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Document 52006AE0739

    Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o Livro Verde — Melhorar a saúde mental da população — Rumo a uma estratégia de saúde mental para a União Europeia COM(2005) 484 final.

    JO C 195 de 18.8.2006, p. 42–47 (ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, IT, LV, LT, HU, NL, PL, PT, SK, SL, FI, SV)

    18.8.2006   

    PT

    Jornal Oficial da União Europeia

    C 195/42


    Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre o «Livro Verde — Melhorar a saúde mental da população — Rumo a uma estratégia de saúde mental para a União Europeia»

    COM(2005) 484 final.

    (2006/C 195/11)

    Em 14 de Outubro de 2005, a Comissão Europeia decidiu, nos termos do artigo 262.o do Tratado que institui a Comunidade Europeia, consultar o Comité Económico e Social Europeu sobre o: «Livro Verde — Melhorar a saúde mental da população — Rumo a uma estratégia de saúde mental para a União Europeia»

    A Secção Especializada de Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania, incumbida da preparação dos correspondentes trabalhos, emitiu parecer em 3 de Maio de 2006 (relator: A. BEDOSSA).

    Na 427.a reunião plenária de 17 e 18 de Maio de 2006 (sessão de 17 de Maio), o Comité Económico e Social Europeu adoptou, por 142 votos a favor, 1 voto contra e 1 abstenção, o seguinte parecer.

    1.   Síntese

    Neste documento, constata-se sem ambiguidade a importância da saúde mental na Europa. Neste quadro, será necessária uma estratégia:

    Com várias vertentes:

    melhorar a informação sobre a saúde

    reagir melhor às ameaças para a saúde,

    reduzir as desigualdades em matéria de saúde,

    garantir um elevado nível de protecção social e de boa saúde através de uma estratégia inter-sectorial.

    Definindo objectivos:

    velar pela saúde mental de todos,

    dar destaque à prevenção,

    melhorar as condições de vida do doente,

    elaborar um sistema de informação e um programa de investigação para a União Europeia;

    Elaborando recomendações, designadamente:

    um projecto-piloto sobre a criação de redes de informação regionais entre todos os actores,

    favorecer o movimento de desinstitucionalização para uma melhor utilização dos recursos disponíveis.

    Identificação de melhores práticas para promover a inclusão social e proteger os direitos de pessoas doentes mentais, direitos esses que deveriam constar das atribuições da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

    A importância da saúde mental surge na encruzilhada de vários factores de evolução:

    a explosão da procura, como um fenómeno de massa, da psiquiatria para a saúde mental,

    entrada em jogo irreversível dos utentes e/ou dos seus representantes, que conduzem a interacções sobre todas as políticas,

    o desequilíbrio entre hospitalização e tratamento ambulatório, e os problemas de flexibilidade de toda a fileira de cuidados, das urgências ao sector médico-social.

    2.   Descrição do problema

    2.1

    Os problemas de saúde mental são uma das dez principais causas de incapacidade no mundo e, assim, têm consequências socioeconómicas devastadoras para os indivíduos, as famílias e os governos.

    2.2

    As pessoas afectadas por perturbações mentais enfrentam, muitas vezes, um comportamento discriminatório, uma atitude de exclusão e grandes violações dos seus direitos fundamentais.

    2.3

    Constata-se uma interacção entre a perturbação mental e a pobreza, esta aumenta o risco de perturbações mentais e reduz a possibilidade de aceder a intervenções essenciais de saúde mental. Assim, os países devem colocar os problemas de saúde mental entre as preocupações importantes de saúde pública.

    2.4

    Ora, a saúde mental não é, muitas vezes, uma prioridade em matéria de saúde, o que, em parte, se deve à falta de capacidade necessária para criar serviços de saúde mental completos e eficazes em muitos países.

    2.5

    O instrumento comunitário para a saúde mental enquadra-se no programa instituído pela União Europeia a favor da saúde pública para o período 2003-2008, com base no artigo 152.o do Tratado, mas deve-se recordar que as acções empreendidas a este título devem ter em conta as competências dos Estados-Membros em matéria de organização dos serviços de saúde e de prestação de cuidados médicos.

