This document is an excerpt from the EUR-Lex website
Document 61988CJ0297
Judgment of the Court of 18 October 1990. # Massam Dzodzi v Belgian State. # References for a preliminary ruling: Tribunal de première instance de Bruxelles and Cour d'appel de Bruxelles - Belgium. # Preliminary rulings - Jurisdiction of the Court - Reference in national legislation to provisions of Community law - Right of residence - Right to remain - Directive 64/221/EEC. # Joined cases C-297/88 and C-197/89.
Acórdão do Tribunal de 18 de Outubro de 1990.
Massam Dzodzi contra Estado Belga.
Pedidos de decisão prejudicial: Tribunal de première instance de Bruxelles e Cour d'appel de Bruxelles - Bélgica.
Questões prejudiciais - Competência do Tribunal de Justiça - Remissão de uma legislação nacional para disposições comunitárias - Direito de residência - Direito de permanência - Directiva 64/221/CEE.
Processos apensos C-297/88 e C-197/89.
Acórdão do Tribunal de 18 de Outubro de 1990.
Massam Dzodzi contra Estado Belga.
Pedidos de decisão prejudicial: Tribunal de première instance de Bruxelles e Cour d'appel de Bruxelles - Bélgica.
Questões prejudiciais - Competência do Tribunal de Justiça - Remissão de uma legislação nacional para disposições comunitárias - Direito de residência - Direito de permanência - Directiva 64/221/CEE.
Processos apensos C-297/88 e C-197/89.
Colectânea de Jurisprudência 1990 I-03763
ECLI identifier: ECLI:EU:C:1990:360
apresentado nos processos apensos C-297/88 e C-197/89 ( *1 )
I — Enquadramento legislativo
A — As disposições comunitárias
1. |
O direito de estada no território de um Estado-membro do cônjuge de um trabalhador na acepção do artigo 48.o do Tratado é disciplinado:
|
2. |
Após a cessação da actividade do trabalhador, o Regulamento (CEE) n.o 1251/70 da Comissão, de 29 de Junho de 1970, relativo ao direito dos trabalhadores permanecerem no território de um Estado-membro depois de nele terem exercido uma actividade laboral (JO L 142, p. 24), reconheceu a este último o direito de permanecer no território do Estado-membro no qual exerceu a sua actividade. Este direito de permanência é extensivo aos familiares dos trabalhadores nas condições previstas do artigo 3.o do regulamento que dispõe nomeadamente : «Os familiares do trabalhador, referidos no artigo 1.o do presente regulamento, que residam com ele no território de um Estado-membro, têm o direito de aí permanecer a título definitivo, se o trabalhador tiver adquirido o direito de permanência no território desse Estado, nos termos do artigo 2.o, e isto mesmo após a sua morte.» |
3. |
A mesma distinção entre o direito de estada e o direito de permanência aplica-se aos cônjuges dos nacionais de um Estado-membro que exerçam ou tenham exercido uma actividade profissional não assalariada no território de outro Estado-membro. O direito de estada está previsto no artigo 1.o da Directiva 73/148/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1973, relativa à supressão das restrições à deslocação e à permanência dos nacionais dos Estados-membros na Comunidade, em matéria de estabelecimento e de prestação de serviços (JO L 172, p. 14). O direito de permanência é disciplinado em termos idênticos aos das disposições aplicáveis aos cônjuges dos trabalhadores pelo artigo 3.o da Directiva 75/34/CEE do Conselho, de 17 de Dezembro de 1974, relativa ao direito de os nacionais de um Estado-membro permanecerem no território de outro Estado-membro depois de nele terem exercido uma actividade não assalariada (JO 1975, L 14, p. 10). |
4. |
As condições em que os cidadãos comunitários e os seus familiares podem obter uma autorização de residência ou, sendo caso disso, contestar uma recusa de autorização de residência ou uma medida de expulsão são objecto da Directiva 64/221/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1964, para a coordenação de medidas especiais relativas aos estrangeiros em matéria de deslocação e estada justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública (JO 1964, n.o 56, p. 850). Esta directiva dispõe nomeadamente nos seus artigos 8.o e 9.o: «Artigo 8.o O interessado deve poder recorrer da decisão que recuse a entrada, a emissão ou a renovação da autorização de residência, bem como da decisão de expulsão do território, utilizando, para o efeito, os recursos facultados aos nacionais para impugnação dos actos administrativos. Artigo 9.o 1. Não sendo possível interpor recurso para órgãos jurisdicionais, ou se este recurso apenas permite conhecer da legalidade da decisão, ou quando não tem efeito suspensivo, a decisão da autoridade administrativa que recuse a renovação da autorização de residência ou que determine a expulsão do titular de uma autorização de residência, salvo por motivo de urgência, só será proferida após a obtenção do parecer prévio de uma autoridade competente do país de acolhimento, perante o qual o interessado deve poder deduzir os seus meios de defesa e fazer-se assistir ou representar nos termos previstos na legislação nacional. Esta autoridade deve ser diferente da que for competente para proferir a decisão de recusa de renovação da autorização de residência ou de expulsão. 2. As decisões de recusa de emissão da primeira autorização de residência, bem como as decisões de expulsão proferidas antes da emissão da referida autorização, serão submetidas, a pedido do interessado, à apreciação da autoridade competente para emitir o parecer prévio previsto no n. c 1. O interessado será, então, autorizado a apresentar pessoalmente os seus meios de defesa, salvo quando a isso se oponham os interesses da segurança nacional.» |
B — As disposições nacionais
1. |
O artigo 40.o da lei belga de 15 de Dezembro de 1980 sobre o acesso ao território, a permanência, o estabelecimento e a expulsão de estrangeiros (Moniteur belge de 31.12.1980, p. 14584) equipara os cônjuges estrangeiros de um nacional belga, qualquer que seja a sua nacionalidade, a um «estrangeiro da Comunidade Europeia». O artigo 42.o desta lei dispõe: «É reconhecido aos estrangeiros da Comunidade Europeia o direito de permanência nas condições e pela duração determinadas na lei, em conformidade com os regulamentos e directivas das Comunidades Europeias. O direito de permanência prova-se através de uma autorização emitida nos casos e segundo as modalidades determinadas pelo rei, em conformidade com os referidos regulamentos e directivas. A decisão relativa à emissão da autorização de permanência é tomada nos mais curtos prazos e, o mais tardar, nos seis meses seguintes ao pedido.» |
2. |
No que respeita às vias de recurso contra as recusas de autorização de permanência e as medidas de expulsão, a lei de 15 de Dezembro de 1980 distingue:
Na redacção dada pela lei de 15 de Julho de 1987(Moniteur belge de 18.7.1987, p. 11111), o artigo 63.o da lei de 15 de Dezembro de 1980 excluiu expressamente, relativamente a certas decisões respeitantes aos estrangeiros, a aplicação do artigo 584.o do Código Judiciário que conferia ao juiz das medidas provisórias o poder de ordenar a suspensão de uma decisão administrativa. As medidas tomadas relativamente a cidadãos comunitários não figuram no número das decisões referidas por essa exclusão. |
II — Factos e tramitação processual
1. |
Massam Dzodzi tem nacionalidade togolesa. Entrada na Bélgica no início do ano de 1987, casou em 14 de Fevereiro de 1987 com Julien Herman, de nacionalidade belga. Na semana seguinte ao casamento, Massam Dzodzi apresentou um «pedido de estabelecimento reservado aos beneficiários dos regulamentos e directivas comunitárias». A administração belga não decidiu sobre o pedido em virtude da partida dos dois cônjuges para o Togo. No decurso da sua permanência neste país, que durou desde o mês de Abril ao mês de Julho de 1987, Julien Herman contraiu uma grave doença. De regresso à Bélgica, morreu em fins de Julho de 1987. |
2. |
