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Document 52018DC0857

RELATÓRIO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU E AO CONSELHO sobre a transposição da Diretiva 2010/64/UE, relativa ao direito à interpretação e tradução em processo penal

COM/2018/857 final

Bruxelas, 18.12.2018

COM(2018) 857 final

RELATÓRIO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU E AO CONSELHO

sobre a transposição da Diretiva 2010/64/UE, relativa ao direito à interpretação e tradução em processo penal


1.Introdução

1.1.Contexto

A Diretiva 2010/64/UE, relativa ao direito à interpretação e tradução em processo penal 1 («Diretiva») constitui o primeiro instrumento adotado com fundamento no artigo 82.º, n.º 2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia 2 (TFUE). O artigo 82.º, n.º 2, constitui a base jurídica para a adoção, por meio de diretivas, normas mínimas sobre os «direitos individuais em processo penal».

Ao estabelecer normas mínimas comuns para os direitos processuais em ações penais, a Diretiva contribui para o objetivo geral de reforço da confiança mútua, aperfeiçoando a aplicação do princípio do reconhecimento mútuo, pedra angular do espaço de liberdade, segurança e justiça da UE; fá‑lo determinando uma aplicação mais coerente de alguns aspetos do direito a um tribunal imparcial, estabelecido no artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da UE 3 e no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

A Diretiva é a primeira medida do Roteiro para o reforço dos direitos processuais dos suspeitos ou arguidos em ações penais, adotado em 2009 (medida A) 4 . Após a adoção da Diretiva, os trabalhos relacionados com os direitos processuais prosseguiram ao nível da UE. Até à data, a UE adotou cinco outras diretivas relativas:

1.Ao direito à informação sobre os direitos e sobre a acusação, e o acesso ao processo 5 ;

2.Ao direito de acesso a um advogado e à comunicação com terceiros numa situação de privação de liberdade 6 ;

3.Ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em julgamento 7 ;

4.A garantias processuais para os menores 8 ;

5.Ao apoio judiciário 9 .

1.2.Objetivo e principais elementos da Diretiva

A Diretiva permite a aplicação prática do direito a um tribunal imparcial, o que abrange o direito dos suspeitos e arguidos à interpretação e à tradução em processo penal 10 .

A Diretiva estabelece um direito geral à interpretação e à tradução em processo penal para qualquer pessoa, desde o momento em que a esta seja comunicado pelas autoridades competentes que é suspeita ou acusada da prática de uma infração penal até ao termo do processo.

O artigo 2.º estabelece o direito à interpretação em processo penal, por força do qual os Estados‑Membros devem disponibilizar, sem demora, um intérprete, não só durante o processo penal e os processos de execução de mandados de detenção europeus, mas também para as comunicações entre o suspeito ou arguido e o seu defensor legal.

O artigo 3.º estabelece o direito à tradução durante o processo penal e os processos de execução de mandados de detenção europeus, por força do qual os Estados‑Membros devem disponibilizar, num prazo razoável, uma tradução escrita dos documentos que forem essenciais para o exercício do direito de defesa.

1.3.Âmbito do relatório

O relatório avalia a aplicação da Diretiva em conformidade com o seu artigo 10.º, que dispõe que a Comissão deve apresentar ao Parlamento Europeu e ao Conselho um relatório no qual se exponha a apreciação das medidas tomadas pelos Estados‑Membros, a qual deve ser efetuada à luz do necessário para dar cumprimento à Diretiva.

A descrição e a análise constantes do presente relatório baseiam‑se principalmente nas informações prestadas pelos Estados‑Membros à Comissão através das notificações de medidas nacionais de transposição da Diretiva. O relatório baseia‑se também em estudos acessíveis ao público, efetuados pela Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia 11 , ou por partes interessadas externas que apreciam a aplicação de diretivas em matéria de direitos processuais na concessão das subvenções para ações do Programa Justiça 12 .

O relatório centra‑se nas medidas que os Estados‑Membros tomaram até à data para transpor a Diretiva. Nele se aprecia se os Estados‑Membros transpuseram a Diretiva no prazo fixado, e se as legislações nacionais cumprem os objetivos e os requisitos da mesma.

2.Apreciação geral

Por força do artigo 9.º, os Estados‑Membros deviam transpor a Diretiva para o direito nacional até 27 de outubro de 2013. No termo do prazo para a transposição, não tinham comunicado à Comissão as medidas necessárias 16 Estados‑Membros: Bélgica, Bulgária, Irlanda, Grécia, Espanha, Itália, Chipre, Lituânia, Luxemburgo, Hungria, Malta, Áustria, Roménia, Eslovénia, Eslováquia e Finlândia. Por conseguinte, em 29 de novembro de 2013, a Comissão decidiu intentar contra esses 16 Estados‑Membros ações por incumprimento nos termos do artigo 258.º do TFUE, concretamente, por não‑comunicação ou por comunicação parcial das medidas de transposição.

