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Document 52018AE2925

Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo aos requisitos mínimos para a reutilização da água» [COM(2018) 337 final]

EESC 2018/02925

JO C 110 de 22.3.2019, p. 94–98 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, HR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

22.3.2019   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 110/94


Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre a «Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo aos requisitos mínimos para a reutilização da água»

[COM(2018) 337 final]

(2019/C 110/18)

Relator:

Mindaugas MACIULEVIČIUS

Consulta

Parlamento Europeu, 2.7.2018

Conselho, 26.6.2018

Base jurídica

Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

Decisão da Mesa

19.9.2017

 

 

Competência

Secção Especializada de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Ambiente

Adoção em secção

27.11.2018

Adoção em plenária

12.12.2018

Reunião plenária n.o

539

Resultado da votação

(votos a favor/votos contra/abstenções)

140/1/0

1.   Conclusões e recomendações

1.1.

Trata-se de uma iniciativa oportuna e muito positiva da Comissão Europeia. A proposta de regulamento incentivará significativamente o desenvolvimento de recursos hídricos adicionais seguros para fins de irrigação agrícola, ou seja, água que pode ser tratada a fim de ser utilizada com segurança na agricultura, assim como, se adequado, conservar um teor valioso de nutrientes úteis, bem como matéria orgânica adequada que contribui para a fertilização dos solos.

1.2.

O valor acrescentado desta iniciativa consiste, principalmente, em diminuir a pressão sobre as reservas de água potável e também em simplificar as possibilidades de investimento público e privado para criar este tipo de recursos hídricos suplementares. As referidas infraestruturas, distintas e específicas, de abastecimento e tratamento para utilização agrícola complementarão as fontes e infraestruturas de abastecimento existentes que, consoante o Estado-Membro, são serviços essenciais sob a responsabilidade do Estado, do município ou de entidades privadas.

1.3.

O CESE acolhe favoravelmente a proposta de regulamento em apreço enquanto complemento útil para a concretização dos objetivos da Diretiva-Quadro «Água» e contributo para o pacote Economia Circular. O regulamento incentivará a utilização mais sustentável dos recursos hídricos existentes e aumentará a confiança dos consumidores na segurança dos produtos agrícolas afetados.

1.4.

Atualmente, os consumidores desconhecem as diversas normas em vigor nos Estados-Membros em matéria de reutilização da água e muitos desconhecem que as águas depuradas são amplamente utilizadas na irrigação. Uma vez que o regulamento em apreço prevê uma abordagem coerente assente em pareceres científicos sólidos, pode ser considerado como um elemento de base necessário da política de segurança alimentar.

1.5.

Contrariamente à impressão criada pelo título geral do regulamento, a essência da proposta está estreitamente centrada na reutilização das águas residuais urbanas para fins de irrigação. Embora este aspeto seja mencionado na exposição de motivos do regulamento, recomenda-se dar maior relevância a esse enfoque para minimizar as preocupações de omissão das oportunidades de reutilização para fins domésticos e industriais.

1.6.

O potencial de reutilização da água para recarga de aquíferos, embora não seja objeto do regulamento em apreço, continua a ser de interesse, importando realizar mais análises técnicas para resolver os problemas complexos identificados na avaliação de impacto.

1.7.

O Comité recomenda vivamente a realização de um controlo eficaz dos recursos hídricos e a adoção de um sistema eficiente de execução e responsabilização em todos os Estados-Membros para que o regulamento em apreço tenha o máximo impacto pretendido. Em particular, devem ser aplicadas de forma mais coerente as proibições de extração ilegal de água.

1.8.

Existe uma justificação válida para se apoiar os investimentos de capital necessários à criação das infraestruturas de reutilização da água. No entanto, a construção de tais infraestruturas deve beneficiar do apoio dos fundos estruturais e, principalmente, do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural e do Fundo de Coesão.

1.9.

Embora se espere que o impacto na concorrência de importações provenientes de países terceiros seja neutro, o CESE exorta a Comissão a aproveitar esta oportunidade para reforçar, com base na elaboração das presentes normas a nível da UE, em conjunto com a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos, a posição nos debates internacionais que visam a fixação de normas sobre a reutilização da água, de modo a assegurar igualmente a conformidade das importações provenientes de países terceiros. O CESE tem defendido regularmente a coerência das normas agrícolas internacionais, e o regulamento em apreço pode fixar parâmetros de referência a nível mundial para a reutilização da água (1).

2.   Introdução

2.1.