Massam Dzodzi, que tinha acompanhado o seu marido para a Bélgica, partiu de novo para o Togo, de onde apresentou um pedido de permanência prolongada no território belga, a fim de poder tratar das formalidades da sucessão. Este pedido invocava o artigo 40.o da lei de 15 de Dezembro de 1980, atrás citada, que equipara o cônjuge de um cidadão belga a um cidadão de um país membro da Comunidade Económica Europeia. Ainda antes de a administração belga ter decidido sobre este pedido, Massam Dzodzi regressou à Bélgica. O serviço de estrangeiros, por decisão de 11 dé Fevereiro de 1988, indeferiu um pedido de regularização da permanência apresentado por Massam Dzodzi, considerando que os motivos invocados para este pedido não podiam ser considerados excepcionais, e indicou que seriam dadas instruções à administração comunal com vista à emissão de uma «declaração de chegada» válida por três meses. |
3. |
Massam Dzodzi apresentou um pedido de revisão desta decisão, sublinhando a equiparação a um cidadão da Comunidade Económica Europeia da qual devia beneficiar; este pedido foi indeferido, por inadmissível, por duas decisões de 25 de Março e 12 de Abril de 1988 da administração belga. A decisão de 25 de Março de 1988 continha a ordem de abandonar o território belga. |
4. |
Foi apresentado um pedido de medidas provisórias ao Tribunal de Primeira Instância de Bruxelas. O presidente deste órgão jurisdicional proferiu, em 5 de Outubro de 1988, um despacho decidindo a suspensão da instância para colocar ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes: «A — Quanto ao direito de estada Uma pessoa não comunitária casou com um nacional belga, que faleceu cerca de seis meses após o casamento. As condições de concessão do direito de estada de um nacional não comunitário, cônjuge de um belga, devem ser apreciadas no momento da entrada no reino, no momento da apresentação do pedido de estada ou no momento da tomada da decisão num prazo razoável? Este eventual direito de estada terá ficado comprometido pelo facto de os cônjuges se terem ausentado do país durante um período superior a três meses mas inferior a seis meses, antes da emissão da autorização de residência, sem terem previamente informado as autoridades administrativas da eventual intenção de regressar posteriormente à Bélgica? Em caso negativo, a morte do cônjuge posteriormente ao regresso à Bélgica pode ter comprometido este direito? B — Quanto ao direito de permanência Nas condições de facto atrás descritas, a viúva pode reivindicar um direito de residência na Bélgica com base no Regulamento n.o 1251/70? C — Questão subsidiária O artigo 40.o da lei belga de 15 de Dezembro de 1980 equipara o cônjuge de um nacional belga aos cidadãos comunitários. Se se devesse responder negativamente às duas questões precedentes, unicamente com base na nacionalidade belga do falecido, poderia a interessada reivindicar um direito de estada ou um direito de residência se o seu falecido cônjuge fosse nacional de outro Estado-membro da Comunidade?» |
5. |
Massam Dzodzi interpôs recurso deste despacho. |
6. |
Por despacho de 16 de Maio de 1989, a cour d'appel de Bruxelas, dando razão às conclusões de Massam Dzodzi, decidiu:
Estas questões são as seguintes:
|
7. |
Em conformidade com o artigo 20.o do Protocolo relativo ao Estatuto do Tribunal de Justiça, foram apresentadas observações escritas nestes dois processos pela Comissão das Comunidades Europeias, representada por Etienne Lasnet, consultor jurídico, na qualidade de agente, pelo Governo belga, representado, no processo C-297/88, pelo vice-primeiro-ministro, ministro da Justiça e das Classes Médias, e, no processo C-197/89, pelo primeiro-ministro, ministro da Justiça e das Classes Médias, assistido pela advogada Martine Scarcez, do foro de Bruxelas, e por Massam Dzodzi, representada por Lue Misson e Jean-Paul Brilmaker, advogados do foro de Liège. |
8. |
Por despacho de 21 de Fevereiro de 1990, o Tribunal de Justiça ordenou a apensação dos dois processos para efeitos da fase oral do processo e elaboração do acórdão. |
9. |
Com base no relatório preliminar do juiz relator e ouvido o advogado-geral, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução. |
III — Observações escritas apresentadas ao Tribunal
Sobre as questões colocadas pelo Tribunal de Primeira Instância de Bruxehs
A — Sobre a competência do Tribunal de Justiça
1. |
A título principal, o Governo belga invoca a incompetência do Tribunal de Justiça para conhecer das questões prejudiciais que lhe são colocadas. Sustenta que o direito à permanência no território belga do cônjuge estrangeiro de um nacional belga é exclusivamente regido pelas disposições de direito interno da lei de 15 de Dezembro de 1980, atrás citada. O direito comunitário não é, por consequência, directamente aplicável, tal como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdão de 28 de Março de 1979, Saunders, 175/78, Recueil, p. 1129), segundo a qual as disposições do Tratado respeitantes à livre circulação de trabalhadores não podem ser aplicadas a situações puramente internas. |
2. |
Sobre este ponto, a Comissão argumenta que a equiparação efectuada pelo artigo 40.o da lei de 15 de Dezembro de 1980 dos cônjuges dos cidadãos belgas aos cidadãos dos países membros da Comunidade Económica Europeia é própria do direito belga. Não está em causa o exercício de uma actividade económica por um cidadão comunitário noutro país da Comunidade; o princípio da livre circulação de pessoas reconhecido pelo Tratado não é, portanto, directamente aplicável no caso em análise. |
3. |
Massam Dzodzi defende a competência do Tribunal de Justiça para conhecer das questões colocadas, invocando os argumentos seguintes:
|
B — Sobre a púméira questão rehtiva ao direito de permanência
1. |
O Governo belga baseia-se nas disposições dos artigos 19.o e 40.o da lei de 15 de Dezembro de 1980, atrás citada, e no artigo 39.o do decreto real de 8 de Outubro de 1981 para propor as respostas seguintes:
|
2. |
A Comissão argumenta que um cidadão de um Estado-membro da Comunidade Económica Europeia, que não exerceu em vida o direito à livre circulação na Comunidade, não está abrangido pelo âmbito de aplicação do direito comunitário designadamente dos artigos 48.o, 52.o e 59.o do Tratado (acórdão de 27 de Outubro de 1982, 35/82 e 36/82, atrás citado). Daqui resulta que o seu cônjuge, ainda que equiparado pelo direito belga a um cidadão comunitário, não pode invocar, nos termos das disposições comunitárias, o direito à permanência na Bélgica. |
3. |
Massam Dzodzi, tendo em conta, designadamente, a questão prejudicial colocada pelo tribunal nacional a título subsidiário, propõe a reformulação da questão da forma seguinte: «Uma cidadã não comunitária casou na Bélgica com um cidadão comunitário que aí beneficiava do direito de residência, o qual morreu cerca de seis meses depois do casamento. As condições de concessão do direito de residência da primeira devem ser apreciadas no momento da entrada no reino, no momento da apresentação do pedido de residência ou no momento da tomada de decisão num prazo razoável? O eventual direito terá ficado comprometido pelo facto de os cônjuges se terem ausentado do país durante mais de três meses e menos de seis meses, antes da emissão da autorização de residência e sem que os cônjuges tenham previamente informado as autoridades administrativas da eventual intenção de regressar ulteriormente à Bélgica? Por morte do seu cônjuge, a cidadã não comunitária, na hipótese de que pudesse reivindicar em vida do seu marido, beneficiário do direito de residência, não um direito de residência mas um simples direito de estada, adquire um direito de estada próprio e em que condições?» A questão assim formulada, Massam Dzodzi propõe as respostas seguintes: |
a) Sobre a data com referência à qual deve ser apreciado o direito de estada
O direito de estada nasce por aplicação dos princípios que dimanam da jurisprudência do Tribunal (acórdão de 8 de Abril de 1976, Royer, 48/75, Recueil, p. 497), desde que as condições impostas pelo Tratado estejam preenchidas.