O principal objetivo da Comissão tem sido o de assegurar que todos os Estados‑Membros transpõem os requisitos da Diretiva para o direito nacional, para que os direitos nela consagrados sejam protegidos em toda a União Europeia. A transposição da Diretiva constitui um pré‑requisito para uma apreciação correta das medidas tomadas pelos Estados‑Membros, a qual deve ser feita à luz do necessário para lhe dar cumprimento. A Comissão encetou a apreciação da conformidade das medidas nacionais com a Diretiva assim que os Estados‑Membros as comunicaram, tendo os atrasos na transposição 13 retardado o processo de avaliação geral. Alguns processos por incumprimento, por não‑comunicação ou comunicação parcial, só puderam ser encerrados em 2018, após alterações legislativas adotadas pelos Estados‑Membros 14 . Nestas circunstâncias, e dada a complexidade da apreciação de todas as medidas comunicadas pelos 27 Estados‑Membros vinculados pela Diretiva, devida, em particular, às diferenças dos sistemas jurídicos nacionais, a Comissão não pôde apresentar mais cedo o presente relatório.

Embora o seu impacto decorra apenas do estabelecimento de normas mínimas, sendo, consequentemente, possível a existência de diferenças entre os direitos processuais penais nacionais, a Diretiva impõe aos Estados‑Membros obrigações claras.

A apreciação revelou alguns problemas de conformidade em vários Estados‑Membros, referentes, em particular, à comunicação entre suspeitos ou arguidos e seus defensores legais, à tradução de documentos essenciais, e aos custos de interpretação e de tradução. Se não forem eliminadas, tais divergências podem afetar negativamente a eficácia dos direitos estabelecidos pela Diretiva. Para garantir a conformidade com a Diretiva em toda a União Europeia, a Comissão tomará todas as medidas adequadas, incluindo, se necessário, a instauração de processos por incumprimento nos termos do artigo 258.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

Nos termos dos artigos 1.º e 2.º do Protocolo (n.º 22), a Dinamarca não participa na adoção da Diretiva e não estando por esta vinculada nem sujeita à sua aplicação, pelo que está excluída da avaliação que se segue.

Nos termos do artigo 3.º do Protocolo (n.º 21) relativo à posição do Reino Unido e da Irlanda em relação ao espaço de liberdade, segurança e justiça, estes Estados‑Membros notificaram por escrito a sua intenção de participar na adoção e na aplicação da Diretiva.

3.Pontos de apreciação específicos

3.1.Objeto e âmbito de aplicação (artigo 1.º)

O artigo 1.º da Diretiva estabelece o objeto e o âmbito da sua aplicação, quais são o de assegurar a suspeitos e arguidos que não falem nem compreendam a língua do processo penal o direito à tradução e à interpretação. O principal objetivo da Diretiva consiste em permitir a aplicação prática desses direitos, em particular o direito a um processo equitativo. O direito à interpretação e a tradução também se aplica aos processos de execução de mandados de detenção europeus.

3.1.1.Âmbito de aplicação — artigo 1.º, n.º 2

Decorre do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva que o direito à interpretação e à tradução em processo penal e em processo de execução de mandados de detenção europeus deve ser respeitado desde o momento em que é comunicado a uma pessoa pelas autoridades competentes que é suspeita ou acusada da prática de uma infração penal até ao termo do processo, ou seja, até ser proferida uma decisão definitiva e irrevogável.

Na maioria dos Estados‑Membros, o momento do início e a duração da aplicação do direito à interpretação e tradução são garantidos por uma disposição geral que os precisa (por exemplo, «em qualquer momento durante o processo penal», «ao longo de todo o processo penal», «no processo penal», «durante a execução de ações processuais»). O momento e a forma de comunicar às pessoas que são suspeitas ou acusadas da prática de uma infração penal não são, na maioria dos Estados‑Membros, expressamente mencionados nas medidas de transposição; podem, contudo inferir‑se mediante uma análise pormenorizada das várias fases do processo penal nessas ordens jurídicas.

3.1.2.Infrações de menor gravidade — artigo 1.º, n.º 3

O artigo 1.º, n.º 3, da Diretiva assegura que, quando a lei nacional determina que, tratando‑se de infrações de menor gravidade, as sanções são impostas por uma autoridade que não é um tribunal competente em matéria penal e a imposição dessa sanção é passível de recurso para um tribunal com essas características, o direito à interpretação e à tradução é concedido no processo de recurso.

