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Document 62023CJ0227
Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 24 de outubro de 2024.
Kwantum Nederland BV e Kwantum België BV contra Vitra Collections AG.
Reenvio prejudicial — Propriedade intelectual e industrial — Direito de autor — Diretiva 2001/29/CE — Artigos 2.° a 4.° — Direitos exclusivos — Proteção pelo direito de autor de obras de artes aplicadas cujo país de origem não é um Estado‑Membro — Convenção de Berna — Artigo 2.°, n.° 7 — Critério da reciprocidade material — Repartição das competências entre a União Europeia e os seus Estados‑Membros — Aplicação pelos Estados‑Membros do critério da reciprocidade material — Artigo 351.°, primeiro parágrafo, TFUE.
Processo C-227/23.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 24 de outubro de 2024.
Kwantum Nederland BV e Kwantum België BV contra Vitra Collections AG.
Reenvio prejudicial — Propriedade intelectual e industrial — Direito de autor — Diretiva 2001/29/CE — Artigos 2.° a 4.° — Direitos exclusivos — Proteção pelo direito de autor de obras de artes aplicadas cujo país de origem não é um Estado‑Membro — Convenção de Berna — Artigo 2.°, n.° 7 — Critério da reciprocidade material — Repartição das competências entre a União Europeia e os seus Estados‑Membros — Aplicação pelos Estados‑Membros do critério da reciprocidade material — Artigo 351.°, primeiro parágrafo, TFUE.
Processo C-227/23.
Court reports – general – 'Information on unpublished decisions' section
ECLI identifier: ECLI:EU:C:2024:914
Processo C‑227/23
Kwantum Nederland BV
e
Kwantum België BV
contra
Vitra Collections AG
(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hoge Raad der Nederlanden)
Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 24 de outubro de 2024
«Reenvio prejudicial — Propriedade intelectual e industrial — Direito de autor — Diretiva 2001/29/CE — Artigos 2.° a 4.° — Direitos exclusivos — Proteção pelo direito de autor de obras de artes aplicadas cujo país de origem não é um Estado‑Membro — Convenção de Berna — Artigo 2.o, n.o 7 — Critério da reciprocidade material — Repartição das competências entre a União Europeia e os seus Estados‑Membros — Aplicação pelos Estados‑Membros do critério da reciprocidade material — Artigo 351.o, primeiro parágrafo, TFUE»
Aproximação das legislações – Direitos de autor e direitos conexos – Diretiva 2001/29 – Harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação – Âmbito de aplicação – Obra de artes aplicadas originária de um país terceiro e concebida por um nacional desse país – Inclusão
[Artigo 52.o TUE; Diretiva 2001/29 do Parlamento Europeu e do Conselho, considerandos 6, 9, e 15, artigos 2.°, alínea a), 3.°, n.o 1, 4.°, n.o 1, e 10.°, n.o 1]
(cf. n.os 45‑47, 51, 59‑66, disp. 1)
Aproximação das legislações – Direitos de autor e direitos conexos – Diretiva 2001/29 – Harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação – Âmbito de aplicação – Obra – Conceito – Interpretação autónoma e uniforme – Qualificação de um objeto como obra – Requisitos cumulativos
(Diretiva 2001/29 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 2.° a 4.°)
(cf. n.os 48‑50, 56)
Aproximação das legislações – Direitos de autor e direitos conexos – Diretiva 2001/29 – Harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação – Direitos de reprodução e de distribuição – Exceções e limitações – Alcance – Exceção ou limitação diferente das que estão previstas na diretiva – Exclusão – Inaplicabilidade do critério da reciprocidade material previsto na Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas – Competência exclusiva da União para estabelecer essa limitação
[Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 17.°, n.o 2, e 52.°, n.o 1; Diretiva 2001/29 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 2.°, alínea a), 4.°, n.o 1, e 5.°]
(cf. n.os 68‑79, disp. 2)
Acordos internacionais – Acordos dos Estados‑Membros – Acordos anteriores à adesão à União de um Estado‑Membro – Acordo que permite a um Estado‑Membro adotar uma medida contrária ao direito da União – Obrigação do Estado‑Membro de se abster de tomar tal medida – Incompatibilidade resultante de uma evolução do direito da União – Impossibilidade de o Estado‑Membro invocar o referido acordo para se exonerar das obrigações nascidas desta evolução – Inaplicabilidade do critério da reciprocidade material previsto na Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas
(Artigo 351.o, primeiro parágrafo, TFUE)
(cf. n.os 83‑91, disp. 3)
Resumo
Consultado a título prejudicial pelo Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos), o Tribunal de Justiça pronuncia‑se sobre a aplicabilidade do critério da reciprocidade material previsto na Convenção de Berna, que subordina a proteção de certas obras pelo direito de autor à condição da existência de uma proteção semelhante no país de origem ( 1 ). Segundo o Tribunal de Justiça, o direito da União Europeia opõe‑se à aplicação deste critério, pelos Estados‑Membros, a uma obra de artes aplicadas cujo país de origem seja um país terceiro e cujo autor seja nacional desse país.
