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Document 61989CJ0184

Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 7 de Fevereiro de 1991.
Helga Nimz contra Freie und Hansestadt Hamburg.
Pedido de decisão prejudicial: Arbeitsgericht Hamburg - Alemanha.
Passagem para um grupo de renumeração superior - Obrigatoriedade de os trabalhadores a tempo parcial cumprirem um período de avaliação com o dobro da duração - Discriminação indirecta.
Processo C-184/89.

Colectânea de Jurisprudência 1991 I-00297

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1991:50

RELATÓRIO PARA AUDIÊNCIA

apresentado no processo C-184/89 ( *1 )

I — Quadro jurídico comunitário

A Directiva 75/117/CEE do Conselho, de 10 de Fevereiro de 1975, relativa à aproximação das legislações dos Estados-membros no que se refere à aplicação do princípio da igualdade de remuneração entre os trabalhadores masculinos e femininos (JO L 45, p. 19; EE 05 F2 p. 52), estabelece, no seu artigo l.o, que:

«O princípio da igualdade de remuneração entre os trabalhadores masculinos e os trabalhadores femininos, que consta do artigo 119.o do Tratado e a seguir denominado por “princípio da igualdade de remuneração”, implica, para um mesmo trabalho ou para um trabalho a que for atribuído um valor igual, a eliminação, no conjunto dos elementos e condições de remuneração, de qualquer discriminação em razão do sexo.»

No seu artigo 4.o prevê-se que:

«Os Estados-membros devem tomar as medidas necessárias para que as disposições contrárias ao princípio da igualdade de remuneração que figurem em convenções colectivas, tabelas ou acordos salariais ou em contratos individuais de trabalho sejam nulas, anuláveis ou possam ser alteradas.»

A Directiva 76/207/CEE, de 9 de Fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho (JO L 39, p. 40; EE 05 F2 p. 70), enuncia, no seu artigo l.o, que:

«1.

A presente directiva tem em vista a realização, nos Estados-membros, do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, incluindo a promoção, e à formação profissional, assim como no que se refere às condições de trabalho e, nas condições previstas no n.o 2, à segurança social. Este princípio será a seguir denominado por “princípio da igualdade de tratamento”.

2.

...»

No seu artigo 3.o prevê-se que:

«1.

A aplicação do princípio da igualdade de tratamento implica a ausência de qualquer discriminação em razão do sexo nas condições de acesso, incluindo os critérios de selecção, a empregos ou a postos de trabalho, seja qual for o sector ou o ramo de actividade e a todos os níveis da hierarquia profissional.

2.

Para este efeito, os Estados-membros adoptarão as medidas necessárias a fim de que:

a)

sejam suprimidas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas contrarias ao princípio da igualdade de tratamento;

b)

sejam nulas, anuláveis, ou possam ser revistas as disposições contrarias ao principio da igualdade de tratamento que figurem em convenções colectivas ou em contratos individuais de trabalho, em regulamentos internos das empresas, bem como nos estatutos das profissões independentes;

c)

...»

II — Matéria de facto e tramitação processual

Helga Nimz, recorrente no processo principal (a seguir «recorrente») trabalha desde 1 de Janeiro de 1977 na qualidade de agente da função pública da cidade livre e hanseatica de Hamburgo, recorrida no processo principal (a seguir «recorrida»). A relação de trabalho em causa é regulada pelas disposições da convenção colectiva federal dos agentes (Bundesangestelltentarifvertrag) (a seguir «BAT»). A recorrente trabalha desde 1 de Janeiro de 1983 à razão de 20 horas por semana estando classificada no grupo de remuneração V b, categoria 1 a, da BAT. Os agentes que fazem parte deste grupo de remuneração são, após um período de avaliação de seis anos, classificados no grupo superior de remuneração, ou seja, o grupo IV b, categoria 2, da BAT.

Na versão aplicável até 31 de Dezembro de 1987 o artigo 23.o a), n.o 6, da BAT prevê que

«Os períodos durante os quais o agente tenha regularmente trabalhado durante pelo menos três quartos do horário de trabalho normal de um empregado a tempo completo são integralmente tomados em conta; os períodos durante os quais o seu horário tenha sido igual a pelo menos metade do tempo de trabalho normal são tomados em conta pela metade».

As partes signatárias da BAT introduziram no artigo 23.o a), n.o 6, uma alteração válida a partir de 1 de Janeiro de 1988 que dispõe o seguinte:

«a)

Os períodos anteriores a 1 de Janeiro de 1988, durante os quais o agente tenha regularmente trabalhado durante pelo menos três quartos do horário de trabalho semanal normal de um empregado a tempo completo, são integralmente tomados em conta; os períodos durante os quais o agente tenha trabalhado durante pelo menos metade desse tempo são tomados em conta pela metade;

b)

a parte do período de avaliação posterior a 31 de Dezembro de 1987 durante a qual a duração do trabalho do agente tenha sido inferior à duração de trabalho semanal normal de um empregado a tempo completo, embora superior à duração referida no artigo 3.o, alínea q), é integralmente tomada em conta. Todavia, se for convencionada uma duração de trabalho mais longa, o período de avaliação já cumprido é tomado em conta proporcionalmente aquilo que o horário de trabalho anterior represente em percentagem em relação ao novo horário. Não há que aplicar a frase precedente quando o período de avaliação tiver já sido cumprido no momento em que é da prolongada a duração do trabalho e se o empregado se encontrar já classificado no grupo de remuneração superior.»

