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Document 52019AE3203

    Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «A dimensão social das pescas» (parecer exploratório)

    EESC 2019/03203

    JO C 14 de 15.1.2020, p. 67–71 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, HR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

    15.1.2020   

    PT

    Jornal Oficial da União Europeia

    C 14/67


    Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «A dimensão social das pescas»

    (parecer exploratório)

    (2020/C 14/09)

    Relator: Gabriel SARRÓ IPARRAGUIRRE

    Consulta

    Comissão Europeia, 27.3.2019

    Base jurídica

    Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

    Decisão da Plenária

    14.5.2019

    Competência

    Secção da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

    Adoção em secção

    4.9.2019

    Adoção em plenária

    25.9.2019

    Reunião plenária n.o

    546

    Resultado da votação

    (votos a favor/votos contra/abstenções)

    137/0/1

    1.   Conclusões e recomendações

    1.1.

    A competitividade sustentável deve ter em conta duas novas dimensões: a ambiental e a social (1). O CESE considera essencial conceber políticas das pescas não só do ponto de vista ambiental, mas também tendo em conta a importância global do setor das pescas, o seu impacto no resto da economia e o seu papel na segurança marítima, no aprovisionamento de alimentos sãos e saudáveis e na fixação das populações em zonas vulneráveis (2). O CESE sublinha a importância da pesca artesanal e a necessidade de assegurar um ambiente empresarial favorável, que permita a este setor exercer a sua atividade de forma sustentável e criar postos de trabalho, que são especialmente importantes em muitas comunidades costeiras. Importa reconhecer melhor o papel das mulheres e a importância do seu contributo, na persecução de uma igualdade efetiva entre homens e mulheres.

    1.2.

    O CESE recomenda que se assegure a coerência regulamentar entre as medidas de conservação dos recursos biológicos marinhos e as normas de segurança e as condições de trabalho no mar através de avaliações de impacto em matéria de: i) emprego; ii) salários; iii) construção e navegabilidade dos navios de pesca; iv) condições de vida e de trabalho dignas; e v) qualificação e certificação dos pescadores. Apela, igualmente, a uma melhor coordenação entre os vários departamentos e serviços das administrações públicas a todos os níveis, a fim de assegurar uma gestão integrada do setor.

    1.3.

    O CESE exorta a Comissão Europeia a incluir, no seu programa de trabalho, uma proposta de diretiva que incorpore a Convenção da Organização Marítima Internacional sobre Normas de Formação, de Certificação e de Serviço de Quartos para os Marítimos dos Navios de Pesca no acervo da UE, a fim de assegurar normas de formação e certificação harmonizadas e melhorar a segurança marítima no domínio das pescas.

    1.4.

    O CESE apela a todas as instituições e aos parceiros sociais para que promovam uma melhor imagem das pescas enquanto carreira profissional e saída do mercado de trabalho, tanto para diplomados como para membros da tripulação, bem como para que deem resposta à precariedade social e às más condições de vida e de trabalho em muitas comunidades piscatórias e cidades portuárias.

    1.5.

    O CESE exorta a Comissão Europeia a propor as alterações necessárias ao regulamento de base da política comum das pescas, de modo que as medidas de arqueação bruta e potência não entrem em linha de conta para efeitos de cálculo da capacidade de pesca, quando visem melhorar as condições de vida e a segurança dos navios de pesca (3).

    1.6.

    O CESE insta com os Estados-Membros para que ratifiquem a Convenção n.o 188 da OIT, disponibilizando os meios necessários para a sua correta transposição para a legislação nacional e para a sua aplicação e, se for caso disso, delegando tarefas de inspeção e certificação em empresas especializadas, tendo em conta os problemas encontrados na coordenação destas funções em alguns países.

    1.7.