A Vitra Collections AG (a seguir «Vitra»), uma sociedade de direito suíço, é fabricante e titular dos direitos de propriedade intelectual sobre a cadeira Dining Sidechair Wood (a seguir «cadeira DSW»). Esta cadeira foi concebida por dois nacionais dos Estados Unidos da América no âmbito de um concurso de conceção de mobiliário organizado pelo Museum of Modern Art de Nova Iorque (Estados Unidos) e exposta nesse museu a partir de 1950.
A Kwantum Nederland BV e a Kwantum België BV (a seguir, conjuntamente, «Kwantum») exploram, nos Países Baixos e na Bélgica, uma cadeia de artigos de decoração de interiores e comercializam uma cadeira denominada «cadeira Paris». Segundo a Vitra, esta comercialização viola os seus direitos de autor sobre a cadeira DSW.
O Rechtbank Den Haag (Tribunal de Primeira Instância de Haia, Países Baixos), no qual a Vitra intentou uma ação, considerou que a Kwantum não violou os direitos de autor da Vitra nos Países Baixos e na Bélgica. Esta sentença foi anulada pelo Gerechtshof Den Haag (Tribunal de Recurso de Haia, Países Baixos), segundo o qual a Kwantum violou os direitos de autor da Vitra sobre a cadeira DSW nestes dois países.
Chamado a pronunciar‑se em sede de recurso, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça, antes de mais, se a situação em causa no processo principal está abrangida pelo âmbito de aplicação material do direito da União. Em seguida, pretende saber, em substância, se o artigo 2.o, alínea a), e o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 ( 2 ), lidos à luz da Carta ( 3 ), e o artigo 351.o TFUE, se opõem a que o juiz nacional aplique o critério da reciprocidade material, estabelecido no artigo 2.o, n.o 7, segundo período, da Convenção de Berna ( 4 ) (a seguir «critério da reciprocidade material»), no litígio no processo principal.
Apreciação do Tribunal de Justiça
Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça salienta que o âmbito de aplicação da Diretiva 2001/29 é definido não segundo o critério da origem da obra ou da nacionalidade do seu autor, mas por referência ao mercado interno, que é constituído pelos territórios dos Estados‑Membros. Assim, uma situação em que uma sociedade reivindica a proteção pelo direito de autor de um objeto de artes aplicadas comercializado num Estado‑Membro, como a cadeira DSW, está, desde que esse objeto possa ser qualificado de «obra», na aceção desta diretiva, abrangida pelo âmbito de aplicação material do direito da União.
Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça esclarece, num primeiro momento, que o artigo 2.o, alínea a), e o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 se aplicam às obras de artes aplicadas originárias de países terceiros ou cujos autores sejam nacionais desses países. Com efeito, segundo estas disposições, os Estados‑Membros devem prever, a favor dos autores, os direitos exclusivos de autorizar ou proibir a reprodução e a distribuição ao público das suas obras. Ora, esta diretiva não estabelece nenhum requisito relativo ao país de origem da obra em causa ou à nacionalidade do seu autor. A este respeito, o Tribunal de Justiça observa que, ao definir o âmbito de aplicação da Diretiva 2001/29 através de um critério territorial, o legislador da União tomou necessariamente em consideração todas as obras cuja proteção é pedida no território da União, independentemente do país de origem dessas obras ou da nacionalidade do seu autor. Acrescenta que esta interpretação está em consonância com os objetivos prosseguidos pela Diretiva 2001/29 ( 5 ) de harmonizar o direito de autor no mercado interno.