Por carta de 28 de Janeiro de 1988, a recorrente pediu para ser classificada no grupo IV b, categoria 2, da BAT. Com base no artigo 23.o a) da BAT, na versão aplicável até 31 de Dezembro de 1987, a recorrida, por carta de 28 de Janeiro de 1988, recusou classificá-la no grupo superior de remuneração.

Entre os agentes dos serviços públicos na República Federal da Alemanha, a proporção de mulheres que trabalham a tempo parcial ultrapassa consideravelmente a das que trabalham a tempo completo. As mulheres representavam cerca de 55 % dos agentes a tempo completo e 77,3 % dos agentes a tempo parcial na função pública propriamente dita. Entre os agentes a tempo parcial que trabalham 20 horas e mais por semana a proporção de mulheres atinge os 90,2 %.

Considerando-se vítima de uma discriminação indirecta em relação às mulheres, H. Nimz intentou uma acção perante o Arbeitsgericht Hamburg destinada a obter a declaração de que a recorrida era obrigada a conceder-lhe, a partir de 1 de Janeiro de 1989, uma remuneração correspondente ao grupo de remuneração IV b, categoria 2, da BAT. Entende a recorrente que o facto de os trabalhadores a tempo completo poderem aceder ao grupo superior de remuneração após um período de avaliação de seis anos, ao passo que os trabalhadores a três quartos do tempo ou menos devem esperar doze anos para beneficiar do mesmo aumento de remuneração, constitui uma discriminação indirecta* contra as mulheres, em violação, entre outros, do disposto do artigo 119.o do Tratado. Considerando que este pedido suscita problemas de interpretação do direito comunitário, o órgão jurisdicional nacional suspendeu a instância e submeteu ao Tribunal de Justiça, em aplicação do artigo 177.o do Tratado CEE, as seguintes questões prejudiciais:

«1.

Existe uma violação do artigo 119.o do Tratado CEE sob a forma de “discriminação indirecta das mulheres” quando uma convenção colectiva para a administração pública determina, quanto ao período de avaliação para efeitos de promoção ao escalão salarial imediatamente superior e no que diz respeito à posição de um trabalhador administrativo da universidade que:

o período de avaliação no decurso do qual o agente trabalhar normalmente com um horário de pelo menos três quartos do horário normal de trabalho dos agentes a tempo completo conta-se integralmente; o período de avaliação no decurso do qual o agente trabalhar com um horário de pelo menos metade do horário normal de trabalho conta-se pela metade, sendo certo que mais de 90 % dos trabalhadores a tempo parcial com um horário inferior a três quartos do horário normal são do sexo feminino e que só pouco mais de 55 % dos trabalhadores a tempo parcial com um horário igual ou superior a três quartos do horário normal de trabalho dos trabalhadores a tempo completo são do sexo feminino?

2.

Em caso de resposta afirmativa à questão 1:

O artigo 119.o, conjugado com o artigo 117.o do Tratado CEE e/ou as disposições da Directiva do Conselho 75/117/CEE, impõe que o período de avaliação dos trabalhadores a tempo parcial com um horário inferior a três quartos do horário normal de trabalho seja contado da mesma forma que aos trabalhadores a tempo parcial com um horário igual ou superior a três quartos do horário normal de trabalho ou que aos trabalhadores a tempo completo,

ou

dada a autonomia normativa das partes da convenção colectiva, o Tribunal não pode tomar uma decisão quanto a esta questão, devendo antes deixá-la às partes da convenção?»

O tribunal de reenvio entende que o efeito das disposições em questão da BAT é que os (as) assalariados (as) cuja duração de trabalho seja inferior aos três quartos da duração de trabalho normal recebem uma remuneração proporcionalmente inferior à de um assalariado a tempo completo. As referidas disposições constituem, no entender do tribunal de reenvio, uma discriminação indirecta em relação às mulheres, em violação do artigo 119.o do Tratado, tendo em conta a percentagem consideravelmente menos elevada de homens do que de mulheres que trabalham a tempo parcial no serviço público alemão. Aquele tribunal considera, por outro lado, que não há qualquer razão válida para tratar diferentemente os empregados a tempo parcial e a tempo completo. Tendo em conta o elevado número de pessoal a tempo parcial, considera que não pode existir, para o empregador público, uma necessidade especial de privilegiar o pessoal a tempo completo. Todavia, o tribunal de reenvio interroga-se sobre a questão de saber se a existência de uma discriminação indirecta implica juridicamente para os agentes a tempo parcial o direito de beneficiarem de uma remuneração ou se a autonomia de que dispõem as partes quanto ao conteúdo das convenções colectivas se opõe a que o tribunal de reenvio preencha a lacuna jurídica resultante de uma incompatibilidade da convenção colectiva com o direito comunitário.