No âmbito do processo de emissão da autorização de residência, o direito de estada do cônjuge não pode ser apreciado no momento da passagem na fronteira, o que teria por efeito privá-lo deste direito quando o casamento com o trabalhador é posterior a esta passagem. Não pode igualmente ser apreciado no momento do pedido da autorização. Em tal caso, a autorização deveria ser emitida mesmo se o vínculo conjugal tivesse sido ulteriormente dissolvido, o que seria contrário à solução adoptada pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 13 de Fevereiro de 1985, Aissatou Diatta (267/83, Recueil, p. 567). O direito de estada deveria por isso ser apreciado com referência à data da decisão que decide sobre o pedido de autorização de residência, desde que esta ocorra num prazo razoável. Este prazo não pode exceder seis meses, em conformidade com o artigo 5.o da Directiva 64/221 do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1964, atrás citada.
b) Sobre os efeitos da ausência prolongada do território belga
Massam Dzodzi invoca, em primeiro lugar, as disposições do n.o 2 do artigo 6.o da Directiva 68/360 do Conselho, atrás citada, e do n.o 1 do terceiro parágrafo do artigo 4.o da Direttiva 73/148 do Conselho, de 21 de Maio de 1973, atrás citada, nos termos das quais as interrupções de estada que não ultrapassem seis meses consecutivos não afectam a validade da autorização de residência. O direito de estada não pode, por consequência, ser afectado quando o título de residência não é afectado.
Em segundo lugar, o direito de estada do cônjuge deriva do direito de residência de que beneficia o trabalhador. Ora, tal como resulta do artigo 5.o do Regulamento n.o 1251/70 da Comissão, de 29 de Junho de 1970, atrás citado, o direito de residência, uma vez adquirido, não é de forma alguma afectado por eventuais interrupções de estada no território de um Estado-membro.
Finalmente, quando a ausência se situa, como é o caso do litígio no processo principal, no momento em que a autorização de residência ainda não foi emitida, deve ser admitido, por analogia com as regras relativas ao prazo de validade da autorização de residência, que o pedido de autorização não tem que ser renovado se a ausência for inferior a seis meses. A circunstância de as autoridades do Estado-membro de acolhimento não terem sido informadas de tal ausência é desprovida de qualquer consequência jurídica.
c) Sobre as consequências da morte do cônjuge
Massam Dzodzi propõe que sejam aplicados o artigo 3.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1251/70 da Comissão, de 29 de Junho de 1970, atrás citado, e o artigo 3.o da Direttiva 75/34 do Conselho, de 17 de Dezembro de 1974, atrás citada, precisando-se que a condição de duração da residência instituída por estas disposições apenas diz respeito ao trabalhador e não ao seu cônjuge.
A aplicação destas disposições deve conduzir a reconhecer ao cônjuge, no caso referido pela questão, do direito de permanência de que é titular.
C — Sobre a segunda questão rektiva ao direito de permanência com fundamento no Regulamento n.o 1251/70 da Comissão, de 29 de Junho de 1970
1. |
O Governo belga sustenta a título principal que as disposições do regulamento comunitário não são directamente aplicáveis a uma situação meramente interna. A título subsidiário, o Governo belga argumenta que Massam Dzodzi não preenche, em todo o caso, as condições fixadas pelo regulamento comunitário para requerer o benefício do direito de residência. Os termos«mesmo depois da morte» utilizados pelo artigo 3.o do referido regulamento significam que esse direito só existe se tiver sido reconhecido antes da morte do trabalhador, o que não aconteceu no caso em análise. |
2. |
A Comissão sustenta que as disposições do Regulamento n.o 1251/70 da Comissão, de 29 de Junho de 1970, atrás citado, não são directamente aplicáveis a Massam Dzodzi porque não está em causa a liberdade de circulação dos trabalhadores na Comunidade. |
3. |
Massam Dzodzi invoca o benefício do regulamento comunitário. A situação referida pela jurisdição nacional corresponde, com efeito, em todos os pontos à letra do n.o 1 do artigo 3.o do Regulamento n.o 1251/70 da Comissão, de 29 de Junho de 1970, e da Directiva 75/34 do Conselho, de 17 de Dezembro de 1974, atrás citados. Sobre este ponto, Massam Dzodzi sublinha que:
|
D — Sobre a terceira questão, relativa ao direito de estada ou de permanência do cônjuge de um nacional de outro Estado-membro
1. |
Massam Dzodzi, que integrou esta última questão na formulação das duas questões precedentes, considera que esta ficou sem objecto. |
2. |
O Governo belga sustenta que, mesmo admitindo que as disposições comunitárias sejam aplicáveis, não estariam, em todo o caso, reunidas as condições para que Massam Dzodzi possa requerer o benefício do direito de estada ou de permanência. |
3. |
A Comissão propõe que se responda que, no caso referido por esta última questão, o Regulamento n.o 1251/70 da Comissão e a Directiva 75/34 do Conselho podem ser aplicáveis e podem justificar o reconhecimento do direito de permanência se as condições impostas por estes textos estiverem preenchidas. |
Sobre as questões colocadas pela cour d'appel
A título principal, o Governo belga e a Comissão retomam a sua argumentação no sentido de se decidir que o processo principal se refere a uma situação meramente interna.
O Governo belga sustenta que o Tribunal deve, por consequência, declarar-se incompetente.
A Comissão considera que o direito comunitário não é aplicável.
Só a título subsidiario apresentam observações sobre o mérito das questões prejudiciais suscitadas.
1) Sobre a primeira questão
O Governo belga sustenta que a Directiva 64/221 do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1964, atrás citada, autoriza os Estados-membros a instituir, para os cidadãos comunitários, vias de recurso específicas diferentes das que são facultadas aos nacionais noutros domínios do direito administrativo.
Assim, o artigo 44.o da lei de 15 de Dezembro de 1980 reconheceu aos nacionais comunitários ou equiparados a possibilidade de interpor um recurso especial de revisão contra as decisões de recusa de emissão da autorização de residência ou de expulsão.
Este processo oferece garantias idênticas às dos recursos facultados aos nacionais, visto que durante a instrução do pedido de revisão nenhuma medida de expulsão do território pode ser executada.
O Governo belga argumenta, além disso, que o n.o 2 do artigo 63.o da lei de 15 de Dezembro de 1980, introduzido pela lei de 14 de Julho de 1987, que suprime a possibilidade de recurso ao processo de medidas provisórias relativamente às impugnações referentes à estada de estrangeiros em território belga, não visa os nacionais comunitários ou equiparados.
A Comissão refere-se à jurisprudência do Tribunal de Justiça e mais particularmente ao acórdão de 5 de Março de 1980, Josette Pecastaing (98/79, Recueil, p. 691), para sustentar que o artigo 8.o da Directiva 64/221 do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1964, impõe aos Estados-membros a obrigação de assegurar às pessoas referidas pela directiva uma protecção judiciária que não seja menos favorável do que a que concedem aos seus próprios cidadãos em caso de recurso contra os actos da administração. Esta obrigação implica que os cidadãos comunitários possam beneficiar dos recursos com efeito suspensivo facultados aos nacionais.
Massam Dzodzi argumenta que o artigo 8.o da directiva aplica o princípio da não discriminação estabelecido pelo artigo 7.o do Tratado.
A recorrente no processo principal sustenta que o direito belga é discriminatório se ignorar as prescrições desta directiva.
Nos termos do artigo 584.o do Código Judiciário, os cidadãos belgas podem obter do presidente do Tribunal de Primeira Instância, em processo de medidas provisórias, uma decisão provisória quando um acto aparentemente ilegal da administração atenta contra os seus direitos subjectivos e há urgência em o impedir.
A lei belga de 14 de Julho de 1987, que altera a lei de 15 de Dezembro de 1980, tem por efeito suprimir, relativamente aos cidadãos comunitários cujo direito de permanência seja contestado, qualquer possibilidade de recorrer a esta via processual para impugnar uma recusa de autorização de residência ou uma medida de expulsão.