Esta disposição é relevante para a maioria dos Estados‑Membros (16), em que as autoridades administrativas, a Polícia ou os tribunais competentes em matéria não penal são responsáveis pelo tratamento de infrações de menor gravidade. Aos restantes Estados‑Membros, a disposição não se aplica porque a imposição de sanções para infrações de menor gravidade emana sempre de tribunais competentes em matéria penal

3.1.3.Artigo 1.º, n.º 4

O artigo 1.º, n.º 4, dispõe que a Diretiva não afeta o direito nacional no que diz respeito à presença de um defensor legal em qualquer fase do processo penal nem no que diz respeito ao direito de acesso dos suspeitos ou acusados aos documentos do processo.

Apenas oito Estados‑Membros transpuseram expressamente esta disposição; nos restantes, o seu cumprimento pode inferir‑se da legislação nacional já em vigor.

3.2.Direito à interpretação (artigo 2.º)

O artigo 2.º da Diretiva estabelece o direito à interpretação em processo penal. Por força deste artigo, os Estados‑Membros devem disponibilizar, sem demora, um intérprete durante o processo penal e os processos de execução de mandados de detenção europeus, inclusivamente para as comunicações entre o suspeito ou o acusado e o seu defensor legal. Os Estados‑Membros devem também aplicar um método para avaliar se o suspeito ou acusado compreende a língua do processo penal. Além disso, devem igualmente estabelecer claramente a possibilidade de contestar a decisão de recusa da nomeação de um intérprete e a qualidade da interpretação. Devem ainda garantir que a qualidade da interpretação disponibilizada é suficiente para garantir a equidade do processo.

3.2.1.Interpretação perante as autoridades de investigação e as autoridades judiciais — artigo 2.º, n.º 1

Por força do artigo 2.º, n.º 1, os Estados‑Membros devem disponibilizar sem demora, aos suspeitos ou acusados que não falem ou não compreendam a língua do processo penal, interpretação perante as autoridades de investigação e as autoridades judiciais, inclusivamente durante os interrogatórios policiais, as audiências no tribunal e as audiências intercalares que se revelem necessárias.

A maioria dos Estados‑Membros garante, por uma disposição geral do direito nacional, a interpretação em todas as fases do processo penal, desde a fase de instrução, passando pela do julgamento, até à do recurso. Alguns Estados‑Membros introduziram disposições diferentes para cada fase. Todavia, apenas 11 Estados‑Membros estabeleceram expressamente o requisito da disponibilização aos suspeitos e acusados da interpretação «sem demora».

3.2.2.Interpretação para as comunicações com o defensor legal — artigo 2.º, n.º 2

O artigo 2.º, n.º 2, estabelece o direito de receber serviços de interpretação para comunicações entre o suspeito ou acusado e o seu defensor legal diretamente relacionadas com qualquer interrogatório ou audição no decurso do processo, na interposição de um recurso e noutros trâmites processuais.

A maioria dos Estados‑Membros introduziu no seu direito nacional uma disposição expressa sobre o direito de receber serviços de interpretação para as comunicações com o defensor legal. Porém, em alguns Estados‑Membros, este direito só é referido na prática jurídica, em comentários de diplomas legais nacionais, ou na jurisprudência e nas disposições que garantem o direito geral à interpretação, o que afeta o cumprimento da Diretiva. Noutros, contrariamente à Diretiva, está condicionado a um pedido específico do suspeito ou acusado ou, em alternativa, do seu defensor legal. Num Estado‑Membro, as autoridades penais primeiro nomeiam o defensor legal como intérprete, se este conhecer a língua do suspeito ou acusado, só alternativamente disponibilizando um intérprete qualificado.

A maioria dos Estados‑Membros indicou os atos processuais abrangidos pelo direito à interpretação nas comunicações com um defensor legal.

3.2.3.Assistência a pessoas com deficiência auditiva ou da fala — artigo 2.º, n.º 3

O artigo 2.º, n.º 3, descreve o direito à interpretação como incluindo a assistência adequada a pessoas com deficiência auditiva ou da fala.

A maioria dos Estados‑Membros limitou o âmbito pessoal desta disposição referindo‑se apenas a pessoas «surdas ou mudas», «surdas e com deficiência auditiva» ou «surdas‑cegas». Esta terminologia afigura‑se demasiado restritiva para abranger todas as deficiências auditivas e da fala.

