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Document 52021DC0536

RELATÓRIO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU E AO CONSELHO sobre a aplicação da Diretiva (UE) 2017/1371 do Parlamento Europeu e do Conselho de 5 de julho de 2017 relativa à luta contra a fraude lesiva dos interesses financeiros da União através do direito penal

COM/2021/536 final

Bruxelas, 6.9.2021

COM(2021) 536 final

RELATÓRIO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU E AO CONSELHO

sobre a aplicação da Diretiva (UE) 2017/1371 do Parlamento Europeu e do Conselho de 5 de julho de 2017 relativa à luta contra a fraude lesiva dos interesses financeiros da União através do direito penal


















1.INTRODUÇÃO 

1.1. Contexto

A Diretiva (UE) 2017/1371 do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à luta contra a fraude lesiva dos interesses financeiros da União através do direito penal («Diretiva PIF») foi adotada em 5 de julho de 2017 1 como parte da estratégia global antifraude da Comissão 2 . Para os Estados-Membros por ela vinculados 3 , a Diretiva PIF substitui a Convenção de 1995 relativa à proteção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias e os seus protocolos («Convenção PIF») 4 .

Baseada no artigo 83.º, n.º 2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), a Diretiva PIF estabelece normas comuns para o direito penal dos Estados-Membros. Estas normas comuns visam proteger os interesses financeiros da UE, harmonizando as definições, as sanções e os prazos de prescrição de determinadas infrações penais lesivas desses interesses. Estas infrações penais («infrações PIF») são as seguintes: i) fraude no domínio do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) que envolva um prejuízo total de, pelo menos, 10 milhões de EUR. ii) corrupção; iii) branqueamento de capitais; e iv) apropriação ilegítima. Esta harmonização afeta igualmente o âmbito das investigações e ações penais da Procuradoria Europeia 5 , uma vez que as competências da Procuradoria Europeia são definidas por referência à Diretiva PIF 6 , tal como transposta para o direito nacional. A Diretiva PIF também facilita a recuperação de fundos da UE utilizados indevidamente 7 através do direito penal.

O prazo de transposição da Diretiva para o direito nacional expirou em 6 de julho de 2019. Até essa data, apenas 12 Estados-Membros tinham notificado a transposição integral da diretiva. Por conseguinte, a Comissão iniciou procedimentos de infração contra os restantes 14 Estados-Membros participantes, enviando-lhes cartas de notificação para cumprir em setembro de 2019. Em abril de 2021, o número de transposições completas notificadas tinha atingido 26, o que significa que, até essa data, todos os Estados-Membros vinculados pela diretiva tinham notificado a sua plena transposição para o direito nacional.

1.2. Principais aspetos da Diretiva PIF

O artigo 1.º define o objeto da Diretiva PIF, enquanto o artigo 2.º estabelece o seu âmbito de aplicação e fornece uma definição do conceito de «interesses financeiros da União». Além disso, a diretiva determina que os Estados-Membros são obrigados:

a criminalizar a fraude lesiva dos interesses financeiros da UE, tanto no que diz respeito a quaisquer atos ou omissões relativos: i) a despesas relacionadas com contratação pública e a despesas não relacionadas com contratação pública; como no que respeita ii) a receitas provenientes dos recursos próprios do IVA e a receitas distintas das receitas provenientes dos recursos próprios do IVA (artigo 3.º);

a criminalizar outras infrações lesivas dos interesses financeiros da União (branqueamento de capitais, corrupção e apropriação ilegítima) e a definir a expressão «funcionário público», a fim de proteger devidamente os fundos da União contra a corrupção e a apropriação ilegítima (artigo 4.º);

a criminalizar: i) a instigação, a cumplicidade e a tentativa em relação a qualquer das infrações referidas nos artigos 3.º e 4.º; e ii) a tentativa de cometer as infrações referidas nos artigos 3.º (fraude) e 4.º, n.º 3 (apropriação ilegítima), (artigo 5.º);

a determinar a responsabilidade e as sanções para: i) as pessoas coletivas por qualquer das infrações penais referidas nos artigos 3.º, 4.º e 5.º cometidas em seu benefício por outras pessoas que ocupem um cargo de direção de um órgão da pessoa coletiva; ou ii) devido à falta de supervisão ou controlo dessas outras pessoas por qualquer pessoa sob a sua autoridade (artigos 6.º e 9.º);

