencial à circulação intracomunitária de serviços porque é susceptível de reduzir o número de mulheres que, na ausência dessa proibição, se deslocariam ao estrangeiro, observar-se-á no entanto que essa proibição não exclui todas as formas de informação mas apenas as informações com caracter de assistência e que a finalidade prosseguida assenta num juízo de valor respeitante ao grau de protecção da vida intra-uterina que é considerado fundamental no Estado-membro em causa. Constituiriam medidas desproporcionadas — porque entravariam as trocas comerciais de modo excessivo — por exemplo a proibição feita às mulheres grávidas de se deslocarem ao estrangeiro ou uma regulamentação que as sujeitasse a exames inoportunos aquando do seu regresso do estrangeiro. Não é contudo isto que está em causa nas questões prejudiciais.

É um facto que se pode objectar que o alcance limitado da proibição demonstra que as autoridades nacionais competentes não tomaram todas as medidas possíveis para impedir os abortos e que, deste modo, elas próprias não asseguraram a protecção máxima da vida dos nascituros à qual concedem a prioridade. Esta objecção cai por terra: não se pode acusar as autoridades nacionais de manterem em certas proporções as medidas que adoptam com vista a proteger a vida intra-uterina uma vez que o próprio direito comunitário lhes impõe uma obrigação de proporcionalidade. A decisão de estas autoridades concentrarem a sua acção em práticas que, na sua opinião, são mais claramente contra este objectivo prioritário, no caso concreto a divulgação de informações com carácter de assistência, parece-nos, assim, satisfazer o critério da proporcionalidade.

Apreciação de regras nacionais face aos direitos e liberdades fundamentais garantidos pelo direito comunitário

30.

Como já indicámos (ponto 15), é ainda necessário examinar a questão de saber se a proibição de informar em causa é compatível com os princípios gerais de direito comunitário relativos aos direitos e liberdades fundamentais, pressupondo que, como o afirmaremos adiante (ponto 31), o Tribunal é competente para examinar uma regulamentação nacional tendo em conta estes critérios.

É jurisprudência constante do Tribunal que

«... os direitos fundamentais são parte integrante dos princípios gerais do direito, cuja observância lhe incumbe garantir;

o Tribunal, ao garantir a protecção destes direitos, deve inspirar-se nas tradições constitucionais comuns aos Estados-membros e não pode, assim, admitir medidas incompatíveis com os direitos fundamentais reconhecidos e garantidos pelas constituições destes Estados;

os instrumentos internacionais relativos à protecção dos direitos do homem, em que os Estados-membros colaboraram ou a que aderiram, podem igualmente dar indicações que é conveniente tomar em consideração no âmbito do direito comunitário» ( 47 ).

Entre os «instrumentos internacionais» acima referidos tem especial importância a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, tal como é reconhecido expressamente no Acto Único ( 48 ). Esta jurisprudência do Tribunal de Justiça e os princípios que retira das tradições constitucionais dos Estados-membros e dos instrumentos internacionais estão igualmente na origem da Declaração dos Direitos e Liberdades Fundamentais que foi aprovada pelo Parlamento Europeu em 12 de Abril de 1989 ( 49 ).

O que caracteriza esta jurisprudência é que, sem reconhecer um efeito directo na ordem jurídica comunitária às disposições dos referidos tratados internacionais, considera no entanto que estes tratados e as tradições constitucionais comuns aos Estados-membros são igualmente determinantes para o conteúdo dos princípios gerais de direito comunitário. Esta atitude permite ao Tribunal, quando esclarece estes princípios gerais no contexto (socioeconòmico) próprio do direito comunitário, ter igualmente em conta os imperativos das liberdades fundamentais tendentes à unificação do mercado e os imperativos das organizações comuns de mercado ( 50 ). Não impede no entanto o Tribunal de observar escrupulosamente, como se se tratasse de disposições precisas, estes direitos e liberdades fundamentais introduzidas em direito comunitário sob a forma de princípios gerais quando se trata de verificar se os actos das instituições comunitárias são conformes a estes princípios e de os anular ou invalidar quando se revelem incompatíveis com os mesmos.

31.

Uma questão a que o Tribunal até hoje ainda não respondeu claramente é a de saber em que medida ele é competente para examinar se certas regulamentações nacionais são conformes aos princípios gerais de direito comunitário que consagram os direitos e liberdades fundamentais ( 51 ).

No acórdão Cinéthèque ( 52 ) que trata de um problema de liberdade de expressão, o Tribunal de Justiça declarou o seguinte a propósito do artigo 10.o da CEDH:

«Embora seja um facto que incumbe ao Tribunal assegurar o respeito dos direitos fundamentais no domínio específico do direito comunitário, não lhe compete, no entanto, examinar a compatibilidade, com a Convenção Europeia, de uma lei que se situa, como no caso concreto, num domínio que releva da apreciação do legislador nacional» (n.o 26).

No acórdão Demirel que proferiu posteriormente ( 53 ), o Tribunal reformulou a última parte da referida frase do seguinte modo:

«... o Tribunal [...] não pode verificar a compatibilidade com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem de uma regulamentação nacional que não se situe no âmbito do direito comunitário» (n.o 28).

No acórdão Wachauf ainda mais recente ( 54 ), o Tribunal debruçou-se sobre a questão de saber se uma regulamentação comunitária era compatível com as exigências resultantes da protecção de direitos fundamentais e concluiu que

«estas exigências vinculam igualmente os Estados-membros aquando da implementação das regulamentações comunitárias» (n.o 19).

