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Document 62021CJ0130

Acórdão do Tribunal de Justiça (Oitava Secção) de 24 de março de 2022.
Lukáš Wagenknecht contra Comissão Europeia.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Proteção dos interesses financeiros da União Europeia — Luta contra a fraude — Quadro financeiro plurianual — Pretenso conflito de interesses do primeiro‑ministro da República Checa — Pedido para impedir que este último se reúna com o Colégio de Comissários Europeus — Pedido para pôr termo aos pagamentos diretos do orçamento da União a favor de certos grupos agroalimentares — Ação por omissão — Pretensa inação da Comissão Europeia — Composição do Tribunal Geral da União Europeia — Pretensa falta de imparcialidade — Inadmissibilidade do recurso — Tomada de posição — Legitimidade — Interesse em agir.
Processo C-130/21 P.

Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2022:226

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção)

24 de março de 2022 ( *1 )

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Proteção dos interesses financeiros da União Europeia — Luta contra a fraude — Quadro financeiro plurianual — Pretenso conflito de interesses do primeiro‑ministro da República Checa — Pedido para impedir que este último se reúna com o Colégio de Comissários Europeus — Pedido para pôr termo aos pagamentos diretos do orçamento da União a favor de certos grupos agroalimentares — Ação por omissão — Pretensa inação da Comissão Europeia — Composição do Tribunal Geral da União Europeia — Pretensa falta de imparcialidade — Inadmissibilidade do recurso — Tomada de posição — Legitimidade — Interesse em agir»

No processo C‑130/21 P,

que tem por objeto um recurso de um despacho do Tribunal Geral ao abrigo do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 1 de março de 2021,

Lukáš Wagenknecht, residente em Pardubice (República Checa), representado por A. Koller, advokátka,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada por F. Erlbacher e M. Salyková, na qualidade de agentes,

demandado em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Oitava Secção),

composto por: J. Passer, presidente da Sétima Secção, exercendo funções de presidente da Oitava Secção, F. Biltgen (relator) e N. Wahl, juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1

Com o seu recurso, Lukaš Wagenknecht pede a anulação do Despacho do Tribunal Geral da União Europeia de 17 de dezembro de 2020, Wagenknecht/Comissão (T‑350/20, a seguir «despacho recorrido», não publicado, EU:T:2020:635), pelo qual este julgou inadmissível a sua ação por omissão ao abrigo do artigo 265.o TFUE, destinada a obter a declaração de que a Comissão Europeia se absteve ilegalmente de agir a seu pedido no sentido de serem adotadas medidas vinculativas e dissuasivas destinadas a prevenir ou a solucionar o pretenso conflito de interesses de Andrej Babiš, primeiro‑ministro da República Checa.

Antecedentes do litígio

2

Os antecedentes do litígio são apresentados nos n.os 1 a 4 do despacho recorrido do seguinte modo:

«1

Por carta de 30 de janeiro de 2020, o demandante […], membro do Senát Parlamentu České republiky (Senado da República Checa), pediu à Comissão Europeia que adotasse medidas restritivas e dissuasivas destinadas a prevenir ou a solucionar o pretenso conflito de interesses de Andrej Babiš, primeiro‑ministro da República Checa, nomeadamente, por um lado, impedindo os membros do Colégio de Comissários, em especial a sua presidente, de se reunir com A. Babiš e debater com este último questões relacionadas com o quadro financeiro plurianual 2021/2027 e o orçamento da União em geral e, por outro, adotando medidas destinadas a fazer cessar os pagamentos das ajudas agrícolas diretas a partir do orçamento da União a favor de certas sociedades sobre as quais A. Babiš exerce um controlo e das quais é o proprietário efetivo (a seguir “convite para agir”), devido a um pretenso conflito de interesses desse representante da República Checa, resultante dos seus interesses pessoais e familiares nas empresas do grupo Agrofert e do grupo Synbiol, ativos em particular no setor agroalimentar.

