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Document 52012IE0466
Opinion of the European Economic and Social Committee on ‘Developing a people-oriented, grassroots approach to internal market policy’ (own-initiative opinion)
Parecer do Comité Económico e Social sobre o tema Para uma perspetiva de cidadania e humanista da política do mercado interno (parecer de iniciativa)
Parecer do Comité Económico e Social sobre o tema Para uma perspetiva de cidadania e humanista da política do mercado interno (parecer de iniciativa)
JO C 143 de 22.5.2012, p. 17–22
(BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)
22.5.2012 |
PT |
Jornal Oficial da União Europeia |
C 143/17 |
Parecer do Comité Económico e Social sobre o tema Para uma perspetiva de cidadania e humanista da política do mercado interno (parecer de iniciativa)
2012/C 143/04
Relator: Jorge Pegado LIZ
Em 20 de janeiro de 2011, o Comité Económico e Social Europeu decidiu, nos termos do artigo 29.o, n.o 2, do Regimento, elaborar um parecer de iniciativa sobre o tema:
Para uma perspetiva de cidadania e humanista da política do mercado interno.
Foi incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos a Secção Especializada do Mercado Único, Produção e Consumo que emitiu parecer em 1 de fevereiro de 2012.
Na 478.a reunião plenária de 22 e 23 de fevereiro de 2012. (sessão de 22 de fevereiro), o Comité Económico e Social Europeu adotou, por 118 votos a favor, 3 votos contra e 8 abstenções, o seguinte parecer:
«Os argumentos a favor da Europa estão em constante evolução. A Europa é um conceito que deve ser adaptado à evolução das circunstâncias políticas e económicas.»
(Durão Barroso, Expresso, 19/11/2011)
1. Introdução
1.1 Na altura em que se perfazem 20 anos sobre a data em que, segundo DELORS, estaria concluído o grande mercado interno europeu, sem barreiras nem obstáculos de qualquer natureza, é oportuno e apropriado que a sociedade civil organizada, representada no CESE, se interrogue sobre onde se chegou e para onde se caminha.
1.2 E, no entanto, refletir hoje sobre o mercado interno implica repensar o modelo do Projeto Europeu no seu todo. Faz todo o sentido que nos interroguemos se a Europa, tal como alguns a idealizamos, tantos empenhadamente a tentaram construir e outros se têm encarregado de a ir paulatinamente destruindo ao longo destes sessenta anos, ainda aí estará como modelo de liberdade, farol de cultura, paladino da paz, apólogo da fraternidade dos povos e arauto da igualdade das gentes, num mundo sem discriminações nem barreiras, no horizonte de 2050 como o Comissário Barnier, em bem estruturado discurso proferido na Universidade de Humboldt recentemente se interrogou.
1.3 Tanto mais quanto é certo que o presente momento se apresenta particularmente perturbado, com a Europa a braços com uma crise persistente de natureza sistémica e não meramente conjuntural, não apenas económica e financeira, mas também de valores sociais e culturais e para a qual a generalidade dos interessados representados no CESE não vislumbra saídas consistentes.
1.4 Estamos perante uma crise de emprego. A situação assumiu proporções tais que a Europa já não consegue garantir emprego para os seus cidadãos. A única saída desta difícil situação passa por gerar crescimento, e o principal instrumento para alcançar esse crescimento deve ser a concretização total do mercado interno.
1.5 A sociedade civil organizada interroga-se, por isso, legitimamente, sobre a capacidade do atual modelo institucional da UE, saído do Tratado de Lisboa, para gerir a crise; tem dúvidas que o modelo económico e financeiro atual seja capaz de uma autorregulação eficaz e adequada e encara com perplexidade a ausência de medidas reguladoras coerentes e eficazes e a proliferação de decisões avulsas e contraditórias de uns e de outros; pergunta-se de que modo se poderá conseguir um controlo mais eficaz e apertado do sistema financeiro, perante os «crashes» sucessivos das bolsas e os inerentes prejuízos sociais e económicos na sua consequência; teme que os sintomas profundos da crise, face a uma iminente ameaça de recessão global, apontem para o colapso do modelo europeu tal como existe atualmente. A sociedade civil apela, pois, aos seus atuais líderes que demonstrem a ambição e a visão necessárias para levarem a cabo uma regeneração do modelo económico e social europeu, respeitador dos valores e dos princípios constantes do Tratado.