Decorre desta jurisprudência que quando é levado a controlar uma regulamentação nacional adoptada em execução de uma disposição de direito comunitário, o Tribunal examina se a mesma é compatível com os direitos e liberdades fundamentais. No presente processo, não se pode afirmar que a proibição de informar, deduzida de uma disposição constitucional nacional, implementa o direito comunitário. O acórdão Demirel deu no entanto uma formulação mais lata uma vez que o facto de a regulamentação nacional se situar no âmbito comunitário é aí julgado suficiente. Ora não se deve admitir que uma regulamentação nacional que, para ser compatível com o direito comunitário, deve referir-se a noções jurídicas tais como as razões imperiosas ligadas ao interesse geral ou à ordem pública — reconhecendo o Tribunal que o seu alcance não pode ser determinado unilateralmente por cada um dos Estados-membros (ponto 26) — se situa «no quadro» do direito comunitário? Embora seja um facto que estas noções podem ser definidas em larga medida pelos Estados-membros, tal não impede, no entanto, que devam ser justificadas e delimitadas de modo uniforme para o conjunto da Comunidade em função do direito comunitário, quer dizer, tendo igualmente em conta os princípios gerais relativos aos direitos e liberdades fundamentais que são parte integrante do direito comunitário cujo respeito deve ser assegurado pelo Tribunal.

Falando estritamente, esta concepção não é aliás incompatível com a atitude adoptada pelo Tribunal no processo Cinéthèque. No acórdão que proferiu neste processo, declarou que o seu controlo não se situa «num domínio que releva da apreciação do legislador nacional», uma declaração que é exacta se for considerada de uma maneira geral. No entanto desde que se trate de uma regulamentação nacional que produza efeitos num domínio regido pelo direito comunitário (no caso concreto o artigo 59.o do Tratado CEE) e que, para ser admissível em direito comunitário, deve poder ser justificada através de noções ou princípios retirados do mesmo, a apreciação desta regulamentação nacional já não releva da competência exclusiva do legislador nacional ( 55 ).

Compatibilidade da proibição de informar com os princípios gerais de direito comunitário relativos aos direitos e liberdades fundamentais

32.

Se se admitir o raciocínio anterior, é necessário examinar novamente, desta vez à luz dos princípios gerais de direito comunitário relativos aos direitos e liberdades fundamentais, se uma proibição geral de prestar às mulheres grávidas informações com carácter de assistência relativamente a abortos legalmente praticados no estrangeiro pode ser justificada tendo em conta o direito comunitário. Vista sob este novo ângulo, deve examinar-se a questão acrescentando-lhe os dois pontos seguintes: por um lado, o de saber se o objectivo prosseguido pela regulamentação nacional, ou seja, a promoção de um juízo de valor ético sobre a protecção da vida intra-uterina cujo princípio é inscrito na Constituição do Estado-membro em causa, é compatível com os referidos princípios gerais; por outro, o de saber se a liberdade de expressão, que faz parte do direito comunitário e acompanha a liberdade das prestações intracomunitárias de serviços que é garantida pelo direito comunitário (incluindo a liberdade de receber os serviços em causa e de prestar informações a seu respeito) não é limitada de modo inadmissível pela regulamentação nacional analisada.

33.

O juiz de reenvio não perguntou ao Tribunal (ponto 13) se uma regulamentação nacional que protege a vida intra-uterina ao proibir estritamente o aborto é compatível com os princípios gerais de direito comunitário relativos aos direitos e liberdades fundamentais. Aliás as partes não discutiram este ponto perante o Tribunal. De resto não foi fornecido ao Tribunal qualquer dado de direito ou de facto quanto ao alcance e à aplicação da regulamentação sobre o aborto em vigor no Estado-membro em causa (mais especialmente no que diz respeito ao modo como é tido em conta o direito igual da mãe à vida a que o artigo 40.3.3.o da Constituição irlandesa se refere expressamente). É esta a razão pela qual partimos da hipótese que não se pode dizer que a proibição de informar em causa no presente processo — e que visa impedir que se possa prestar assistência para a realização de um aborto — prossegue um objectivo em si incompatível com os referidos princípios gerais de direito comunitário.

A fim de sermos exaustivos assinalemos no entanto que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem não teve até hoje a ocasião de se pronunciar sobre a compatibilidade de regulamentações que regulam o aborto com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem mas existem algumas decisões da Comissão Europeia dos Direitos do Homem. Nas mesmas, a referida Comissão absteve-se no entanto de se pronunciar em termos gerais sobre a questão de saber se o artigo 2o dá convenção protege a vida do feto e, em caso afirmativo, em que medida ( 56 ). Indicou apenas que tendo em conta a protecção da vida da mãe que é evidentemente garantida pela convenção, o feto não pode em caso algum ser protegido por um direito ilimitado à vida (como o afirmava um homem que acusava uma legislação nacional de não se opor a que a sua mulher abortasse) ( 57 ). Num processo precedente, a Comissão Europeia dos Direitos do Homem tinha já indeferido o pedido de duas mulheres que invocavam o artigo 8.o da convenção para condenar, pela razão que constituiria uma violação do respeito da sua vida privada, uma legislação nacional que só autorizava o aborto durante um certo período e/ou apenas em determinadas condições ( 58 ).

Decorre de tudo isto que, até agora, a Comissão Europeia dos Direitos do Homem se absteve de recomendar aos Estados individuais que garantissem um certo nível de protecção da vida intra-uterina na medida em que o direito da mãe à vida é protegido pela regulamentação nacional em causa e que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem não teve ainda ocasião de se pronunciar sobre esta questão.

34.

Resta a questão de saber se é conforme aos princípios gerais de direito comunitário relativos aos direitos e liberdades fundamentais que um Estado-membro proíba prestar e receber informações com caracter de assistência quanto a abortos legalmente praticados noutros Estados-membros afectando assim a liberdade de expressão dos indivíduos. Trata-se aqui de pôr em confronto dois direitos fundamentais: por um lado, o direito à vida tal como é definido pelo Estado-membro que o declara aplicável à vida in-tra-uterina e, por outro, a liberdade de expressão que faz parte dos princípios gerais de direito comunitário tendo em conta as tradições constitucionais dos Estados-membros e os tratados e instrumentos europeus e internacionais relativos aos direitos fundamentais, em especial o artigo 10.o da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Decorre do artigo 10.o, n.o 1, da convenção, que garante a qualquer pessoa «a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras», que uma tal proibição afecta a liberdade de expressão tal como é inscrita nomeadamente neste artigo. Como já indicámos atrás (ponto 19), decorre da jurisprudência do Tribunal e da Comissão Europeia dos Direitos do Homem relativa ao artigo 10.o da convenção que se a expressão de opiniões de natureza comercial beneficia da protecção garantida pelo artigo 10.o, a divulgação de informações tendentes a influenciar a opinião pública merece a fortiori ser protegida. Trata-se no caso concreto de informações divulgadas, não pelos prestadores do serviço, que se encontram estabelecidos na Grã-Bretanha, mas por associações de estudantes irlandeses que divulgam estas informações na Irlanda a título gratuito, actuando na convicção de que é necessário fornecer às mulheres grávidas informações úteis sobre as clínicas onde podem abortar.