2

Na sua resposta de 25 de março de 2020, a Comissão, embora constatando que o convite para agir que lhe foi dirigido correspondia, em larga medida, ao já dirigido ao Conselho Europeu e que foi objeto da ação por omissão, pendente no Tribunal Geral nessa data, no âmbito do processo T‑715/19, Wagenknecht/Conselho Europeu, explicou que já tinha tomado as medidas necessárias e proporcionadas para proteger o orçamento da União. A Comissão referiu‑se, em primeiro lugar, ao facto de nenhum pagamento a título dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento ter sido feito aos beneficiários potencialmente afetados pelo pretenso conflito de interesses e, em segundo lugar, à Decisão de 28 de novembro de 2019 que suspende os pagamentos a título do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (Feader). Neste contexto, a Comissão especificou que esta última decisão tinha sido impugnada no Tribunal Geral no âmbito do processo T‑76/20, República Checa/Comissão. Assim, devido a esse processo, pendente na altura e entretanto cancelado no registo do Tribunal Geral na sequência da desistência do demandante (Despacho de 25 de agosto de 2020, República Checa/Comissão, T‑76/20, não publicado, EU:T:2020:379), a Comissão tinha decidido abster‑se de apresentar outras observações.

3

Por correio eletrónico de 30 de março de 2020, o demandante dirigiu‑se novamente à Comissão reiterando as questões que tinha colocado no convite para agir, com o fundamento de que, na sua opinião, esta última não tinha tomado posição sobre as mesmas na sua resposta de 25 de março de 2020. No mesmo correio eletrónico, o demandante colocou questões adicionais, reconhecendo que estas questões ultrapassavam o quadro do convite para agir.

4

Por carta de 23 de abril de 2020, a Comissão, acusando a receção do correio eletrónico do demandante de 30 de março de 2020, respondeu que nada tinha a acrescentar à correspondência anterior.»

Recurso para o Tribunal Geral e despacho recorrido

3

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral, em 9 de junho de 2020, o recorrente intentou, ao abrigo do artigo 265.o TFUE, uma ação destinada a obter a declaração de uma omissão da Comissão, na medida em que esta instituição não tinha agido em resposta ao convite para agir.

4

Em 11 de agosto de 2020, a Comissão, ao abrigo do artigo 130.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, invocou uma exceção de inadmissibilidade. O recorrente não apresentou observações sobre esta exceção de inadmissibilidade.

5

Através do despacho recorrido, o Tribunal Geral, por um lado, deferiu o pedido da Comissão no sentido de não serem tidas em conta as passagens da petição que se referiam a um parecer do Serviço Jurídico dessa instituição datado de 19 de novembro de 2018 e, por outro, julgou a ação inadmissível, depois de ter declarado, em primeiro lugar, nos n.os 28 a 31 desse despacho, que o demandante não tinha interesse em agir nem legitimidade e, em segundo lugar, nos n.os 32 a 36 do referido despacho, que a Comissão tinha tomado posição sobre o seu convite para agir na sua carta de 25 de março de 2020.

Pedidos das partes no Tribunal de Justiça

6

Com o presente recurso, o recorrente pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

anular o despacho recorrido e

julgar procedentes os pedidos apresentados em primeira instância.

7

A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

negar provimento ao recurso e

condenar o recorrente nas despesas.

Quanto ao presente recurso

8

Há que agrupar os argumentos do recorrente, tal como apresentados na petição, em seis fundamentos, o primeiro relativo a uma violação do artigo 18.o, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o segundo relativo ao facto de o Tribunal Geral ter qualificado erradamente a carta da Comissão de 25 de março de 2020 de tomada de posição, o terceiro relativo a um erro de apreciação do Tribunal Geral quanto ao interesse do recorrente em agir e à sua legitimidade, o quarto relativo a uma violação do artigo 6.o, n.o 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), dos artigos 2.o, 41.o e 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e do artigo 2.o TUE, o quinto relativo a uma apreciação errada pelo Tribunal Geral da utilização feita pelo recorrente do parecer jurídico da Comissão de 19 de novembro de 2018, e o sexto relativo a uma violação do princípio geral da previsibilidade da lei no que respeita às despesas.

