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Dokument 62022CJ0555

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 19 de setembro de 2024.
Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte e o. contra Comissão Europeia.
Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Regime de auxílios aplicado pelo Reino Unido em favor de certos grupos multinacionais — Tributação dos lucros financeiros não comerciais das sociedades estrangeiras controladas (SEC) — Isenções — Funções humanas significativas — Desvio artificial de fundos — Erosão da base tributável — Decisão que declara o regime de auxílios incompatível com o mercado interno e que ordena a recuperação dos auxílios pagos — Quadro de referência — Direito nacional aplicável — Tributação dita “normal”.
Processos apensos C-555/22 P, C-556/22 P e C-564/22 P.

Euroopa kohtulahendite tunnus (ECLI): ECLI:EU:C:2024:763

Processos apensos C‑555/22 P, C‑556/22 P e C‑564/22 P

Reino Unido da Grã Bretanha e da Irlanda do Norte e o.

contra

Comissão Europeia

Acórdão do Tribunal de Justiça (segunda secção) de 19 de setembro de 2024

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Regime de auxílios aplicado pelo Reino Unido em favor de certos grupos multinacionais — Tributação dos lucros financeiros não comerciais das sociedades estrangeiras controladas (SEC) — Isenções — Funções humanas significativas — Desvio artificial de fundos — Erosão da base tributável — Decisão que declara o regime de auxílios incompatível com o mercado interno e que ordena a recuperação dos auxílios pagos — Quadro de referência — Direito nacional aplicável — Tributação dita “normal”»

  1. Recurso de decisão do Tribunal Geral — Fundamentos — Apreciação errada dos factos e dos elementos de prova — Inadmissibilidade — Fiscalização pelo Tribunal de Justiça da apreciação dos factos e dos elementos de prova — Exclusão, salvo em caso de desvirtuação — Exame, pela Comissão, da existência de um auxílio de Estado em matéria fiscal — Delimitação do quadro de referência no direito nacional e interpretação das disposições que o compõem — Questão de direito que pode ser invocada no âmbito de um recurso de decisão do Tribunal Geral

    (Artigo 256.o, n.o 1, segundo parágrafo, TFUE; Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 58.o, primeiro parágrafo)

    (cf. n.os 57‑61)

  2. Auxílios concedidos pelos Estados — Conceito — Caráter seletivo da medida — Medida que confere uma vantagem fiscal — Regime fiscal que prevê a tributação dos lucros artificialmente desviados para sociedades estrangeiras controladas — Quadro de referência para determinar a existência de uma vantagem seletiva — Identificação do regime fiscal comum ou normal — Obrigação da Comissão de aceitar a interpretação das disposições pertinentes do direito nacional dada pelo Estado‑Membro — Limites — Existência de outra interpretação na jurisprudência ou na prática administrativa desse Estado que prevalece — Ónus da prova que incumbe à Comissão — Compatibilidade com a redação das disposições pertinentes — Necessidade de apresentar elementos fiáveis e concordantes, que estão sujeitos ao debate contraditório

    (Artigo 107.o, n.o 1, TFUE)

    (cf. n.os 90‑99, 109‑126)

  3. Auxílios concedidos pelos Estados — Conceito — Caráter seletivo da medida — Medida que confere uma vantagem fiscal — Quadro de referência para determinar a existência de uma vantagem — Delimitação material — Medida dissociável do sistema geral de tributação — Condições — Regime fiscal claramente delimitado que prossegue objetivos específicos — Inexistência — Medida que constitui o complemento de um quadro legislativo mais alargado e que obedece à mesma lógica

    (Artigo 107.o, n.o 1, TFUE)

    (cf. n.os 95, 104, 105, 127‑136)

Resumo

Ao julgar procedentes os recursos interpostos do Acórdão do Tribunal Geral no processo Reino Unido e ITV/Comissão ( 1 ), o Tribunal de Justiça precisa a sua jurisprudência relativa à determinação do quadro de referência segundo o qual a seletividade das medidas fiscais deve ser apreciada a fim de determinar se as mesmas constituem auxílios de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Em particular, o mesmo clarifica os critérios à luz dos quais o direito nacional deve ser interpretado para efeitos dessa determinação.

Nos termos das normas de tributação das sociedades no Reino Unido, só são tributados os lucros gerados por atividades e por ativos no Reino Unido. No entanto, as normas aplicáveis às sociedades estrangeiras controladas (SEC) preveem que os lucros dessas sociedades são tributados no Reino Unido sob a forma de um encargo específico (a seguir, «encargo SEC»), se forem considerados como tendo sido desviados artificialmente do Reino Unido.