Do texto do artigo 10.o, n.o 2, da convenção, bem como da jurisprudência do Tribunal e da Comissão Europeia dos Direitos do Homem, decorre no entanto que os Estados-membros podem impor à liberdade de expressão restrições «previstas pela lei» (o que abrange igualmente normas jurídicas não escritas quando estas sejam suficientemente acessíveis e suficientemente claras para o cidadão que as deve acatar; ver igualmente o ponto 36) ( 59 ) desde que essas restrições «constituam providências necessárias, numa sociedade democrática [...] à defesa da ordem e à prevenção do crime, à protecção da saúde ou da moral, à protecção... dos direitos de outrem...». Os Estados individuais dispõem para o efeito de um poder de apreciação que exercem no entanto sob o controlo do juiz ( 60 ). O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem verifica, a este respeito, se as medidas nacionais prosseguem uma finalidade legítima e são necessárias numa sociedade democrática para atingir este objectivo, ou seja, se correspondem a uma necessidade social urgente («pressing social need») e são proporcionais ao objectivo prosseguido ( 61 ).

Paralelamente ao artigo 10.o, n.o 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o artigo 5.o da Declaração dos Direitos e Liberdades Fundamentais feita pelo Parlamento Europeu prevê que qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão, o que abrange «a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de comunicar informações ou ideias nomeadamente filosóficas, políticas e religiosas». Nos termos do artigo 26.o, que é uma disposição de caracter geral especificando os limites dos direitos e liberdades enumeradas na declaração, essa liberdade só pode «ser restringida, dentro dos limites razoáveis e necessários numa sociedade democrática, por uma regra de direito que respeitará, de qualquer modo, o seu conteúdo essencial».

35.

Decorre do que precede que num caso como o aqui em apreço em que direitos fundamentais entram em conflito entre si, a jurisprudência relativa à Convenção Europeia dos Direitos do Homem utiliza um critério análogo ao princípio da proporcionalidade utilizado em direito comunitário. Tal decorre igualmente do acórdão Hauer ( 62 ) que o Tribunal proferiu num processo que tinha por objecto um conflito entre um objectivo de interesse geral da Comunidade (implementação de medidas de política estrutural no âmbito de uma organização comum de mercado) e o direito de propriedade garantido pelos princípios gerais do direito comunitário. No decurso do seu exame da regulamentação (comunitária naquele caso), o Tribunal verificou se as restrições inseridas nessa regulamentação podiam ser admitidas como legítimas (n.o 22) e se correspondem efectivamente

«a objectivos de interesse geral prosseguidos pela Comunidade e se não constituem, tendo em conta o objectivo prosseguido, uma intervenção desmesurada e intolerável nas prerrogativas do proprietário, que afecte a própria essência do direito de propriedade» (n.o 23).

Pressupomos que em conformidade com a sua abordagem geral da problemática dos direitos fundamentais (ver ponto 30), o Tribunal, no que diz respeito à aplicação do princípio da proporcionalidade, terá em conta especialmente a maneira como este princípio se encontra circunscrito na Convenção Europeia do Direitos do Homem, bem como na jurisprudência do Tribunal e da Comissão Europeia dos Direitos do Homem. Tal não será, aliás, difícil dado que com pequenas diferenças ( 63 ), as principais componentes do princípio da proporcionalidade tal como são utilizadas na convenção e no direito comunitário parecem as mesmas. Tratando-se da problemática que nos ocupa e tendo em conta estas componentes, há que, em nossa opinião, verificar os seguintes pontos com base no princípio da proporcionalidade. Em primeiro lugar, o objectivo prosseguido pela proibição de informar em causa é um objectivo legítimo ligado ao interesse geral correspondendo a uma necessidade social imperiosa? Em segundo lugar, esta finalidade é realizada através de meios que, numa sociedade democrática, são necessários (e aceitáveis) para atingir esta finalidade? Em terceiro lugar, os meios utilizados são proporcionais à finalidade prosseguida e não afectam gravemente o direito fundamental em causa, no caso concreto a liberdade de expressão?

36.

Chegados a este ponto das nossas conclusões, devemos dirigir a nossa atenção para o processo submetido à Comissão Europeia dos Direitos do Homem após o acórdão Open Door Counselling, já referido (ponto 3), da Supreme Court irlandesa de 16 de Março de 1988. Este processo dizia respeito à compatibilidade, nomeadamente com o artigo 10.o da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, da mesma proibição de informar irlandesa em causa no presente processo.