    2.6

    Este Livro Verde da Comissão visa lançar, no âmbito do plano de acção europeu, um amplo debate sobre a melhoria da gestão da saúde mental e a promoção do bem-estar mental à escala europeia, pelas seguintes razões:

    Sem saúde mental não há saúde, ambas são importantes para o indivíduo e para a sociedade. Ela permite o desenvolvimento do indivíduo, por forma a encontrar o seu lugar na vida social, escolar e profissional e é uma fonte de coesão social fundamental para a União Europeia, se esta desejar ser uma sociedade do conhecimento.

    A carga dos problemas de saúde mental é muito pesada, todos conhecem uma pessoa afectada de patologia mental entre aqueles que os rodeiam. Esses problemas prejudicam a qualidade de vida dos doentes e das suas famílias. É uma causa muito importante de invalidez.

    O custo social e económico dos problemas de saúde mental é muito importante. Tem implicações muito severas nos recursos da sociedade e nos seus mecanismos económicos, educativos, sociais, penais e judiciais. Dados de alguns países comprovam que as perturbações mentais são uma das principais causas de absentismo no trabalho, reforma antecipada e pensões de invalidez.

    A exclusão social e a estigmatização dos doentes mentais, bem como as discriminações de que são alvo continuam a ser uma realidade. Os tratamentos podem violar os direitos fundamentais e a dignidade dos doentes, induzindo um sentimento de desconfiança face à sociedade e, assim, reduzem o «capital social da União».

    2.7

    Na sequência da conferência ministerial europeia da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a saúde mental, realizada em Janeiro de 2005, a Comissão Europeia, que co-organizou a conferência com a OMS, publicou em Outubro de 2005 um Livro Verde intitulado «Melhorar a saúde mental da população: Rumo a uma estratégia de saúde mental para a União Europeia», com base na saúde pública ao abrigo do artigo 152.o do Tratado, e lançou uma consulta à escala europeia sobre a saúde mental.

    2.8

    O objectivo claro é melhorar a saúde mental da população europeia no âmbito de uma estratégia que vá além do domínio sanitário e vise, de modo mais geral, o «regresso» à prosperidade sustentável, bem como uma melhoria da solidariedade, da justiça social e da qualidade de vida.

    2.9

    O Livro Verde deve suscitar um debate e dar origem a um processo de consulta com os poderes públicos, os profissionais, as associações de doentes, em 2006, a fim de permitir, no final de 2006, a apresentação de propostas de competência comunitária que constituirão a estratégia da União em matéria de saúde mental.

    3.   Análise e propostas constantes do Livro Verde

    3.1   Uma afirmação sem ambiguidade sobre a importância da saúde mental na Europa

    3.1.1

    Estima-se com fundamento que 27 % dos europeus adultos passaram pelo menos por uma forma de doença mental durante um dado ano, das quais 6,3 % são perturbações de natureza somática, 6,1 % depressões e 6,1 % fobias.

    3.1.2

    O número de suicídios nos países da União Europeia ultrapassa o número anual de vítimas mortais de acidentes de viação ou HIV/SIDA.

    3.1.3

    As consequências para a colectividade são múltiplas, e o relatório propõe uma avaliação financeira sobre a perda de produtividade, as despesas dos sistemas social, educativo, penal e judicial.

    3.1.4

    São significativas as desigualdades entre os Estados-Membros, e também dentro de cada um deles.

    3.2   Que justifica o interesse de uma estratégia comunitária no domínio da saúde mental

    3.2.1

    O programa da União Europeia para a saúde pública comporta diferentes vertentes destinadas a:

    melhorar a informação sobre a saúde,

    reagir melhor face aos perigos para a saúde,

    garantir um elevado nível de protecção social e de boa saúde mediante uma estratégia intersectorial,

    reduzir as desigualdades em matéria de saúde,

    3.2.2

    Uma estratégia comunitária para a saúde mental poderia visar os seguintes objectivos:

    promoção global da saúde mental,

    prevenção da má saúde mental,

    Melhorar a qualidade de vida das pessoas doentes mentais através da inserção social e da definição dos seus direitos e dignidade,

    criação de um sistema comunitário de informação, investigação e conhecimento.