O despacho de reenvio do Arbeitsgericht Hamburg foi registado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 25 de Maio de 1989.

Em conformidade com o artigo 20.o do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça da CEE, foram apresentadas observações escritas pela recorrente no processo principal, representada pelo Dr. Klaus Bertelsmann, advogado no foro de Hamburgo e pela professora Heide Pfarr, pela recorrida no processo principal, representada por Wolfgang Scheer e Rolf Stahmer, advogados no foro de Hamburgo, pelo Governo alemão, representado por Ernst Roder, Regierungsdirektor no Ministério Federal da Economia, pelo Governo do Reino Unido, representado por Hussein A. Kaya, do Treasury Solicitor Department, na qualidade de agente e pela Comissão das Comunidades Europeias, representada por Karen Banks, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, assistida por Elisabeth Hoffmann, advogada no foro de Bruxelas.

Com base no relatório preliminar do juiz relator, ouvido o advogado-geral, o Tribunal de Justiça decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução. Por decisão do Tribunal de Justiça de 22 de Maio de 1990 o processo foi atribuído à Sexta Secção.

III — Observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça

Quanto à primeira questão

A recorrente no processo principal sublinha que os trabalhadores a tempo parcial recebem um salário-hora idêntico ao de um trabalhador a tempo completo, para o mesmo trabalho, até ao fim do sexto ano de serviço; em contrapartida, a partir do sétimo ano e até ao fim do décimo segundo ano, as remunerações hora dos trabalhadores a tempo parcial são inferiores às dos trabalhadores a tempo completo. Alega que a duplicação do período de avaliação exigida para a progressão dos trabalhadores a tempo parcial constitui uma discriminação indirecta em relação às mulheres, tendo em conta a proporção bastante maior de mulheres afectadas. Tendo em conta as dificuldades que obstam a que as mulheres trabalhem a tempo completo, a duplicação do período de progressão em questão não pode ser explicada por circunstâncias estranhas a qualquer discriminação em razão do sexo. Não existem razões objectivamente justificadas para o tratamento desfavorável sofrido pelos trabalhadores a tempo parcial resultante da referida duplicação do período de progressão.

A recorrida no processo principal entende que a verdadeira questão é a de saber se a disposição da convenção colectiva em causa se justifica objectivamente, questão que, em seu entender, é da competência exclusiva do órgão jurisdicional nacional. A este propósito, observa, a título subsidiário, que a instituição da passagem para o grupo de remuneração superior, findo que seja um período de avaliação, permite a um empregado que, durante um certo período, tenha dado satisfação no seu trabalho, a classificação no grupo de remuneração superior. O artigo 23.o a), n.o 6, da BAT, na sua anterior redacção, tomava em conta, através da duplicação do período de avaliação para os empregados a tempo parcial que apenas tivessem trabalhado metade do horário de trabalho normal, diferenças resultantes da importante diferença entre a carga de trabalho efectiva dos empregados que trabalham a meio tempo e a dos empregados que trabalham a tempo completo. Por conseguinte, no entender da recorrida, o regime explica-se por factores estranhos a qualquer discriminação baseada no sexo.

As partes na convenção colectiva BAT partiram do princípio, no que respeita ao regime de passagem para o grupo de remuneração superior, findo que seja um período de avaliação, previsto no artigo 23.o a) da BAT, que um empregado adquire, graças à sua actividade ao longo do tempo, cumprindo tarefas que lhe são destinadas, capacidades e competências que aumentam a sua qualificação pessoal e que justificam a sua classificação no grupo de remuneração superior.

A passagem para o grupo de remuneração superior, no termo de um período de avaliação, visa, deste modo, reconhecer uma experiência mais vasta e mais profunda. A justificação material para a remuneração mais elevada no caso dos empregados a tempo completo em relação aos que trabalham a tempo parcial após expirar o período de avaliação reside, assim, na experiência suplementar adquirida ao longo do período de avaliação.

A Comissão reafirma, a título preliminar, que existe uma diferença nítida entre a taxa horária de remuneração dos agentes que trabalham pelo menos três quartos da duração de trabalho normal e dos que trabalham menos do que esse tempo, diferença resultante directamente da classificação efectuada de acordo com as regras de antiguidade contidas na convenção colectiva. Tal sistema — quase automático — de classificação das remunerações funciona com base na antiguidade, diferentemente do que acontece em relação às condições de emprego cuja ligação com a remuneração enquanto tal é apenas indirecta (ver acórdão de 15 de Junho de 1978, Defrenne III, 149/77, Recueil, p. 1365), está englobado na noção de remuneração na acepção do artigo 119.o do Tratado CEE. Efectivamente, não se trata de um sistema de promoção na acepção clássica, baseado numa concorrência entre os empregados e em que sejam tomados em consideração, de modo idêntico, elementos subjectivos, que cairia sob a alçada da Directiva 76/207; esta última directiva deve, segundo a Comissão, ser reservada aos casos de promoção propriamente dita e a qualquer outro caso cuja complexidade impeça a aplicação do artigo 119.o

Em qualquer circunstância, o argumento segundo o qual seria contraditório aplicar o artigo 119.o ao caso vertente, embora a Directiva 76/207 pudesse igualmente ser aplicável, não é admissível. A Comissão sublinha que, se tal directiva pode conpletar as disposições específicas do Tratado, não pode, no entanto, limitar o alcance das normas de base.