Massam Dzodzi propõe que o Tribunal de Justiça responda à primeira questão nos termos seguintes:
«O artigo 8.o da Directiva 64/221 do Conselho das Comunidades Europeias opõe-se a que uma lei de um Estado-membro prive o beneficiário de um direito de estada conferido por qualquer disposição do direito comunitário que preveja tal direito, da possibilidade de se dirigir a um órgão jurisdicional em processo de medidas provisórias quando uma medida administrativa prevista no artigo 8.o da directiva seja adoptada contra ele e quando os cidadãos deste Estado dispõem deste meio de recurso contra os actos administrativos. »
2) Sobre a segunda questão
O Governo belga sustenta, em primeiro lugar, que o artigo 9.o da Directiva 64/221 não pode ser interpretado no sentido de que permite aos cidadãos comunitários ou equiparados pedir a intervenção urgente de um órgão jurisdicional nacional para decidir sobre as impugnações que se refiram ao direito de estada:
— |
por um lado, o caso de um direito nacional não conter qualquer possibilidade de interpor um recurso jurisdicional está expressamente previsto por esta disposição; |
— |
por outro lado, o parecer prévio à decisão de expulsão dado pela «autoridade competente do país de acolhimento», exigido por esta disposição, não pode ser equiparado a uma decisão jurisdicional. |
Em segundo lugar, o Governo belga argumenta que a legislação belga respeita as prescrições da directiva, visto que o artigo 45.o da lei de 15 de Dezembro de 1980 prevê o aviso prévio da Comissão Consultiva dos Estrangeiros para toda e qualquer decisão de recusa de renovação de uma autorização de residência e para toda e qualquer decisão de expulsão do território.
A Comissão considera que o artigo 9.o da directiva deve ser interpretado como instituindo um processo mínimo destinado a remediar as insuficiências eventuais dos recursos facultados aos nacionais comunitários pelo direito nacional. Este processo aplica-se, nomeadamente, quando o recurso jurisdicional previsto pelo direito nacional apenas se refere à legalidade da decisão.
A jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdão de 18 de Maio de 1982, Adoui e Cornuaille, 115/81 e 116/81, Recueil, p. 1665) esclareceu o processo organizado por esta disposição e particularmente a natureza da autoridade competente do Estado de acolhimento, que pode ser um órgão jurisdicional ou qualquer outra autoridade independente, e bem assim o processo segundo o qual o parecer deve ser dado. Este processo deve permitir ao interessado apresentar as suas observações perante esta autoridade em condições equivalentes às proporcionadas noutras instâncias nacionais do mesmo tipo.
Massam Dzodzi propõe que a segunda questão seja reformulada e que se considere que a mesma se refere simultaneamente aos artigos 8.o e 9.o da directiva.
Estas disposições devem ser interpretadas tendo em vista o princípio da efectividade do direito que dimana da jurisprudência do Tribunal (acórdão de 28 de Outubro de 1975, Rutili, 36/75, Recueil, p. 1219, 1232; acórdão de 8 de Abril de 1976, 48/75, atrás citado), bem como o princípio do primado do direito.
Este último princípio teria sido adoptado pelo artigo 6.o da convenção europeia para a protecção dos direitos do homem e das liberdades fundamentais, de 4 de Novembro de 1950, pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (nomeadamente no seu acórdão Golder, de 24 de Fevereiro de 1975), bem como pelo n.o 1 do artigo 14.o do pacto internacional sobre os direitos civis e políticos, de 19 de Dezembro de 1966(Recueil des traités des Nations unies, vol. 999, p. 171). Este princípio implica que qualquer contestação relativa a um direito ou a uma obrigação de natureza civil deve poder ser apresentada perante um órgão jurisdicional em condições adequadas que permitam assegurar a protecção desse direito.
Segundo Massam Dzodzi, a aplicação destes princípios deve conduzir o Tribunal a responder afirmativamente à questão prejudicial colocada.
F. Grévisse
Juiz relator
( *1 ) Língua do processo: francés.
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
18 de Outubro de 1990 ( *1 )
Nos processos apensos C-297/88 e C-197/89,
que tem por objecto pedidos dirigidos ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, por um lado, pelo tribunal de première instance de Bruxelles, e, por outro lado, pela cour d'appel de Bruxelles, destinados a obter, no processo pendente nestes órgãos jurisdicionais entre
Massam Dzodzi
e
Estado belga,
uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação:
— |
no processo C-297/88, de algumas disposições comunitárias sobre o direito de permanência e de residência dos cônjuges dos nacionais da Comunidade Económica Europeia, e mais particularmente do Regulamento (CEE) n.o 1251/70 da Comissão, de 29 de Junho de 1970, relativo ao direito dos trabalhadores permanecerem no território de um Estado-membro depois de nele terem exercido uma actividade laboral (JO L 142, p. 24); |
— |
no processo C-197/89, dos artigos 8.o e 9.o da Directiva 64/221/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1964, para a coordenação de medidas especiais relativas aos estrangeiros em matéria de deslocação e estada justificadas por razões de ordem pública, de segurança pública e saúde pública (JO 1964, n.o 56, p. 850), |
O TRIBUNAL,
constituído pelos Srs. O. Due, presidente, G. F. Mancini, T. F. O'Higgins, J. C. Moitinho de Almeida, G. C. Rodríguez Iglesias, presidentes de secção, F. A. Schockweiler e F. Grévisse, juízes,
advogado-geral : M. Darmon
secretário: D. Louterman, administradora principal
vistas as observações escritas apresentadas:
— |
por Massam Dzodzi, representada pelos advogados Luc Misson e Jean-Paul Brilmaker, do foro de Liège, |
— |
pelo Governo belga, representado no processo C-297/88 pelo vice-primeiro--ministro, ministro da Justiça e das Classes Médias, e no processo C-197/89 pelo primeiro-ministro, ministro da Justiça e das Classes Médias, assistido pela advogada Martine Scarcez, do foro de Bruxelas, |
— |
pela Comissão das Comunidades Europeias, representada por Etienne Lasnet, consultor jurídico, na qualidade de agente, |
visto o relatório para audiência,
ouvidas as alegações de Massam Dzodzi, representada pelos advogados Luc Misson, Marc-Albert Lucas e Jean-Louis Dupond, do foro de Liège, e da Comissão na audiência de 22 de Maio de 1990,
ouvidas as conclusões do advogado-geral na audiência de 3 de Julho de 1990,
profere o presente
Acórdão
1 |
Por despacho de 5 de Outubro de 1988, que deu entrada no Tribunal de Justiça a 12 do mesmo mês, o tribunal de première instance de Bruxelles, decidindo em processo de medidas provisórias, suscitou, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, três questões prejudiciais, relativas, por um lado, ao direito de estada no território dum Estado-membro do cônjuge de um nacional desse Estado e, por outro lado, ao direito de residência deste cônjuge nas condições previstas pelo Regulamento (CEE) n.o 1251/70 da Comissão, de 29 de Junho de 1970, relativo ao direito de os trabalhadores permanecerem no território de um Estado-membro depois de nele terem exercido uma actividade laboral (JO L 142, p. 24), e, finalmente, ao direito de estada e de residência no território de um Estado-membro do cônjuge de um nacional de outro Estado-membro. |
2 |
Por despacho de 16 de Maio de 1989, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 22 de Maio de 1989, a cour d'appel de Bruxelles, decidindo no recurso interposto contra o despacho atrás mencionado do tribunal de première instance, suscitou, nos termos do artigo 177.o do Tratado CEE, duas questões prejudiciais complementares relativas aos artigos 8.o e 9.o da Directiva 64/221/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1964, para a coordenação de medidas especiais relativas aos estrangeiros em matéria de deslocação e estada justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública (JO 1964, n.o56, p. 850), e, mais especialmente, às condições em que as pessoas referidas pela directiva podem impugnar perante os órgãos jurisdicionais nacionais uma recusa de autorização de residência ou uma medida de expulsão do território de um Estado-membro. |
3 |
Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio que opõe a demandante no processo principal, Massam Dzodzi, de nacionalidade togolesa, viúva de Julien Herman, de nacionalidade belga, ao Estado belga, que lhe recusou o direito de estada ou de residência no seu território. |
4 |