Num segundo momento, o Tribunal de Justiça analisa se estas disposições se opõem à aplicação, no direito nacional, do critério da reciprocidade material. Salienta, por um lado, que, em aplicação deste critério, as obras de artes aplicadas originárias de países terceiros poderiam ser tratadas de forma diferente nos vários Estados‑Membros. Por outro lado, uma vez que os direitos de propriedade intelectual estão protegidos ao abrigo do artigo 17.o, n.o 2, da Carta, qualquer restrição ao exercício destes direitos deve, em conformidade com o artigo 52.o, n.o 1, da Carta, ser prevista por lei. Com efeito, a aplicação, por um Estado‑Membro, deste critério pode constituir uma restrição desse tipo que deve ser prevista por lei. A este respeito, o Tribunal de Justiça recorda que, quando uma regra do direito da União harmoniza a proteção do direito de autor, cabe apenas ao legislador da União e não aos legisladores nacionais determinar se há que limitar a concessão, na União, deste direito relativamente às obras cujo país de origem seja um país terceiro ou cujo autor seja nacional desse país ( 6 ). Ora, o legislador da União não incluiu, na Diretiva 2001/29 nem em nenhuma outra disposição do direito da União, uma limitação dos direitos exclusivos concedidos aos autores pelo artigo 2.o, alínea a), e pelo artigo 4.o, n.o 1, desta diretiva, sob a forma de um critério de reciprocidade material.
O Tribunal de Justiça conclui que estes artigos da Diretiva 2001/29, lidos em conjugação com o artigo 17.o, n.o 2, e o artigo 52.o, n.o 1, da Carta, se opõem a que os Estados‑Membros apliquem, no direito nacional, o critério da reciprocidade material relativamente a uma obra de artes aplicadas cujo país de origem seja um país terceiro e cujo autor seja nacional desse país. Cabe apenas ao legislador da União prever, através de legislação da União, se há que limitar a concessão, na União, dos direitos previstos nestes artigos da diretiva.
Por último, o Tribunal de Justiça considera que o artigo 351.o, primeiro parágrafo, TFUE não permite a um Estado‑Membro aplicar, em derrogação das disposições do direito da União, o critério da reciprocidade material relativamente a uma obra cujo país de origem sejam os Estados Unidos da América. Este artigo precisa que a aplicação do Tratado não afeta o compromisso do Estado‑Membro em causa de respeitar os direitos dos Estados terceiros decorrentes de uma convenção anterior à sua adesão à União. A este respeito, o Tribunal de Justiça salienta que os Estados‑Membros já não podem fazer uso da faculdade de aplicar este critério, ainda que a Convenção de Berna tenha entrado em vigor antes de 1 de janeiro de 1958. Com efeito, quando uma convenção internacional celebrada por um Estado‑Membro antes da sua adesão lhe permite tomar uma medida que se afigura contrária ao direito da União, sem todavia a isso o obrigar, este Estado não deve adotar tal medida. O Tribunal de Justiça acrescenta que a Convenção de Berna não proíbe as partes na mesma de proteger pelo direito de autor uma obra de artes aplicadas que, no país de origem dessa obra, só é protegida por um regime especial como desenho ou modelo. Com efeito, as partes nessa Convenção dispõem de uma margem de apreciação a este respeito.
( 1 ) Convenção para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas, assinada em Berna em 9 de setembro de 1886 (Ato de Paris de 24 de julho de 1971), na versão resultante da alteração de 28 de setembro de 1979 (a seguir «Convenção de Berna»).
( 2 ) Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (JO 2001, L 167, p. 10).
( 3 ) V. artigo 17.o, n.o 2, e artigo 52.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).
( 4 ) O artigo 2.o, n.o 7, segundo período, da Convenção de Berna dispõe que «fica reservada às legislações dos países da União [instituída por esta Convenção] a regulamentação do campo de aplicação das leis relativas às obras de arte aplicadas e aos desenhos e modelos industriais, assim como as condições de proteção dessas obras, desenhos e modelos [...] Para as obras protegidas unicamente como desenhos e modelos no país de origem, só pode ser reclamada num outro país da União [instituída por esta Convenção] a proteção especial concedida nesse país aos desenhos e modelos; todavia, se uma proteção especial não for concedida nesse país, essas obras serão protegidas como obras artísticas».
( 5 ) Considerandos 6, 9 e 15 da Diretiva 2001/29.
( 6 ) V., neste sentido, Acórdão de 8 de setembro de 2020, Recorded Artists Actors Performers (C‑265/19, EU:C:2020:677, n.o 88).