Em alternativa, sugere a aplicação ao caso vertente do artigo 3.o, n.o 1, da Directiva 76/207, que pode ser invocada pela recorrente contra o Estado parte na convenção colectiva, o que conduziria, na prática, ao mesmo resultado que a aplicação do artigo 119.o

A Comissão alega, em seguida, que a autonomia dos parceiros sociais na negociação das convenções colectivas está limitada pelo princípio fundamental da não discriminação entre os sexos. Para apoiar a sua tese de que o artigo 119.o do Tratado CEE se aplica às convenções colectivas, a Comissão remete, designadamente, para o acórdão proferido no processo Defrenne II (acórdão de 8 de Abril de 1976, 43/75, Recueil, p. 455).

Com base na jurisprudencia do Tribunal de Justiça, a Comissão conclui que a disposição em causa é susceptível de constituir uma discriminação indirecta em razão do sexo dos trabalhadores, proibida pelo artigo 119.o e que, no caso vertente, a justificação objectiva exigida não foi fornecida pela recorrida de modo a provar a respectiva existência. Efectivamente, a BAT dispõe, no seu artigo 23.o a), n.o 1, que o período de avaliação pode ser considerado validamente cumprido se o agente se tiver mostrado, durante o referido período, apto para fazer face às exigências que comportam o cumprimento das tarefas que lhe foram confiadas. Esta disposição determina, assim, as condições a satisfazer, durante um período de tempo determinado por outros artigos da BAT, para obter uma classificação num grau de remuneração superior e isso tendo em conta a prestação regular de um trabalho de qualidade, o que exige, desde o início, exactamente as mesmas capacidades por parte de um agente a tempo parcial e de um agente a tempo completo que exerça o mesmo tipo de actividade, não se fazendo referência a um saber adquirido graças à experiência.

Em contrapartida, o artigo 23.o a), n.o 1, estabelece um registo de aptidão exigível a todos os agentes desde o princípio da sua ocupação, determinando ainda que os agentes a tempo parcial apenas dispõem de um número limitado de horas para fazer prova das suas capacidades. Dado que as competências exigidas não são manifestamente diferentes consoante a duração do trabalho, uma vez que a actividade é a mesma, a remuneração ordinária deveria ser idêntica para todos os agentes que efectuam o mesmo tipo de trabalho, independentemente do tempo de trabalho. Isso implicaria que as condições de passagem para uma categoria superior de remuneração fossem idênticas para todos os trabalhadores do mesmo grupo.

Em conclusão, a Comissão propõe que se responda afirmativamente à primeira questão formulada pelo órgão jurisdicional de reenvio, por não existir justificação objectiva.

Segundo o Governo alemão o litígio incide sobre a questão de saber se a regulamentação em causa é objectivamente justificada, questão que é da competência do órgão jurisdicional nacional. Todavia, o Governo alemão recorda os princípios de base do sistema de remuneração da BAT: em princípio, a classificação numa categoria superior só seria possível no caso de o empregado exercer uma actividade classificada a um nível mais elevado do que a sua actividade anterior. A progressão no termo do período de avaliação constitui uma excepção a esse princípio. Todavia, mesmo no caso dessa excepção, a classificação a um nível superior deveria, com base no referido princípio, justificar-se por uma «superioridade» da actividade. A diferença introduzida pelo n.o 6 (versão anterior) do artigo 23.o a) da BAT entre os trabalhadores a tempo completo e os trabalhadores a tempo parcial justifica-se por razões de igualdade de tratamento atendendo à duração do trabalho total a cumprir, constituindo essa duração, em virtude da experiência adquirida durante o seu cumprimento, o requisito para a classificação num grupo superior.

Para o Governo do Reino Unido, sempre que exista, para a passagem ao grupo de remuneração superior, um período de avaliação baseado na duração do serviço, não existe discriminação se o período — expresso em anos — reflectir a duração efectiva do serviço quando calculado em horas. Se esse período não reflectir tal realidade isso constitui, no entender do Governo do Reino Unido, uma discriminação contra os trabalhadores a tempo parcial, desde que a medida não possa ser justificada.

Quanto à segunda questão

Segundo a recorrente no processo principal, sempre que as convenções colectivas sejam contrárias ao direito comunitário a discriminação deve ser suprimida de tal modo que o círculo de pessoas discriminadas possa beneficiar das vantagens que poderiam ter obtido se não existisse discriminação. No caso vertente, os empregados a tempo parcial teriam o direito de ser classificados num grupo superior após cumprirem o mesmo período de avaliação que os empregados a tempo completo. Remete, designadamente, para os acórdãos de 8 de Abril de 1976, Defrenne/Sabena (43/75, Recueil, p. 455), de 4 de Dezembro de 1986, FNV (71/85, Cole., p. 3855) e de 24 de Junho de 1987 Clarke/-Chief Adjudication Officer (384/85, Colect., p. 2865).