Nos termos do artigo 40.o da lei belga de 15 de Dezembro de 1980 sobre o acesso ao território, a estada, o estabelecimento e a expulsão de estrangeiros (Moniteur belge de 31.12.1980, p. 14584): «Salvo disposições contrárias da presente lei, são equiparados ao estrangeiro CE, qualquer que seja a sua nacionalidade, as pessoas a seguir mencionadas: 1.o o seu cônjuge; ... São igualmente assimilados o cônjuge de um belga...». |
5 |
M. Dzodzi entrou na Bélgica no inicio do ano de 1987 e casou, em 14 de Fevereiro do mesmo ano, com Julien Herman. Na qualidade de cônjuge de um nacional belga, pediu em seguida à administração o direito de residência no território, direito reconhecido, segundo ela, pelas directivas e regulamentos comunitários. Este pedido não obteve resposta. Os dois cônjuges partiram para o Togo e permaneceram nesse país desde Abril a Julho de 1987, sem informar desse facto a administração belga. J. Herman morreu em 28 de Julho de 1987, pouco tempo após o seu regresso à Bélgica. Os pedidos posteriores para emissão de um documento autorizando a permanência prolongada na Bélgica apresentados por M. Dzodzi foram indeferidos. |
6 |
Tendo recebido ordens parą abandonar o território belga, M. Dzodzi apresentou no tribunal de première instance de Bruxelles um pedido de medidas provisórias para que este órgão jurisdicional suspendesse a execução dessa decisão e ordenasse ao Estado belga, sob cominação de sanções pecuniárias compulsórias, que emitisse uma autorização de residência válida por um período de cinco anos para a recorrente. |
7 |
Foi nestas condições que o tribunal de première instance de Bruxelles decidiu suspender a instância até que o Tribunal de Justiça se pronuncie a título prejudicial sobre as questões seguintes: «A — Quanto ao direito de estada Uma pessoa não comunitária casou com um nacional belga, que faleceu cerca de seis meses após o casamento. As condições de concessão do direito de estada de um nacional não comunitário, cônjuge de um belga, devem ser apreciadas no momento da entrada no reino, no momento da apresentação do pedido de estada ou no momento da tomada da decisão num prazo razoável? Este eventual direito de estada terá ficado comprometido pelo facto de os cônjuges se terem ausentado do país durante um período superior a três meses mas inferior a seis meses, antes da emissão da autorização de residência, sem terem previamente informado as autoridades administrativas da eventual intenção de regressar posteriormente à Bélgica? Em caso negativo, a morte do cônjuge posteriormente ao regresso à Bélgica pode ter comprometido este direito? B — Quanto ao direito de residência Nas condições de facto atrás descritas, a viúva pode reivindicar um direito de residência na Bélgica com base no Regulamento n.o 1251/70? C — Questão subsidiária O artigo 40.o da lei belga de 15 de Dezembro de 1980 equipara o cônjuge de um nacional belga aos cidadãos comunitários. Se se devesse responder negativamente às duas questões precedentes, unicamente com base na nacionalidade belga do falecido, poderia a interessada reivindicar um direito de estada ou um direito de residência se o seu falecido cônjuge fosse nacional de outro Estado-membro da Comunidade?» |
8 |
M. Dzodzi interpôs recurso deste despacho em virtude de o juiz competente para decretar as medidas provisórias não ter decidido previamente sobre a admissibilidade do pedido que lhe tinha sido apresentado e se ter recusado a ordenar medidas provisórias de molde a salvaguardar os direitos da recorrente. |
9 |
Por despacho de 16 de Maio de 1989, a cour d'appel de Bruxelles ordenou ao Estado belga que emitisse um título de estada provisória a favor de M. Dzodzi válido até ao fim do processo de medidas provisórias e colocou ao Tribunal de Justiça as questões complementares seguintes:
|
10 |
Para mais ampla exposição dos factos do litígio no processo principal, da legislação aplicável e das observações escritas apresentadas ao Tribunal, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos do processo apenas serão adiante retomados na medida do necessário para fundamentação da decisão do Tribunal. |
Quanto ao objecto das questões suscitadas
11 |
As questões suscitadas pelo tribunal de première instance de Bruxelles visam, em substância, saber se, e em que condições, as disposições comunitárias reconhecem um direito de estada ou um direito de residência no território de um Estado-membro ao nacional de um país terceiro apenas na sua qualidade de cônjuge de um nacional comunitário. Referindo-se o órgão jurisdicional nacional expressamente ao Regulamento n.o 1251/70, de 29 de Junho e 1970, atrás citado, aplicável aos trabalhadores e aos membros da sua família, deve considerar-se, na falta de outras indicações no processo, que o reenvio visa a situação do cônjuge de um nacional comunitário que tem ou teve a qualidade de trabalhador. |
12 |
As duas primeiras questões referem-se ao caso de o nacional comunitário ter, antes da sua morte, como acontece no caso do processo principal, a nacionalidade do Estado-membro ao qual o seu cônjuge pede o reconhecimento do direito de estada ou do direito de residência. |
13 |
A terceira questão é colocada a título subsidiário, para a hipótese de o Tribunal considerar que as disposições comunitárias não são aplicáveis no caso precedente por a nacionalidade do nacional comunitário ser a do Estado no qual a viúva deseja permanecer e residir. Esta terceira questão visa uma situação em que este nacional tinha, antes da sua morte, a nacionalidade de outro Estado-membro. Para justificar a utilidade desta questão e o seu interesse para a solução do litígio, o órgão jurisdicional nacional refere-se ao artigo 40.o da lei belga, atrás citada, de 15 de Dezembro de 1980. Resulta dos termos da questão colocada que o juiz nacional se baseia numa interpretação do artigo 40.o segundo a qual, através desta disposição do direito nacional belga, cujo objecto é, segundo os trabalhos preparatórios da lei, evitar uma «discriminação ao invés» dos cônjuges estrangeiros dos nacionais belgas, o legislador nacional quis estender a estes cônjuges o benefício das regras comunitárias aplicáveis aos cônjuges e nacionais de outros Estados-membros que residam no território do Reino da Bélgica. |
14 |
As questões colocadas pela cour d'appel de Bruxelles pretendem que o Tribunal esclareça a interpretação que se deve dar aos artigos 8.o e 9.o da Directiva 64/221, de 25 de Fevereiro de 1964, atrás citada, acerca das vias de recurso que permitem impugnar a recusa de autorização de estada ou as medidas de expulsão do território tomadas pelas autoridades de um Estado-membro. Contudo, os fundamentos do despacho de reenvio mencionam também o artigo 40.o da lei belga de 15 de Dezembro de 1980. Por isso, deve considerar-se que a cour d'appel visa, na realidade, duas hipóteses: por um lado, uma hipótese em que o direito comunitário é directamente aplicável a uma situação da mesma natureza da que é objecto do litígio no processo principal e, por outro lado, uma segunda hipótese em que as normas comunitárias cuja interpretação é pedida só são aplicáveis por interpretação das disposições do artigo 40.o, atrás citado. |
15 |
Por isso, devem distinguir-se as questões colocadas pelos órgãos jurisdicionais nacionais, enquanto se referem apenas ao direito comunitário, das questões colocadas por estas mesmas jurisdições, quando se fundamentam no artigo 40.o, atrás citado, para justificar o seu pedido de interpretação do direito comunitário. Estes dois pontos serão analisados sucessivamente com base nos diplomas de direito comunitário aplicáveis à data dos factos do litígio no processo principal, sem se terem designadamente em conta as disposições posteriores da Directiva 90/364 do Conselho, de 28 de Junho de 1990, relativa ao direito de residência (JO L 180, p. 26), e da Directiva 90/365 do Conselho, de 28 de Junho de 1990, relativa ao direito de residência dos trabalhadores assalariados e não assalariados que cessaram a sua actividade profissional (JO L 180, p. 28). |
Quanto às questões relativas à interpretação do direito comunitário considerado directamente aplicável (primeira e segunda questões colocadas pelo tribunal de première instance de Bruxelles e questões colocadas pela cour d'appel de Bruxelles)
Quanto à competência do Tribunal
16 |