1.6 Foi, por isso, extraordinariamente positivo que, em paralelo com a elaboração do presente parecer, o Comité Consultivo da EFTA tenha sentido a necessidade de elaborar um parecer sobre o mesmo tema e tenha sido possível concertar pontos de vista em reunião conjunta em Oslo (1).
2. Mercado interno: o quê e porquê
2.1 A ideia de um «mercado comum» aparecia já no texto primitivo como instrumental para o desenvolvimento harmonioso das atividades económicas, uma expansão económica contínua e equilibrada, um maior grau de estabilidade, um aumento acelerado do nível de vida e relações mais estreitas entre os Estados (artigo 2.o). Desde o seu início o mercado interno não foi concebido como uma política isolada ou uma mera zona de comércio livre, como era a EFTA, mas antes como parte de uma estratégia geral.
2.2 Estavam assim definidos os contornos do desenvolvimento do que seria a política do mercado interno, justamente considerado por alguns como «a joia da coroa» da política europeia, cujo estabelecimento «progressivo» se previa durasse um «período de transição de doze anos» (artigo 8.o), com um limite máximo de 15 anos a partir da entrada em vigor do Tratado.
2.3 Apesar dos instrumentos previstos para a sua realização, as realidades política, social e económica viriam a sobrepor-se aos ideais de 1957 e forçoso foi constatar que, 15 anos volvidos, se estava bem longe de terem sido alcançados os objetivos que teriam conduzido ao efetivo estabelecimento de um «mercado comum».
2.4 O Livro Branco para a Realização do Mercado Interno de 1985 estabelecia metas bem precisas para ser alcançado aquele objetivo até 1992. Simultaneamente foi sentida a necessidade de introduzir modificações no Tratado de Roma que facilitassem a concretização dos objetivos políticos consagrados no Livro Branco. Foi essa a origem do Ato Único Europeu (2) que, na parte que se refere ao mercado interno, introduz importantes modificações de que cumpre destacar:
a) |
a regra da maioria qualificada em vez da unanimidade para a adoção das medidas relativas à aproximação das legislações com vista à realização do mercado interno (artigos 8.o-A e 100.o-A); |
b) |
a primeira referência a um nível de proteção elevado no que se refere a medidas que tenham a ver com a saúde, a segurança e a defesa dos consumidores (artigo 100.o-A, n.o 3); |
c) |
a adoção, com caráter geral, do princípio do reconhecimento mútuo, inspirado na bem conhecida jurisprudência «Cassis de Dijon» do Tribunal de Justiça (artigo 100.o-B); |
d) |
um claro apelo à coesão económica e social como objetivo essencial a ter em conta na realização do mercado interno (artigos 130.o-A e B). |
2.5 Mas foi verdadeiramente apenas em 1992, com o Tratado de Maastricht, que instituiu a União Europeia (3), que as novas disposições relativas à realização do mercado interno viriam a ganhar consistência, numa altura em que já era evidente que o calendário 1992 para a concretização do mercado interno estava longe de ser cumprido (4).
2.6 Ao contrário, o que se tinha verificado fora o recrudescimento dos obstáculos legislativos e não legislativos numa generalidade de Estados-Membros, aliado a uma política liberal e permissiva por parte da Comissão, contribuindo para a prática estagnação do processo de realização do mercado interno em alguns domínios particularmente relevantes, designadamente no que respeita aos serviços.
2.7 Com efeito muitas das iniciativas levadas a cabo no âmbito da realização do mercado interno traduziram-se num mero acumular de medidas avulsas e pouco coordenadas de harmonização legislativa, desintegradas de uma política de conjunto; que, por seu lado, os Estados-Membros frequentemente contrariavam com políticas nacionais restritivas da livre concorrência, atribuindo ajudas de estado ilegais, estabelecendo novas restrições quantitativas ou equivalentes e recusando sistematicamente avanços em domínios essenciais como a integração industrial, a fiscalidade ou a governança económica.