Em contrapartida, a recorrida no processo principal defende que é o direito interno que determina, entre outras coisas, a questão de saber quais os efeitos de uma violação de disposições de grau superior por estipulações contidas em convenções colectivas no caso de, como aqui acontece, a ordem jurídica interna fornecer instrumentos bastantes para garantir o efeito directo obrigatório do directo da Comunidade Europeia.

Em alternativa, entende que não compete aos tribunais completar ou substituir disposições contidas nas convenções colectivas, dado que isso contrariaria a autonomia das partes na contratação colectiva. Seria contrário a essa autonomia, no entender da recorrida, que o Tribunal de Justiça adoptasse uma «cláusula da categoria mais favorecida» por força da qual a categoria vítima de uma discriminação teria direito à integralidade do benefício da outra categoria.

A Comissão recorda que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a autonomia das partes na contratação colectiva está limitada pela regra fundamental da proibição de discriminações comida no artigo 119.o do Tratado, que tem efeito directo. O Estado-membro — que é igualmente a parte «entidade patronal» na convenção colectiva em questão — é obrigado, em conformidade com o artigo 119.o, confirmado pelo artigo 4.o da Directiva 75/117, a assegurar e a manter a igualdade das remunerações entre homens e mulheres e isso, designadamente, adoptando «as medidas necessárias para que as disposições contrárias ao princípio da igualdade de remuneração que figurem em convenções colectivas, tabelas ou acordos salariais ou em contratos individuais de trabalho sejam nulas, anuláveis ou possam ser alteradas».

Nestas condições, o juiz nacional que detectar uma infracção ao artigo 119.o do Tratado deve procurar na convenção colectiva em vigor elementos que lhe permitam manter o princípio da igualdade das remunerações conjugado com o da melhoria das condições de vida e de trabalho contido no artigo 117.o do Tratado. No caso em apreço, a Comissão sugere que o juiz nacional apli-, que a regra de base relativa ao grupo de remuneração V b, categoria 1 a, que prevê um período de avaliação de seis anos, e que afaste a regra relativa aos agentes a tempo parcial, pelo facto de violar o princípio da igualdade das remunerações na Comunidade, eliminando, desse modo, de uma maneira simples, a discriminação verificada. Remete, a este propósito, para o acórdão de 8 de Março de 1988, Dik (80/87, Colect., p. 1601).

O Governo do Reino Unido alega que o órgão jurisdicional nacional pode entender que há uma discriminação numa disposição de uma convenção colectiva contrária ao artigo 119.o Remete para o artigo 4.o da Directiva 75/117, que prevê que os Estados-membros devem tomar as medidas necessárias para que as disposições contrárias ao princípio da igualdade de remuneração que figurem em convenções colectivas, entre outras, sejam nulas, anuláveis ou possam ser alteradas. Consequentemente, verificando-se a existência de uma discriminação abrangida pelo artigo 119.o, em qualquer outro caso, é indiferente que a disposição discriminatória esteja contida numa convenção colectiva.

IV — Questão colocada pelo Tribunal

Por carta de 11 de Junho de 1990, o Tribunal de Justiça convidou o Governo alemão a fornecer, em relação ao serviço público da República Federal, o número de trabalhadores masculinos e femininos, com indicação das horas trabalhadas por semana pelos trabalhadores masculinos, por um lado, e pelos trabalhadores femininos, por outro.

O Governo alemão respondeu à questão colocada da seguinte forma:

Pessoal da função pública na República Federal da Alemanha

(situação em 30 de Junho de 1988)

 

Homens

Mulheres

Empregados a tempo completo

1 254 286

879 639

Empregados a tempo parcial com, pelo menos, metade do horário normal

37 054

449 599

Empregados a tempo parcial com menos de metade do horário normal

61 796

100 790

Pessoal do Estado federal (excepto cami-nhos-de-ferro e correios)

(situação em 30 de Junho de 1989)

 

Homens

Mulheres

Empregados a tempo completo

133 443

58 419

Empregados a tempo parcial com, pelo menos, metade do horário normal

643

18 094

Empregados a tempo parcial com menos de metade do horário normal

89

883

T. F. O'Higgins

Juiz-relator


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

7 de Fevereiro de 1991 ( *1 )

No processo C-184/89,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, em aplicação do artigo 177.° do Tratado CEE, pelo Arbeitsgericht Hamburg e destinado a obter, no litígio pendente nesse órgão jurisdicional entre

Helga Nimz

e

Freie und Hansestadt Hamburg,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 119.° do Tratado CEE, bem como da Directiva 75/117/CEE do Conselho, de 10 de Fevereiro de 1975, relativa à aproximação das legislações dos Estados-membros no que se refere à aplicação do princípio da igualdade de remuneração entre os trabalhadores masculinos e femininos (JO L 45, p. 19; EE 05 F2 p. 52),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por G. F. Mancini, presidente de secção, T. F. O'Higgins, M. Diez de Velasco, C. N. Kakouris e P. J. G. Kapteyn, juízes,

advogado-geral: M. Darmon

secretário: H. A. Rühl, administrador principal

considerando as observações apresentadas:

em representação de Helga Nimz, recorrente no processo principal, por Klaus Bertelsmann, advogado no foro de Hamburgo e pela professora Heide Pfarr,