a estabelecer regras mínimas em matéria de sanções penais aplicáveis às pessoas singulares, incluindo sanções máximas com uma duração mínima para as infrações penais referidas nos artigos 3.º e 4.º, sempre que essas infrações envolvam prejuízos ou vantagens consideráveis (artigo 7.º);

a tomar as medidas necessárias para assegurar que, caso uma infração penal referida nos artigos 3.º, 4.º ou 5.º seja cometida no quadro de uma organização criminosa, esse facto seja considerado circunstância agravante (artigo 8.º);

a: i) estabelecer a sua competência jurisdicional relativamente às infrações penais referidas nos artigos 3.º, 4.º e 5.º, caso a infração tenha sido cometida, no todo ou em parte, no seu território ou o autor da infração seja um dos seus nacionais, e caso o autor da infração penal esteja sujeito ao Estatuto dos Funcionários no momento em que cometeu infração penal 8 ; e ii) evitar subordinar a determinadas condições o exercício da sua competência jurisdicional sobre as infrações PIF cometidas no estrangeiro pelos seus nacionais (artigo 11.º);

a: i) prever um prazo de prescrição durante um período suficiente após a prática das infrações penais referidas nos artigos 3.º, 4.º e 5., a fim de que essas infrações penais possam ser combatidas com eficácia, com prazos mínimos de prescrição aplicáveis às infrações puníveis com uma pena máxima de, pelo menos, quatro anos de prisão; e ii) tomar as medidas necessárias para permitir a execução das penas (artigo 12.º); e ainda

a fornecer dados estatísticos sobre as ações penais relativas às infrações penais referidas nos artigos 3.º, 4.º e 5.º, bem como o seu resultado (artigo 18.º, n.º 2,).

1.3. Finalidade e metodologia do relatório

Em conformidade com o artigo 18.º, n.º 1, da Diretiva, o presente relatório avalia até que ponto os Estados-Membros tomaram as medidas necessárias para lhe dar cumprimento. Em especial, o presente relatório avalia se os Estados-Membros aplicaram a diretiva e se a legislação nacional alcança os objetivos e cumpre os requisitos da diretiva. O relatório não afeta os poderes de que a Comissão dispõe, nos termos do artigo 258.º do TFUE, para avaliar a conformidade de cada medida nacional de transposição.

Essa avaliação baseia-se, principalmente, nas informações prestadas pelos Estados-Membros à Comissão através da notificação das medidas nacionais de transposição da Diretiva PIF. Essas informações foram complementadas por estudos externos encomendados pela DG JUST no âmbito do seu contrato-quadro. Com base nesta avaliação, a Comissão lançou intercâmbios sistemáticos com os Estados-Membros. As informações e explicações complementares fornecidas pelos Estados-Membros durante esses intercâmbios permitiram à Comissão aperfeiçoar a sua análise das questões de conformidade mais pertinentes. Estas questões serão apresentadas de forma mais pormenorizada nas secções 2 e 3 infra.

2. Avaliação geral 

O objetivo da Comissão é assegurar que todos os Estados-Membros tenham transposto a diretiva de forma clara, precisa e correta, estabelecendo sanções penais eficazes, proporcionadas e dissuasivas para proteger os interesses financeiros da União.

Uma avaliação pormenorizada das medidas de transposição notificadas confirmou que todos os Estados-Membros transpuseram as principais disposições da Diretiva PIF. No entanto, há questões pendentes em matéria de conformidade, incluindo questões que devem ser consideradas para permitir a realização de investigações e ações penais eficazes pela Procuradoria Europeia. Os problemas de conformidade dizem principalmente respeito a lacunas na legislação nacional que transpõe as definições penais constantes dos artigos 3.º, 4.º e 5.º no que diz respeito:

·à definição de fraude lesiva dos interesses financeiros da União (artigo 3.º ) em cerca de metade dos Estados-Membros;

·à definição de alguns termos constantes do artigo 4.º, n.º 1, (branqueamento de capitais), do artigo 4.º, n.º 2, (corrupção) e do artigo 4.º, n.º 3, (apropriação ilegítima) em vários Estados-Membros;

·à definição de «funcionário público» (artigo 4.º, n.º 4,) em cerca de metade dos Estados-Membros; e ainda

·à definição de instigação, cumplicidade e tentativa em relação a qualquer das infrações a que se referem os artigos 3.º e 4.º; e de tentativa de cometer as infrações referidas nos artigos 3.º e 4.º, n.º 3, (artigo 5.º) em alguns Estados-Membros.