Quanto ao primeiro fundamento

Argumentação das partes

9

Com o seu primeiro fundamento, o recorrente alega que o Tribunal Geral violou o artigo 18.o, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, na medida em que um dos membros da formação do Tribunal Geral que se pronunciou sobre a sua ação, a saber, o juiz J. Laitenberger, estaria numa aparente situação de conflito de interesses no processo, sem, no entanto, pedir escusa, e, por conseguinte, não cumpriu a sua obrigação de imparcialidade objetiva. Além disso, o presidente do Tribunal Geral violou a sua obrigação de notificar a esse juiz o seu conflito de interesses.

10

Segundo o recorrente, este conflito de interesses tem origem em duas circunstâncias, qualquer uma delas suficiente para demonstrar o incumprimento do dever de imparcialidade invocado.

11

Em primeiro lugar, o recorrente salienta que, antes de ser nomeado juiz no Tribunal Geral, J. Laitenberger passou 20 anos ao serviço da Comissão, nomeadamente na Direção‑Geral (DG) «Concorrência» e no serviço do porta‑voz. Ora, ao pronunciar‑se num processo relativo à pretensa omissão do seu antigo empregador cerca de nove meses após cessar essas funções, esse juiz viu‑se numa aparente situação de conflito de interesses e, por conseguinte, não cumpriu a exigência de imparcialidade objetiva.

12

Em segundo lugar, o recorrente alega que J. Laitenberger, quando era diretor‑geral da DG «Concorrência», defendeu a inação da Comissão contra o grupo Agrofert noutro diferendo relacionado estruturalmente com a mesma questão que a colocada no presente processo.

13

A este respeito, o recorrente alega que, entre janeiro e março de 2018, houve uma troca de comunicações com J. Laitenberger através do seu porta‑voz, na sequência de três questões que tinha suscitado a fim de saber se o facto de um Estado‑Membro não recuperar um montante correspondente a uma subvenção que a Comissão recusou tomar a cargo do orçamento da União — porque o Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) considerava que tinha sido pago em violação das regras da União e que, por conseguinte, foi pago a partir do orçamento desse Estado‑Membro — constituía um auxílio de Estado ilegal por força do direito da União. O recorrente alega que, em substância, lhe foi respondido que a Comissão não podia, em princípio, ordenar a um Estado‑Membro que recuperasse um auxílio unicamente pelo facto de este ter sido concedido ilegalmente se a incompatibilidade com o mercado comum não fosse demonstrada. Esta resposta, que foi dada em nome da DG «Concorrência» pelo porta‑voz de J. Laitenberger, limitou‑se a abordar, de maneira geral, os princípios subjacentes aos auxílios de Estado em vez de se pronunciar especificamente sobre o diferendo que dizia respeito a uma filial da Agrofert.

14

A Comissão considera que o primeiro fundamento é improcedente.

Apreciação do Tribunal de Justiça

15

Importa recordar que as garantias de acesso a um tribunal independente, imparcial e previamente estabelecido por lei, nomeadamente as que determinam aquilo que constitui um tribunal e a sua composição, representam a pedra angular do direito a um processo equitativo. Este implica que qualquer órgão jurisdicional tem a obrigação de verificar se, pela sua composição, constitui um tribunal desse tipo quando surja uma dúvida séria quanto a esse ponto. Essa verificação é necessária à confiança que os tribunais de uma sociedade democrática devem inspirar nos particulares (Acórdão de 26 de março de 2020, Reapreciação Simpson/Conselho e HG/Comissão, C‑542/18 RX‑II e C‑543/18 RX‑II, EU:C:2020:232, n.o 57 e jurisprudência referida).

16

O Tribunal de Justiça teve igualmente a oportunidade de declarar que a exigência de imparcialidade, garantida no artigo 47.o da Carta, cobre dois aspetos. Por um lado, o tribunal deve ser subjetivamente imparcial, isto é, nenhum dos seus membros deve manifestar opiniões preconcebidas ou um juízo antecipado pessoal, presumindo‑se a imparcialidade pessoal até prova em contrário. Por outro lado, o tribunal deve ser objetivamente imparcial, isto é, oferecer garantias suficientes para excluir qualquer dúvida legítima a este respeito (Acórdão de 4 de dezembro de 2019, H/Conselho, C‑413/18 P, não publicado, EU:C:2019:1044, n.o 55 e jurisprudência referida).