Depois de ter declarado os requerimentos admissíveis por decisão de 15 de Maio de 1990, a Comissão apresentou, em 7 de Março de 1991, um relatório quanto ao mérito do processo, do qual só podemos no entanto tirar ensinamentos limitados sobre a aplicação do princípio da proporcionalidade. É um facto que a Comissão declara existir uma restrição da liberdade de expressão garantida pelo artigo 10.o, n.o 1, da convenção e declara que o artigo 10.o, n.o 2, da convenção não é aplicável. Todavia, fundamenta-se, para o efeito, no motivo de que a limitação verificada não era «prevista pela lei»«no momento dos factos» («at the material time»), ou seja, «antes do acórdão da Supreme Court» («prior to the Supreme Court judgement»), de 16 de Março de 1988 (n.o 52 do relatório). Assim é também relativamente aos considerandos (n.os 44 a 53 do relatório) que se relacionam com os requerimentos de dois serviços de consulta e de dois trabalhadores de um destes como para os considerandos (n.os 54 a 57) que se referem aos requerimentos de duas mulheres que intervinham a título individual (mas que não estavam grávidas). No que diz respeito aos primeiros requerimentos, o Governo irlandês tinha reconhecido haver efectivamente uma restrição na acepção do artigo 10.o, n.o 1, da convenção, ao passo que não o tinha admitido para os dois segundos requerimentos. A Comissão Europeia dos Direitos do Homem admite para as duas categorias de recursos que a liberdade de expressão (incluindo a liberdade de receber opiniões) tinha efectivamente sido limitada e que esta limitação era inadmissível nos termos do artigo 10.o, n.o 2, porque no momento dos factos não era prevista «pela lei» (noção que abrange uma norma jurídica não escrita) de modo suficientemente acessível e suficientemente claro. A Comissão não examinou a necessidade e/ou a proporcionalidade da medida em causa, tal como não examinou a licitude em si da finalidade prosseguida por esta medida (ver n.o 52, in fine, conjugado com o n.o 43 da decisão).

Em contrapartida, decorre da decisão da Comissão Europeia dos Direitos do Homem que — desde o seu acórdão Open Door Counselling de 16 de Março de 1988, a Supreme Court definiu de modo suficientemente acessível e suficientemente claro as consequências do artigo 40.3.3.o da Constituição irlandesa no que diz respeito à informação sobre os serviços de aborto — a referida proibição nacional é actualmente ( 64 )«prevista pela lei» de modo suficiente (ou seja, por uma norma jurídica não escrita, constante, da «common law»).

37.

Embora a formulação do princípio da proporcionalidade não depare com qualquer dificuldade especial (ver ponto 35), a sua aplicação suscita no entanto uma outra questão, a saber, a questão da extensão do poder de apreciação dos Estados-membros quando devem apreciar o que é uma restrição necessária e proporcional, e portanto lícita, de um dos direitos fundamentais tal como os que são protegidos pelos artigos 8.o a 11.o da convenção. Na jurisprudencia do Tribunal e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, a resposta a esta questão depende em grande medida do assunto tratado ( 65 ).

Esta questão é tanto mais delicada quando se trata, como no caso concreto, de apreciar dois direitos fundamentais tão sensíveis como, por um lado, o direito à liberdade de expressão relativamente ao qual o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem salienta o seu carácter fundamental numa sociedade democrática e, por outro, o direito à vida tal como é aplicado à vida intra-uteriňa no Estado-membro em causa com base num juízo de valor ético fundamental que se encontra inscrito na Constituição. No que diz respeito aos juízos de valor éticos, existe no entanto uma jurisprudência constante do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, de acordo com a qual, uma vez que não ex-iste uma concepção europeia uniforme em matéria moral,

«graças aos seus contactos directos e constantes com as forças vivas do seu país, as autoridades do Estado encontram-se em princípio melhor colocadas que o juiz internacional para se pronunciarem sobre o conteúdo preciso destas exigências (de protecção da moral) como sobre a “necessidade” de uma “restrição” ou “sanção” destinada a satisfazê-las» ( 66 ).

Ora, tratando-se da protecção da vida do nascituro, não existe entre os Estados-membros e no interior de cada Estado-membro (salvo no que diz respeito ao direito da mãe à vida) uma tal concepção moral uniforme das condições em que o aborto é ou deva ser autorizado. Também não existe jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que possa dar uma orientação directriz nem (com a mesma reserva) de jurisprudência da Comissão Europeia dos Direitos do Homem (ponto 33). Tal decorre igualmente das numerosas opiniões distintas, antagónicas sobre este ponto, dos membros da referida Comissão que se encontram apensas à decisão que acabámos de comentar (ponto 36) ( 67 ).

Nestas circunstâncias, parece-nos que no que diz respeito ao presente processo cabe deixar uma margem de apreciação não negligenciável aos Estados-membros individuais. Tal resulta igualmente da jurisprudência do Tribunal relativa ao poder de apreciação deixado aos Estados-membros quando se trata de definir, dentro dos limites traçados pelo direito comunitário, o que se deve entender por ordem pública e moralidade pública. Incumbe aos Estados-membros definir estas noções em conformidade com a «própria escala de valores» do Estado-membro em causa (ponto 26).

38.

Falta-nos ainda examinar, a propósito da regulamentação com que nos defrontamos concretamente, se um Estado-membro pode, dentro dos limites da margem de apreciação não negligenciável que lhe cabe, decidir que uma proibição geral (suficientemente acessível e clara no momento dos factos) proibindo fornecer, no interior do seu território, informações com carácter de assistência sobre abortos praticados neste Estado-membro ou noutros Estados-membros, pode ser considerada uma restrição necessária e não desproporcionada à liberdade de expressão, tendo em conta o juízo de valor ético que esta proibição tem por objecto concretizar e que é considerado fundamental neste Estado-membro onde se pensa que a vida do nascituro merece todas as protecções. Consideramos que tal é efectivamente o caso, e tal em aplicação do princípio da proporcionalidade que descrevemos atrás (ponto 35), princípio cujas três componentes passamos a examinar.

Nada contesta no presente processo que a finalidade prosseguida pela proibição de informar em causa é legítima (ponto 33). Aliás, tal não é contestado em nenhuma das opiniões que acompanha a decisão da Comissão Europeia dos Direitos do Homem de que falámos anteriormente (no ponto 36): os membros da referida Comissão que, com base no princípio da proporcionalidade, consideraram que a regulamentação nacional em causa era incompatível com o artigo 10.o, n.o 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem ( 68 ), consideram igualmente que a protecção dos bons costumes constitui um motivo de justificação admissível. O motivo de justificação correcto reside, em nossa opinião, em conformidade com os princípios gerais de direito comunitário, na protecção da ordem pública e/ou da moralidade pública porque se trata aqui de uma regulamentação que encontra a sua justificação num juízo de valor ético que é considerado no Estado-membro em causa como fazendo parte das bases da ordem jurídica ( 69 ) e que foi inscrito na Constituição após uma consulta popular organizada por referendo em 1983. Daí decorre igualmente que se trata aqui de um objectivo de interesse geral que corresponde a uma necessidade urgente.