Quanto à «assistência adequada» concedida a esta categoria de pessoas, 10 Estados‑Membros referem expressamente os serviços de um intérprete de língua gestual e sete outros Estados‑Membros mencionam simplesmente serviços de interpretação no geral. A comunicação por escrito é favorecida em 10 Estados‑Membros, para assegurar uma assistência adequada. Em alguns Estados‑Membros, a assistência adequada pode ser prestada por pessoas familiarizadas com os suspeitos ou acusados.

3.2.4.Avaliação da necessidade de assistência — artigo 2.º, n.º 4

O artigo 2.º, n.º 4, dispõe que os Estados‑Membros devem criar um procedimento ou método que permita apurar se o suspeito ou acusado fala e compreende a língua do processo penal, e se necessita da assistência de um intérprete.

A maioria dos Estados‑Membros estabelece a obrigação de se avaliar a necessidade de interpretação em todas as fases do processo, não definindo, contudo, um método específico para o efeito. Apenas dois Estados‑Membros estabeleceram um método específico.

3.2.5.Direito de contestar e apresentar queixa — artigo 2.º, n.º 5

Por força do artigo 2.º, n.º 5, os Estados‑Membros devem assegurar ao suspeito ou acusado o direito de contestar a decisão que determina não ser necessária interpretação e a possibilidade de apresentar queixa do facto de a qualidade da interpretação não ser suficiente para garantir a equidade do processo.

No que se refere ao direito de contestar a decisão que determina não ser necessária interpretação, apenas 10 Estados‑Membros introduziram na sua legislação procedimentos para este efeito. Os restantes remetem para os procedimentos gerais para recurso das decisões de autoridades de instrução e jurisdicionais, e para apresentação de queixas ou objeções durante o processo penal.

Quanto à possibilidade de apresentação de queixa da qualidade da interpretação, 15 Estados‑Membros referiram um procedimento para o efeito. Os restantes remeteram para procedimentos gerais para apresentação de queixas e objeções, ou, mesmo, para recursos por violação de direitos processuais de defesa. A possibilidade de substituição de um intérprete por falta de qualidade dos serviços de interpretação prestados está prevista na maioria dos Estados‑Membros.

3.2.6.Tecnologias de comunicação — artigo 2.º, n.º 6

O artigo 2.º, n.º 6, permite que os Estados‑Membros recorram, se adequado, a tecnologias de comunicação como a videoconferência, o telefone ou a Internet, salvo se a presença física do intérprete for necessária para garantir a equidade do processo.

Metade dos Estados‑Membros optou por prever esta possibilidade. Entre eles, 12 Estados‑Membros referiram a limitação estabelecida no artigo 2.º, n.º 6, da Diretiva. Em dois Estados‑Membros precisa‑se que a utilização de tecnologias de comunicação não pode lesar os direitos de defesa do suspeito ou acusado.

3.2.7.Interpretação nos processos de execução de mandados de detenção europeus — artigo 2.º, n.º 7

O artigo 2.º, n.º 7, dispõe que os Estados‑Membros devem assegurar a interpretação também nos processos de execução de mandados de detenção europeus. Quase todos os Estados‑Membros (uma exceção) transpuseram corretamente esta disposição.

3.2.8.Qualidade da interpretação — artigo 2.º, n.º 8

O artigo 2.º, n.º 8, dispõe que a interpretação tenha a qualidade suficiente para garantir a equidade do processo, assegurando, em particular, que o suspeito ou acusado tenha conhecimento das acusações e provas contra ele deduzidas e seja capaz de exercer o seu direito de defesa. Quase todos os Estados‑Membros transpuseram esta disposição, embora a maioria não refira expressamente a qualidade da interpretação. Desses Estados‑Membros, em 16, os intérpretes que participam no processo devem estar registados ou ser ajuramentados, ou devem constar das listas disponibilizadas às autoridades penais, por cumprirem um conjunto de critérios de qualidade.

3.3.Direito à tradução dos documentos essenciais (artigo 3.º)

O artigo 3.º da Diretiva estabelece o direito à tradução durante o processo penal e os processos de execução de mandados de detenção europeus, devendo os Estados‑Membros facultar, num período razoável, uma tradução escrita dos documentos essenciais para o exercício do direito de defesa. Este direito inclui a possibilidade de contestação da recusa de tradução e da qualidade desta. A título excecional, sob estritas condições, admitem‑se a tradução oral e a renúncia ao direito à tradução. Os Estados‑Membros devem garantir também a qualidade dos serviços de tradução.

3.3.1.Tradução de documentos essenciais — artigo 3.º, n.º 1

O artigo 3.º, n.º 1, dispõe que deve ser facultada, num período razoável, aos suspeitos ou acusados que não compreendam a língua do processo penal, uma tradução escrita de todos os documentos essenciais ao exercício do seu direito de defesa e à equidade do processo 15 .