    O CESE recorda os Estados-Membros da importância de transpor, até 15 de novembro de 2019, para a respetiva legislação nacional a Diretiva (UE) 2017/159 do Conselho (4) que incorpora a Convenção n.o 188 da OIT no acervo da União Europeia. Insta, igualmente, a Comissão a apresentar, o mais rapidamente possível, uma proposta de diretiva complementar, que inclua disposições em matéria de controlo e execução, como foi o caso para o transporte marítimo, a fim de introduzir um sistema de inspeção harmonizado.

    1.8.

    O CESE recomenda uma maior coerência entre a política das pescas e a política comercial. Consequentemente, os países associados à pesca ilegal e a abusos laborais graves não deviam beneficiar de acesso preferencial ao mercado da UE. Neste contexto, os instrumentos de preferência pautal, como os contingentes autónomos, também não se deveriam aplicar aos produtos provenientes desses países.

    2.   Introdução e contexto

    2.1.

    As pescas são uma ocupação tradicional de grande importância cultural, fundamental para muitas comunidades costeiras da União Europeia enquanto fonte vital de alimentos e nutrição, emprego, comércio, bem-estar económico e lazer. Não se nega que é urgente regenerar as unidades populacionais de peixes e os recursos ambientais, mas, como referido pelo CESE em pareceres anteriores, durante muitos anos os esforços internacionais centraram-se todos em assegurar a sustentabilidade ambiental, dando pouca atenção à sustentabilidade económica e ainda menos à social, assim como à segurança marítima.

    2.2.

    No entanto, apesar dos progressos tecnológicos contínuos, as pescas ainda são consideradas uma atividade de alto risco devido a fatores como as condições climáticas, a exigência física e um ambiente de trabalho em perpétuo movimento. Este ponto de vista é confirmado por dados estatísticos que revelam que as pescas são uma atividade perigosa, quando comparada com outros setores. Na União Europeia, em particular, de acordo com as estatísticas sobre acidentes de trabalho no setor marítimo publicadas pela Agência Europeia da Segurança Marítima (EMSA) (5), cerca de 120 navios de pesca desapareceram no mar entre 2011 e 2017. O ano de 2016 foi particularmente desastroso tendo sido comunicados 525 acidentes e incidentes marítimos, em que 55 pescadores perderam a vida no mar, 30 ficaram gravemente feridos e 184 feridos ligeiramente, tendo desaparecido 14 embarcações. Estes números revelam que ainda há muitos pescadores que ficam gravemente feridos ou que perdem inclusive a vida quando exercem a sua profissão no mar para ganhar o seu sustento e servir a sociedade, fornecendo-lhe alimentos.

    2.3.

    Contudo, o relatório da EMSA salienta que 63% dos acidentes a bordo dos navios de pesca foram atribuídos a erros humanos, cuja maioria (65%) ocorreu durante operações de pesca. Este dado põe em evidência a importância da formação e da qualificação das tripulações na globalidade do setor das pescas, e não apenas nos navios de comprimento igual ou superior a 24 metros. Os pescadores por conta própria e os proprietários de pequenas embarcações que trabalham com a sua tripulação também devem ter acesso a formação, não só como pescadores, mas também como gestores de empresas.

    2.4.

    O emprego total na frota da UE em equivalente a tempo completo diminuiu 1,3%, em média, por ano, desde 2008 (6), em parte devido à redução da capacidade da frota. Com efeito, apesar dos alargamentos da UE, o número de navios da União em 2018 totalizava 81 644, ou seja, 22 203 menos do que em 1996, e destes apenas 65 400 se mantêm em atividade.

    2.5.

    E, contudo, o salário médio por equivalente a tempo completo aumentou 2,7% por ano. O desempenho económico da frota da UE continua a registar lucros líquidos recorde, tendo atingindo 1 300 milhões de euros em 2016 (7). Estes bons resultados devem-se principalmente a preços de primeira venda competitivos, ao baixo preço dos combustíveis, à melhoria da eficiência operacional das embarcações e ao crescimento de algumas unidades populacionais importantes. Convém, porém, assinalar que os dados indicam que as frotas de cinco Estados-Membros registaram perdas líquidas em 2016 (Croácia, Chipre, Finlândia, Lituânia e Malta). Os dados mostram igualmente que, em 2016, a frota costeira gerou lucros líquidos no valor de 132 milhões de euros, o que constitui uma melhoria significativa relativamente a 2015 (+ 36%). Este segmento da frota registou, porém, perdas líquidas em sete Estados-Membros, em 2016.