em representação da Freie und Hansestadt Hamburg, recorrida no processo principal, por Wolfgang Scheer e Rolf Stahmer, advogados no foro de Hamburgo,

em representação do Governo alemão, por Ernst Roder, Regierungsdirektor no Ministério Federal da Economia, na qualidade de agente,

em representação do Governo do Reino Unido, inicialmente por Susan J. Hay e em seguida por Hussein A. Kaya, do Treasury Solicitor's Department, na qualidade de agents,

em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Karen Banks, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, assistida por Elisabeth Hoffmann, advogada no foro de Bruxelas,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações orais de Helga Nimz, da Freie und Hansestadt Hamburg, representada pelo advogado Schnebbe, do Governo alemão, representado pelo Dr. Joachim Karl, e da Comissão, representada por Bernhard Jansen, na audiencia de 3 de Outubro de 1990,

ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 13 de Novembro de 1990,

profere o presente

Acórdão

1

Por despacho de 13 de Abril de 1989, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 29 de Maio do mesmo ano, o Arbeitsgericht Hamburg colocou, ao abrigo do artigo 177.° do Tratado CEE, duas questões prejudiciais relativas à interpretação do artigo 119.° do Tratado CEE e da Directiva 75/117/CEE do Conselho, de 10 de Fevereiro de 1975, relativa à aproximação das legislações dos Estados-membros no que se refere à aplicação do princípio da igualdade de remuneração entre os trabalhadores masculinos e femininos (TO L 45, p. 19; EE 05 F2 p. 52).

2

Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe H. Nimz à sua entidade patronal, a Freie und Hansestadt Hamburgo, relativo à sua passagem para um grupo superior de remuneração.

3

Resulta dos autos que a relação de trabalho em causa é regulada pelas disposições da convenção colectiva federal dos agentes contratados (Bundesangestelltentarifvertrag) (a seguir «BAT»). Nos termos do artigo 23.° a), n.° 6, da BAT, na versão aplicável até 31 de Dezembro de 1987, para efeitos de passagem para um grupo superior de remuneração no termo de um período de avaliação, os períodos de antiguidade são tomados em consideração na sua totalidade em relação aos trabalhadores que efectuam, pelo menos, três quartos do horário de trabalho normal, mas apenas pela metade, no caso de trabalhadores que tenham um horário compreendido entre metade e três quartos do horário normal.

4

Com base nesta disposição e pelo facto de H. Nimz cumprir menos de três quartos do horário de trabalho normal, a sua entidade patronal recusou conceder-lhe a passagem ao grupo superior de remuneração, ou seja, ao escalão IV b, categoria 2, da BAT, após seis anos de serviço no grupo V b, categoria 1 a.

5

Dado que os trabalhadores que efectuam, pelo menos, três quartos do horário de trabalho normal têm o direito de passar automaticamente, após seis anos de serviço, para um grupo superior de remuneração, H. Nimz considerou que era vítima de uma discriminação indirecta proibida pela lei. Por conseguinte, intentou uma acção perante o Arbeitsgericht Hamburg. O órgão jurisdicional nacional considerou que tal pedido suscitava problemas de interpretação dos artigos 117.° e 119.° do Tratado CEE, bem como da Directiva 75/117, acima mencionada. Desse modo, decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Existe uma violação do artigo 119.° do Tratado CEE sob a forma de “discriminação indirecta das mulheres” quando uma convenção colectiva para a administração pública determina, quanto ao período de avaliação para efeitos de promoção ao escalão salarial imediatamente superior e no que diz respeito à posição de um trabalhador administrativo da universidade que:

o período de avaliação no decurso do qual o agente trabalhar normalmente com um horário de pelo menos três quartos do horário normal de trabalho dos agentes a tempo completo conta-se integralmente; o período de avaliação no decurso do qual o agente trabalhar com um horário de pelo menos metade do horário normal de trabalho conta-se pela metade, sendo certo que mais de 90 % dos trabalhadores a tempo parcial com um horário inferior a três quartos do horário normal são do sexo feminino e que só pouco mais de 55 % dos trabalhadores a tempo parcial com um horário igual ou superior a três quartos do horário normal de trabalho dos trabalhadores a tempo completo são do sexo feminino?

2.

Em caso de resposta afirmativa à questão 1 :

O artigo 119.°, conjugado com o artigo 117.° do Tratado CEE e/ou as disposições da Directiva 75/117/CEE do Conselho, impõe que o período de avaliação dos trabalhadores a tempo parcial com um horário inferior a três quartos do horário normal de trabalho seja contado da mesma forma que aos trabalhadores a tempo parcial com um horário igual ou superior a três quartos do horário normal de trabalho ou que aos trabalhadores a tempo completo,

ou

dada a autonomia normativa das partes da convenção colectiva, o Tribunal não pode tomar uma decisão quanto a esta questão, devendo antes deixá-la às partes da convenção?»

6

Para mais ampla exposição da matéria de facto do processo principal, das disposições comunitárias em causa, da tramitação processual bem como das observações escritas apresentadas ao Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos do processo apenas serão adiante retomados na medida do necessário à fundamentação da decisão do Tribunal.