A maior parte dos Estados‑Membros (uma exceção), contempla a tradução escrita dos documentos essenciais. Nesses Estados‑Membros, a tradução deve ser facultada «num período razoável», ou formulação semelhante, como «rapidamente», «o mais rapidamente possível» ou «assim que possível». Em oito Estados‑Membros, a legislação nacional não afirma que a tradução dos documentos essenciais será facultada num lapso de tempo razoável, o que afeta o cumprimento da Diretiva.

3.3.2.Definição de documentos essenciais — artigo 3.º, n.º 2

O artigo 3.º, n.º 2, dispõem que os documentos essenciais devem incluir as decisões que imponham uma medida privativa de liberdade, a acusação ou a pronúncia, e as sentenças.

A maioria dos Estados‑Membros enumerou os documentos que devem ser considerados essenciais ao abrigo da presente disposição, embora sem utilizar necessariamente o termo «documentos essenciais». A lista de documentos a traduzir é, na maioria dos casos, indicativa e permite a tradução de documentos adicionais além daqueles para os quais a tradução é obrigatória.

Em alguns Estados‑Membros, a conformidade não é assegurada porquanto a lista de documentos a traduzir não refere todos os documentos enumerados na Diretiva (por exemplo, só são traduzidas partes do despacho de pronúncia, ou nem todos os documentos sobre as medidas privativas de liberdade são traduzidos).

3.3.3.Decisão sobre o caráter essencial de um documento — artigo 3.º, n.º 3

O artigo 3.º, n.º 3, dispõe que as autoridades competentes devem decidir, em cada caso, se qualquer outro documento é essencial e que o suspeito ou acusado ou o seu defensor legal podem apresentar um pedido fundamentado para esse efeito.

A maioria dos Estados‑Membros admite pedidos de tradução de documentos adicionais para o suspeito ou acusado. Seis Estados‑Membros não permitem que os suspeitos ou acusados ou o seu defensor legal apresentem um pedido fundamentado para a tradução de um documento adicional. Cerca de metade refere alguns critérios gerais para determinar o caráter essencial dos documentos (por exemplo, quando estes são necessários para o exercício do direito de defesa ou quando tal é do interesse da justiça em geral).

3.3.4.Não tradução de passagens de documentos essenciais não relevantes — artigo 3.º, n.º 4

Nos termos do artigo 3.º, n.º 4, não têm de ser traduzidas as passagens de documentos essenciais que não sejam relevantes para que o suspeito ou acusado conheça as acusações e provas contra ele deduzidas.

A maioria dos Estados‑Membros fez uso desta disposição facultativa. Na legislação nacional, as razões que justificam a não tradução de determinadas passagens variam, desde o facto de estas não serem relevantes para que o suspeito ou acusado conheça as acusações e provas contra ele deduzidas ao facto de não serem relevantes para o exercício do direito de defesa.

Alguns Estados‑Membros vão além desta norma mínima, prevendo que os documentos essenciais devem ser sempre traduzidos na íntegra e não apenas as passagens relevantes.

3.3.5.Direito de contestar e apresentar queixa — artigo 3.º, n.º 5

O artigo 3.º, n.º 5, dispõe que os Estados‑Membros devem assegurar que o suspeito ou acusado tenha o direito de contestar a decisão segundo a qual não é necessária a tradução de documentos ou passagens de documentos, e a possibilidade de apresentar queixa do facto de a qualidade da tradução não ser suficiente para garantir a equidade do processo.

No que se refere ao direito de contestar a decisão segundo a qual não é necessária a tradução de documentos, apenas oito Estados‑Membros (tal como para o artigo 2.º, n.º 5) introduziram procedimentos específicos na sua legislação que abordam este procedimento de revisão. Os restantes basearam‑se em procedimentos gerais existentes para recorrer das decisões das autoridades de instrução e jurisdicionais e para apresentar queixas ou objeções durante o processo penal.

Relativamente à possibilidade de apresentarem queixa da qualidade da tradução, menos de metade dos Estados‑Membros referiram expressamente um procedimento específico de apresentação de queixas. Os restantes referem procedimentos gerais para apresentar queixas e objeções ou mesmo recursos baseados na violação dos direitos processuais de defesa.

Embora a Diretiva não o preveja, alguns Estados‑Membros foram mais longe e oferecem a possibilidade de substituição do tradutor se a qualidade da tradução for considerada insuficiente.

3.3.6.Tradução de mandados de detenção europeus — artigo 3.º, n.º 6

O artigo 3.º, n.º 6, dispõe que a tradução do mandado de detenção europeu deve ser facultada no contexto desses processos.