    2.6.

    Não obstante uma tendência positiva, os acordos sociais favoráveis e os esforços realizados para melhorar os salários e as condições de vida a bordo, assim como o conforto e as telecomunicações, as pescas continuam a não atrair os mais jovens. Tal explica-se, por vezes, porque a atividade é exercida em meio natural hostil, outras vezes devido à dificuldade de as tripulações conciliarem adequadamente a vida familiar e noutras ainda porque não se soube comunicar estas melhorias. De qualquer dos modos, o facto é que, nem durante a crise económica sentida nos últimos anos, foi possível atrair a geração mais jovem para o setor. A profissão de pescador é ignorada por muitos potenciais empresários que gostariam de criar a sua própria empresa; em alguns países, os proprietários de pequenas embarcações não têm acesso à reforma antecipada, embora trabalhem nas mesmas condições árduas que os seus trabalhadores. As questões sociais não se limitam às condições de pesca a bordo. As condições de vida em terra também têm de ser melhoradas. Alguns estudos demonstraram que as comunidades piscatórias e as cidades portuárias se veem frequentemente confrontadas com um elevado nível de pobreza, escassez de serviços públicos e condições de vida precárias. Do mesmo modo, subestima-se o papel das mulheres, especialmente os cônjuges colaboradores, para a prosperidade do setor. É necessário aprofundar a investigação sobre estes aspetos sociais.

    2.7.

    Por conseguinte, o Comité insta a Comissão Europeia a promover, comunicar e propor as medidas necessárias não só para garantir a segurança marítima e assegurar condições de trabalho dignas, mas também para atrair mão de obra qualificada, vital para a sobrevivência e o crescimento de um setor estratégico para a Europa.

    3.   Observações gerais

    3.1.

    O CESE defende uma política comum das pescas responsável e abrangente. Por conseguinte, as medidas de conservação dos recursos biológicos marinhos devem ser coerentes com — e nunca contrárias a — condições de trabalho e de vida dignas a bordo dos navios de pesca, não devendo prejudicar a segurança no mar, nem a formação e qualificação dos pescadores. Embora não seja possível eliminar os perigos específicos do mar, é possível reduzir os riscos de acidente e melhorar as condições a bordo, se as autoridades competentes assumirem este compromisso quando da regulamentação do setor das pescas, tornando-o mais seguro.

    3.2.

    O CESE recorda todos os Estados-Membros e a União Europeia que são signatários da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM, ou UNCLOS na sua sigla inglesa), que impõe aos Estados de bandeira a obrigação de garantir a segurança marítima através da sua legislação interna, baseada em normas acordadas a nível internacional, embora os Estados de bandeira possam também, naturalmente, adotar as suas próprias medidas para garantir a segurança no mar. Embora os Estados-Membros tenham levado muito a sério a obrigação de regulamentar a dimensão social do setor dos transportes marítimos (graças, em parte, aos esforços legislativos da União), as taxas de ratificação das convenções internacionais em matéria de segurança e condições de trabalho no setor da pesca marítima continuam a ser muito baixas.

    3.3.

    Por esta razão, o Comité salienta a necessidade de continuar a promover a aplicação dos instrumentos legislativos internacionais existentes, como a Convenção n.o 188 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que rege as condições sociais a bordo dos navios de pesca, o Acordo da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) sobre medidas do Estado do porto para prevenir, impedir e eliminar a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (pesca INN), o Acordo da Cidade do Cabo para a segurança dos navios de pesca e a Convenção Internacional da Organização Marítima Internacional (OMI) sobre Normas de Formação, de Certificação e de Serviço de Quartos para os Marítimos dos Navios de Pesca, de 1995 (Convenção STCW-F).