Além disso, a Comissão identificou uma série de problemas de conformidade num quarto dos Estados-Membros no que diz respeito à responsabilidade das pessoas coletivas e às sanções aplicáveis às pessoas singulares nos termos dos artigos 6.º, 7.º e 9.º. No que diz respeito às sanções aplicáveis às pessoas singulares (artigo 7.º), a Comissão identificou igualmente problemas de conformidade num quarto dos Estados-Membros. Alguns destes problemas podem comprometer o caráter efetivo, dissuasivo e proporcionado dessas sanções.

A Comissão também constatou problemas de conformidade em alguns Estados-Membros relacionados com o exercício da competência jurisdicional com base no princípio da territorialidade e no princípio da personalidade ativa (artigo 11.º, n.º 1). Além disso, alguns Estados-Membros estabelecem condições para a repressão de infrações PIF que não estão em conformidade com o artigo 11.º, n.º 4. Um problema de transposição relativo ao artigo 12.º identificado em alguns Estados-Membros diz respeito ao estabelecimento de um prazo de prescrição para a execução de uma sentença proferida na sequência de uma condenação definitiva por uma infração penal referida nos artigos 3.º, 4.º ou 5.º, que é inferior aos cinco anos exigidos pela Diretiva PIF.

Por último, com base nas informações partilhadas, a Comissão descobriu que apenas alguns Estados-Membros dispõem de legislação que impõe uma obrigação explícita, específica e anual de comunicar dados estatísticos à Comissão Europeia (artigo 18.º, n.º 2,). Na ausência de dados suficientes, poderá ser mais difícil para a Comissão, numa fase posterior, avaliar se a diretiva alcançou o seu objetivo geral de reforçar a proteção dos interesses financeiros da União e se (certos aspetos da) diretiva devem ser revistos 9 .

3. PONTOS DE AVALIAÇÃO ESPECÍFICOS 

3.1. Definições e âmbito de aplicação (artigo 2.º)

O artigo 2.º, n.º 1, da Diretiva PIF define «interesses financeiros da União» e «pessoa coletiva». Além disso, o artigo 2.º, n.º 2, estabelece um limiar para a aplicabilidade da diretiva às receitas provenientes dos recursos próprios IVA. A Diretiva PIF só é aplicável em caso de infrações graves ao sistema comum do IVA. As infrações ao sistema comum do IVA devem ser consideradas graves caso os atos ou omissões intencionais definidos no artigo 3.º, n.º 2, alínea d), da Diretiva PIF estejam relacionados com o território de dois ou mais Estados-Membros da União e envolvam prejuízos totais de, pelo menos, 10 000 000 EUR. 

Este limiar destina-se principalmente a captar a fraude carrossel, a fraude ao IVA através de operadores fictícios e a fraude ao IVA cometida no âmbito de uma organização criminosa, que criam sérias ameaças ao sistema comum do IVA e, por conseguinte, ao orçamento da União. Num Estado-Membro, o artigo 2.º, n.º 1, não foi transposto em conformidade com o disposto na diretiva.

3.2. Fraude (artigo 3.º)

O artigo 3.º da Diretiva PIF determina que os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para assegurar que a fraude lesiva dos interesses financeiros da União constitua uma infração penal, quando cometida intencionalmente. Para o efeito, estabelece quatro categorias de comportamentos constitutivos de uma fraude lesiva dos interesses financeiros da União. Estas quatro categorias dizem respeito a atos ou omissões relativos a: i) despesas não relacionadas com a contratação pública [artigo 3.º, n.º 2, alínea a)]; ii) despesas relacionadas com a contratação pública [artigo 3.º, n.º 2, alínea b)]; iii) receitas distintas das receitas provenientes dos recursos próprios do IVA [artigo 3.º, n.º 2, alínea c)]; e iv) receitas provenientes dos recursos próprios IVA [artigo 3.º, n.º 2, alínea d)], conforme descrito na secção 3.1 supra.