Quanto à primeira questão

7

Através da sua primeira questão, o órgão jurisdicional nacional pretende saber se o artigo 119.° do Tratado se opõe a que uma convenção colectiva aplicável aos serviços públicos nacionais preveja a tomada em consideração integral da antiguidade dos trabalhadores que cumprem, pelo menos, três quartos do horário de trabalho normal para acederem a um índice de remuneração superior, mas apenas pela metade dessa antiguidade relativamente aos trabalhadores cujo horário tem uma duração compreendida entre metade e três quartos do horário normal, isto atendendo a que deste último grupo de trabalhadores faz parte um número bastante mais elevado de mulheres do que de homens.

8

Para que se possam fornecer elementos de resposta úteis a esta questão impõe-se, em primeiro lugar, verificar se a passagem para um grupo superior de remuneração releva do âmbito de aplicação do artigo 119.° do Tratado.

9

Resulta dos autos que, no caso vertente, estamos perante um sistema de classificação das remunerações quase automático, funcionando com base em regras de antiguidade contidas numa convenção colectiva. Tais regras determinam a evolução da remuneração devida ao trabalhador que não mude de funções.

10

Daqui decorre que, em determinadas circunstâncias, as regras que regulam a passagem quase automática para um grupo superior de remuneração entram, em princípio, na noção de remuneração como a entende o artigo 119.° do Tratado.

11

No que respeita a esta última disposição, recorde-se que, dado o seu carácter imperativo, a proibição de discriminação entre trabalhadores masculinos e trabalhadores femininos se impõe não apenas à acção das autoridades públicas, mas é igualmente extensiva a todas as convenções destinadas a regular colectivamente o trabalho assalariado, bem como os contratos entre particulares (ver, como última ilustração, o acórdão de 27 de Junho de 1990, Kowalska, C-33/89, Colect., p. I-2591).

12

Resulta dos autos que a disposição da convenção colectiva em causa obriga a que os trabalhadores que cumprem, pelo menos, metade do horario de um trabalhador a tempo completo mas menos de três quartos desse horário possuam o dobro da antiguidade para acederem ao grau de remuneração superior, isto por comparação com o que é exigido aos trabalhadores a tempo completo. Ora, uma convenção colectiva como a que aqui está em causa, que permite às entidades patronais manter uma diferença de remuneração global entre duas categorias de trabalhadores, ou seja, os que efectuam um número mínimo de horas de trabalho por semana ou por mês e os que, embora tendo as mesmas atribuições, não efectuam esse mínimo de horas, conduz, na prática, a uma discriminação dos trabalhadores femininos relativamente aos trabalhadores masculinos, no caso de se provar que, na realidade, trabalha a tempo parcial uma percentagem consideravelmente menos elevada de homens do que de mulheres. Por conseguinte, tal convenção deve, em princípio, ser considerada contrária ao artigo 119.° do Tratado. Só não o seria no caso de a diferença de tratamento entre as duas categorias de trabalhadores se justificar por factores objectivos e alheios a qualquer discriminação em razão do sexo (ver acórdão de 13 de Maio de 1986, Bilka-Kaufhaus, 170/84, Colect., p. 1607).

13

A este propósito, a cidade de Hamburgo alegou que os trabalhadores a tempo completo ou a três quartos do tempo adquirem mais rapidamente do que os outros capacidades e competências relativas à sua actividade. O Governo alemão invocou igualmente a maior experiência desses trabalhadores.

14

Todavia, há que ter presente que tais considerações, constituindo simples generalizações relativas a certas categorias de trabalhadores, não permitem estabelecer critérios objectivos e alheios a qualquer discriminação em razão do sexo (ver acórdão de 13 de Julho de 1989, Rinner-Kühn, 171/88, Colect., p. 2743). Efectivamente, embora a antiguidade seja inseparável da experiência, a qual permite, em princípio, ao trabalhador melhor cumprir as suas tarefas, a objectividade de tal critério depende de todas as circunstâncias de cada caso e, designadamente, da relação entre a natureza da função exercida e a experiência que o exercício dessa função proporciona após determinado número de horas de trabalho efectuadas. Todavia, cabe ao órgão jurisdicional nacional, único competente para apreciar os factos, determinar, tendo em atenção todas as circunstâncias, se, e em que medida, uma disposição de uma convenção colectiva como a que está em causa se justifica por razões objectivas e alheias a qualquer discriminação em razão do sexo.

15

Por conseguinte, há que responder à primeira questão do órgão jurisdicional nacional que o artigo 119.° do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que uma convenção colectiva aplicável aos serviços públicos nacionais preveja a tomada em consideração integral da antiguidade dos trabalhadores que cumprem, pelo menos, três quartos do horário de trabalho normal para acederem a um escalão de remuneração superior, mas apenas pela metade dessa antiguidade no que respeita aos trabalhadores cujo horário tem uma duração compreendida entre metade e três quartos do horário normal, desde que se verifique que, na prática, este último grupo de trabalhadores engloba uma percentagem consideravelmente menor de homens do que de mulheres, salvo se a entidade patronal provar que a referida disposição da convenção colectiva se justifica por factores cuja objectividade depende, designadamente, da relação entre a natureza da função exercida e a experiência que o exercício dessa função proporciona após um certo número de horas de trabalho.