    3.4.

    O CESE recorda a importância de garantir a responsabilidade social em toda a cadeia de valor do setor das pescas e observa que o modelo europeu de diálogo social é uma referência para assegurar condições de trabalho dignas no setor das pescas. Neste contexto, congratula os parceiros sociais europeus que, ao abrigo do artigo 155.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, negociaram e propuseram a Diretiva (UE) 2017/159, que transpôs a Convenção n.o 188 da OIT para o direito da UE.

    3.4.1.

    O Comité lamenta, no entanto, que não tenha sido possível incluir os pescadores independentes no âmbito de aplicação da diretiva, o que se deveu ao facto de os parceiros sociais não terem competência para negociar sobre este ponto. Por conseguinte, e à luz do grande número de pescadores independentes na UE, é imprescindível que os Estados-Membros ratifiquem a Convenção n.o 188.

    3.4.2.

    Além disso, o Comité insta a Comissão a completar o processo de regulamentação social do setor das pescas através da apresentação de uma proposta de diretiva complementar, que inclua disposições em matéria de controlo e execução, a fim de assegurar um regime de inspeção que não discrimine entre as diferentes águas e frotas europeias, em virtude da interpretação e aplicação da diretiva.

    3.5.

    Num estudo recente do Parlamento Europeu sobre a formação dos pescadores (8), concluiu-se que a falta de uma norma comum para a formação e certificação dos pescadores na UE (9) constitui um risco de segurança, não só para os próprios pescadores, mas também para outros utentes das águas da UE. Esta lacuna legislativa pode ser colmatada através da aplicação da Convenção STCW-F. Por conseguinte, o CESE insta a Comissão a dar início aos procedimentos para transpor a Convenção STCW-F para o direito da União a fim de melhorar a segurança no mar para a atividade das pescas, amplamente considerada como uma das profissões mais perigosas.

    3.6.

    O CESE exorta a Comissão Europeia a promover a formação no domínio náutico e das pescas como forma de profissionalizar o setor e melhorar a sua capacidade de promover um emprego de qualidade. Neste sentido, os cursos de formação profissional deveriam privilegiar o empirismo e a experiência prática, sem, contudo, negligenciar a elevada competência e aptidão que necessitam os profissionais do meio marinho, aprofundando modelos como a formação profissional dual. Para o efeito, o Comité apela a uma maior utilização do Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas, a que se alargue o âmbito dos possíveis objetivos e se autorize o recurso ao FSE enquanto fundo complementar para a formação, dando especial atenção à pesca artesanal.

    3.7.

    O CESE recorda que a integração da Convenção no acervo da União trará vários benefícios para o setor, uma vez que garantirá a livre de circulação dos trabalhadores através da emissão de diplomas de aptidão válidos em toda a UE (ao contrário do que acontece atualmente), facilitará a mobilidade dos pescadores entre a pesca e outros empregos marítimos e permitirá elaborar programas de formação harmonizados na UE. No entanto, para a correta aplicação da Convenção, importa ainda elaborar normas europeias para os exames médicos dos pescadores, a fim de atestar a sua robustez. Estas normas são igualmente necessárias para cumprir o disposto no artigo 10.o da Convenção n.o 188 sobre o Trabalho no Setor das Pescas, segundo o qual nenhum pescador pode trabalhar a bordo de um navio de pesca sem um atestado médico válido. Para o efeito, o Comité do Diálogo Social Setorial para a Pesca Marítima elaborará normas para o exame médico dos pescadores em 2019-2020.

    3.8.