Em cerca de metade dos Estados-Membros, a Comissão identificou problemas de conformidade na transposição dos principais aspetos destas infrações. Em especial, a Comissão identificou problemas de conformidade no âmbito mais restrito da legislação nacional relativa à fraude relacionada com despesas não relacionadas com contratação pública [artigo 3.º, n.º 2, alínea a)] e à fraude relativa a despesas relacionadas com contratação pública [artigo 3.º, n.º 2, alínea b)]. Outros problemas estão ligados à transposição de qualquer ato ou a omissões no que diz respeito:

·«à utilização de declarações [ou de documentos] falsos, inexatos ou incompletos», expressão que abrange apenas documentos escritos e não abrange «ativos provenientes do orçamento da União ou dos orçamentos geridos pela União ou por sua conta»;

·«à não comunicação de uma informação», expressão não transposta ou transposta através da utilização de um conceito mais limitado; e ainda

·«à aplicação ilegítima de tais fundos ou ativos para fins diferentes daqueles para os quais foram inicialmente concedidos», expressão que foi transposta através de uma redação mais restritiva.

No que se refere às receitas distintas das receitas provenientes dos recursos próprios do IVA [artigo 3.º, n.º 2, alínea c),] e às receitas provenientes dos recursos próprios do IVA [artigo 3.º, n.º 2, alínea d)], a Comissão identificou igualmente problemas de conformidade, uma vez mais devido ao âmbito de aplicação mais restrito da legislação nacional. Outros problemas estão ligados à transposição de qualquer ato ou a omissões no que diz respeito:

·às «declarações ou [de]documentos falsos, inexatos ou incompletos» e às «declarações ou [de] documentos relativos ao IVA falsos», expressões não abrangidas;

·aos «recursos do orçamento da União», expressão que foi transposta por um conceito mais limitado;

·aos «orçamentos geridos pela União, ou por sua conta», expressão não abrangida;

·à «não comunicação de uma informação», e à «não comunicação de uma informação relativa ao IVA», ambas as expressões não foram transpostas ou foram transpostas por um conceito mais limitado;

·à «aplicação ilegítima de um benefício, obtido legalmente», expressão transposta por uma redação mais restritiva; e ainda

·à «apresentação de declarações relativas ao IVA corretas para fins de dissimulação fraudulenta do não pagamento ou da criação ilícita de direitos a reembolso do IVA», expressão não transposta ou transposta por um conceito mais limitado.

3.3. Outras infrações conexas (artigo 4.º)

3.3.1. Branqueamento de capitais, corrupção e apropriação ilegítima (artigos 4.º, n.os 1, 2 e 3)

O artigo 4.º, n.º 1, da Diretiva PIF estabelece que os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que o branqueamento de capitais, tal como descrito no artigo 1.º, n.º 3, da Diretiva (UE) 2015/849 10 , quando envolva bens que sejam produto das infrações penais abrangidas pela diretiva, constitua uma infração penal. Em vários Estados-Membros, esta disposição não foi integralmente transposta, quer devido a algumas lacunas na definição de branqueamento de capitais propriamente dita, quer devido a, entre as infrações principais, não ter sido estabelecida uma infração penal abrangida pela Diretiva PIF.

Além disso, nos termos do artigo 4.º, n.º 2, da diretiva, os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que a corrupção passiva e ativa, quando cometidas intencionalmente, constituam infrações penais. Em vários Estados-Membros, é exigido um elemento adicional – «violação dos deveres» – na corrupção ativa e passiva. Este elemento adicional limita significativamente o âmbito de aplicação das definições de corrupção da Diretiva PIF e torna a correspondente ação penal dependente da prova de ter havido violação dos deveres. 

No que respeita à «corrupção passiva», um problema de conformidade diz respeito a um dos elementos da infração, a saber: «abster[-se] de realizar, um ato inerente às suas funções». Num pequeno número de Estados-Membros, este elemento não é abrangido pela legislação nacional. Quanto à «corrupção ativa», as questões de conformidade dizem respeito ao âmbito da definição, uma vez que, em alguns Estados-Membros, alguns dos elementos («[uma pessoa] prometer, oferecer ou conceder, diretamente ou por interposta pessoa, uma vantagem» e «para terceiros») são omissos ou não foram corretamente transpostos. 

Além disso, nos termos do artigo 4.º, n.º 3, da diretiva, os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para assegurar que a apropriação ilegítima, quando cometida intencionalmente, constitua uma infração penal. Os problemas de conformidade dizem respeito a uma transposição mais restritiva desta infração ou à sua não transposição.