2.8 Mesmo iniciativas aparentemente levadas a bom porto, como a adoção das «regras Schengen», a introdução do «euro», a mais recente comunitarização de um espaço de justiça e liberdade e a integração da Carta dos Direitos Fundamentais da UE na versão final do Tratado de Lisboa, que se saudaram, não só viram a sua eficácia limitada pela não-adesão ou pelas reservas de alguns Estados-Membros, como foram limitadas no seu alcance e na sua aplicação, quando não mesmo frontalmente contrariadas – e não foram acompanhadas de outras medidas complementares essenciais, como uma verdadeira política financeira europeia – o que esteve na origem da incapacidade da Europa para fazer face à atual crise que a conduziu «à beira do precipício» como diria Jacques Delors na sua entrevista de 18 de agosto de 2011 aos jornais Le Soir e Le Temps.
2.9 De há muito que o CESE tem vindo a chamar a atenção para a necessidade de uma clara mudança de paradigma que privilegie a qualidade da realização do mercado interno, que introduza uma preocupação fundamental com os interesses concretos e os direitos fundamentais dos cidadãos em geral e dos consumidores e dos trabalhadores em especial e onde os aspetos sociais sigam de par com os económicos, numa visão humanista, por contraponto à aproximação puramente economicista seguida até agora e responsável pelas limitações, reticências, hesitações e desconfiança geradas (5).
2.10 Quando, no dealbar do seu segundo mandato, o atual Presidente da Comissão desvendou a sua nova visão para o mercado interno para o século XXI (6), no seguimento aliás de uma anterior comunicação sobre «Uma agenda para os cidadãos – Por uma Europa de resultados» (7), foi com natural expectativa que se deu conta de que a Comissão parecia propugnar por uma mudança de orientação fundamental na sua orientação política para o mercado único, em benefício último dos cidadãos e consumidores. Com efeito, não o considerando já como uma política isolada mas antes parte de uma estratégia global que prefigurava a posterior Estratégia 2020, a Comissão anunciava como grandes objetivos para o mercado interno melhorar a confiança dos consumidores, promover a integração económica e a coesão social e desenvolver a sociedade do conhecimento numa Europa sustentável num mundo globalizado. Instrumento fundamental nesta nova aproximação era uma cada vez melhor regulamentação num ambiente legislativo saneado e simplificado (8).
2.11 Para consolidar esta sua nova orientação a Comissão encomendou um importante estudo ao ex-COMISSÁRIO Mario Monti, apresentado em maio de 2010 (9); pela mesma altura também o Conselho havia solicitado a um «grupo de reflexão» constituído por personalidades de renome, liderado pelo ex-Primeiro Ministro espanhol Felipe Gonzalez e de que também fez parte Mario Monti, um relatório sobre as perspetivas da Europa no horizonte de 2030 (10); por seu turno o PE, também em maio de 2010, havia apresentado o Relatório Grech, que esteve na base da sua Resolução de 20 de maio sobre «Um mercado único ao serviço dos consumidores e dos cidadãos» (11).
2.12 No fundamental, todos estes importantes documentos chamam a atenção para a necessidade de uma mudança fundamental de paradigma na definição e na implementação da política relativa à realização do mercado interno, considerando esgotado o modelo atual e evidenciam que, apesar de relevantes em alguns domínios, os resultados alcançados se revelam no geral, mal conhecidos, insuficientes e dececionantes em vários aspetos para uma Europa confrontada com inesperados desafios e perspetivas sombrias.
2.13 Estas observações e conclusões acham-se, aliás, amplamente documentadas por regulares e sucessivos «scoreboards» relativos ao mercado interno (12), por análises detalhadas periódicas do Eurobarómetro sobre as opiniões e experiências dos cidadãos e das empresas relativamente ao mercado interno nos Estados-Membros, por idênticos «scoreboards» relativos aos consumidores no mercado interno (13), bem como pelos relatórios anuais da Comissão sobre a aplicação do direito comunitário em geral (14) e do acervo em matéria de direito do consumo em especial (15), os quais, quando devidamente interpretados, criteriosamente analisados e criticamente apreciados, confirmam inteiramente as preocupações e as dúvidas expressas nos referidos documentos.