    3.2.3

    Entre as iniciativas comunitárias possíveis, recomendações do Conselho poderiam ter por objectivo reduzir os comportamentos depressivo e suicida mediante um projecto-piloto baseado na criação de redes de informação regionais entre o sector da saúde, os doentes e seus familiares, os mediadores locais para reduzir de 25 % as tentativas de suicídio entre os jovens.

    3.2.4

    No âmbito da sua acção a favor de uma melhor inserção dos doentes mentais na sociedade, a Comissão Europeia convida os Estados-Membros a acelerarem o movimento de desinstitucionalização. Um estudo realizado, nos últimos anos, por conta da Comissão veio confirmar que a substituição de instituições psiquiátricas por serviços de proximidade contribui para melhorar a qualidade de vida dos doentes. Foi lançado em Junho de 2005 um convite à apresentação de propostas para um estudo que visa analisar e expor a maneira de utilizar melhor os recursos disponíveis e fornecerá dados quantificados dobre a desinstitucionalização.

    3.2.5

    Poderiam ainda prever-se outras iniciativas comunitárias:

    A União Europeia poderia identificar as melhores práticas para promover a inserção social e proteger os direitos das pessoas doentes mentais.

    A situação dos doentes mentais e dos estabelecimentos psiquiátricos deveria ser garantida pelos direitos fundamentais e os direitos do Homem previstos na Carta constante do projecto de Constituição Europeia.

    3.2.6

    A União Europeia deseja melhorar os conhecimentos sobre a saúde mental através de programas de investigação e assegurando as interfaces entre as esferas de decisão e a investigação.

    4.   O ponto de vista sobre as propostas

    4.1   A importância da saúde mental surge na encruzilhada de vários factores de evolução

    4.1.1

    Os últimos anos foram marcados por vários aspectos: explosão da procura, com um fenómeno de massa, uma alteração de paradigma da psiquiatria para a saúde mental e a entrada em jogo irreversível dos utentes e dos representantes das suas famílias. Cada um destes aspectos induziu, a ritmos diversos conforme os países, alterações legislativas ou regulamentares, que se traduziram numa consideração política ou administrativa de forma mais ou menos marcada.

    4.1.2

    A procura de massa, que satura o conjunto dos dispositivos, está ligada à complexa interacção entre alterações da percepção, na sociedade, do facto psíquico e da psiquiatria, tendo-se esta banalizado ou menos sido estigmatizada, bem como de percepção da oferta. Observada simultaneamente em todos os países desenvolvidos, a procura reflecte-se na epidemiologia: 15 a 20 % de perturbações mentais diagnosticáveis em prevalência anual na população em geral, 12 a 15 % das consequências em termos de invalidez, tanto como as doenças cardiovasculares, duas vezes mais do que os cancros, 30 % de todos os anos de vida perdidos por mortalidade evitável ou por invalidez (fonte: OMS, 2004). Este pressão reflecte-se igualmente no aperfeiçoamento da planificação sanitária, atribuindo-se cada vez mais missões à psiquiatria ao longo dos anos.

    4.1.3

    A conjugação da procura de massa e das alterações de percepção acentuou o carácter ambulatório da procura, o que quebrou a dicotomia clássica entre doença e saúde através da experiência mais marcada de um continuum entre diferentes estados clínicos, até ao sofrimento psíquico. Tornou impossível a separação entre as perturbações observadas e o contexto social de emergência, obrigando a estimar a repercussão social das perturbações na apreciação das necessidades. Parte importante da tarefa da psiquiatria consiste actualmente em precisar um diagnóstico entre o que é psiquiátrico e o que não é, o que o é suficientemente para justificar a intervenção da disciplina sem a reduzir para partilhar um fardo comum com outros parceiros, ou para ajudá-los a tornarem-se de novo actores principais da ajuda ou da terapia. Estas tensões dialécticas, por vezes conflituais, entre clínica, ética e organização, traduzem esta alteração do paradigma psiquiátrico por oposição à saúde mental e a uma terminologia por vezes contraditória, inclusivamentee nos documentos públicos. Na literatura internacional, a diferenciação entre psiquiatria (psychiatry) e saúde mental (mental health) não levanta problemas.