3.3.2. Funcionários públicos (artigo 4.º, n.º 4)

O artigo 4.º, n.º 4, fornece uma definição de «funcionário público» com vista a proteger adequadamente os fundos da União contra a corrupção e a apropriação ilegítima. Alguns elementos da definição de «funcionário público» não foram transpostos para a legislação de cerca de metade dos Estados-Membros. A Comissão identificou problemas de conformidade neste domínio relacionados com:

·uma lacuna na transposição da expressão «funcionários nacionais de outros Estados-Membros e os funcionários nacionais de países terceiros» em geral ou apenas no que diz respeito à infração de apropriação ilegítima;

·a definição de «funcionário da União», que não inclui: i) uma pessoa que seja: «destacada para a União por um Estado-Membro ou por um organismo público ou privado, e que exerça funções equivalentes às exercidas pelos funcionários ou por outros agentes da União»; ou ii) os «os membros das instituições, dos órgãos e dos organismos da União criados nos termos dos Tratados, bem como o pessoal dessas entidades»;

·sujeitar a definição de «funcionário nacional» a condições suplementares, que abranjam apenas os funcionários públicos de outros Estados-Membros se o crime tiver sido cometido no território desse Estado-Membro 11 , e com a ausência de cobertura de «qualquer pessoa titular de um cargo executivo, administrativo [...]» em geral, ou apenas em relação à infração de apropriação indevida;

·Por último, a expressão do artigo 4.º, n.º 4, alínea b), «Qualquer outra pessoa que assuma e exerça funções de serviço público», não foi transposta em alguns Estados-Membros.

3.4. Infrações involuntárias (artigo 5.º)

O artigo 5.º da Diretiva PIF dispõe que: i) os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para assegurar que a instigação e a cumplicidade quanto à prática das infrações penais referidas nos artigos 3.º e 4.º da diretiva sejam puníveis como infrações penais (artigo 5.º, n.º 1); e ii) a tentativa de cometer uma infração penal referida no artigo 3.º e no artigo 4.º, n.º 3, seja punível como infração penal (artigo 5.º, n.º 2). Em alguns Estados-Membros, a Comissão identificou problemas de não conformidade no que diz respeito ao artigo 5.º, n.º 2. Estes problemas prendem-se com o facto de não se ter considerado como infração penal: i) a tentativa de cometer práticas abusivas em matéria de subvenções; ii) algumas infrações aduaneiras; e iii) a apropriação ilegítima.

3.5. Responsabilidade e sanções aplicáveis às pessoas coletivas (artigos 6.º e 9.º)

O artigo 6.º, n.º 1, da Diretiva PIF exige que os Estados-Membros tomem as medidas necessárias para assegurar que as pessoas coletivas possam ser responsabilizadas pelas infrações penais referidas nos artigos 3.º, 4.º e 5.º da diretiva, cometidas em seu benefício por qualquer pessoa que aja quer a título individual quer enquanto membro de um órgão da pessoa coletiva e que nela exerça um poder de direção, com base:

a) No poder de representação da pessoa coletiva;

b) Para tomar decisões em nome dessa pessoa coletiva; ou

c) Na autoridade para exercer o controlo a nível dessa pessoa coletiva.

Além disso, nos termos do artigo 6.º, n.º 2, os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para assegurar que as pessoas coletivas possam ser responsabilizadas caso a falta de supervisão ou de controlo por uma pessoa referida no artigo 6.º, n.º 1, tenha permitido a prática, por uma pessoa sob a sua autoridade, de uma das infrações penais referidas nos artigos 3.º, 4.º ou 5.º da diretiva em benefício da pessoa coletiva em causa.

Por último, em conformidade com o artigo 6.º, n.º 3, a responsabilidade das pessoas coletivas nos termos do artigo 6.º n.os 1 e 2 da diretiva não exclui a possibilidade de ação penal contra as pessoas singulares autoras das infrações penais referidas nos artigos 3.º e 4.º da diretiva ou penalmente responsáveis nos termos do artigo 5.º.