17

No caso em apreço, ao limitar‑se a alegar que um dos membros da formação do Tribunal Geral que proferiu o despacho recorrido estava numa situação aparente de conflito de interesses, o recorrente não põe em causa a imparcialidade pessoal desse membro, mas a imparcialidade objetiva da formação de julgamento.

18

No que respeita aos fundamentos em que o recorrente baseia esta alegação, há que observar que o simples facto de o referido membro da formação de julgamento trabalhar para a Comissão, demandada em primeira instância, antes de exercer as suas funções de juiz no Tribunal Geral não basta para suscitar uma dúvida legítima quanto à sua imparcialidade objetiva e à imparcialidade dessa formação no presente processo (v., neste sentido, Despacho de 2 de abril de 2020, Kerstens/Comissão, C‑577/18 P‑REV, não publicado, EU:C:2020:250, n.os 25 a 30).

19

A este respeito, o artigo 18.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, que constitui a expressão do direito de acesso a um tribunal independente e imparcial, consagrado no artigo 47.o da Carta, prevê, no seu primeiro parágrafo, que os juízes e os advogados‑gerais do Tribunal de Justiça da União Europeia não podem exercer funções em causa em que tenham intervindo anteriormente como agentes, consultores ou advogados de uma das partes, ou sobre que tenham sido chamados a pronunciar‑se como membros de um tribunal, de uma comissão de inquérito, ou a qualquer outro título e, no seu segundo parágrafo, primeiro período, que se, por qualquer razão especial, um juiz ou um advogado‑geral considerar que não deve intervir em determinada causa, deverá comunicar o facto ao presidente.

20

Ora, no que respeita à proibição imposta pelo artigo 18.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, de um juiz exercer funções em causa em que tenha intervindo anteriormente noutra qualidade, bem como à menção, no segundo parágrafo desse artigo 18.o, de uma «razão especial» de não intervir em determinada causa, tendo em conta as circunstâncias particulares descritas pelo recorrente, é em vão que este invoca a pretensa defesa, por parte de J. Laitenberger, na sua qualidade de Diretor‑Geral da DG «Concorrência» da Comissão, da inação dessa instituição contra o grupo Agrofert noutro litígio relacionado com a mesma questão suscitada no presente processo.

21

Com efeito, em primeiro lugar, embora a correspondência entre o recorrente e a Comissão durante o ano de 2018 tivesse por objeto, tal como a sua petição no presente processo, um pretenso conflito de interesses do primeiro‑ministro checo, o objeto dessa correspondência era um auxílio de Estado ilegal que a República Checa terá concedido, ao passo que o objeto do presente processo são pagamentos feitos a partir do orçamento da União. Por conseguinte, não se trata do mesmo processo, como reconhece o próprio recorrente.

22

Em segundo lugar, nessa correspondência, como o recorrente também reconhece, a Comissão limitava‑se a recordar de maneira geral os princípios subjacentes aos auxílios de Estado, sem abordar especificamente o diferendo evocado pelo recorrente. Daqui resulta que estas respostas não são pertinentes para o caso em apreço e não podem, de modo nenhum, constituir um indício da existência de uma opinião preconcebida.

23

Em terceiro lugar, e em todo o caso, embora seja patente que os interlocutores do recorrente trabalhavam no serviço do porta‑voz da Comissão e que um deles estava ligado à assessoria de imprensa da DG «Concorrência», não resulta dessa correspondência que J. Laitenberger tenha pessoalmente redigido ou aprovado as respostas fornecidas. Por conseguinte, a alegação do recorrente relativa à existência de uma troca de comunicações com este último, através do seu porta‑voz, não está demonstrada.

24

Resulta do exposto que o recorrente não demonstrou a falta de imparcialidade objetiva, na aceção da jurisprudência recordada no n.o 16 do presente acórdão, do juiz J. Laitenberger nem da formação do Tribunal Geral que adotou o despacho recorrido.