2.14 E, no entanto, quando se esperava da Comissão uma real inflexão na orientação política para o mercado único, que refletisse todas estas conclusões e perspetivasse, de forma verdadeiramente nova e diferente, no quadro da atual crise financeira, o mercado único para o século XXI e que correspondesse às expectativas criadas por toda uma série de declarações dos mais altos responsáveis políticos, foi com alguma deceção que se constatou que o documento sobre as «Prioridades para uma economia social de mercado altamente competitiva» apesar dos muitos méritos que se lhe reconheceram, não passava de mais um enunciado de 50 medidas avulsas, sem uma linha estratégica definida (16) e cujas fragilidades e deficiências foram bem evidenciadas na Resolução do PE de 6 de abril de 2011 (17).
2.15 Lacuna que não foi colmatada com a mais recente comunicação da Comissão sobre uma seleção de 12 «alavancas», sem que efetivamente se entenda qual o fio condutor da orientação política de fundo para a realização do mercado interno que teria estado na origem da escolha tática destas 12 ditas «alavancas» e não de quaisquer outras, dentre, por exemplo, aquelas que o próprio CESE havia enumerado no seu parecer (18).
2.16 Várias intervenções públicas recentes, nomeadamente do Presidente da Comissão e do Comissário Barnier, bem como o Programa da Comissão entretanto apresentado (19), parecem, no entanto, confirmar a intenção de uma mudança efetiva de paradigma na concretização futura do mercado interno. Neste sentido vão também a Declaração de Cracóvia (20) e a Declaração do Comité europeu de orientação do «think tank» Notre Europe.
3. Um novo paradigma para a realização do mercado interno
3.1 É importante reafirmar que, no âmbito das políticas comunitárias, tal como resulta dos princípios fundamentais constantes hoje do Tratado de Lisboa, a realização de um mercado interno não é um fim em si mesmo, mas um meio, um instrumento, para a realização de toda uma série de objetivos políticos, em diferentes áreas (21).
3.2 É importante igualmente reafirmar que tais objetivos são simultaneamente, e em pé de igualdade, de natureza económica, social e ambiental, e que todos têm, como finalidade última, o bem-estar dos povos e a promoção dos valores da dignidade humana, da igualdade, da liberdade, da solidariedade, da democracia, do Estado de Direito e do respeito dos direitos do homem (artigos. 2.o e 3.o do TUE) (22).
3.3 É consequentemente à luz destes princípios, destes valores e destes objetivos que devem ser encaradas as medidas de realização do mercado interno, cujas finalidades são hoje, legalmente, bem mais abrangentes do que em 1957.
3.4 O mercado interno, claramente pensado nos seus primórdios, como o esteio económico de uma Europa de cariz federal, tem de ser hoje repensado à luz da evolução dos últimos 30 anos e da realidade dos nossos dias. É certo que a atual envolvente circunstancial tende a aproximar cada vez mais o mercado interno de uma mera zona de comércio livre, como foi a sua antecessora EFTA, projetando-o para o futuro, não já como a decorrência natural de um projeto político de natureza supranacional, mas como o menor denominador comum dos interesses nacionais dos estados europeus.
3.5 É, por isso, necessário reafirmar com vigor a ideia de que o mercado interno deve servir de aglutinador desses interesses nacionais num sistema institucional plenamente integrado de governação económica e financeira, cujo modelo importa redefinir e concretizar a breve prazo.
3.6 É necessário para tanto e antes de mais, ter uma noção realista dos limites do próprio mercado interno e não pretender levá-lo onde ele não pode nem deve chegar, impondo, à força, medidas muitas vezes desnecessárias e sem justificação, que apenas dificultam o funcionamento das empresas, em especial das PME (23), de que fazem parte igualmente as profissões liberais, ou quando se não justifiquem medidas de harmonização completa, porque outros valores de natureza diversa, por exemplo, a garantia da qualidade, lhe sobrelevam, designadamente em certos domínios dos direitos ou da defesa dos consumidores. Ao lado da harmonização, o princípio e o lema «A força na diversidade» também deveria voltar a desempenhar um papel central na política europeia do mercado interno.