Num quarto dos Estados-Membros, foram identificados vários problemas de conformidade, nomeadamente:

·a falta de transposição do artigo 6.º, n.º 1;

·o facto de apenas serem abrangidos os atos de pessoas quando praticados no âmbito das atividades da pessoa coletiva; e ainda

·a exclusão da responsabilidade penal das empresas para determinadas infrações principais.

 

Outro problema de conformidade diz respeito à confusão dos requisitos previstos nos artigos 6.º, n.os 1 e 2, na legislação nacional. A este respeito, importa salientar que o artigo 6.º, n.º 1, não exige «a falta de supervisão ou de controlo» quando uma infração PIF é cometida em benefício de uma pessoa coletiva por uma pessoa «que ocupe[m] um cargo de direção de um órgão da pessoa coletiva».

O artigo 9.º da Diretiva PIF estabelece que os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para assegurar que uma pessoa coletiva considerada responsável nos termos do artigo 6.º da diretiva seja sujeita a sanções efetivas, proporcionadas e dissuasivas, que devem incluir multas de caráter penal ou não penal e, eventualmente, outras sanções, tais como:

 

a) A exclusão do direito a benefícios ou auxílios públicos;

b) A exclusão temporária ou permanente dos procedimentos dos concursos públicos;

c) A interdição temporária ou definitiva do exercício de atividades comerciais;

d) A sujeição a controlo judicial;

e) A liquidação judicial;

f) O encerramento temporário ou definitivo dos estabelecimentos utilizados para a prática da infração penal.

Quanto à conformidade, a Comissão salienta que a responsabilidade das empresas não deve depender de uma condenação definitiva de uma pessoa singular, como é o caso num Estado-Membro, uma vez que tal compromete a possibilidade de impor sanções efetivas, proporcionadas e dissuasivas, às pessoas coletivas.

3.6. Sanções penais aplicáveis às pessoas singulares (artigo 7.º)

O artigo 7.º da Diretiva PIF estabelece que, no que respeita às pessoas singulares, os Estados-Membros devem assegurar que as infrações penais referidas nos artigos 3.º, 4.º e 5.º da diretiva sejam passíveis de sanções penais efetivas, proporcionadas e dissuasivas (artigo 7.º, n.º 1). As infrações penais referidas devem ser puníveis com uma pena máxima que preveja a prisão (artigo 7.º, n.º 2). Estas infrações devem ser puníveis com uma pena máxima de, pelo menos, quatro anos de prisão quando envolvam «prejuízos ou vantagens consideráveis» (artigo 7.º, n.º 3) 12 .

Foram identificados problemas de conformidade num quarto dos Estados-Membros. Em relação ao artigo 7.º, n.º 1, a legislação de vários Estados-Membros contém disposições que permitem às pessoas escapar à responsabilidade penal ou à imposição de sanções se denunciarem o crime ou reembolsarem os danos causados aos interesses financeiros da União em várias fases, antes ou durante o processo penal. Estas disposições poderiam tornar as sanções ineficazes e não dissuasivas. Outros problemas de conformidade dizem respeito ao incumprimento do limiar de sanções previsto no artigo 7.º, n.º 3, da Diretiva PIF, nomeadamente no que diz respeito:

·à «não comunicação de uma informação» no contexto da fraude relativa a despesas relacionadas com contratação pública e a despesas não relacionadas com contratação pública;

·aos atos preparatórios do branqueamento de capitais;

·à corrupção passiva sem circunstância agravante;

·à corrupção ativa quando cometida por um funcionário público em relação a outro funcionário público ou sem «violação dos deveres», que, tal como descrito na secção 3.3.1, não é exigida pelo artigo 4.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva PIF; e ainda

·apropriação ilegítima.

3.7. Competência jurisdicional (artigo 11.º) 

Em conformidade com o artigo 11.º da Diretiva PIF, um Estado-Membro deve estabelecer a sua competência jurisdicional relativamente às infrações PIF sempre que a infração penal tenha sido cometida, no todo ou em parte, no seu território; ou quando o autor da infração seja um dos seus nacionais (artigo 11.º, n.º 1). Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para determinar a sua competência jurisdicional relativamente às infrações PIF, caso o autor da infração penal esteja sujeito ao Estatuto dos Funcionários no momento em que a cometeu. Os Estados-Membros podem não aplicar esta regra ou podem aplicá-las apenas em casos específicos ou em condições específicas. Devem igualmente informar a Comissão se não a estão a aplicar ou se a aplicam apenas em certos casos (artigo 11.º, n.º 2).