    4.1.4

    Enfim, o último aspecto, e não dos menores, foi o aumento do poder dos utentes e dos representantes das famílias. Este aumento segue uma evolução generalizada, francesa e mundial, que não está limitada à psiquiatria e foi acentuada por certas patologias (SIDA) que alteraram profundamente a relação médico-doente. A legislação relativa aos direitos dos doentes, a referência aos utentes e às respectivas famílias nos documentos administrativos relativos à psiquiatria na organização dos serviços e a resposta às necessidades, e aplicações concretas, são exemplos notáveis.

    4.1.5

    Esta emergência é igualmente a dos representantes da população e de todos os utentes potenciais. Política, política urbana e saúde mental patenteiam cada vez mais as suas interacções. Os eleitos estão cada vez mais implicados nas repercussões da evolução da psiquiatria, que será cada vez menos praticada sem eles.

    4.1.6

    Esta evolução acentuou drasticamente o desequilíbrio entre a hospitalização e o tratamento ambulatório e os problemas de flexibilidade de toda a fileira de cuidados, das urgências ao médico-social. Acentuou, igualmente, o frequente insucesso da desinstitucionalização e a integração malograda da psiquiatria no hospital geral devido à permeabilidade das fronteiras entre os aspectos médico e social e entre as profissões e as formações. A formação inicial e contínua das profissões para novas funções é a chave da solução para o futuro. Para além destas profundas alterações, surgiram novos problemas, como o dos detidos doentes mentais, o dos idosos portadores de patologias neurodegenerativas que se traduzem em deficiência psíquica e o dos grupos populacionais particularmente carenciados.

    4.1.7

    O fim da Segunda Guerra Mundial, a sensibilidade à experiência de concentração e aos direitos humanos, uma visão crítica da hospitalização psiquiátrica como praticada na época, o advento de psicotrópicos, a emergência de movimentos de consumidores utentes e as restrições orçamentais lançaram a psiquiatria, na maior parte dos países desenvolvidos, numa evolução que a literatura internacional apelida, numa referência anglo-saxónica, de processo de desinstitucionalização, ou seja, uma organização de cuidados e serviços que passa menos pela hospitalização e mais por intervenções que favorecem a permanência do doente no seu ambiente natural.

    4.1.8

    Encontraram-se constantemente obstáculos quando a desinstitucionalização privilegiou o tratamento externo nos hospitais: a judiciarização, ou seja, a tendência que se verifica na sociedade e na psiquiatria para transferir ou manter um grande número de doentes mentais na prisão; a errância de doentes marginais em situação precária, de ruptura ou em fins de tratamento, sem habitação nem prestações sociais, que engrossam as fileiras dos sem abrigo; a «síndroma da porta giratória», ou seja, a trajectória regular de certo número de doentes que entram no hospital, saem, voltam a entrar, num ciclo interminável. Com o andar do tempo e as restrições orçamentais, a conjugação destes fenómenos com a procura de massa saturou as urgências dos hospitais e a hospitalização e conduziu à criação de camas para hospitalização a tempo inteiro suplementares, provavelmente evitáveis, por vezes devido à pressão de incidentes graves (doentes mentais agressores ou vítimas). A opinião pública pôde então influenciar o decisor político e pressionar no sentido de respostas de segurança ou, pelo contrário, no sentido de um plano de saúde mental.

    4.2   A informação e os órgãos de comunicação social

    A maior parte das vezes, os órgãos de comunicação social abordam o sofrimento mental por ocasião de delitos cometidos por doentes mentais (quando estes últimos não são mais numerosos do que quando se considera a população em geral). Tal situação favorece consequências em termos de imagem negativa e de crispação por razões de segurança, que conduzem ao aumento da intolerância e da rejeição dos doentes mentais. A informação sobre saúde mental na sua continuidade não pode continuar a ser uma questão não dominada e cada vez mais sensível, devendo empenhar-se em prevenir sérias consequências e envolver o grande público através dos órgãos de informação e seus profissionais.