No que diz respeito à exigência de que a restrição imposta seja necessária numa sociedade democrática para atingir a finalidade prosseguida, consideramos, tendo em conta o que afirmámos no ponto anterior e a descrição da regulamentação nacional e do contexto factual tal como decorrem das questões prejudiciais ( 70 ), que as autoridades nacionais em causa podem considerar que uma proibição de fornecer informações com carácter de assistência é necessária para consubstanciar o juízo de valor inscrito na Constituição sobre a protecção exigida pela vida intra-uterina. Tendo em conta o carácter limitado da proibição (ver adiante) e o fundamento jurídico da mesma, a saber, uma disposição constitucional adoptada na sequência de um referendo sobre o respeito da vida intra-uterina, parece-nos que as autoridades nacionais podem considerar que a proibição é aceitável numa sociedade democrática.

No que diz respeito igualmente à exigência de a regulamentação em causa não ser desproporcionada em relação à finalidade que prossegue, parece-nos que as autoridades nacionais podiam legitimamente admitir que não é esse o caso de uma regulamentação como a que aqui nos ocupa que se limita a proibir as informações com carácter de assistência sem obstar nem aos outros tipos de informações nem à liberdade de expressão sobre o caracter admissível do aborto e que não é extensivo a medidas que limitem a liberdade de circulação das mulheres grávidas ou lhes imponham exames inoportunos.

Conclusão e análise do artigo 62.o do Tratado CEE

39.

Tendo em conta o que precede, chegamos à conclusão que as disposições do Tratado relativas à livre circulação de serviços não constituem obstáculo a que um Estado-membro em que a protecção da vida do nascituro é reconhecida como um princípio fundamental na Constituição e na legislação, prevêem uma proibição geral, aplicável a todos independentemente da sua nacionalidade ou do seu local de estabelecimento, de prestar assistência a mulheres residentes nesse Estado-membro, independentemente da sua nacionalidade, com vista a pôr termo à gravidez, mais precisamente pela divulgação de informações sobre a identidade e a localização de clínicas estabelecidas noutro Estado-membro e onde o aborto é praticado, bem como sobre o modo de entrar em contacto com essas clínicas, e tal se bem que os serviços de interrupção clínica da gravidez e as informações relativas à mesma sejam fornecidos nesse outro Estado-membro em conformidade com a legislação aí em vigor. Tal como decorre da análise que precede, esta conclusão não é incompatível com os princípios gerais de direito comunitário relativos aos direitos e liberdades fundamentais.

40.

Tendo em conta esta conclusão, podemos ser breves no que se refere ao argumento que os demandados no processo principal pretendem retirar do artigo 62.o do Tratado CEE. Segundo esta disposição, os Estados-membros «não introduzirão quaisquer novas restrições à liberdade efectivamente alcançada, no que diz respeito à prestação de serviços, à data da entrada em vigor do Tratado (CEE), salvo disposição deste em contrário». Os demandados no processo principal consideram que esta diposição do Tratado influencia a interpretação da disposição que foi inserida na Constituição irlandesa em 1983 e em que a Supreme Court fundamentou a referida proibição de divulgar informações. Na opinião deles, esta disposição constitucional não pode ser interpretada no sentido de que daí decorreria uma nova restrição à circulação de serviços relativamente à situação que tinha sido alcançada no momento da adesão da Irlanda à Comunidade.

Basta observar a este respeito que o artigo 62.o do Tratado CEE não se pode aplicar a regulamentações nacionais que comportem uma restrição da circulação dos serviços que, à semelhança da proibição de informar, já referida, não releva do âmbito de aplicação dos artigos 59.o e 60.o do Tratado CEE pelas razões imperiosas ligadas ao interesse geral que evocámos atrás. Só seria de outro modo se a disposição adoptada fizesse com que a regulamentação nacional entrasse no referido âmbito de aplicação, o que não é o caso, como se demonstrou na análise precedente.

A fim de sermos exaustivos, desejamos indicar que o artigo 62.o do Tratado CEE, como aliás o artigo 53.o que se refere ao direito de estabelecimento, deve ser interpretado no mesmo sentido que o artigo 32.o, primeiro parágrafo, do Tratado CEE. Este artigo impõe aos Estados-membros que se abstenham de tornar mais restritivos os contingentes e as medidas de efeito equivalente existentes à data da entrada em vigor do Tratado. No acórdão Motte ( 71 ), o Tribunal considerou o seguinte quanto a este aspecto:

«Esta disposição apenas tinha por finalidade evitar que os Estados-membros tornassem mais restritivas, durante o período transitório, medidas que era necessário suprimir o mais tardar no termo deste último. Desde o termo do período de transição a disposição citada nada acrescenta às dos artigos 30.o e 36.o do Tratado».

O artigo 62.o do Tratado CEE prosseguia, em nossa opinião, a mesma finalidade que o referido artigo 32.o, ou seja, evitar que os Estados-membros tornem mais restritivas durante o período de transição das medidas que deviam ser abolidas o mais tardar no termo do referido período. Desde o fim do período de transição, o artigo 59.o do Tratado CEE que exige a supressão das restrições à circulação dos serviços, é provido de efeito directo ( 72 ). Desde então, o artigo 62.o do Tratado CEE não acrescenta, portanto, mais nada às disposições do Tratado relativas aos serviços. Por esta razão igualmente não pode ser acolhido o argumento que os demandados no processo principal retiram do artigo 62.o

Respostas propostas

41.