    Em conformidade com o que precede, o CESE considera prioritário aumentar a atratividade da profissão das pescas, atrair talentos e facilitar a inclusão dos jovens nesta atividade, a qual emprega mais de 150 000 membros de tripulação, através da colaboração das administrações públicas e dos principais intervenientes com o setor da educação e do emprego. Isto é necessário para dar resposta à escassez de tripulações, um problema que põe em risco a viabilidade do setor e que foi identificado como sendo o problema atual mais grave com que se depara a frota pesqueira europeia. A indústria observa que se não forem encontradas soluções a curto e médio prazo, muitos navios não terão outro remédio se não permanecer atracados. É, por conseguinte, necessário implementar planos estratégicos no domínio social, a fim de atrair trabalhadores europeus para o setor das pescas, por um lado, e facilitar a contratação de nacionais de países terceiros, por outro. O CESE recomenda que se promova a carreira no setor marítimo e das pescas e que se divulgue as pescas como sendo uma saída profissional digna, repleta de oportunidades para os jovens.

    3.9.

    O facto de se ter descurado a promoção social do setor das pescas levou a que os cidadãos da UE tivessem menos interesse em aceder à profissão, o que, por sua vez, contribuiu para aumentar o recurso a pescadores migrantes (de países não pertencentes ao EEE) nas águas da UE, os quais, em determinados casos e países, são facilmente vítimas de abusos laborais (10). As especificidades do setor das pescas, cujo trabalho é realizado por longos períodos no mar, tornam os pescadores migrantes particularmente vulneráveis.

    3.10.

    A fim de resolver esta questão, e em conformidade com a resolução da OIT adotada, em 2017, na reunião tripartida sobre questões relacionadas com os pescadores migrantes (11), o CESE considera essencial desenvolver princípios gerais e orientações práticas para serviços justos do mercado de trabalho no setor das pescas, incluindo: a) orientações suficientes e adequadas para os proprietários de navios de pesca e os serviços (transfronteiras) do mercado de trabalho; b) contratos-modelo para serviços (transfronteiras) do mercado de trabalho no setor das pescas; c) orientações suficientes e adequadas para os pescadores que procuram emprego a bordo de navios de pesca (estrangeiros); e d) mecanismos de reclamação. Para o efeito, o Comité do Diálogo Social Setorial para a Pesca Marítima elaborará normas para a contratação digna dos pescadores migrantes em 2019-2020.

    3.11.

    O Comité apela igualmente aos Estados-Membros da UE para que ratifiquem, apliquem e façam cumprir a Convenção n.o 188 da OIT. Além disso, insta a Comissão Europeia a recolher dados e estatísticas sobre a situação dos pescadores migrantes na Europa.

    3.12.

    Nos termos do artigo 22.o do regulamento de base da política comum das pescas, os Estados-Membros procuram «obter um equilíbrio estável e duradouro» entre a capacidade de pesca das suas frotas e as suas possibilidades de pesca. Para o efeito, garantem que a capacidade de pesca das suas frotas não excederá em nenhum momento os limites máximos de capacidade fixados em termos de arqueação bruta (volume) e kW (potência). Num estudo recente, cofinanciado pela UE, sobre o impacto social destes limites (12), os parceiros sociais europeus salientaram que a limitação da arqueação bruta tem um impacto negativo na segurança, no conforto dos pescadores e na qualidade do peixe, uma vez que penaliza as iniciativas que proporcionam medidas adicionais de segurança, conforto e qualidade nos navios, pois os metros cúbicos suplementares em causa têm de competir, por exemplo, com o volume do porão, o volume da casa das máquinas ou os depósitos de combustível.

    3.13.

    À luz do que precede, o CESE exorta a Comissão Europeia a encontrar fórmulas alternativas para calcular a capacidade de pesca, de maneira idêntica à realizada na Noruega ou na Islândia, países que excluem do cálculo os espaços reservados ao descanso, conforto e lazer, com base em diferentes fatores como a quota atribuída ou a dimensão do navio. Neste sentido, dever-se-ia, adicionalmente, autorizar o aumento da arqueação dos navios nos casos em que os volumes adicionais correspondem à necessidade de melhorar a segurança e o conforto das tripulações.