Devido às alterações climáticas e ao aumento da procura, a pressão sobre os recursos hídricos (2) já afeta muitos territórios da UE, um terço dos quais se depara com problemas de escassez e de qualidade da água ao longo do ano (3). O Comité salientou estas preocupações em pareceres anteriores, tendo instado ao aumento do investimento no tratamento das águas residuais para fins de reutilização e sublinhado que o objetivo de «fechar» o ciclo da água já não se afigura irrealista (4). Grande parte dos recursos hídricos é utilizada para a irrigação agrícola, especialmente nos Estados-Membros do sul da UE, onde os produtos agrícolas contribuem de forma significativa para a economia. O objetivo do regulamento em apreço não é alargar a superfície já irrigada, mas utilizar os recursos hídricos existentes com maior segurança e eficácia.

2.2.

Uma das principais prioridades da União é, naturalmente, manter a confiança dos consumidores nos géneros alimentícios, assim como no sistema regulamentar e de inspeção que assegura a sua segurança. O regulamento em apreço aumentará a segurança neste domínio, cujas normas atuais variam consideravelmente entre os Estados-Membros. Potencialmente, o regulamento em apreço pode aumentar em 4,9 mil milhões de m3 a água disponível para fins de irrigação por ano, o que se traduziria numa redução global de mais de 5 % da pressão sobre os recursos hídricos. O regulamento garantirá a segurança das águas depuradas e assegurará um elevado nível de proteção da saúde humana e animal, assim como do ambiente.

2.3.

O regulamento em apreço reforça a economia circular, aumenta a segurança alimentar da UE e contribui para a saúde pública, pois aborda diretamente a necessidade de estabelecer requisitos mínimos harmonizados de qualidade das águas depuradas, cuja grande maioria é utilizada na agricultura. A exigência de disponibilizar informação adequada e atualizada em linha sobre a reutilização da água assegura maior transparência perante os cidadãos. Além disso, a proposta de regulamento contribui para a consecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) pela UE, mais particularmente do ODS 6 relativo a «Água potável e saneamento». Ao contribuir para uma gestão mais adequada dos recursos hídricos na agricultura, permitindo aos agricultores aceder a um abastecimento de água mais sustentável, complementa a proposta da Comissão de uma nova política agrícola comum.

2.4.

Assinala-se que o regulamento em apreço é apresentado como parte de um programa evolutivo, cujo objetivo de longo prazo é equacionar a reutilização da água noutros domínios. No entanto, este regulamento específico centra-se essencialmente e aborda quase exclusivamente o tratamento das águas residuais urbanas já tratadas, a fim de permitir a sua utilização em várias formas de irrigação agrícola. A reutilização para fins domésticos e industriais não se insere no âmbito da proposta em apreço e, em certa medida, já é abrangida, por exemplo, pela Diretiva «Águas residuais urbanas», atualmente em fase de revisão (5).

3.   Síntese da proposta da Comissão

3.1.

A proposta de regulamento faz parte de uma estratégia de gestão integrada da água para resolver o grave problema crescente da pressão sobre os recursos hídricos na UE. A par da adoção de medidas de eficiência hídrica e de poupança de água, as águas tratadas provenientes de estações de tratamento de águas residuais urbanas podem contribuir para a resolução do problema em causa, constituindo uma forma alternativa de abastecimento de água fiável.

3.2.

Regra geral, a reutilização da água tem menor impacto ambiental do que outras formas alternativas de abastecimento de água e pode proporcionar uma série de benefícios ambientais, económicos e sociais. O regulamento centra-se na reutilização da água para fins de irrigação agrícola, que, atualmente, representa cerca de um quarto do total de água doce captada na UE.

3.3.

O regulamento aplica-se diretamente aos Estados-Membros, assim como aos operadores comerciais, podendo estimular o desenvolvimento e a adoção de tecnologias ambientais. A proposta estabelece requisitos mínimos para a qualidade e a monitorização das águas depuradas, introduz tarefas essenciais de gestão dos riscos e permite uma abordagem harmonizada da reutilização da água para fins de irrigação em toda a UE. Especificamente, a proposta estabelece:

3.3.1.

Requisitos mínimos para a qualidade das águas depuradas e para a monitorização, abrangendo elementos microbiológicos (por exemplo, níveis da bactéria E. coli) e requisitos de monitorização para controlos de rotina e para fins de validação. Tais requisitos garantirão que as águas depuradas produzidas em conformidade com a proposta de regulamento são seguras para fins de irrigação.