25

Por conseguinte, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto ao segundo fundamento

Argumentação das partes

26

Com o seu segundo fundamento, o recorrente acusa o Tribunal Geral de ter cometido dois erros de apreciação no n.o 36 do despacho recorrido, ao qualificar a carta de 25 de março de 2020 da Comissão de tomada de posição relativamente ao convite para agir.

27

Em primeiro lugar, nessa carta, contrariamente à afirmação do Tribunal Geral no referido número, a Comissão não explicou ao recorrente as razões pelas quais recusava agir no sentido pedido. Considera que aquela instituição evitou simplesmente responder aos dois pedidos formulados no convite para agir, sem lhes dar seguimento.

28

Em segundo lugar, o recorrente afirma que o Tribunal Geral qualificou de tomada de posição a carta da Comissão de 25 de março de 2020, quando esta instituição não respondeu ao pedido do recorrente no sentido de pôr termo aos pagamentos de ajudas agrícolas diretas a partir do orçamento da União, abrangidos pelo primeiro pilar da política agrícola comum (PAC), a sociedades controladas pelo primeiro‑ministro da República Checa. No entanto, acrescenta, a Comissão referiu a suspensão dos pagamentos destinados a essas sociedades a título dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento e do Feader, os quais pertencem ao segundo pilar da PAC. Nestas condições, o recurso ao artigo 263.o TFUE, como preconizado pelo Tribunal Geral, é desprovido de sentido na medida em que o recorrente não levantou nenhuma objeção relativamente à declaração feita e às medidas tomadas pela Comissão em relação a este segundo pilar.

29

O recorrente considera que a falta de resposta ao pedido relativo ao referido primeiro pilar constitui uma omissão da Comissão e deve conduzir à anulação do despacho recorrido. Além disso, entende que o Tribunal Geral, de maneira enganosa, fez referência ao Feader em associação com o pagamento de ajudas agrícolas diretas, a fim de dissimular essa falta de resposta.

30

A Comissão contesta o mérito desta argumentação.

Apreciação do Tribunal de Justiça

31

Como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, o Tribunal Geral recordou acertadamente, nos n.os 33 a 35 do despacho recorrido, que os requisitos de admissibilidade de uma ação por omissão, fixados no artigo 265.o TFUE, não estão preenchidos quando a instituição convidada a agir tiver tomado posição sobre esse convite antes da propositura da ação (Despachos de 8 de fevereiro de 2018, CBA Spielapparate‑ und Restaurantbetrieb/Comissão, C‑508/17 P, não publicado, EU:C:2018:72, n.o 15, e de 3 de dezembro de 2019, WB/Comissão, C‑270/19 P, não publicado, EU:C:2019:1038, n.o 13) e que a adoção de um ato diferente do que os interessados teriam desejado ou considerado necessário, como uma recusa, devidamente fundamentada, de agir em conformidade com o convite para agir, constitui uma tomada de posição que põe termo à omissão (v., neste sentido, Acórdão de 19 de novembro de 2013, Comissão/Conselho, C‑196/12, EU:C:2013:753, n.o 22 e jurisprudência referida).

32

Foi em aplicação dessa jurisprudência que o Tribunal Geral considerou, em substância, no n.o 36 do despacho recorrido, que a carta da Comissão de 25 de março de 2020, em resposta ao convite para agir de 30 de janeiro de 2020 e que continha a decisão dessa instituição de não tomar as iniciativas no sentido preconizado nesse convite, punha termo à omissão, tornando assim a ação intentada pelo recorrente inadmissível, nos termos do artigo 265.o TFUE. O Tribunal Geral acrescentou que o recorrente poderia ter interposto um recurso de anulação nos termos do artigo 263.o TFUE contra a referida decisão, sob reserva de poder justificar a sua legitimidade.

33

Ora, importa recordar que uma tomada de posição, na aceção do artigo 265.o, segundo parágrafo, TFUE deve expor de maneira clara e definitiva a posição da instituição em causa sobre o pedido do recorrente e que a qualificação da resposta da referida instituição a esse pedido de «tomada de posição» que põe termo à omissão alegada é uma questão de direito que pode ser suscitada no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral (v., neste sentido, Despacho de 16 de junho de 2020, CJ/Tribunal de Justiça da União Europeia, C‑634/19 P, não publicado, EU:C:2020:474, n.os 29 e 31 e jurisprudência referida).