3.7 Indispensável será prosseguir, de modo decidido e sem transigências nem cedências o programa «Legislar Melhor», em que o CESE sempre se empenhou ativamente (24) com vista não apenas à produção de textos tecnicamente escorreitos e à eliminação de rotinas burocráticas, inúteis e prejudiciais, mas fundamentalmente adotando uma aproximação proativa à elaboração legislativa e às práticas administrativas, com participação efetiva da sociedade civil e dos setores económicos implicados em todos os estágios da sua conceção e definição, em particular dando maior relevo aos estudos de impacto ex ante , utilizando de forma mais sistemática o regulamento em vez da diretiva como instrumento para a realização da uniformização legislativa quando ela é aconselhável e ousando experimentar instrumentos novos e mais adequados do que a atual parafernália legislativa, como seja, designadamente, a opção por regimes opcionais, sempre que devidamente justificados (25). Essa mesma ousadia é necessária para saber prescindir totalmente de iniciativas legislativas da UE sempre que não permitam um ganho de eficiência ou outras vantagens.
3.8 É igualmente importante rever, simplificar e codificar o acervo comunitário e as formalidades administrativas (26) e eliminar cirurgicamente tudo o que se revele inútil, desnecessário, contraproducente ou mesmo prejudicial (27). Mas com o cuidado necessário para, ao fazê-lo de forma descoordenada, não deitar fora aspetos fundamentais de regulação indispensável em domínios relevantes.
3.9 Regular sem estrangular deverá ser o lema. Importará, para tanto, não apenas ser inovativo e criador, mas também retomar as propostas do primeiro relatório de peritos independentes sobre simplificação legislativa e administrativa, a maioria das quais não foi levada a cabo e mantêm atualidade, a exigir aplicação efetiva (28).
3.10 Importante papel tem a normalização ou estandardização segundo o modelo da «nova aproximação», aplicada não apenas a produtos mas igualmente aos serviços (29). Convém, aliás, analisar acuradamente a necessidade, a eficácia e os efeitos das medidas adotadas, para que, na normalização da prestação de serviços, faça sentido diferenciar os serviços prestados no mercado interno.
3.11 Necessário será igualmente dar novo fôlego e maior amplitude ao sistema de informação do mercado interno (IMI), alargando o âmbito e melhorando o funcionamento da cooperação administrativa, de acordo com as sugestões e as recomendações que o CESE tem tido a oportunidade de expressar em diversas ocasiões (30) e, do mesmo modo repensar a rede SOLVIT dando-lhe novo enquadramento e meios adequados.
3.12 Importante será também repensar os grandes princípios orientadores da construção do mercado interno, designadamente os princípios do reconhecimento mútuo (31), da subsidiariedade (32), da proporcionalidade (33) e da precaução até hoje limitado apenas a domínios específicos como o da segurança alimentar, mas que deverá ser erigido em princípio geral, definindo-lhes novos contornos e novas formas de os aplicar, mais próximos dos interesses reais dos cidadãos.
3.13 Necessário é estabelecer criteriosamente prioridades. Não se trata, no entanto, de selecionar, mais ou menos arbitrariamente umas quantas medidas emblemáticas, mas antes de proceder de acordo com critérios bem definidos de uma orientação política clara que tarda a ser definida para a Europa e que dê prioridade absoluta às pessoas.
3.14 Entre essas prioridades deve ser consagrado lugar especial ao setor dos serviços em geral (34) e dos serviços financeiros a retalho em particular (35), onde o défice na realização do mercado interior é mais acentuado, mas onde precisamente há que ser mais inovador não só quanto às medidas mas igualmente quanto aos instrumentos a usar. Em particular, o CESE exorta a Comissão a acompanhar a aplicação da Diretiva Serviços e a dar conhecimento com regularidade e transparência da forma como ela se processa, visto que, até agora, é a única disposição legislativa que prevê a abertura do comércio transfronteiras no setor dos serviços.
3.15 Lugar a merecer um destaque especial é o da concretização prática de um mercado interno do comércio eletrónico transfronteiras pelos benefícios socioeconómicos que representa para os consumidores europeus em geral e em especial para os residentes em zonas menos acessíveis e os afetados por qualquer grau de incapacidade, bem como para as empresas da UE, nomeadamente as PME, com a efetiva resolução de toda a gama de problemas e de questões que já foram largamente identificados, sem que, até agora, se tenham desenvolvido os instrumentos e os mecanismos imprescindíveis para ganhar a confiança e garantir a proteção dos consumidores e criar um ambiente favorável às empresas e aos profissionais (36).