Quase todos os Estados‑Membros, à exceção de quatro, transpuseram corretamente esta disposição. Entre eles, a maioria reconhece expressamente o direito a uma tradução do mandado de detenção europeu.

3.3.7.Tradução oral ou resumo oral de documentos essenciais — artigo 3.º, n.º 7

O artigo 3.º, n.º 7, prevê uma exceção que permite facultar uma tradução oral ou um resumo oral dos documentos essenciais, em vez de uma tradução escrita, na condição de essa tradução oral ou esse resumo oral não prejudicarem a equidade do processo.

Quase todos os Estados‑Membros decidiram incluir esta exceção no seu direito nacional. Apenas dois Estados‑Membros onde a tradução de documentos essenciais é sempre facultada não transpuseram esta exceção.

Entre os Estados‑Membros que transpuseram esta opção, seis especificam que uma tradução oral ou um resumo oral serão facultados desde que tal não prejudique a equidade do processo. Outros não mencionam que as traduções orais são uma exceção às traduções escritas, não sendo, por vezes claro, na prática, se é esse o caso, dado que parece que as traduções orais podem ser a regra.

3.3.8.Renúncia ao direito à tradução — artigo 3.º, n.º 8

O artigo 3.º, n.º 8, prevê a possibilidade de renúncia ao direito à tradução de documentos desde que o suspeito ou acusado tenha previamente recebido aconselhamento jurídico, ou obtido, por outra via, pleno conhecimento das consequências da sua renúncia, e desde que essa renúncia seja inequívoca e voluntária.

A maioria dos Estados‑Membros transpôs esta opção. Desses, todos incluíram o requisito de o suspeito ou acusado ter obtido pleno conhecimento das consequências de tal renúncia, utilizando um vocabulário semelhante ou confiando a obrigação de informação às autoridades penais. Contudo, muito poucos Estados‑Membros mencionaram expressamente que a renúncia deve ser inequívoca e voluntária.

Dez Estados‑Membros vão além do mínimo estabelecido pela presente disposição e não preveem a possibilidade de renúncia ao direito à tradução de documentos essenciais em processo penal.

3.3.9.Qualidade da tradução — artigo 3.º, n.º 9

O artigo 3.º, n.º 9, exige que as traduções tenham a qualidade suficiente para garantir a equidade do processo, assegurando, designadamente, que o suspeito ou acusado tenha conhecimento das acusações e provas contra ele deduzidas e seja capaz de exercer o seu direito de defesa.

A maioria dos Estados‑Membros, embora não refira expressamente a qualidade da tradução, providencia no sentido de que a tradução seja de qualidade suficiente, impondo que os tradutores que participam no processo estejam registados, sejam ajuramentados ou constem das pertinentes listas disponibilizadas às autoridades penais, para o que devem cumprir um conjunto de critérios de qualidade. Apenas dois Estados‑Membros não transpuseram esta disposição.

3.4.Custos de interpretação e de tradução (artigo 4.º)

Por força do artigo 4.º os Estados‑Membros devem suportar os custos de interpretação e de tradução em processo penal, independentemente do resultado do processo.

Quase todos os Estados‑Membros, exceto três, transpuseram corretamente esta obrigação. Na maioria dos Estados‑Membros, o requisito de cobrir os custos de interpretação e tradução «independentemente do resultado do processo» está implícito noutras disposições nacionais que garantem que o direito à interpretação e tradução se aplica às fases de instrução e de julgamento e que os custos relacionados não são suportados pelo suspeito ou acusado. Alguns Estados‑Membros preveem a tomada a seu cargo dos custos de interpretação e de tradução em processo penal. Outros que os custos sejam suportados por autoridades específicas (como as autoridades de instrução na fase de instrução e os tribunais na fase de julgamento).

3.5.Qualidade da interpretação e da tradução (artigo 5.º)

O artigo 5.º estabelece a obrigação de os Estados‑Membros tomarem medidas para assegurar a qualidade da interpretação e da tradução. Além disso, devem procurar criar registos de tradutores e intérpretes e colocá‑los à disposição dos defensores legais e das autoridades competentes.

3.5.1.Medidas concretas para assegurar a qualidade — artigo 5.º, n.º 1

O artigo 5.º, n.º 1, dispõe que os Estados‑Membros devem tomar medidas concretas para assegurar que a qualidade da interpretação e da tradução prestadas satisfaz os requisitos de qualidade estabelecidos no artigo 2.º, n.º 8, e no artigo 3.º, n.º 9, da Diretiva.

Como já foi referido, a maioria dos Estados‑Membros introduziu medidas destinadas a assegurar a qualidade da interpretação e da tradução, principalmente através de disposições que regulam a profissão dos intérpretes e tradutores e de requisitos específicos de qualificação.