34

No caso em apreço, a argumentação apresentada pelo recorrente no âmbito do seu segundo fundamento não é suscetível de pôr em causa a qualificação de «tomada de posição» da carta da Comissão de 25 de março de 2020 nem, portanto, a conclusão do Tribunal Geral segundo a qual a ação era inadmissível a esse título.

35

A este respeito, resulta claramente do texto dessa carta que a Comissão recusou agir em resposta ao convite que lhe tinha sido feito. Com efeito, ao explicar ao recorrente, na referida carta, que já tinha tomado as medidas necessárias e proporcionadas para proteger o orçamento da União ao abster‑se de pagar aos beneficiários potencialmente interessados pelo conflito de interesses alegado dos pagamentos a título dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento e ao suspender os pagamentos a título do Feader, a Comissão recusou, implícita, mas inequivocamente, agir em conformidade com os dois pedidos do recorrente constantes do convite para agir, fornecendo‑lhe simultaneamente uma razão para tal. Por conseguinte, não evitou responder a esses pedidos. Daqui resulta que o Tribunal Geral não cometeu um erro de apreciação ao considerar, no n.o 36 do despacho recorrido, que a carta da Comissão de 25 de março de 2020 constituía uma tomada de posição na aceção do artigo 265.o, segundo parágrafo, TFUE.

36

Nestas condições, o argumento do recorrente segundo o qual o Tribunal Geral se referiu erradamente, no n.o 36 do despacho recorrido, aos fundos Feader como sendo abrangidos por ajudas agrícolas diretas do orçamento da União é inoperante, uma vez que, independentemente da qualificação dos pagamentos ao abrigo desses fundos, a Comissão recusou agir em conformidade com os pedidos do recorrente com o fundamento de que a suspensão desses pagamentos constituía uma das medidas necessárias e proporcionadas tomadas para proteger o orçamento da União.

37

Por outro lado, há que recordar que a questão dos requisitos de admissibilidade de uma ação por omissão é distinta da questão de saber se o ato adotado pela instituição da União solicitada, que põe termo à sua inação, pode ser objeto de um recurso de anulação (v., neste sentido, Despacho de 16 de junho de 2020, CJ/Tribunal de Justiça da União Europeia, C‑634/19 P, não publicado, EU:C:2020:474, n.o 36 e jurisprudência referida). Por conseguinte, o argumento do recorrente relativo ao facto de a interposição de um recurso ao abrigo do artigo 263.o TFUE contra a carta da Comissão de 25 de março de 2020 ser desprovida de sentido é inoperante.

38

Resulta do exposto que há que julgar o segundo fundamento improcedente.

Quanto ao terceiro fundamento

Argumentação das partes

39

Com o seu terceiro fundamento, o recorrente critica os n.os 28 a 31 do despacho recorrido, nos quais o Tribunal Geral concluiu que o recorrente não tinha legitimidade nem interesse em agir no âmbito da ação por omissão.

40

Segundo o recorrente, os atos que solicitou que fossem adotados em relação a terceiros poderiam afetá‑lo direta e individualmente. Quando a adoção de tais atos é necessária para assegurar o respeito dos valores fundamentais enunciados no artigo 2.o TUE, há que optar por uma interpretação ampla dos critérios de admissibilidade a fim de permitir aos particulares intentarem uma ação no Tribunal Geral invocando o incumprimento desses valores por uma instituição da União.

41

O recorrente alega igualmente que tem interesse em agir. Em primeiro lugar, enquanto membro do Parlamento de um Estado‑Membro e presidente da Comissão Permanente do Senado checo encarregada do controlo da gestão dos recursos públicos, tem interesse em solicitar ao Tribunal Geral que verifique se a Comissão respeitou as obrigações decorrentes da legislação da União. Em segundo lugar, enquanto contribuinte europeu, tem interesse em pedir ao Tribunal Geral que verifique se a Comissão respeitou e aplicou as regras relativas à boa distribuição do seu dinheiro.

42

A Comissão considera que a argumentação do recorrente é improcedente.