Além disso, os Estados-Membros devem informar a Comissão caso decidam alargar a sua competência jurisdicional relativamente a infrações PIF cometidas: i) por pessoas que residem habitualmente no seu território; ii) em benefício de uma pessoa coletiva estabelecida no seu território; ou iii) por um dos seus funcionários no exercício das suas funções (artigo 11.º, n.º 3).

Por último, nos casos em que o autor da infração seja um dos seus nacionais 13 , os Estados-Membros não devem subordinar o exercício da competência jurisdicional à condição de a ação penal só poder ser iniciada após: i) queixa apresentada pela vítima no lugar da prática da infração penal; ou ii) a denúncia do Estado em cujo território a infração penal foi cometida (artigo 11.º, n.º 4). A Comissão identificou problemas de conformidade em alguns Estados-Membros sobre estas questões. Quanto à determinação da competência jurisdicional com base na territorialidade (artigo 11.º, n.º 1), verificaram-se dois problemas de conformidade. O primeiro dizia respeito à falta de competência jurisdicional em matéria de branqueamento de capitais, tal como definida no artigo 4.º, n.º 1, da diretiva. O segundo dizia respeito a condições adicionais, a saber, instigação, cumplicidade e tentativa em infrações PIF: i) o autor principal deve agir no território; ou ii) a sanção prevista na legislação nacional deve ser superior a um determinado limiar.

O alargamento da competência jurisdicional aos infratores sujeitos ao Estatuto dos Funcionários, com ou sem imposição de condições específicas, em conformidade com o artigo 11.º, n.º 2, foi prevista pela legislação nacional de 12 Estados-Membros.

Cerca de metade dos Estados-Membros alarga a sua competência relativamente às infrações PIF cometidas: i) por pessoas que residem habitualmente no seu território; ou ii) em benefício de uma pessoa coletiva estabelecida no seu território; e/ou iii) por um dos seus funcionários no exercício das suas funções (artigo 11.º, n.º 3). As questões de conformidade com o artigo 11.º, n.º 4, dizem respeito à imposição da condição de que a ação penal só poder ser iniciada após: i) queixa apresentada pela vítima no lugar da prática da infração penal; ou ii) queixa da parte lesada (se tal queixa for necessária para efeitos de ação penal ao abrigo do direito estrangeiro).

3.8. Prazos de prescrição (artigo 12.º)

Em conformidade com o artigo 12.º, n.º 1, da Diretiva PIF, os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para prever um prazo de prescrição. Este prazo de prescrição deve permitir proceder à investigação, à ação penal e ao julgamento das infrações penais referidas nos artigos 3.º, 4.º e 5.º, e proferir as correspondentes decisões judiciais, durante um período suficiente após a sua prática, a fim de que essas infrações penais possam ser combatidas com eficácia. A diretiva prevê prazos mínimos de prescrição para as infrações puníveis com uma pena máxima de, pelo menos, quatro anos de prisão (artigos 12.º, n.os 2 e 3). A diretiva prevê igualmente prazos de prescrição para a execução de sanções decididas na sequência de uma condenação pelas infrações penais referidas nos artigos 3.º, 4.º e 5.º (artigo 12.º, n.º 4,). Constata-se um problema de transposição em alguns Estados-Membros em relação ao prazo de prescrição para a execução de uma sentença proferida na sequência de uma condenação definitiva por uma infração penal referida nos artigos 3.º, 4.º ou 5.º, que é inferior aos cinco anos exigidos pelo artigo 12.º, n.º 4.

4. CONCLUSÕES 

A Diretiva PIF foi adotada com o objetivo de reforçar a proteção contra infrações penais lesivas dos interesses financeiros da União. A diretiva cria valor acrescentado ao estabelecer: i) regras mínimas comuns para a definição de infrações penais; e ii) sanções para combater a fraude e outras atividades ilegais lesivas dos interesses financeiros da União. Todos os Estados-Membros transpuseram as principais disposições da Diretiva PIF.

No entanto, decorre da avaliação que é necessário melhorar ainda a transposição da diretiva, nomeadamente para garantir: i) a transposição coerente das definições das infrações penais referidas nos artigos 3.º, 4.º e 5.º; e ii) a responsabilidade e sanções aplicáveis às pessoas coletivas e às pessoas singulares nos termos dos artigos 6.º, 7.º e 9.º. É igualmente necessário transpor corretamente as disposições relativas ao exercício da competência jurisdicional (artigo 11.º) e aos prazos de prescrição (artigo 12.º).