A Comissão e o Estado belga sustentam que a situação que deu origem ao litígio no processo principal é uma situação meramente interna, visto que o nacional comunitário cujo cônjuge pede o reconhecimento do direito de residência ou do direito de estada nunca trabalhou ou residiu no território de um Estado-membro que não fosse o seu país de origem. A Comissão pede, por isso, ao Tribunal que declare não serem as disposições comunitárias aplicáveis a essa situação. O Estado belga conclui daí que o Tribunal de Justiça é incompetente para decidir sobre as questões prejudiciais. |
17 |
Esta argumentação não é contestada por M. Dzodzi, cujas observações se referem exclusivamente às questões suscitadas em relação ao artigo 40.o, atrás citado. |
18 |
Deve observar-se que as circunstâncias invocadas pela Comissão e pelo Estado belga para justificar a existência de uma situação puramente interna relevam da análise quanto ao mérito das questões colocadas pelos órgãos jurisdicionais nacionais. Por consequência, se podem ser tomadas em consideração para responder a estas questões, não têm qualquer relevância quando se trata de apreciar a competência do Tribunal de Justiça para decidir sobre pedidos prejudiciais (acórdão de 28 de Junho de 1984, Hans Moser, n.o 10, 180/83, Recueil, p. 2539). |
19 |
As objecções suscitadas pelo Governo belga quanto à competência do Tribunal não podem, por isso, ser acolhidas. |
Quanto ao mèrito
20 |
A liberdade de circulação na Comunidade dos cônjuges dos trabalhadores comunitários é disciplinada pelas disposições do Regulamento (CEE) n.o 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2). |
21 |
No que respeita ao direito de estada destes cônjuges no território de um Estado-membro, o primeiro é regido pela Directiva 68/360/CEE do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativa à supressão das restrições à deslocação e permanência dos trabalhadores dos Estados-membros e suas famílias na Comunidade (JO L 257, p. 13) e o segundo pelo Regulamento n.o 1251/70, de 29 de Junho de 1970, atrás citado. |
22 |
Estes regulamentos e a directiva têm por objecto permitir e facilitar a realização dos objectivos do artigo 48.o do Tratado, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade. |
23 |
Ora, como o Tribunal já decidiu, as regulamentações comunitárias em matéria de livre circulação dos trabalhadores não se aplicam a situações que não têm qualquer conexão com alguma das situações previstas pelo direito comunitário (acórdão de 27 de Outubro de 1982, Morson e Jhanjan, n.o 16, 35/82 e 36/82, Recueil, p. 3723). |
24 |
E esse o caso, referido pelo órgão jurisdicional nacional, de um nacional de um país terceiro, cônjuge de um nacional de um Estado-membro, quando o direito de residência ou o direito de estada que invoca no território desse Estado, apenas na qualidade de cônjuge, não estão de forma nenhuma ligados ao exercício da liberdade de circulação no interior da Comunidade pelo nacional comunitário. |
25 |
As questões colocadas pela cour d'appel, na medida em que se referem apenas ao direito comunitário, exigem uma resposta semelhante. |
26 |
A Directiva 64/221, de 25 de Fevereiro de 1964, atrás citada, da qual a cour d'appel pede a interpretação dos artigos 8.o e 9.o, aplica-se, nas condições previstas pelo seu artigo 1.o, aos cônjuges dos nacionais comunitários quando estes cônjuges residem ou se deslocam para outro Estado-membro da Comunidade ou com vista ao exercício de uma actividade assalariada ou não assalariada ou na qualidade de destinatários de serviços. |
27 |
O caso refendo na cour d'appel näo tem qualquer conexão com as situações previstas pelo artigo 1.o da directiva. |
28 |
Por consequência, deve responder-se que o Regulamento n.o 1612/68, de 15 de Outubro de 1968, a Directiva 68/360, de 15 de Outubro de 1968, o Regulamento n.o 1251/70, de 29 de Junho de 1970, e a Directiva 64/221, de 25 de Fevereiro de 1964, não se aplicam a situações meramente internas de um Estado-membro, tais como a de um nacional de um país terceiro que, apenas na sua qualidade de cônjuge de um nacional de um Estado-membro, invoca o direito de residência ou o direito de permanência no território desse Estado-membro. |
Quanto às questões que se referem à interpretação do direito comunitário aplicável por força do artigo 40.o da lei belga de 15 de Dezembro de 1980 (terceira questão colocada pelo tribunal de première instance de Bruxelles e questões colocadas pela cour d'appel de Bruxelles)
Quanto d competência do Tribunal
29 |
O Estado Belga e a Comissão sustentam que apenas está em causa a aplicação do direito interno belga, argumentando a Comissão, designadamente, que uma disposição da natureza da contida no artigo 40.o, atrás citado, não tem efeito quanto à determinação do âmbito de aplicação do direito comunitário. O Estado belga pede que o Tribunal se declare incompetente para responder a estas questões. |
30 |
M. Dzodzi sustenta, pelo contrário, que o litígio no processo principal põe em causa, por força do artigo 40.o, atrás citado, disposições comunitárias. Compete ao Tribunal de Justiça decidir sobre as questões de interpretação colocadas a propósito desses litígios, sob pena de se desenvolverem jurisprudências do Tribunal e das jurisdições nacionais quanto à interpretação das disposições comunitárias em sentido divergente. |
31 |
Em conformidade com o artigo 177.o do Tratado, o Tribunal é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a interpretação deste Tratado e dos actos praticados pelas instituições da Comunidade. |
32 |
O segundo e terceiro parágrafos deste artigo prevêem que, quando for suscitada uma questão de interpretação de uma disposição de direito comunitário perante uma jurisdição de um dos Estados-membros, esta jurisdição pode ou, no caso de se tratar de um órgão jurisdicional de última instância, deve recorrer ao Tribunal de Justiça se considerar que se torna necessária uma resposta sobre essa questão para poder proferir a sua decisão. |
33 |
O processo previsto no artigo 177.o do Tratado CEE é, por isso, um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito comunitário necessários para a solução dos litígios que lhes são submetidos. |
34 |
Decorre daí que compete apenas aos órgãos jurisdicionais nacionais a quem o litígio é submetido e que devem assumir a responsabilidade da decisão judicial a proferir apreciar, face às particularidades de cada caso, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial, para estar em condições de proferir o seu julgamento, como a pertinência das questões que colocam ao Tribunal de Justiça. |
35 |
Por consequência, desde que as questões suscitadas pelos órgãos jurisdicionais nacionais se refiram à interpretação de uma disposição do direito comunitário, o Tribunal, em princípio, é obrigado a decidir. |
36 |
Não resulta nem dos termos do artigo 177.o nem do objecto do processo instituído por esse artigo que os autores do Tratado tenham entendido excluir da competência do Tribunal de Justiça os reenvíos prejudiciais que se referem a uma disposição comunitária no caso particular em que o direito nacional de um Estado-membro remete para o conteúdo dessa disposição para determinar as regras aplicáveis a uma situação puramente interna desse Estado. |
37 |
Pelo contrário, existe um interesse manifesto para a ordem jurídica comunitária em que, para evitar divergências de interpretação futuras, qualquer disposição de direito comunitário seja interpretada de forma uniforme, quaisquer que sejam as condições em que se deve aplicar. |
38 |
Tendo a competência do Tribunal de Justiça por objectivo, nos termos do artigo 177o, assegurar a interpretação uniforme, em todos os Estados-membros, das disposições do direito comunitário, o Tribunal limita-se a deduzir da letra e do espirito destas o significado das normas comunitarias em causa. Compete em seguida às jurisdições nacionais, e a elas só, aplicar as disposições de direito comunitário assim interpretadas, tendo em conta as circunstâncias de facto e de direito do processo que lhes foi submetido. |
39 |
Assim, no âmbito da repartição de funções jurisdicionais entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, prevista pelo artigo 177.o, o Tribunal decide a título prejudicial sem que, em princípio, tenha de se interrogar sobre as circunstâncias em que os órgãos jurisdicionais nacionais foram levados a colocar-lhe as questões e se propõem aplicar a disposição de direito comunitário que lhe pediram para interpretar. |
40 |
Só seria diferente na hipótese de se revelar que o processo do artigo 177.o foi desviado do seu objectivo e visa, na realidade, conduzir o Tribunal de Justiça a decidir através de um litígio inventado, ou na hipótese de ser manifesto que a disposição de direito comunitário submetida à interpretação do Tribunal de Justiça não pode aplicar-se. |