3.3.2.

Tarefas essenciais de gestão dos riscos, que conferem um nível de proteção adicional aos requisitos mínimos, isto é, a identificação de qualquer perigo adicional que tenha de ser resolvido para que a reutilização da água seja segura. Tal envolve essencialmente a elaboração de um plano de gestão dos riscos da reutilização da água pelo operador da estação de depuração, necessário para a emissão de uma licença pela autoridade competente, que deve ser reexaminada, pelo menos, de cinco em cinco anos.

3.3.3.

Maior transparência. As novas regras em matéria de transparência exigem que seja disponibilizada ao público informação em linha convivial sobre a prática de reutilização da água nos respetivos Estados-Membros. As disposições pormenorizadas relativas ao formato e à apresentação das informações a prestar serão fixadas por meio de um ato de execução.

3.4.

O regulamento prevê que os Estados-Membros, assistidos pela Agência Europeia do Ambiente, desenvolvam um conjunto de dados contendo informações sobre a reutilização da água, informações essas que permitirão obter, periodicamente, uma panorâmica do nível de execução do regulamento na União. A primeira avaliação está agendada para seis anos após a entrada em vigor do regulamento.

3.5.

Note-se que a proposta de regulamento não exige que os Estados-Membros procedam ao tratamento de águas residuais para fins de irrigação. O seu principal objetivo é criar confiança nas várias partes interessadas — autoridades competentes no domínio da água, agricultores, investidores e consumidores —, garantindo que as mais elevadas normas em matéria de segurança são aplicadas de forma coerente no abastecimento de água utilizada para fins de irrigação. Trata-se de um avanço considerável em relação à prática atual.

3.6.

A avaliação de impacto, bem como a documentação de investigação em que se baseia, inclui uma análise pormenorizada das questões técnicas, nomeadamente no que respeita à deteção, às normas de segurança e aos parâmetros-limite.

4.   Observações na generalidade

4.1.

O Comité acolhe favoravelmente o regulamento em apreço enquanto contributo para atenuar as ameaças decorrentes das alterações climáticas e complemento útil para a aplicação da Diretiva-Quadro «Água» e para a economia circular em geral. O CESE toma nota dos exemplos positivos de reutilização extensiva da água em conjugação com a produção agrícola, nomeadamente em Chipre e Israel, onde quase 90 % das águas residuais tratadas são, atualmente, reutilizadas. Questiona se, no âmbito do regulamento sobre a reutilização da água, não se deveria também ter considerado a questão da recuperação do calor a partir da água antes do seu encaminhamento para as estações de tratamento. A instalação dos equipamentos correspondentes deveria processar-se nas habitações unifamiliares e multifamiliares, assim como em piscinas, hotéis, etc.

4.2.

A proposta de regulamento reconhece a primazia das medidas de poupança de água e de eficiência hídrica na hierarquia da gestão dos recursos hídricos. A opção de reutilização voluntária só será selecionada quando for pertinente, segura e rentável. Há uma margem considerável para a aplicação da reutilização da água para fins de irrigação, especialmente em alguns Estados-Membros do sul da UE, onde predominam níveis modestos; por exemplo, Itália e Grécia reutilizam 5 % e Espanha 12 %, sendo encorajador o facto de a reutilização da água continuar a aumentar a um ritmo constante.

4.3.

O Comité observa que o regulamento visa estabelecer uma abordagem uniforme das normas de qualidade da água para reutilização. Atualmente, não é esse o caso. Geralmente, os consumidores desconhecem as grandes variações entre os Estados-Membros no que diz respeito à qualidade da água reutilizada para fins de irrigação. Uma única norma mínima incentivará a aceitação e o investimento, além de proporcionar maior segurança aos consumidores no que toca às questões de saúde.

4.4.

O Comité observa igualmente que as preocupações com agentes patogénicos, contaminantes que começam a causar preocupação, subprodutos de desinfeção e resistência aos antibióticos passam a ser abordadas (no anexo 2), com base no relatório técnico do Centro Comum de Investigação (JRC) «Science for Policy», que examina pormenorizadamente a gestão dos riscos sanitários e ambientais da reutilização da água para fins de irrigação agrícola (6). Tal deve assegurar, projeto a projeto, a proteção dos solos, das águas subterrâneas, da água potável e dos produtos alimentares.

4.5.