Por conseguinte, propõe-se que o Tribunal dê as seguintes respostas ao juiz de reenvio :

«1)

A intervenção clínica, normalmente praticada mediante remuneração, pela qual se interrompe a gravidez de uma mulher originária de um outro Estado-membro, em conformidade com a legislação do Estado-membro onde a intervenção é efectuada, é um serviço (transfronteiras) na acepção do artigo 60.o do Tratado CEE.

2)

As disposições do Tratado relativas à livre circulação de serviços não obstam a que um Estado-membro, no qual a protecção dos nascituros é reconhecida como um princípio fundamental na Constituição ė na legislação, imponha uma proibição geral aplicável a qualquer pessoa, independentemente da sua nacionalidade ou do seu local de estabelecimento, de prestar assistência a mulheres residentes nesse Estado-membro, independentemente da sua nacionalidade, a fim de interromper a gravidez, em especial pela difusão de informações sobre a designação e o endereço de clínicas estabelecidas noutro Estado-membro nas quais é praticado o aborto, bem como sobre a maneira de entrar em contacto com essas clínicas, ainda que os serviços de interrupção clínica da gravidez e as respectivas informações sejam prestados em conformidade com a legislação em vigor nesse outro Estado-membro».


( *1 ) Lingua original: nccrlandčs.

( *2 ) Em inglês no original.

«O Estado reconhece o direito à vida do nascituro. Tendo em devida conta o direito iguai da mãe å vida, compromete-se a respeitar este direito nas suas leis e, na medida em que tal seja realizável, a defender e a fazer valer este direito através das suas leis.»

( 1 ) (1988) Irish Reports, 593.

( *3 ) Em inglés no original.

«O Tribunal declara que ao prestar assistência a mulheres grávidas t\üc desejam deslocar-se ao estrangeiro para aí praticarem uma interrupção da gravidez num establecimento hospitalar; ao organizar as viagens para as mesmas ou ao fornecer-lhes informações precisas quanto à identidade e à localização de uma ou de várias clinicas determinadas e quanto às formas de entrar cm contacto com cla(s), os demandantes, os seus auxiliares ou agentes tornaram-se culpados de praticas contrárias às disposições do artigo 40.3.3o da Constituição (o sublinhado 6 nosso).

( 2 ) Acórdão de 21 de Abril de 1988 (338/85, Colect., p. 2041 e seguintes).

( 3 ) Acórdão de 18 de Março de 1980, Dcbauve, n.o 18 (52/79, Recueil, p. 833).

( 4 ) Ver, a título de comparação, no que diz respeito à circulação de mercadorias, os acórdãos do Tribunal de 15 de Dezembro de 1982, Oosthoek's Uitgeversmaatschappij, n.o 15 (286/81, Recueil, p. 4575), e de 7 de Março dc 1990, GB-Inno-BM, n.o 7 (C-362/88, Colect., p. I-667).

( 5 ) Acórdão de 31 de Janeiro de 1984 (286/82 e 26/83, Recueil, p. 377).

( 6 ) Sob reserva do direito igual da mãe à vida (e «na medida em que tal seja realizável»), como exigido pelo artigo 40.3.3.o da Constituição irlandesa que referimos no ponto

( 7 ) Ver nomeadamente o acórdão de 5 de Fevereiro de 1981, Horváth (50/80, Recueil, p. 385), relativo â importação de estupefacientes, e igualmente o acórdão de 6 de Dezembro de 1990, Witzemann (C-343/89, Colect., p. I-4477), relativo à importação de moeda falsa.

( 8 ) A ici británica dc 1967 sobre o aborto (Abortion Act 1967), que autoriza a interrupção clínica da gravidez sob certas condições, não é aplicável na Irlanda do Norte. Nesta parte do Reino Unido, o aborto é proibido. Nada nas alegações escritas c orais que foram apresentadas ao Tribunal indica se a divulgação na Irlanda do None de informações relativas a actividades abortivas autorizadas noutras partes do Reino Unido suscita um problema analogo ao problema submetido a apreciação do juiz de reenvio no processo principal.

( 9 ) Ver por exemplo o artigo 219.o b) do Código Penal alemão que proíbe em princípio qualquer oferta pública de serviços relativos ao aborto.

( 10 ) Ver por exemplo a regulamentação francesa inserida nos artigos L 162-3, L 645 e L 647 do code de la santé publique que conferem ao corpo médico e aos centros especializados um monopólio para a divulgação de informações sobre o aborto.

( 11 ) Ver por exemplo o artigo 350.o do code pénal belga que só autoriza a interrupção de gravidez num estabelecimento dispondo de um serviço de informação que acolha a mulher grávida e lhe dê informações circunstanciadas sobre todas as possibilidades de acolhimento da criança.

( 12 ) Ver o acórdão de 3 de Dezembro de 1974, Van Binsbcrgen (33/74, Recueil, p. 1299).

( 13 ) Ver em último lugar os acórdãos proferidos pelo Tribunal em 26 de Fevereiro de 1991, em matéria de serviços de guias turísticos, Comissão/França, n.o 12 (C-154/89, Colea., p. I-659), Comissão/Itália, n.o 15 (C-180/89, Colea., p. I-709) e Comissäo/Grécia, n.o 16 (C-198/89, Colea., p. I-727).

( 14 ) Acórdão de 2 de Fevereiro de 1989 (186/87, Colea., p. 195).

( 15 ) Já referido, nota 4.

( 16 ) JO 1989, C 120, p. 51.

( 17 ) Ver o acórdão Markt Intern proferido cm 20 de Novembro dc 1989 pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, Pubi. Cour, série A, volume 165.

( 18 ) Acórdão dc 24 de Outubro de 1978 (15/78, Recueil, p. 1971).

( 19 ) Jâ referido, nota 3.

( 20 ) Conclusões apresentadas era 21 de Fevereiro de 1991 no processo C-76/90, acórdão de 25 de Julho de 1991, Co- lece, p. I-4221, I-4229.

( 21 ) ver o ponto 24 das conclusões onde se faz referência, sobre este aspecto, a Kaptevn P. J. G., e Verloren Van Themaat P., Introduction to the Law of the European Communities, second edition, edited by L. W. Gormley, 1989 p. 443-452.