Alguns Estados‑Membros tomaram medidas específicas que vão além das disposições da Diretiva para garantir a qualidade suficiente da interpretação e da tradução, regulamentando a profissão de intérprete e tradutor ou referindo princípios de conduta ou requisitos éticos dos intérpretes e dos tradutores.

3.5.2.Registos de tradutores e intérpretes — artigo 5.º, n.º 2

Por força do artigo 5.º, n.º 2, os Estados‑Membros devem diligenciar no sentido de criarem um ou mais registos de tradutores e intérpretes independentes com qualificações adequadas.

Apesar de o artigo não impor aos Estados‑Membros a criação de um registo, a maioria tem um ou mais registos para tradutores e intérpretes independentes e apenas alguns ainda não tomaram medidas nesse sentido. Em situações excecionais, principalmente relacionadas com a indisponibilidade de um intérprete/tradutor, a falta de um intérprete/tradutor para uma língua específica, ou os custos desproporcionados, seis Estados‑Membros preveem a possibilidade de convocação de intérpretes/tradutores não inscritos nos registos ou listas oficiais para participar no processo.

3.5.3.Confidencialidade — artigo 5.º, n.º 3

O artigo 5.º, n.º 3, dispõe que os Estados‑Membros devem assegurar que os intérpretes e tradutores respeitam a confidencialidade no desempenho da sua função.

A maioria dos Estados‑Membros estabelece um dever específico de confidencialidade para intérpretes e tradutores aplicável ao processo penal, ao passo que alguns dispõem de um dever de confidencialidade mais geral. Contrariamente ao que dispõe a Diretiva, dois Estados‑Membros não transpuseram esta disposição, uma vez que não impuseram o dever de confidencialidade aos intérpretes e tradutores.

3.6.Formação (artigo 6.º)

O artigo 6.º dispõe que os Estados‑Membros devem requerer aos responsáveis pela formação de juízes, magistrados do Ministério Público e funcionários judiciais que exerçam atividade no âmbito do processo penal que consagrem especial atenção às especificidades da comunicação com a assistência de um intérprete, de modo a assegurar uma comunicação eficiente e eficaz.

Em geral, esta disposição não foi expressamente transposta pela maioria dos Estados‑Membros. Porém, os seus sistemas nacionais geralmente incluem medidas não vinculativas que garantem programas de formação para funcionários judiciais. Em vários Estados‑Membros, a formação de juízes, procuradores e pessoal judicial inclui elementos específicos sobre as particularidades da comunicação com assistência de um intérprete.

3.7.Conservação de registos (artigo 7.º)

O artigo 7.º da Diretiva impõe aos Estados‑Membros o dever de conservação de registos sempre que um intérprete esteja presente durante o interrogatório e as audiências, sempre que tenham sido facultados uma tradução oral ou um resumo oral de documentos essenciais, e sempre que o suspeito ou acusado tenha renunciado ao direito à tradução.

O dever de conservação de registos foi transposta de forma precisa na maioria dos Estados‑Membros, que estabeleceram o dever de conservação de um registo da assistência de um intérprete durante o interrogatório ou as audiências por uma autoridade de investigação ou uma autoridade judicial, e da utilização de uma tradução oral ou resumo oral de documentos essenciais.

Na maior parte dos casos, foi igualmente imposto o dever de conservação de um registo de renúncias ao direito à tradução. Em sete Estados‑Membros, o dever de conservação de registos pode inferir‑se das disposições gerais sobre o dever de manutenção de um registo pormenorizado ou atas de todas as ações relacionadas com todas as fases do processo penal. Um Estado‑Membro não estabelece o dever específico de registo da presença de um intérprete ou o facto de ter sido facultada uma tradução oral.

Quanto à competência para conservar os registos, na maioria dos Estados‑Membros, as autoridades de investigação são responsáveis pela sua conservação na fase de instrução, enquanto no processo judicial tal cabe ao tribunal ‑ geralmente é o secretário do tribunal que cumpre essa função.

4.Conclusões

A Diretiva foi introduzida para permitir a aplicação de um direito específico a um processo equitativo, ou seja, o direito dos suspeitos ou acusados a disporem de interpretação e tradução em processo penal e processos de execução de mandados de detenção europeus.

A Diretiva tem um impacto significativo na proteção dos suspeitos ou acusados nos Estados‑Membros, garantindo uma aplicação mais coerente dos direitos e garantias consagrados nos artigos 47.º e 48.º da Carta dos Direitos Fundamentais e no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos através do estabelecimento de normas mínimas comuns europeias. Desta forma, a Diretiva contribui para melhorar a confiança mútua entre os Estados‑Membros, conforme previsto no Roteiro para o reforço dos direitos processuais dos suspeitos ou acusados em processos penais.