Em muitas situações, os preços dos recursos hídricos convencionais são, geralmente, subestimados e não refletem os custos ambientais e dos recursos. Além disso, subsistem captações ilegais significativas em rios e através de furos privados. Para que o regulamento em apreço tenha o máximo impacto pretendido, é necessário que todos os Estados-Membros realizem um controlo eficaz dos recursos hídricos e adotem um sistema eficiente de execução e responsabilização.

4.6.

A proposta de regulamento estabelece um procedimento de autorização específico para projetos de reutilização da água, o que contribuirá para a repartição clara das responsabilidades entre os diferentes intervenientes no ciclo da água com vista à sua reutilização.

4.7.

O Comité destaca a oportunidade proporcionada pelo regulamento, que incentiva a adaptação ou a conceção de estações de tratamento de água para fins de reutilização a fim de facilitar a «rega fertilizante». Trata-se da conservação de fertilizantes solúveis, como nitrogénio e fósforo na água tratada, tendo devidamente em conta a segurança, bem como de matéria orgânica benéfica que contribui para a fertilização dos solos, que, durante a utilização doméstica e industrial, entraram no ciclo da água. Esses benefícios adicionais são entendidos como secundários, consistindo o benefício primário em providenciar novos recursos hídricos através da reutilização.

5.   Observações na especialidade

5.1.

Assinala-se que a expressão «reutilização da água» se refere à utilização das águas geradas a partir de águas residuais (principalmente urbanas) que, após o tratamento, adquirem um nível de qualidade que as torna adequadas à utilização pretendida.

5.2.

O regulamento em apreço visa principalmente assegurar a qualidade e a segurança da reutilização da água proveniente de estações de tratamento de águas residuais urbanas. Não diz respeito à regulamentação da água potável, nem a medidas diretas de eficiência hídrica. No entanto, o Comité observa que o tratamento eficaz das águas residuais e a sua reutilização tem benefícios ambientais consideráveis quando comparado com outras opções. Em 2017, por exemplo, a seca conduziu a um prejuízo estimado em 2 mil milhões de euros para o setor agrícola italiano e é provável que este valor aumente em toda a UE devido às condições meteorológicas extremas em muitos Estados-Membros no verão de 2018. No entanto, a reutilização da água poderia suprir cerca de 47 % das necessidades totais de irrigação da Itália, mas atualmente é utilizada apenas de forma muito limitada.

5.3.

Embora o potencial de utilização das águas depuradas na irrigação agrícola exista sobretudo nos Estados-Membros do sul da UE, o impulso técnico e operacional gerado pelo regulamento em apreço será benéfico, no futuro, para toda a UE.

5.4.

A responsabilidade de assegurar o cumprimento das normas em matéria de segurança alimentar, que, regra geral, são estabelecidas pela UE por referência ao regulamento relativo à legislação alimentar geral, cabe, como é adequado, aos Estados-Membros. A proposta de regulamento assegurará a primazia da segurança dos consumidores, sempre que a água seja reutilizada para fins de irrigação de culturas alimentares. As importações de produtos agrícolas provenientes de países terceiros também têm de cumprir a legislação da UE em matéria de segurança alimentar, embora, atualmente, não existam requisitos específicos relativos às práticas de irrigação em países terceiros. O Comité preconiza que as normas comuns da UE sirvam de modelo para os países terceiros e, em especial, para os nossos parceiros comerciais bilaterais, embora este aspeto ainda deva ser objeto de negociação a nível internacional. Já se regista uma utilização significativa de águas residuais tratadas e não tratadas para fins de irrigação em todo o mundo, inclusive em muitos países dos quais a UE importa produtos agrícolas.

Bruxelas, 12 de dezembro de 2018.

O Presidente do Comité Económico e Social Europeu

Luca JAHIER


(1)  Parecer do CESE «A agricultura nas negociações comerciais», ponto 4.3 (JO C 173 de 31.5.2017, p. 20).

(2)  A pressão sobre os recursos hídricos ocorre quando a procura de água excede a quantidade disponível durante um determinado período ou quando a má qualidade restringe a sua utilização.

(3)  COM(2012) 672 final.

(4)  Parecer do CESE «Uma matriz destinada a preservar os recursos hídricos da Europa» (JO C 327 de 12.11.2013, p. 93).

(5)  Diretiva 91/271/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1991, relativa ao tratamento de águas residuais urbanas (JO L 135 de 30.5.1991, p. 40).

(6)  Publicação do JRC: Towards a legal instrument on water reuse at EU level [Rumo a um instrumento jurídico europeu sobre a reutilização da água].


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