( 22 ) Pontos 23 e 27 das conclusões.

( 23 ) Ver as conclusões apresentadas nos processos Debauve e Coditei (Recueil 1980, p. 860, 870-873, e 905) pelo advogado-geral Warner que chega a esta conclusão no termo de uma análise aprofundada das disposições do Tratado; as conclusões apresentadas no processo Webb (Recueil 1981, p. 3328, 3330-3333) pelo advogado-geral Sir Gordon Slynn que remete expressamente para o artigo 65.o do Tratado CEE de onde decorre que o artigo 59.o visa igualmente outras restrições para além das que instituem uma discriminação em razão da nacionalidade ou residência e ver por último as conclusões apresentadas pelo advogado-geral Lenz nos processos já referidos dos guias turísticos (pontos 26-30). Esta posição foi ainda adoptada entretanto pelo advogado-geral Tesauro nas conclusões que apresentou era 18 de Abril de 1991 nos processos Gouda, n.o 12 (C-288/89, acórdão de 25 de Julho de 1991, Colect., p. I-4007, I-4022) e Comissão/Países Baixos (C-353/89, acórdão de 25 de Julho de 1991, Colect., I-4069).

( 24 ) Ver por exemplo o acórdão de 3 de Fevereiro de 1982, Seco/EVI, n.os 8 c 9 (62/81 e 63/81, Recueil, p. 223).

( 25 ) A mesma tendência para Interpretar a noção de discriminação de modo tao lato encontra-se igualmente quando se trata do direito de estabelecimento. Ver as conclusões que apresentámos cm 28 de Novembro de 1990 no processo C-340/89, Vlassopoulou, n.os 6 c seguintes, conclusões cm que comentamos esta jurisprudência (acórdão proferido em 7 de Maio de 1991, Colect., p. I-2357, I-2365).

( 26 ) Acórdão de 17 de Dezembro de 1981 (279/80, Recueil, p. 3305).

( 27 ) Acórdão de 18 de Janeiro de 1979 (110/78 c 111/78, Recueil, p. 35).

( 28 ) AcórdSo de 4 de Dezembro de 1986 (205/84, Colect., p. 3755).

( 29 ) Ver os acórdãos já atrás referidos (nota 13), C-154/89, n.o 15, C-180/89, n.o 18, e C-198/89, n.o 19.

( 30 ) Contrariamente ao artigo 36.o do Tratado CEE, o artigo 56.o, n.o 2, comporta uma obrigação de coordenação a que o Conselho deu seguimento adoptando a Directiva 64/221/CEE de 25 de Fevereiro de 1964 para a coordenação de medidas especiais relativas aos estrangeiros em matéria de deslocação e estada justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública (JO 1964, 56, p. 850; EE 05 FI p. 1). Na jurisprudência do Tribunal esta disposição foi examinada principalmente a propósito da possibilidade de os Estados-membros imporem restrições ao direito de livre circulação em casos individuais (ver os acórdãos de 8 de Abril de 1976, Royer, n.o 29 (48/75, Recueil, p. 497) e de 5 de Fevereiro de 1991, Roux, n.o 30 (C-363/89, Coleo, p. I-273). No entanto, no acórdão de 26 de Abril de 1988, Bond van Adverteerders, n.os 31-39 (325/85, Colect., p. 2085), o Tribunal examinou igualmente a questão de saber se considerações de ordem pública podem justificar uma regulamentação nacional de carácter geral.

( 31 ) Ver acórdão de 18 de Marco de 1980, Coditei, n.o 15 (62/79, Recueil, p. 881).

( 32 ) Ver os acordaos dos guias turísticos já referidos (nou 13).

( 33 ) Ver os acórdãos Webb, já referiddo (nou 26), n.o 18, Seco/EVI, já referido (nou 24), n.o 14, bem como o acórdão de 27 de Março de 1990, Rush Portuguesa, n.o 18, (C-113/89, Colecu, p. I-1417).

( 34 ) Ver o acórdão Comissão/Alemanha, já referido (nou 28), n.os 30-33.

( 35 ) Acórdão de 23 de Novembro de 1989, Torfaen/B. & Q., n.o 14(C-145/88, Colect., p. 3851).

( 36 ) Acórdão de 11 de Julho de 1985 (60/84 e 61/84, Recueil, p. 2605).

( 37 ) Acórdão Torfaen/B. Sc O., já refendo (nou 25), bem como os acórdãos de 28 de Fevereiro de 1991, Conforama (C-312/89, Coleo., p. I-997) e Marchandise (C-332/89, Coleo., p. I-1027).

( 38 ) Já refendo, nou 18.

( 39 ) Este objcoivo não foi nomeado enquanto ul no acórdão Debauve, já referido, mas decorre do acórdão Bond Van Adverteerders que trau de uma regulamenução nacional análoga (já referido, nota 30).

( 40 ) Acórdão de 27 de Outubro de 1977, Bouchcrcau (30/77, Recueil, p. 1999).

( 41 ) Mesmo acórdão, n.o 33 c 34 onde ć feita referencia ao acórdão de 4 de Dezembro de 1974 (41/74, Van Duyn, Recueil, p. 1350).

( 42 ) Conclusões do advogado-geral Darmon (ponto 21) no acórdão de 28 de Novembro de 1989, Groener (C-379/87, Colect., p. 3967), em que estava cm causa uma disposição constitucional designando uma língua nacional oficial.

( 43 ) O Tribunal a propósito da noção de moralidade pública, no acórdão de 11 de Março de 1986, Conegate, n.o 14 (121/85, Colect., p. 1007).

( 44 ) Tal implica que a regulamentação nacional deve ter em conta o que já é garantido noutro Estado-memoro com vista à realização do mesmo objectivo de interesse geral sem poder ser objecto de cumulação inútil com estas garantias,

( 45 ) Tal desproporção pode, por exemplo, resultar do facto de a regulamentação em causa encerrar gravemente o mercado. Ver sobre este aspecto os pontos 17-25 das conclusões que apresentámos no processo Torfaen/B. & Q., bem como o ponto 12 das conclusões que apresentámos nos processos Conforama e Marchandise, já referidos, nota 37.