Uma transposição adequada requer uma nova ação legislativa por parte dos Estados-Membros para que alinhem integralmente a sua legislação nacional com os requisitos impostos pela Diretiva PIF. Este aspeto é especialmente importante para permitir que a Procuradoria Europeia realize investigações e ações penais eficazes.

É igualmente essencial que os Estados-Membros comuniquem à Comissão Europeia dados estatísticos sobre as ações penais, bem como o seu resultado (artigo 18.º, n.º 2). Esta comunicação é crucial para avaliar se, com base na Diretiva PIF, foi possível alcançar a proteção dos interesses financeiros da União.

Em conformidade com o artigo 18.º da Diretiva PIF, a Comissão continuará a avaliar o cumprimento desta diretiva pelos Estados-Membros e tomará todas as medidas adequadas para garantir a conformidade com as suas disposições em toda a União Europeia.

(1)

JO L 198 de 28.7.2017, p. 29.

(2)

 Estratégia antifraude da Comissão: ação reforçada para proteger o orçamento da UE, COM (2019) 196 final de 29.4.2019.

(3)

Nos termos do Protocolo n.º 22 dos Tratados, a Dinamarca não participou na adoção da Diretiva PIF, não estando, por conseguinte, por esta vinculada nem sujeita à sua aplicação. No entanto, a Dinamarca continua vinculada pela Convenção PIF. Por outro lado, a Irlanda exerceu o seu direito de participar na adoção e aplicação da Diretiva PIF, em conformidade com o Protocolo n.º 21 dos Tratados.

(4)

Convenção estabelecida com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia, relativa à proteção dos interesses financeiros das Comunidades, JO C 316 de 27.11.1995, p. 49.

(5)

Regulamento (UE) 2017/1939 do Conselho, de 12 de outubro de 2017, que dá execução a uma cooperação reforçada para a instituição da Procuradoria Europeia, JO L 283 de 31.10.2017, p. 1.

(6)

Artigo 22.º, n.º 1, do Regulamento (UE) 2017/1939.

(7)

A este respeito, o número de irregularidades comunicadas como fraudulentas (que incluem casos de suspeitas de fraude ou de fraudes comprovadas) e os montantes associados não são um indicador direto do nível de fraude lesiva do orçamento da UE. São, antes de mais, uma indicação do nível de deteção e comunicação de potenciais casos de fraude pelos Estados-Membros e organismos da UE. Em 2019, 939 irregularidades foram comunicadas como fraudulentas, envolvendo cerca de 461,4 milhões de EUR [Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho, Trigésimo primeiro relatório sobre a proteção dos interesses financeiros da União Europeia - Luta contra a fraude - 2019, COM (2020) 363 final de 3.9.2020, p. 13].

(8)

Nos termos do artigo 11.º, n.º 2, os Estados-Membros podem abster-se de aplicar esta regra, ou podem aplicá-la só em casos específicos ou apenas quando estiverem preenchidas determinadas condições, devendo informar a Comissão desse facto.

(9)

Artigos 18.º, n.os 3 e 4

(10)

Diretiva (UE) 2015/849 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento do terrorismo, que altera o Regulamento (UE) n.º 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, e que revoga a Diretiva 2005/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e a Diretiva 2006/70/CE da Comissão (texto relevante para efeitos do EEE), JO L 141 de 5.6.2015, p. 73.

(11)

Isto significa que o Estado-Membro A só poderia instaurar ações penais contra funcionários de outros Estados-Membros (B, C, etc.) se esses funcionários cometessem um crime no território do Estado-Membro A.

(12)

Artigo 7.º, n.º 3, segunda e terceira frases: «Pressupõe-se que os prejuízos ou as vantagens resultantes das infrações penais a que se refere o artigo 3.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), e o artigo 4.º são consideráveis caso envolvam um montante superior a 100 000 EUR. Pressupõe-se que os prejuízos ou as vantagens resultantes das infrações penais a que se refere o artigo 3.º, n.º 2, alínea d), e sob reserva do artigo 2.º, n.º 2, são sempre consideráveis.»

(13)

Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea b).

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