3.16 Referem-se, em particular, as questões relativas à fragmentação do mercado, à disparidade de normas aplicáveis, à incerteza quanto à privacidade e à confidencialidade dos dados, à segurança das transações, à proteção jurídica em caso de conflitos, à existência de serviços ilegais em linha, à pirataria e à cibercriminalidade, a exigir uma abordagem transversal por parte das diversas DG da Comissão que conduza à definição de um quadro legal coerente para um verdadeiro mercado único digital.
3.17 Domínio a consagrar esforço suplementar, e onde lamentavelmente a UE não tem conseguido resultados convincentes, é o da efetiva aplicação das leis comunitárias, garante único do respeito do direito e da eficácia da regulação (37) e que se não esgota no quadro estreito da mera «cooperação administrativa» (38). Para os cidadãos europeus assume neste aspeto relevância primordial a consagração, sem ambiguidades e sem novos atrasos, do direito à ação coletiva a nível europeu, como forma de assegurar, em último recurso, a adequada responsabilização pelo incumprimento do normativo comunitário e assim contribuindo para o seu voluntário acatamento (39).
3.18 Mais importante do que tudo será, no entanto, definir os parâmetros de um mercado único que coloque no seu centro o Homem e o Cidadão, tarefa que não deverá ser confiada a qualquer grupo de iluminados mais ou menos esclarecidos, mas antes partindo do contributo direto dos cidadãos, da sociedade civil, auscultando os seus anseios e as suas reivindicações, mas também as suas frustrações e as suas desilusões.
3.19 Em paralelo com a necessidade urgente de ação é importante que esta não seja descoordenada ou meramente impulsiva, pelo que o CESE sugere que se abra um tempo para a reflexão quando se celebram os 20 anos após 1992. Como seu contributo o CESE gostaria de indicar alguns dos parâmetros que se lhe afiguram essenciais numa tal reflexão.
3.19.1 |
Desde logo, uma reflexão sobre a clara subsunção da política para o mercado interno aos princípios fundamentais e aos objetivos essenciais que resultam da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, em especial os que constam dos seus Títulos IV e V, com uma incidência particular no reforço da dimensão social e dos direitos dos consumidores (40). |
3.19.2 |
Por outro lado, uma reflexão sobre a forma de articular as políticas setoriais num objetivo estratégico comum, englobando as políticas económica, industrial, comercial, dos transportes, da energia, do ambiente, dos consumidores e da concorrência num quadro legal global que estimule a integração e reforce a confiança dos parceiros sociais e societais (consumidores, famílias, trabalhadores, empresas, ONG, etc.). Tal implica que se reavalie e se dê novo impulso à Estratégia Europa 2020. |
3.19.3 |
Também uma reflexão sobre o modo de reforçar e garantir a liberdade de circulação e a mobilidade dos cidadãos em geral e, em especial, dos trabalhadores, quer por conta de outrem, quer profissionais liberais, dos professores e dos estudantes, assegurando que os seus direitos sociais (segurança social, proteção jurídica, seguros de acidentes e de doença, pensões de reforma, etc.) igualmente são respeitados em todas as circunstâncias sem discriminações e revendo o sistema de reconhecimento das qualificações profissionais e dos diplomas. Neste contexto, o cumprimento de elevados requisitos de qualidade relativamente à segurança e à saúde dos consumidores na UE deve ser a norma. |
3.19.4 |
No intuito de promover a inclusão social e o emprego, uma reflexão sobre a efetiva abertura dos mercados de trabalho a todos os cidadãos europeus, eliminando restrições e discriminações injustificadas após um exame cuidado. |
3.19.5 |
Aspeto a merecer uma especial reflexão, será a definição, que já tarda de um quadro jurídico apropriado para as empresas de economia social em geral e em especial as fundações, as mútuas e as associações europeias. |
3.19.6 |
Identicamente se afigura urgente a reflexão sobre a definição de um quadro jurídico claro para os serviços de interesse geral e em particular os serviços sociais, com a definição de critérios de qualidade dos serviços públicos essenciais e a clarificação dos regimes de contratação pública, de concorrência e de ajudas de Estado aplicáveis (41). |
3.20 Finalmente há que congraçar meios e esforços no sentido de uma política de comunicação efetiva do mercado único no âmbito mais vasto de uma política de comunicação coerente e integrada sobre a Europa, que implique os cidadãos e tenha na devida conta a opinião pública e os meios de comunicação social europeus, de forma a divulgar e informar com verdade os cidadãos europeus e em especial os consumidores, através de uma utilização inovativa dos meios digitais (42).