Em geral, a Diretiva proporcionou valor acrescentado da UE, aumentando o nível de proteção dos cidadãos envolvidos em processos penais, especialmente em alguns Estados‑Membros onde o direito à tradução e à interpretação não existia anteriormente.

A extensão do impacto da Diretiva nos Estados‑Membros varia em função dos sistemas nacionais de justiça penal em vigor. A avaliação salienta que ainda existem dificuldades em disposições fundamentais da Diretiva em alguns Estados‑Membros, em especial no que se refere à comunicação entre suspeitos ou acusados e os seus defensores legais, à tradução de documentos essenciais, e aos custos de interpretação e de tradução.

A avaliação também mostra que, atualmente, não é necessário rever a Diretiva, mas que a sua aplicação pode ser melhorada na prática. A Comissão continuará a avaliar a conformidade dos Estados‑Membros com a Diretiva e tomará todas as medidas adequadas para assegurar a conformidade com as suas disposições em toda a União Europeia.

(1)

JO L 280 de 26.10.2010, p. 1.

(2)

JO C 326 de 26.10.2012, p. 47.

(3)

JO C 326 de 26.10.2012, p. 392.

(4)

Resolução do Conselho, de 30 de novembro de 2009, sobre um Roteiro para o reforço dos direitos processuais dos suspeitos ou acusados em processos penais (JO C 295 de 4.12.2009, p. 1).

(5)

Diretiva 2012/13/UE, relativa ao direito à informação em processo penal (JO L 142 de 1.6.2012, p. 1).

(6)

Diretiva 2013/48/UE, relativa ao direito de acesso a um advogado em processo penal e nos processos de execução de mandados de detenção europeus, e ao direito de informar um terceiro aquando da privação de liberdade e de comunicar, numa situação de privação de liberdade, com terceiros e com as autoridades consulares (JO L 294 de 6.11.2013, p. 1).

(7)

Diretiva (UE) 2016/343, relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em julgamento em processo penal (JO L 65 de 11.3.2016, p. 1).

(8)

Diretiva (UE) 2016/800, relativa a garantias processuais para os menores suspeitos ou arguidos em processo penal (JO L 132 de 21.5.2016, p. 1).

(9)

Diretiva (UE) 2016/1919, relativa ao apoio judiciário para suspeitos e arguidos em processo penal e para as pessoas procuradas em processos de execução de mandados de detenção europeus (JO L 297 de 4.11.2016, p. 1).

(10)

Até à data, o TJUE já interpretou a Diretiva 2010/64/UE em três ocasiões. Cf. TJUE, 15 de outubro de 2015, Covaci, C‑216/14; TJUE, 9 de junho de 2016, Balogh, C‑25/15; TJUE, 12 de outubro de 2017, Sleutjes, C‑278/16.

(11)

Estudo efetuado pela Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA), Rights of suspected and accused persons across the EU: translation, interpretation and information, novembro de 2016. Disponível em: http://fra.europa.eu/en/publication/2016/rights‑suspected‑and‑accused‑persons‑across‑eu‑translation‑interpretation‑and

(12)

Cf. estudo efetuado pelo Conselho das Ordens de Advogados da União Europeia (CCBE), TRAINAC — Assessment, good practices and recommendations on the right to interpretation and translation, the right to information and the right of access to a lawyer in criminal proceedings, publicado em 2016. Disponível em: http://europeanlawyersfoundation.eu/wp‑content/uploads/2015/04/TRAINAC‑study.pdf Cf. também Inside Police Custody e Inside Police Custody 2 , elaborados pelo Irish Council for Civil Liberties em 2014 e 2018. Disponível em: https://intersentia.be/nl/pdf/viewer/download/id/9781780681863_0/ .

(13)

Assim, por exemplo, o Luxemburgo só transpôs a Diretiva em março de 2017 e, em maio de 2017, a Lituânia notificou novas medidas para completar a transposição da Diretiva.

(14)

Os processos relativos ao Luxemburgo e à Lituânia foram encerrados em janeiro de 2018.

(15)

No processo C‑278/16, Sleutjes, o Tribunal de Justiça declarou que um despacho de condenação previsto no direito nacional com vista a sancionar infrações penais menores e proferido por um juiz no termo de um processo unilateral simplificado, constitui um «documento essencial», na aceção do n.º 1 deste artigo (ponto 34), dado que «constitui, em simultâneo, uma acusação e uma sentença, na aceção do artigo 3.º, n.º 2, da Diretiva 2010/64» (ponto 31).

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