    4.3   Condições e elementos de uma estratégia comum a favor da saúde mental

    4.3.1

    O CESE apoia a iniciativa da Comissão que visa elaborar uma estratégia europeia integrada para a saúde mental. Para o Comité, o debate relativo à investigação, à identificação e à elaboração desta estratégia deve apoiar-se na sociedade do conhecimento. Isto significa, nomeadamente, que a sociedade europeia deve:

    ter uma ideia clara dos conceitos relacionados com a saúde mental e do que abrangem,

    captar com precisão a amplitude do problema tal como está repertoriado hoje em dia, mas também a dinâmica que comporta,

    reforçar consideravelmente a implicação da sociedade europeia, para que esta participe verdadeiramente na criação das condições que permitam fazer opções integradas para chegar a uma solução.

    4.3.2

    A amplitude das necessidades exige um programa ambicioso e a definição de uma estratégia comum com base em alguns princípios inteiramente partilhados. Convém salientar que problemas de saúde de menor amplitude beneficiam de uma mobilização de primeira ordem. Por outro lado, a situação da saúde mental é diversificada conforme os países europeus e entravada, no futuro, pelo atraso que corre o risco de se agravar nos países que só aderirão à comunidade a mais longo prazo.

    Desde já, devem-se definir algumas condições.

    4.3.3

    Previamente, uma estratégia comum implica uma concepção partilhada dos termos e dos conceitos como, por exemplo, para a sensibilidade francesa, as noções de «má saúde mental» ou de «pessoa que padece de incapacidade mental».

    4.3.4

    O reconhecimento da saúde mental à altura das necessidades como uma prioridade representa um progresso considerável para impor os meios de acção necessários.

    4.3.5

    Num outro plano, deve-se fazer o ponto da situação pormenorizado, tanto no plano das necessidades como das respostas actualmente dadas.

    4.3.6

    No que respeita às acções a empreender, as propostas do Livro Verde só podem merecer concordância. As acções em favor da saúde mental privilegiam as crianças e os adolescentes, a população activa e os idosos.

    4.4   Por uma saúde mental dos cidadãos

    4.4.1

    A saúde mental tem por objecto o mal-estar da pessoa no seu espaço familiar, no seu meio de vida e numa dada sociedade. Associa diversos procedimentos:

    dispositivo de luta contra as doenças mentais, que deve associar prevenção, cuidados e reinserção,

    acções de prevenção destinadas a populações específicas,

    acções de cuidados de resposta ao sofrimento de determinados grupos da população,

    acções de saúde mental positivas, capazes de modificar comportamentos lesivos, digam eles respeito ao indivíduo, a grupos ou à própria sociedade.

    4.4.2

    Nesta óptica, deve-se destacar a prevenção nas suas três componentes: primária, secundária e terciária, de modo adaptado ao domínio em questão. Devem-se desenvolver acções de promoção da saúde mental e da informação pública, sobre a aquisição e preservação de hábitos de vida sãos e a criação de um ambiente favorável à realização da pessoa. O mesmo se pode dizer da prevenção, que visa a redução da incidência de perturbações mentais tendo em conta os factores de risco e as situações patogénicas, dos quais se citam alguns exemplos:

    intervenção precoce junto das mães e bebés que apresentam um quadro de depressão ou num estado de incompletude,

    intervenções específicas junto de crianças em situação de insucesso escolar,

    informação e apoio às famílias que enfrentam uma doença mental,

    estudos dos factores de risco ou ligados a manifestações de sofrimento ou de doença, em função da cultura de origem.

    criação de uma psiquiatria de ligação que permita uma abordagem mais global das patologias psicossomáticas e uma implicação da família activa e passiva (aprendizagem de métodos de vida e de apoio aos doentes e, se necessário, ajuda financeira). Os apoios psicológicos são preferíveis a psicotrópicos sem apoio.

    4.4.3

    Dar resposta às necessidades das crianças e adolescentes é, evidentemente, uma prioridade. As solicitações não partem apenas das famílias ou não são exclusivamente veiculadas por elas. Partem das instituições educativas, judiciárias, sociais, policiais ou das autarquias, com base em situações cada vez mais extremas para crianças cada vez mais jovens, para famílias com múltiplos problemas. Mais que os outros, as famílias e as crianças são fortemente afectadas pelas evoluções da sociedade.

    4.4.4

    Uma organização coerente e coordenada deveria oferecer um leque de serviços coordenados e estruturados em torno de três módulos ou programas de base:

    um para a primeira infância, famílias e parceiros socio-sanitários, educativos e judiciários que correspondam a este período da vida,

    um para as crianças em idade escolar, famílias e parceiros,

    um para os adolescentes, famílias e parceiros.