Bruxelas, 22 de fevereiro de 2012
O Presidente do Comité Económico e Social Europeu
Staffan NILSSON
(1) Ver Conclusões comuns do Comité Consultivo da EFTA e do OMU: http://www.eesc.europa.eu/?i=portal.en.smo-observatory-smo-spotlight.21343.
(3) JO C 191 de 29.7.1992, no que seria considerado um arremedo do Projeto Spinelli, numa tentativa de pôr de acordo quer os federalistas quer os seus opositores.
(4) Comunicação da Comissão sobre «O funcionamento do Mercado Interno da Comunidade após 1992 – Seguimento do relatório Sutherland» (SEC (92) 2277 de 2.12.1992) e parecer do CESE (JO C 201 de 26.7.1993, p. 59) e cujas conclusões ainda hoje são atuais e merecem atenta reflexão.
(5) Cf., entre outros, pela sua importância os pareceres do CESE: JO C 39 de 12.2.1996, p. 70, JO C 255 de 14.10.2005, p. 22, JO C 204 de 9.8.2008, p. 1, JO C 347 de 18.12.2010, p. 8, JO C 44 de 11.2.2011, p. 68, e relatório de informação «Impacto do Tratado de Lisboa no funcionamento do mercado único http://eescregistry.eesc.europa.eu/viewdoc.aspx?doc=%5C%5Cesppub1%5Cesp_public%5Cces%5Cint%5Cint393%5Cpt%5Cces241-2008_fin_rev_ri_pt.doc ».
(6) Comunicação «Um mercado interno para os cidadãos», COM(2007) 60 final de 21.2 2007.
(7) COM(2006) 211 final, de 10 de maio de 2006.
(8) JO C 77 de 31.3.2009, p. 15.
(9) «Uma nova estratégia para o Mercado Único ao serviço da economia e da sociedade europeia».
(10) «Projeto para a Europa no horizonte de 2030 – os desafios a afrontar e as oportunidades a apanhar», também publicado em maio de 2010.
(11) Resolução do PE A7-0132/2010.
(12) SEC(2011) 372 final de 21.3.2011.
(13) SEC(2011) 299 final de 4.3.2011, aliás amplamente confirmado pelo relatório do Eurobarómetro sobre «E-Communications Household Survey» de julho de 2011.
(14) COM(2010) 538 final de 1.10.2010.
(15) JO C 18 de 19.1.2011, p. 100.
(16) JO C 132 de 3.5.2011, p. 47.
(17) Doc A7-0072/2011, com base no relatório da Comissão IMCO sobre «Um mercado único para os Europeus» (2010/2278 (INI). PE 456.691v02-00 de 24.3.2011), relator Correia de Campos.
(18) JO. C 24 de 28.1.2012, p. 99.
(19) COM(2011) 777 final de 15.11.2011.
(20) No seguimento da realização, que se aplaude, do Fórum do Mercado Único de 3 e 4 de outubro de 2011.
(21) JO C 93 de 27.4.2007, p. 25.
(22) JO C 182 de 4.8.2009, p. 1.
(23) JO C 376 de 22.12.2011, p.51.
(24) JO C 24 de 31.1.2006, p. 39, JO C 175 de 27.7.2007, p. 21, JO C 48 de 15.2.2011, p. 107.
(25) JO C 24 de 31.1.2006, p. 52, JO C 175 de 28.7.2009, p. 26, JO C 21 de 21.1.2011, p. 26.
(26) Retomando a orientação que a própria Comissão definiu na sua comunicação «Atualizar e simplificar o acervo comunitário» (COM(2003) 71 final de 11.2.2003), claramente endossada pelo CESE (JO C 112 de 30.4.2004, p. 4), e que depois aquela parece ter esquecido.