Apreciação do Tribunal de Justiça

43

Na medida em que, pelas razões expostas nos n.os 31 a 38 do presente acórdão, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao julgar inadmissível a ação com o fundamento de que a Comissão tomou posição sobre o convite para agir de 30 de janeiro de 2020 antes da propositura dessa ação, não há que examinar a argumentação do recorrente relativa a uma apreciação errada da sua legitimidade e do seu interesse em agir. Com efeito, nestas condições, um eventual erro não teria incidência sobre a resolução do litígio e não afetaria o dispositivo do despacho recorrido, na medida em que a referida ação foi julgada inadmissível (v., por analogia, Acórdão de 3 de outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho, C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.o 74, e Despacho de 25 de outubro de 2016, VSM Geneesmiddelen/Comissão, C‑637/15 P, não publicado, EU:C:2016:812, n.os 54 e 55).

44

Por conseguinte, o terceiro fundamento deve ser julgado inoperante.

Quanto ao quarto fundamento

Argumentação das partes

45

Com o seu quarto fundamento, o recorrente invoca uma violação do artigo 6.o, n.o 1, da CEDH, dos artigos 2.o, 41.o e 47.o da Carta, bem como do artigo 2.o TUE, na medida em que o Tribunal Geral, no n.o 37 do despacho recorrido, julgou procedente a exceção de inadmissibilidade da Comissão sem examinar o mérito da causa do processo, declarando mais concretamente que, apesar de o recorrente ser membro de um parlamento nacional e de ter sido objeto de ameaças à sua integridade física, o artigo 47.o da Carta não tem por objeto alterar o sistema de fiscalização jurisdicional previsto pelos Tratados.

46

O recorrente considera que o Tribunal Geral não cumpriu a sua obrigação de independência, na aceção do artigo 6.o, n.o 1, da CEDH, e isto por três razões. Em primeiro lugar, tomou em consideração, sem distância crítica, os argumentos da Comissão, enquanto poder executivo, ignorando quase inteiramente os argumentos do recorrente, em violação do direito a um processo equitativo, que exige um exame dos principais argumentos de todos os litigantes. Em segundo lugar, ao julgar inadmissível o recurso do recorrente, o Tribunal Geral limitou as suas competências enquanto órgão jurisdicional relativamente à parte executiva da União. Em terceiro lugar, o Tribunal Geral violou a exigência de independência judicial do ponto de vista dos valores e direitos fundamentais ao não criticar a atuação do poder executivo, e ao não manter o justo equilíbrio entre o poder judicial e o poder executivo.

47

A este respeito, o recorrente sustenta que o Tribunal Geral permitiu a utilização subversiva, pela Comissão, da estratégia contenciosa que consiste em suscitar uma exceção de inadmissibilidade, a fim de permitir a violação dos valores fundamentais consagrados no artigo 2.o TUE, como a democracia, o Estado de direito, a igualdade e a justiça.

48

Por outro lado, ao ignorar as ameaças à integridade física do recorrente, o Tribunal Geral violou o direito à vida deste, conforme garantido pelo artigo 2.o da Carta.

49

O recorrente acrescenta que, ao não se pronunciar quanto ao mérito da causa e ao ignorar a maior parte dos seus argumentos, o Tribunal Geral, ao não indicar o percurso lógico que seguiu, violou o seu dever de fundamentação, conforme consagrado no artigo 41.o da Carta e baseado no direito a um processo equitativo.

50

A Comissão contesta o mérito destes argumentos.

Apreciação do Tribunal de Justiça

51

Ao invocar uma violação do artigo 6.o, n.o 1, da CEDH, dos artigos 2.o, 41.o e 47.o da Carta, bem como do artigo 2.o TUE, o recorrente critica essencialmente o facto de o Tribunal Geral, ao abrigo do artigo 130.o do seu Regulamento de Processo, se ter pronunciado sobre a exceção de inadmissibilidade, sem dar início à discussão do mérito da causa.