    3.14.

    O CESE chama também a atenção para o facto de tanto a Convenção n.o 188 como a Diretiva (UE) 2017/159 estipularem a necessidade de proporcionar mais espaço para o alojamento da tripulação a bordo dos novos navios de pesca (construídos a partir de 15 de novembro de 2019). Num estudo recente realizado em França, indicou-se igualmente que se registou um aumento do tempo de trabalho e uma diminuição do tempo de descanso, o que aumenta os riscos para a saúde e profissionais dos pescadores. A Universidade de Wageningen, nos Países Baixos, e a AZTI, em Espanha, publicaram conclusões semelhantes, que confirmam o agravamento das condições de trabalho.

    3.15.

    O CESE salienta que a obrigação de desembarque exige um aumento do espaço de armazenagem das capturas acessórias que já não podem ser devolvidas ao mar, gerando um maior consumo de combustível devido ao espaço limitado para as espécies-alvo, bem como custos adicionais de desembarque, de triagem manual, de pesagem e de processamento (13). Assinala, igualmente, que põe em risco a segurança a bordo e a estabilidade do barco, ao introduzir um maior empilhamento de caixas no porão, tanto em número como em altura, causando um risco de queda da carga suspensa.

    3.16.

    Além disso, o peixe demasiado pequeno não pode ser comercializado para consumo humano direto, o que leva a um desperdício de peixe, em especial nos Estados-Membros do sul da UE que não possuem fábricas de farinha de peixe, e reduz o rendimento dos pescadores que acabam por receber um preço irrisório por estas capturas.

    3.17.

    Esta situação põe em evidência um conflito jurídico entre o artigo 15.o da política comum das pescas referente à obrigação de desembarque e a Convenção n.o 188, em particular no que se refere às normas relativas às horas de descanso (artigo 14.o). O CESE exorta a Comissão Europeia a fazer uma avaliação de impacto e a propor medidas adequadas para corrigir as incoerências jurídicas entre os diferentes instrumentos jurídicos adotados pela UE que estão a afetar os pescadores.

    3.18.

    A idade média da frota europeia é 23 anos, com casos mais extremos como em Espanha, onde há mais de 2 500 navios que ultrapassam os 40 anos. A grande maioria destes barcos é pequena, utilizando artes de pesca de pequena escala. A fim de garantir a segurança a bordo das embarcações, assim como melhores condições de vida e de trabalho para as tripulações, o CESE considera necessário implementar um plano de renovação e modernização da frota. Este plano poderá ser executado através do desenvolvimento de instrumentos financeiros e do Banco Europeu de Investimento (BEI), o qual poderá facilitar o acesso ao financiamento para as empresas de pesca. Além disso, seria oportuno que o futuro Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas (FEAMP) previsse o apoio à renovação e modernização da frota, sem aumentar a capacidade de pesca.

    3.19.

    Por último, o CESE faz referência à política comercial da União Europeia. Atualmente, mais de 60% do peixe consumido no mercado da UE provém de países terceiros. Muitas destas importações de produtos da pesca são abrangidas por acordos comerciais que concedem preferências pautais, em especial aos países em desenvolvimento (Sistema de Preferências Generalizadas, acordos de parceria económica, etc.). Há casos em que estas preferências são negociadas com países terceiros que não cumprem normas de sustentabilidade social e ambiental equivalentes às que devem ser cumpridas pelos produtores europeus ao abrigo da regulamentação da UE (14), o que leva a uma situação de concorrência desleal e a uma perda de competitividade pelas empresas europeias. Os esforços da UE para tornar as pescas e a produção de marisco sustentáveis e socialmente responsáveis são, por conseguinte, incompatíveis com a importação de produtos de certos países com pouco ou nenhum respeito pela sustentabilidade e responsabilidade social.

    3.20.