(27) Cf. os pareceres JO C 14 de 16.1.2001, p. 1, JO C 125 de 27.5.2002, p. 105, JO C 133 de 6.6.2003, p. 5, JO C 309 de 16.12.2006, p. 18, JO C 10 de 15.1.2008, p. 8.
(28) COM(95) 288 final de 21.6.1995.
(29) Cf. JO C 120 de 16.5.2008, p. 1 e JO C 376 de 22.12.2011, p. 69 e JO C 68, 6.3.2012, p. 35.
(30) Cf. JO C 43 de 15.2.2012, p. 14 e os demais pareceres anteriores aí citados.
(31) Retomando, designadamente, os relatórios da Comissão sobre a aplicação do princípio do reconhecimento mútuo, iniciados com a comunicação da Comissão de 16.6.1999 (COM(99) 299 final), mas posteriormente abandonados. Cf. o parecer JO C 116 de 20.4.2001, p. 14.
(32) Recuando ao Relatório Molitor para lhe retirar a injusta carga de «um passo em frente e dois atrás», de que foi logo acusado (Cf. Alexis Feral, “Le principe de subsidiarité, progrés ou statu quo après le Traité d’Amsterdam?”, in Rev. du Marché Unique Européen, I, 1998, pág. 95), pela forma inábil como a Comissão o tem aplicado, transformando-o no verdadeiro «desafio da mudança», como o sonhou Jacques Delors.
(33) Neste trabalho haverá que ter em conta os vários pareceres do CESE sobre os sucessivos relatórios anuais da Comissão em conformidade com o artigo 9.o do Protocolo relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade.
(34) Cf. os pareceres JO C 221 de 8.9.2005, p. 113, JO C 175 de 27.7.2007, p. 14, JO C 318 de 29.10.2011, p. 109.
(35) Cf. os pareceres JO C 56 de 24.2.1997, p. 76, JO C 95 de 30.3.1998, p. 72, JO C 209, 22.7.1999, p. 35, JO C 157 de 28.6.2005, p. 1, JO C 302 de 7.12.2004, p. 12, JO C 221 de 8.9.2005, p. 126, JO C 65 de 17.3.2006, p. 113, JO C 65 de 17.3.2006, p. 134, JO C 309 de 16.12.2006, p. 26, JO C 318 de 23.12.2006, p. 51, JO C 115 de 16.5.2006, p. 61, JO C 100 de 30.4.2009, p. 84, JO C 27 de 3.2.2009, p. 18, JO C 100 de 30.4.2009, p. 22, JO C 228 de 22.9.2009, p. 62, JO C 228 de 22.9.2009, p. 66, JO C 218 de 11.9.2009, p. 30, JO C 318, de 29.10.2011, p. 133.
(36) Apesar da comunicação da Comissão de 22.10.2009 sobre «O comércio eletrónico sem fronteiras entre empresas e consumidores na UE» (COM(2009) 557 final).
(37) Cf. os pareceres JO C 317 de 23.12.2009, p. 67, JO C 18 de 19.1.2011, p. 95.
(38) JO C 128 de 18.5.2010, p. 103.
(39) A justo título, o CESE tem sido considerado o paladino da defesa das ações de grupo, tendo-lhe dedicado variados pareceres de que cumpre destacar os pareceres CESE: JO C 309 de 16.12.2006, p. 1, JO C 324 de 30.12.2006, p. 1, JO C 162 de 25.6.2008, p. 1, JO C 228 de 22.9.2009, p. 40, JO C 128 de 18.5.2010, p. 97.
(40) Neste particular haverá que tomar em consideração e levar às últimas consequências as constatações a que se chega no «Relatório da Comissão sobre os progressos realizados no sentido do exercício efetivo da cidadania da União no período 2007-2010» (COM(2010) 602 final de 27.10.2010) e no simultâneo «Relatório de 2010 sobre a Cidadania na União – Eliminar os obstáculos ao exercício dos direitos dos cidadãos da UE» (COM(2010) 603 final de 27.10.2010).
(41) Cf. o parecer do CESE, JO C 161 de 13.7.2007, p. 80.
(42) Cf. o parecer exploratório do CESE, JO C 27 de 3.2.2009, p. 152, e o parecer de iniciativa, JO C 44 de 11.2.2011, p. 62.