41 |
No caso de o direito comunitário ser aplicável em virtude de disposições do direito nacional, compete apenas ao órgão jurisdicional nacional apreciar o alcance exacto dessa remissão para o direito comunitário. Se considerar que o conteúdo de uma disposição do direito comunitário é aplicável, em virtude dessa remissão, à situação puramente interna que está na origem do litígio que lhe foi submetido, o órgão jurisdicional nacional tem fundada razão para submeter ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial nas condições previstas pelas disposições do artigo 177.o do Tratado, tal como vêm sendo interpretadas pela jurisprudência do Tribunal. |
42 |
A competência do Tribunal é, todavia, limitada apenas à análise das disposições do direito comunitário. Não pode, na resposta ao órgão jurisdicional nacional, considerar a economia geral das disposições do direito interno que, ao mesmo tempo que remetem para o direito comunitário, determinam a amplitude dessa remissão. A tomada em consideração dos limites que o legislador nacional estabeleceu para aplicação do direito comunitário a situações meramente internas, às quais o direito comunitário só é aplicável por intermédio da lei nacional, releva do direito interno e, por conseguinte, é da competência exclusiva dos órgãos jurisdicionais do Estado-membro. |
43 |
No presente processo, convém observar que as questões atrás mencionadas não se referem às disposições do direito interno belga, mas exclusivamente às disposições dos regulamentos e directiva atrás citados relativos ao direito de residência e ao direito de estada no território de um Estado-membro dos cônjuges dos trabalhadores comunitários e da Directiva 64/221, de 25 de Fevereiro de 1964, atrás citada. Pelos motivos expostos, e nos limites atrás definidos, o Tribunal de Justiça é, por conseguinte, competente para decidir sobre estas questões prejudiciais. |
Quanto ao direito de residência e ao direito de estada do cônjuge de um nacional comunitário (terceira questão suscitada pelo tribunal de première instance de Bruxelles)
44 |
O artigo 10.o do Regulamento n.o 1612/68, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade, visa a situação do cônjuge de um trabalhador nacional de um Estado-membro empregado no território de outro Estado-membro. Esta disposição reconhece ao cônjuge, qualquer que seja a sua nacionalidade, o direito de se instalar com o trabalhador no território do Estado de emprego, sem prejuízo do respeito das disposições do n.o 3 desse artigo, relativas ao alojamento de que o trabalhador dispõe. |
45 |
Em conformidade com o disposto nos artigos 1.o e 3.o, n.o 1, da Directiva 68/360, de 15 de Outubro de 1968, o Estado-membro deve permitir a entrada no seu território do cônjuge, ao qual são aplicáveis as disposições do Regulamento n.o 1612/68, de 15 de Outubro de 1968, mediante simples apresentação de um documento de identidade ou de um passaporte válido. O n.o 2 do artigo 3.o esclarece as condições em que o Estado-membro pode, além disso, exigir, relativamente aos cônjuges que não possuam a nacionalidade de um Estado-membro, a apresentação de um visto de entrada ou o cumprimento de uma formalidade equivalente. |
46 |
Segundo os artigos 1.o e 4.o da directiva, o Estado-membro deve reconhecer a este mesmo cônjuge, que esteja em condições de apresentar os documentos referidos pelo n.o 3 do artigo 4.o, um direito de residência no seu território, sendo este direito, além disso, certificado pela emissão de uma autorização de residência. |
47 |
Resulta finalmente do artigo 10.o da directiva que os Estados-membros não podem estabelecer derrogações às disposições da directiva, designadamente às disposições atrás citadas, a näo ser por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública. |
48 |
O Regulamento n.o 1251/70, de 29 de Junho de 1970, que rege o direito de permanência, aplica-se, como resulta dos seus artigos 1.º e 3.o, ao cônjuge de um trabalhador comunitário definido pelo artigo 10.o, atrás citado, do Regulamento n.o 1612/68, de 15 de Outubro de 1968. |
49 |
O n.o 1 do artigo 3.o deste regulamento reconhece um direito de residência a título permanente ao cônjuge de um trabalhador que reside com ele no território de um Estado-membro, se o trabalhador tiver adquirido o direito de residência no território desse Estado, em conformidade com o artigo 2o do regulamento, e isso mesmo após a morte do trabalhador. |
50 |
Segundo este artigo 2o do regulamento, o direito de permanência do trabalhador está condicionado, com excepção dos casos previstos pelo n.o 1, alínea b), segundo parágrafo, e pelo n.o 2 desse artigo, a durações mínimas de emprego e de residência no território do Estado-membro. |
51 |
O n.o 2 do artigo 3.o do regulamento visa o caso em que o trabalhador morreu no decurso da sua vida profissional antes de ter adquirido o direito de permanecer no território do Estado-membro. O cônjuge beneficia em tal caso do direito de permanência, designadamente quando o trabalhador residia, à data da morte, de forma contínua no território deste Estado-membro pelo menos desde há dois anos ou quando a morte foi devida às consequências de um acidente de trabalho ou de uma doença profissional. |
52 |
O artigo 5.o do regulamento define as condições em que deve ser exercido o direito de permanência. Segundo o n.o 1, o beneficiário dispõe de um prazo de dois anos, depois do momento em que adquiriu esse direito nos termos das disposições do regulamento, para o exercer. Pode, durante esse período, deixar o território do Estado-membro sem pôr em risco esse direito. O n.o 2 esclarece que não é exigida ao beneficiário qualquer formalidade para exercer este direito. |
53 |
A existência do direito de permanência é, finalmente, atestada pela emissão de uma autorização de residência nas condições previstas pelo artigo 6.o do regulamento. |
54 |
Se a aplicação das disposições comunitárias atrás citadas levantasse dificuldades em virtude de deverem ser aplicadas à situação puramente interna na origem do litígio no processo principal, a solução desta dificuldade seria da competência do órgão jurisdicional nacional. A este respeito, deve recordar-se que é a este último que compete apreciar o alcance que o legislador nacional entendeu dar à remissão que efectuou para o direito comunitário e, por exemplo, se o considerar necessário, apreciar as condições em que as disposições do artigo 10.o do Regulamento n.o 1612/68, de 15 de Outubro de 1968, relativas ao alojamento para a sua família de que o trabalhador deve dispor ou as disposições do Regulamento n.o 1251/70, de 29 de Junho de 1970, que exigem, para reconhecer a existência de um direito de residência, durações mínimas de residência no território do Estado-membro, podem ser aplicadas a um trabalhador que tenha a nacionalidade desse Estado. |
55 |
Em consequência, deve responder-se que o cônjuge de um trabalhador nacional de um Estado-membro, empregado ou tendo estado empregado no território de outro Estado-membro, pode invocar o direito de residência ou o de permanência no território deste último Estado nas condições previstas pela Directiva 68/360, de 15 de Outubro de 1968, pelo Regulamento n.o 1612/68, de 15 de Outubro de 1968, e pelo Regulamento n.o 1251/70, de 29 de Junho de 1970. Embora o órgão jurisdicional nacional esteja vinculado pelas indicações e interpretações de direito comunitário que lhe são fornecidas pelo Tribunal de Justiça, compete-lhe, em contrapartida, apreciar, em função do alcance da remissão da legislação nacional para as disposições comunitárias atrás citadas, as condições em que essas disposições podem ser aplicadas à situação puramente interna que está na origem do litígio que lhe foi submetido. |
Quanto às vias de recurso previstas pela Directiva 64/221, de 25 de Fevereiro de 1964 (questões colocadas pela cour d'appel de Bruxelles)
56 |
Convém recordar que, como foi dito, o artigo l.o da Directiva 64/221, de 25 de Fevereiro de 1964, define o âmbito de aplicação desta última, que se alarga, nomeadamente, aos nacionais de um Estado-membro que residem ou se deslocam para outro Estado-membro com vista a exercer uma actividade assalariada e, nas condições que determina, aos seus cônjuges. |
Quanto ao artigo 8.º da directiva
57 |
Resulta do artigo 8.o que qualquer pessoa referida pela directiva «deve poder recorrer da decisão que recuse a entrada, a emissão ou a renovação da autorização de residência, bem como da decisão de expulsão do território, utilizando, para o efeito, os recursos facultados aos nacionais para impugnação dos actos administrativos». |