    A UE deve utilizar a sua política comercial para tentar que se apliquem normas semelhantes em matéria de sustentabilidade ambiental e social, tanto aos operadores europeus como aos estrangeiros, abrindo o mercado interno apenas aos produtos conformes. Caso contrário, a UE envia uma mensagem errada à comunidade internacional, recompensando aqueles que pouco fazem pela sustentabilidade das unidades populacionais de peixes e pelo tratamento equitativo das pessoas.

    3.21.

    O CESE recomenda uma maior coerência entre a política das pescas e a política comercial. Consequentemente, os países associados à pesca ilegal (pesca INN) e aos abusos laborais graves não deviam poder beneficiar de acesso preferencial ao mercado da UE, antes pelo contrário. Do mesmo modo, os contingentes pautais autónomos também não se deveriam aplicar aos produtos provenientes de países identificados como envolvidos na pesca INN (é este o caso da Tailândia que foi pré-identificada pela Comissão Europeia com cartão amarelo). O CESE propõe utilizar estes instrumentos apenas quando não houver oferta suficiente de produtos europeus nos nossos mercados e não para importar produtos não sustentáveis a preços ainda mais baixos. Além disso, este instrumento pautal leva a que se exerça uma maior pressão sobre os preços dos produtores da UE.

    3.22.

    As medidas no sentido de facilitar o acesso das pessoas que ingerem quantidades insuficientes de ómega-3 e outros nutrientes a peixe a preços justos devem ser consideradas como parte de uma política social com impacto imediato nos custos do sistema de saúde. Muitos países da UE ainda têm de aumentar o consumo de produtos do mar, para que os seus habitantes possam desfrutar de um regime alimentar diversificado e saudável.

    Bruxelas, 25 de setembro de 2019.

    O Presidente

    do Comité Económico e Social Europeu

    Luca JAHIER


    (1)  Parecer do CESE sobre «Ouvir os cidadãos da Europa por um futuro sustentável (Sibiu e mais além)» (JO C 228 de 5.7.2019, p. 37).

    (2)  Parecer do CESE sobre o «Controlo das pescas» (JO C 110 de 22.3.2019, p. 118.

    (3)  Parecer do CESE sobre o «Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas» (JO C 110 de 22.3.2019, p. 104).

    (4)  JO L 25 de 31.1.2017, p. 12. https://eur-lex.europa.eu/search.html?lang=en&text=3201710159&qid=1573563516071&type=quick&scope=EURLEX&locale=en

    (5)  http://www.emsa.europa.eu/emsa-documents/latest/item/3156-annual-overview-of-marine-casualties-and-incidents-2017.html

    (6)  https://ec.europa.eu/jrc/en/publication/eur-scientific-and-technical-research-reports/2018-annual-economic-report-eu-fishing-fleet-stecf-18-07

    (7)  https://ec.europa.eu/jrc/en/publication/eur-scientific-and-technical-research-reports/2018-annual-economic-report-eu-fishing-fleet-stecf-18-07

    (8)  http://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/STUD/2018/617484/IPOL_STU(2018)617484_EN.pdf

    (9)  A Diretiva 2005/36/CE relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais impõe requisitos obrigatórios para a pesca em águas interiores, mas os requisitos aplicáveis à pesca no mar ainda não foram definidos.

    (10)  Parecer do CESE sobre o «Plano plurianual para as unidades populacionais demersais do mar do Norte» (JO C 75 de 10.3.2017, p. 109).

    (11)  https://www.ilo.org/sector/activities/sectoral-meetings/WCMS_552792/lang–en/index.htm

    (12)  http://europeche.chil.me/attachment/34a79089-a07a-40b8-bd55-3683052e3ef7

    (13)  Parecer do CESE sobre a «Obrigação de desembarque» (JO C 311 de 12.9.2014, p. 68).

    (14)  Parecer do CESE sobre o «Controlo das pescas» (JO C 110 de 22.3.2019, p. 118).


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