    4.4.5

    Cada módulo deveria ter a capacidade de prestar, para além dos cuidados ambulatórios programados, cuidados mais intensivos, institucionais, segundo modalidades adaptadas à idade, cuidados para crises agudas e cuidados de longa duração. A psiquiatria de ligação, que garante a reactividade e a mobilidade dos módulos, participaria na detecção precoce, na prevenção das crises e no apoio ambulatório às famílias e aos parceiros.

    4.4.6

    A acrescentar a estes módulos de base, programas específicos para populações ou situações de risco, tornando possível tanto uma prevenção primária como uma prevenção secundária: despistagem precoce de perturbações de desenvolvimento, de certas patologias da primeira infância, de disfunções parentais precoces, de jovens mães isoladas, de famílias com múltiplos problemas, perturbações de dependência da adolescência, etc.. Deve-se prestar uma ainda mais particular atenção a estruturas sociais, educativas e judiciárias (serviços de prevenção, prisões) que acolhem casos sociais graves afectados por perturbações mentais associadas ou em risco de as desenvolverem, dado o carácter extremo e cumulativo das situações.

    4.5   Relações entre o trabalho, o desemprego e a saúde

    4.5.1

    Em virtude da sua influência sobre a saúde mental, deve-se procurar melhorar as condições de trabalho ou de não-trabalho (desemprego). O tema do trabalho, em relação com a saúde mental, está intimamente ligado ao valor que se atribui ao trabalho e ao seu custo pessoal, os efeitos do desemprego, a invalidez.

    4.5.2

    No respeitante à exclusão social, as respostas a dar são igualmente importantes em matéria de saúde mental.

    4.5.3

    Enfim, o envelhecimento da população exige respostas adequadas. 20 % dos idosos beneficiam de um «envelhecimento bem sucedido», como lhe chama a OMS, o que significa que 80 % são afectados por doenças ou perda de autonomia. O avanço na idade não faz desaparecer as doenças mentais, antes pelo contrário. As doenças demenciais ausentes (1 %) aos 60 anos tornam-se mais frequentes após os 85 anos de idade (30 %). Estas pessoas apresentam perturbações comportamentais em 70 % dos casos.

    4.6   Os requerentes de asilo

    4.6.1

    A problemática da saúde mental abrange o acompanhamento dos requerentes de asilo, durante o processo de acolhimento, no que respeita ao lugar e ao modo de vida, e enfim, à dimensão da vida pessoal, que contém a história da pessoa como a sua temporalidade psíquica. A gravidade dos traumas sofridos, e que, muitas vezes, subjaz uma crueldade extrema, pela sua natureza intencional e dimensão colectiva, é prova de uma situação de violência organizada. As perturbações pós-traumáticas desta população são muitas vezes agravadas por múltiplos lutos e por uma vivência muito dolorosa do exílio.

    4.7   A problemática de saúde mental

    4.7.1

    A mesma problemática de saúde mental abarca uma população prisional importante que beneficia de muito poucas estruturas de cuidados.

    4.7.2

    Merece apoio a realização de programas de prevenção da depressão e dos suicídios, dos comportamentos adictivos.

    4.7.3

    No atinente à mudança de modelo proposto no âmbito da desinstitucionalização, é de referir que o período está aberto desde o final da década de 1990 e marcado pelo fim do declínio da hospitalização, da ilusão desinstitucionalista e pela necessidade de uma organização combinada que alie um dispositivo comunitário sólido e uma hospitalização a tempo inteiro. Uma hospitalização em larga escala não permite atribuir os recursos e desenvolver a amplitude e o leque de serviços de que necessitam os doentes e suas famílias. Inversamente, não se pode garantir o primado de um processo ambulatório se este não tiver um apoio permanente de um dispositivo hospitalar imediatamente acessível, para breves internamentos em benefício de doentes com perturbações agudas, não susceptíveis de qualquer outro tratamento. Enfim, a limitação do recurso à hospitalização pode ser conseguida se a resposta ambulatória não dispuser de serviços que permitam prevenir as hospitalizações evitáveis; de acolher e acompanhar os doentes internados a longo prazo susceptíveis de terem alta após uma preparação adequada; de acompanhar os doentes não internados, para que possam permanecer na comunidade em condições aceitáveis e respeitosas das suas necessidades; de alternar tratamento ambulatório e hospitalização para os doentes que de tal necessitam.