52

A este respeito, basta salientar, como o Tribunal Geral recordou, em substância, no n.o 37 do despacho recorrido, que, embora os requisitos de admissibilidade de um recurso para o Tribunal de Justiça devam ser interpretados à luz dos valores e dos direitos fundamentais do direito da União, estes não podem, todavia, ter como consequência alterar o sistema de fiscalização jurisdicional previsto pelos Tratados, designadamente as regras relativas à admissibilidade das ações intentadas diretamente perante as jurisdições da União (Despacho Wagenknecht/Conselho Europeu, C‑504/20 P, EU:C:2021:305, n.o 39 e jurisprudência referida).

53

Em qualquer caso, a alegação do recorrente segundo a qual o Tribunal Geral, no despacho recorrido, violou o dever de fundamentação que lhe incumbe baseia‑se na falta de apreciação do mérito da causa nesse despacho, o que mais não é do que a consequência da decisão legítima do Tribunal Geral de decidir sem dar início à discussão do mérito da causa, em aplicação do artigo 130.o do seu Regulamento de Processo.

54

Daqui resulta que o quarto fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto ao quinto fundamento

Argumentação das partes

55

Com o seu quinto fundamento, o recorrente critica, em substância, os n.os 14 a 24 do despacho recorrido, através dos quais o Tribunal Geral deferiu o pedido da Comissão de não ter em conta os excertos da petição que se referem ao parecer do Serviço Jurídico dessa instituição datado de 19 de novembro de 2018. O recorrente considera que o Tribunal Geral apreciou erradamente até que ponto o recorrente se baseou nesse parecer na petição.

56

O recorrente afirma que, na petição, as duas referências ao referido parecer jurídico se destinavam a fornecer uma ilustração suplementar e não essencial dos seus próprios argumentos, figurando a primeira referência numa nota de pé de página e a segunda na epígrafe de um ponto da petição.

57

A Comissão considera que este fundamento é inoperante.

Apreciação do Tribunal de Justiça

58

Há que reconhecer que este fundamento é inoperante. Com efeito, mesmo que fosse procedente, não afetaria o n.o 1 do dispositivo do despacho recorrido, que declara que não há que ter em conta o referido parecer do Serviço Jurídico da Comissão, conforme anexado à petição, bem como as passagens desta última relativas ao conteúdo desse mesmo parecer, nem o n.o 2 desse dispositivo, que julga inadmissível o recurso do recorrente.

59

Por conseguinte, o quinto fundamento deve ser julgado inoperante.

Quanto ao sexto fundamento

Argumentação das partes

60

Com o seu sexto fundamento, o recorrente alega que o Tribunal Geral violou o princípio da previsibilidade da lei ao condená‑lo nas despesas, apesar de o montante das mesmas não ter sido indicado no despacho recorrido e de os artigos 133.o a 141.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, relativos às despesas, não preverem uma regra material que permita a determinação das despesas.

61

A Comissão sustenta que este fundamento é inadmissível.

Apreciação do Tribunal de Justiça

62

Segundo jurisprudência constante, no caso de improcederem todos os outros fundamentos de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, os pedidos relativos à pretensa irregularidade da decisão do Tribunal Geral sobre as despesas devem ser julgados inadmissíveis, em aplicação do artigo 58.o, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, nos termos do qual o recurso não pode ter unicamente por objeto a responsabilidade e o montante das despesas (Despachos de 12 de janeiro de 2017, Europäischer Tier‑ und Naturschutz e Giesen/Comissão, C‑343/16 P, não publicado, EU:C:2017:10, n.o 24, e de 14 de abril de 2021, Wagenknecht/Conselho Europeu, C‑504/20 P, EU:C:2021:305, n.o 52).

63

Tendo os outros fundamentos do recurso sido julgados improcedentes, há que julgar o sexto fundamento inadmissível.

64

Decorre do que precede que há que negar provimento ao recurso na totalidade.

Quanto às despesas

65

Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 184.o, n.o 1, do mesmo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

66

No caso em apreço, tendo a Comissão pedido a condenação do recorrente nas despesas e tendo este sido vencido, há que condená‑lo a suportar, além das suas próprias despesas relativas ao presente recurso, as despesas efetuadas pela Comissão.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

Lukaš Wagenknecht é condenado a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão Europeia.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.

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