58 |
Esta disposição qualifica as decisões referidas pela directiva de «actos administrativos» e impõe aos Estados-membros a obrigação de permitir a qualquer pessoa abrangida por uma medida dessa natureza a apresentação dos mesmos recursos que são facultados aos nacionais contra os actos administrativos. Um Estado-membro não pode, por isso, sem violar a obrigação imposta pelo artigo 8.o, instituir, para as pessoas visadas pela directiva, recursos que sejam regidos por processos especiais, que ofereçam menos garantias do que aquelas de que gozam os nacionais no âmbito dos recursos apresentados contra os actos administrativos (acórdão de 5 de Março de 1980, Josette Pecastaing, n.o 10, 98/79, Recueil, p. 691). |
59 |
Decorre do exposto que, se, num Estado-membro, o órgão jurisdicional administrativo não tiver competência para suspender uma decisão administrativa ou para adoptar medidas cautelares respeitantes à execução dessa decisão, mas se essa competência couber aos órgãos jurisdicionais comuns, esse Estado-membro tem a obrigação de permitir às pessoas abrangidas pelo campo de aplicação da directiva recorrer a esses órgãos jurisdicionais nas mesmas condições em que o podem fazer os nacionais. Convém, no entanto, sublinhar que estas possibilidades dependem essencialmente da organização judiciária e da repartição de competências jurisdicionais nos diferentes Estados-membros, sendo a única obrigação imposta aos Estados-membros pelo artigo 8.o a de conceder às pessoas protegidas pelo direito comunitário possibilidades de recurso que não sejam menos favoráveis do que as facultadas aos seus próprios nacionais em matéria de recurso dos actos administrativos (acórdão de 5 de Março de 1980, Josette Pecastaing, atrás citado, n.o 11). |
60 |
Por isso, deve responder-se que o artigo 8.o da Directiva 64/221, de 25 de Fevereiro de 1964, impõe aos Estados-membros a obrigação de assegurar às pessoas referidas por essa directiva uma protecção jurisdicional que não seja menos favorável, em especial quanto à autoridade a que se pode recorrer e quanto aos poderes dessa autoridade, do que a que concedem aos seus próprios nacionais em caso de recurso de actos administrativos. |
Quanto ao artigo 9.º da directiva
61 |
A questão colocada visa, em substância, saber se o artigo 9.o da directiva implica que os Estados-membros estejam obrigados a reconhecer a favor das pessoas referidas pela directiva o direito de interpor, antes da execução de uma decisão que recusa uma autorização de residência ou decide uma medida de expulsão do território, um recurso perante um órgão jurisdicional, competente para tomar as medidas cautelares em matéria do direito de residência e que decida segundo um processo de medidas provisórias. |
62 |
O artigo 9.o, n.o 1, da Directiva 64/221, de 25 de Fevereiro de 1964, tem como objectivo assegurar uma garantia processual mínima às pessoas a quem seja recusada a renovação de uma autorização de residência ou às pessoas, titulares de uma autorização de residência, que sejam objecto de uma medida de expulsão do território. Esta disposição, que se aplica na falta de possibilidade de recurso jurisdicional ou no caso de este recurso apenas poder decidir sobre a legalidade da decisão ou de não ter efeito suspensivo, prevê a intervenção de uma autoridade competente, diferente da que é competente para tomar a decisão. Excepto no caso de urgência, a autoridade administrativa só pode tomar a sua decisão após parecer dado por este organismo consultivo. O interessado deve poder invocar os seus argumentos de defesa perante esse organismo e fazer-se assistir ou representar nas condições processuais previstas pela legislação nacional. |
63 |
O n.o 2 do mesmo artigo prevê que as pessoas que são objecto de uma decisão de recusa de emissão da primeira autorização de residência ou de uma decisão de expulsão antes de qualquer emissão de tal autorização podem recorrer à autoridade cujo parecer é previsto pelo n.o 1. O interessado é então autorizado a apresentar pessoalmente os seus argumentos de defesa, excepto se a tal se opuserem razões de segurança do Estado. |
64 |
Esta última autoridade emite um parecer que, tal como resulta da finalidade do sistema previsto pela directiva, deve ser devidamente notificado ao interessado (acórdão de 18 de Maio de 1982, Adoui e Cornuaille, n.o 18, 115/81 e 116/81, Recueil, p. 1665). |
65 |
A directiva não esclarece a forma como é designada a autoridade competente referida no artigo 9.o Não exige que esta autoridade seja um órgão jurisdicional ou seja composta por magistrados. Também não exige que os membros da autoridade competente sejam designados por um período determinado. O essencial é, por um lado, que esteja claramente definido que a autoridade exerce as suas funções com total independência e que não esteja submetida, directa ou indirectamente, no exercício das suas funções, ao controlo da autoridade competente para tomar as medidas previstas pela directiva (acórdão de 18 de Maio de 1982, Adoui e Cornuaille, atrás citado, n.o 16) e, por outro lado, que siga um processo que permita ao interessado, nas condições estabelecidas pela directiva, invocar os seus argumentos de defesa. |
66 |
Se não estiver previsto que essa autoridade pode tomar medidas cautelares em matéria de direito de residência, deve, em contrapartida, observar-se que, segundo o artigo 9.o da directiva, tal como interpretado pelo Tribunal (acórdão de 5 de Maio de 1980, Pecastaing, atrás citado, n.o 18), uma medida de expulsão referida por essa disposição não pode, quando se recorre a essa autoridade, ser executada, salvo caso de urgência, antes de o parecer desse organismo consultivo ter sido emitido e levado ao conhecimento do interessado. Deve recordar-se, além disso, que tal medida não pode ser executada em violação do direito de a interessada permanecer no território do Estado-membro o tempo necessário para apresentar o recurso a que tem direito nos termos do artigo 8.o da directiva (acórdão de 5 de Março de 1980, Pecastaing, atrás citado, n.o 12). |
67 |
Decorre do conjunto destas conclusões que o artigo 9.o não pode ser interpretado no sentido de exigir a instituição de um recurso jurisdicional com a natureza do definido pelo tribunal belga a favor das pessoas referidas pela directiva. |
68 |
Deve sublinhar-se que, contrariamente ao que sustenta M. Dzodzi, esta interpretação do artigo 9.o da directiva não é incompatível com o princípio geral do direito comunitário, que é, designadamente, consagrado pelo artigo 6.o da Convenção Europeia para Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 4 de Novembro de 1950, ou pelo artigo 14.o do Pacto Internacional relativo aos Direitos Civis e Políticos, de 19 de Dezembro de 1966(Colectânea dos Tratados das Nações Unidas, vol. 999, p. 171), não podendo qualquer das disposições destas convenções internacionais, de acordo com os seus próprios termos, ser interpretada no sentido de exigir a instituição de um recurso jurisdicional com as características indicadas pela cour d'appel de Bruxelles. |
69 |
Por conseguinte, deve responder-se que o artigo 9.o da Directiva 64/221, de 25 de Fevereiro de 1964, não impõe aos Estados-membros a obrigação de instituir, a favor das pessoas nela referidas, um recurso a interpor previamente à execução de uma decisão que recusa uma autorização de residência ou a uma medida de expulsão do território, perante um órgão jurisdicional competente para tomar medidas cautelares em matéria de direito de residência, decidindo segundo um processo de medidas provisórias. |
Quanto às despesas
70 |
As despesas suportadas pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentou observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes no processo principal, a natureza de incidente suscitado perante os órgãos jurisdicionais nacionais, compete a estes últimos decidir quanto às despesas. |
Pelos motivos expostos, O TRIBUNAL, decidindo sobre as questões que lhe foram submetidas pelo tribunal de première instance de Bruxelles, por despacho de 5 de Outubro de 1988, e pela cour d'appel de Bruxelles, por despacho de 16 de Maio de 1989, declara: |
|
|
|
|
Due Mancini O'Higgins Moitinho de Almeida Rodríguez Iglesias Schockweiler Grévisse Proferido em audiência pública no Luxemburgo, a 18 de Outubro de 1990. O secretário J.-G. Giraud O presidente O. Due |
( *1 ) Lingua do processo: francés.