Quanto à segunda questão

16

A segunda questão tem a ver com as consequências eventualmente resultantes da declaração, pelo órgão jurisdicional nacional, da incompatibilidade de uma disposição de uma convenção colectiva com o artigo 119.° do Tratado CEE tendo em conta, designadamente, a autonomia das partes quanto ao conteúdo da convenção.

17

Observe-se, a este propósito, como o Tribunal já decidiu no acórdão de 8 de Abril de 1976, Defrenne (43/75, Recueil, p. 455), que o artigo 119.° do Tratado CEE é suficientemente preciso para poder ser invocado por uma pessoa perante um órgão jurisdicional nacional, a fim de levar este a afastar qualquer disposição nacional mesmo que essa disposição resulte de uma convenção colectiva incompatível com o referido artigo.

18

Resulta do acórdão de 27 de Junho de 1990, C-33/89, acima mencionado, que, em presença de uma discriminação indirecta contida numa disposição de uma convenção colectiva, os membros do grupo desfavorecido por essa discriminação devem ser tratados do mesmo modo e segundo o mesmo regime que os outros trabalhadores, regime que, na falta de transposição correcta do artigo 119.° para o direito nacional, é o único sistema de referência válido.

19

É importante igualmente recordar que, nos termos da jurisprudência assente do Tribunal de Justiça (ver, designadamente, acórdão de 9 de Março de 1978, Simmenthal, 106/77, Recueil, p. 629), o juiz nacional responsável pela aplicação, no uso das suas competências, das disposições do direito comunitário tem obrigação de garantir o pleno efeito dessas medidas mesmo que, usando dos poderes que lhe são próprios, tenha que deixar de aplicar uma disposição da legislação nacional contrária ao direito comunitário, não tendo que pedir ou que aguardar a eliminação desta última por via legislativa ou por qualquer outro processo constitucional.

20

Tais considerações impõem-se igualmente no caso de a disposição contrária ao direito comunitário resultar de uma convenção colectiva de trabalho. Efectivamente, seria incompatível com a própria natureza do direito comunitário que o juiz competente para aplicar esse direito não tivesse o poder de fazer, no próprio momento dessa aplicação, tudo o que é necessário para afastar as disposições de uma convenção colectiva que obste eventualmente à plena eficácia das normas comunitárias.

21

Por conseguinte, há que responder à segunda questão que perante uma discriminação indirecta contida numa disposição de uma convenção colectiva, o juiz nacional tem a obrigação de não aplicar essa disposição, sem ter que solicitar ou que aguardar a sua prévia eliminação através de negociação colectiva ou por qualquer outra forma, e de aplicar ao membros do grupo desfavorecido por essa discriminação o mesmo regime de que beneficiam os outros trabalhadores, regime que, em caso de transposição incorrecta do artigo 119.° do Tratado CEE para o direito nacional, é o único sistema de referência válido.

Quanto às despesas

22

As despesas efectuadas pelos governos alemão e do Reino Unido, bem como pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não podem ser reembolsadas. Dado que o processo reveste, relativamente às partes do processo principal, a natureza de um incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, é a este que compete pronunciar-se sobre as despesas.

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

decidindo sobre as questões que lhe foram submetidas pelo Arbeitsgericht Hamburg, por despacho de 13 de Abril de 1989, declara:

 

1)

O artigo 119.° do Tratado CEE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que uma convenção colectiva aplicável aos serviços públicos nacionais preveja a tomada em consideração integral da antiguidade dos trabalhadores que cumprem, pelo menos, três quartos do horário de trabalho normal para acederem a um escalão de remuneração superior, mas apenas pela metade dessa antiguidade no que respeita aos trabalhadores cujo horário tem uma duração compreendida entre metade e três quartos do horário normal, desde que se verifique que, na prática, este último grupo de trabalhadores engloba uma percentagem consideravelmente menor de homens do que de mulheres, salvo se a entidade patronal provar que a referida disposição se justifica por factores cuja objectividade depende, designadamente, da relação entre a natureza da função exercida e a experiência que o exercício dessa função proporciona após um certo número de horas de trabalho.

 

2)

Perante uma discriminação indirecta contida numa disposição de uma convenção colectiva, o juiz nacional tem a obrigação de não aplicar essa disposição, sem ter que solicitar ou aguardar a sua prévia eliminação através de negociação colectiva ou por qualquer outra forma, e de aplicar aos membros do grupo desfavorecido por essa discriminação o mesmo regime de que beneficiam os outros trabalhadores, regime que, em caso de transposição incorrecta do artigo 119.° do Tratado CEE para o direito nacional, é o único sistema de referência válido.

 

Mancini

O'Higgins

Diez de Velasco

Kakouris

Kapteyn

Proferido em audiencia pública no Luxemburgo, em 7 de Fevereiro de 1991.

O secretário

J.-G. Giraud

O presidente da Sexta Secção

G. F. Mancini


( *1 ) Língua do processo: alemão.

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