    4.7.4

    A decisão de tratar um doente mental mediante internamento hospitalar ou tratamento ambulatório depende em grande parte da cultura e do modelo de formação do profissional, do seu grau de isolamento, dos factores socioculturais gerais, como a tolerância da sociedade, factores de precariedade no território em questão, que aumentam o recurso a esses serviços e a disponibilidade de alternativas. Assim, é impossível preconizar categoricamente índices sobre a necessidade de camas para internamento hospitalar completo para doentes em fase aguda, sem ter em conta as circunstâncias locais.

    4.7.5

    Por outro lado, o factor mais importante para o tratamento é a sua natureza, ou seja, que serviços pode prestar, para que necessidades, com que eficácia reconhecida, e não só o lugar onde é dispensado.

    4.7.6

    As vantagens normalmente reconhecidas do tratamento hospitalar prendem-se com a disponibilidade de um pessoal formado, com o acolhimento num ambiente sereno e adaptado, e um exercício terapêutico em condições suficientemente seguras. Estas vantagens diminuem ou desaparecem se a escassez de camas conduz a uma concentração, na hospitalização, de doentes não cooperativos com perturbações muito severas, que se traduz numa elevada perturbação do ambiente de trabalho, insuportável ou perigosa.

    4.7.7

    Numerosos estudos, internacionais e franceses, mostram que cerca de 40 % dos doentes com perturbações agudas, que se apresentam ou são enviados para hospitalização, podem ser tratados em contextos terapêuticos alternativos desde que haja um espírito de cooperação, obtido ou negociado com o apoio dos familiares ou da rede de apoio social (intervenções de urgência e de crise). Tanto assim que a crescente eficácia dos sistemas vai no sentido de reservar e, portanto, de concentrar naturalmente no hospital os casos mais «inevitáveis»: os que necessitam uma dupla avaliação de urgência, de natureza psiquiátrica e somática, os que apresentam patologias agudas mistas particularmente severas, recaídas graves de patologias psiquiátricas conhecidas, comportamentos violentos e suicidas incoercíveis, etc., muitas vezes na forma de internamento hospitalar forçado. Como se verá, tal tem consequências de organização e de enquadramento.

    4.7.8

    Dado o supra referido, os mesmos estudos recomendam um mínimo de 0,5 camas por mil habitantes adultos para os doentes em fase aguda, número a ponderar, se se considerar o que recomendamos, para um objectivo de 80-85 % de taxa de ocupação dos serviços. É evidente que este mínimo pressupõe alternativas a montante e a jusante suficientemente equipadas e eficazes e nele não se incluem as camas para doentes agudos necessários à psiquiatria médico-legal ou de segurança, nem as camas para os adolescentes e os idosos. Um número demasiado próximo deste limite, sem estarem reunidas todas as condições ambulatórias de substituição, conduziria à criação de camas suplementares em psiquiatria ou medicina extremamente onerosas.

    4.8   Ambiente dos cuidados

    4.8.1

    Embora o limiar mínimo de camas possa variar de país para país, as normas mínimas de acomodação podem ser apresentadas mais assertivamente. Toda a acomodação deve ser apropriada para a finalidade e, ainda que possivelmente proporcionada em instalações antigas, tem de aspirar ao respeito dos valores contemporâneos da dignidade e do respeito pelos residentes. É essencial para efeitos de recuperação que o ambiente seja apropriado. Os riscos ambientais têm de ser avaliados e ter resposta em função das necessidades especiais dos residentes.

    4.8.2

    Os residentes devem ter acesso a um vasto leque de terapias que completem e contribuam para os cuidados e o tratamento de que necessitam. Todo o pessoal da saúde mental contribui para este ambiente ao ser apropriadamente formado, competente e humano na sua abordagem.

    Bruxelas, 17 de Maio de 2006.

    A Presidente

    do Comité Económico e Social Europeu

    Anne-Marie SIGMUND


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