( 46 ) Ver o acórdão da Supreme Court, Open Door Counselling, já referido, ponto 3.

( 47 ) Acórdão de 14 de Maio de 1974, Noid/Comissïo, n.o 13 (4/73, Recueil, p. 491).

( 48 ) JO 1987, L 169, p. 1. Ver igualmente a declaração comum do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, de 5 de Abril de 1977 (JO C 103, p. 1; EE 01 F2 p. 67), bem como o acórdão de 15 de Mato de 1986, Johnston, n.o 18 (222/84, Colect., p. 1651).

( 49 ) Já referida, nota Ī6.

( 50 ) Estas liberdades comunitárias conferirão muitas vezes uma dimensão suplementar aos direitos fundamentais «tradicionais»: tal é o caso nomeadamente nos acórdãos de 28 de Outubro de 1975, Rutili (36/75, Recueil, p. 1219) e Johnston, já citado. Em contrapartida, as regras em que assentam as organizações comuns de mercado entram muitas vezes em conflito com os direitos fundamentais «tradicionais»: ver o acórdão de 13 de Dezembro de 1979, Hauer (44/79, Recueil, p. 3727). Sobre este último acórdão ver igualmente o ponto 35 adiante.

( 51 ) Ver sobre este ponto Weiler, J.: «The European Court at a Crossroads: Community Human Rights and Member State Action», in Du droit international au droit de l'intégration, Liber Amicorum Pierre Pescatore, 1987, p. 821 e seguintes, com uma referência nas páginas 836-837 aos Estados Unidos onde o problema se colocou igualmente.

( 52 ) Já referido, nota 36.

( 53 ) Acórdão de 30 de Setembro de 1987 (12/86, Colect., p. 3719).

( 54 ) Acórdão de 13 de Julho de 1989 (5/88, Colect., p. 2609).

( 55 ) No mesmo sentido, J. Weiler no artigo ji referido (nota 51), p. 840-841, que assinala ainda que o Tribunal controla aliás já actualmente a conformidade de tais regulamentações nacionais com o direito comunitário, c mais especialmente com o principio da proporcionalidade.

( 56 ) Ver sobre este ponto Peukert, W.: «Human Rights in international law and the protection of unborn human beings», in Protecting Human Rights: the European Dimension. Studies in honour of Gerard Wiarda, 1988, p. 511 e seg. e sobretudo Van Dijk, P. e Van Hoof, G.: De Europese conventie in theorie en praktijk, 1990 (terceira edição revista e corrigida), p. 243 e seguintes. Em 1990, a segunda edição de uma versão inglesa deste livro, a que nos referimos posteriormente, foi publicada sob o título Theory and practice of the European Convention on Human Rights. A problemática que nos ocupa é aí tratada nas p. 218 e seguintes.

( 57 ) Relatório no processo 8416/79, X./Reino Unido, D&R 19 (1980), p. 244.

( 58 ) Relatório no processo 6959/75, Brüggemann e Scheuten/Alemanha, D & R 10 (1978), p. 100.

( 59 ) Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, 26 de Abril de 1979, Sunday Times, Pubi. Cour, série A, volume 30, p. 30-31.

( 60 ) Ver acórdão Markt Intern, já citado (nota 17), n.o 33.

( 61 ) Ver, nomeadamente, Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, 25 de Março de 1983, Silver, Pubi. Cour, scric A, volume 61, p. 37-38.

( 62 ) Já referido, nota 50.

( 63 ) Ver por exemplo o significado do termo «necessários» no artigo 10.o, n.o 2, da Convenção dos Direitos do Homem, Van Dijk e Van Hoof, já referidos (nota 56), p. 588-589 da edição inglesa.

( 64 ) Actualmente, quer dizer, no momento dos factos do litígio no processo principa! cm que a demandante, a SPUC, se fundamentou precisamente no acórdão da Supreme Court de 16 de Março de 1988 para intentar uma acção contra os demandados (ver pontos 3 c 4).

( 65 ) Ler a propósito Van Dijk e Van Hoof, já referidos (nota 56), p. 583-606 da edição inglesa, em especial nas p. 604-606.

( 66 ) Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, 7 de Dezembro de 1979, Handyside, Pubi. Cour, série A, volume 24, p. 22. Ver igualmente Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, 24 de Maio de 1988, Müller, Pubi. Cour, série A, volume 133, n.o 35.

( 67 ) No que diz respeito ao aspecto da necessidade e da proporcionalidade, três membros consideram que a proibição de informar não é uma restrição lícita enquanto cinco membros consideram que a mesma é admissível.

( 68 ) H. G. Schermers, alínea b) da sua «concurring opinion» («opinião conforme»); Sir Basil Hall, no ponto 9 da sua «partly concurring and partly dissenting opinion» (opinilo parcialmente conforme e parcialmente divergente»).

( 69 ) Ver a definição que o Tribunal dá da noção de ordem pública: ponto 26. Esta noção não é utilizada de modo unívoco na Convenção Europeia dos Direitos do Homem: ver Van Dijk e Van Hoof, já referidos (nou 56), edição inglesa, p. 584 e seguintes.

( 70 ) Não cabe ao Tribunal tomar em consideração argumentos de facto tal como os apresentados pelos demandados no processo principal, ou seja, que a proibição de informar teria por consequência que fossem efectuados abortos numa fase mais avançada da gravidez, o que provocaria riscos mais elevados para a saúde da mulher — argumentos de facto que o juiz de reenvio não comunicou ao Tribunal como constituindo factos assentes.

( 71 ) Acórdão dc 10 dc Dezembro dc 1985, Molie, n.o 15 (247/84, Recueil, p. 3887).

( 72 ) Acórdão de 3 de Dezembro de 1974, Van Binsbcrgen (33/74, Recueil, p. 1299).

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