O encargo SEC é previsto, nomeadamente, para os lucros financeiros não comerciais das SEC, quando forem provenientes de atividades que impliquem funções humanas significativas no Reino Unido ou quando forem provenientes de fundos ou de ativos provenientes deste Estado.

As regras aplicáveis às SEC preveem, no entanto, isenções parciais ou totais do encargo SEC para os lucros financeiros não comerciais provenientes de empréstimos intragrupo concedidos por uma SEC e relativamente aos quais estes grupos podiam apresentar um pedido de isenção parcial ou total do encargo SEC (a seguir, «isenções em causa»).

Por Decisão de 2 de abril de 2019 ( 2 ) (a seguir, «decisão controvertida»), a Comissão Europeia classificou estas isenções do regime de auxílios de Estado por seremilegais e incompatíveis com o mercado interno. Precisou que esta incompatibilidade cessou em 1 de janeiro de 2019, na sequência das alterações às normas aplicáveis às SEC segundo as quais já não era possível apresentar um pedido para obter as isenções em causa quanto a esses lucros.

O Reino Unido e a sociedade ITV plc, apoiada, nomeadamente, pelas sociedades LSEGH (Luxembourg) Ltd e London Stock Exchange Group Holding (Italy) Ltd, que tinham beneficiado das isenções em causa, pediram ao Tribunal Geral a anulação da decisão controvertida.

Por Acórdão de 8 de junho de 2022, o Tribunal Geral negou provimento aos seus recursos. Para esse efeito, confirmou, nomeadamente, o exame da decisão controvertida relativo à existência de uma vantagem seletiva, incluindo a primeira etapa que consiste em identificar o quadro de referência. A este respeito, o Tribunal Geral declarou que a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação ao concluir que o quadro de referência não era constituído pelo sistema geral do imposto sobre as sociedades no Reino Unido (a seguir «SGIS»), mas apenas pelas regras aplicáveis às SEC.

É neste contexto que o Reino Unido, a ITV, a LSEGH (Luxembourg) e a London Stock Exchange Group Holding (Italy) Ltd (a seguir, «recorrentes») interpuseram, individualmente, recurso do acórdão do Tribunal Geral.

Apreciação do Tribunal de Justiça

No que respeita à admissibilidade, o Tribunal de Justiça considera que os recorrentes podem contestar, na fase de recurso, a determinação do quadro de referência efetuada pelo Tribunal Geral. Com efeito, a questão de saber se o Tribunal Geral delimitou adequadamente o sistema de referência pertinente e, por extensão, interpretou corretamente as disposições que o compõem, é uma questão de direito que pode ser fiscalizada pelo Tribunal de Justiça na fase de recurso de uma decisão do Tribunal Geral.

Quanto ao mérito, o Tribunal de Justiça examina a argumentação dos recorrentes segundo a qual o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar, à semelhança da Comissão na decisão controvertida, que o quadro de referência através do qual se determina se as isenções em causa dariam origem a uma vantagem seletiva não era constituída pelo SGIS, mas pelas regras aplicáveis às SEC.

O Tribunal de Justiça começa por recordar que, para qualificar uma medida fiscal nacional de «seletiva», para efeitos da aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, a Comissão deve identificar, num primeiro momento, o quadro de referência, a saber, o regime fiscal «normal» aplicável no Estado‑Membro em causa, e demonstrar, num segundo momento, que a medida fiscal em causa derroga este quadro de referência, uma vez que introduz diferenciações entre operadores económicos que se encontram, atendendo ao objetivo prosseguido por este último, numa situação factual e jurídica comparável, sem que o Estado‑Membro em causa chegue a justificar esta derrogação.

A determinação do quadro de referência deve ser efetuada no termo de um debate contraditório com o Estado‑Membro em causa e decorrer de um exame objetivo do conteúdo, da articulação e dos efeitos concretos das normas nacionais aplicáveis. Quando a medida fiscal em questão é indissociável do sistema geral de tributação do Estado‑Membro em causa, é a esse sistema que deve ser feita referência. Em contrapartida, quando se afigura que essa medida é claramente dissociável deste sistema geral, o quadro de referência pode ser mais restrito do que este último.

Além disso, o Tribunal de Justiça salienta que é o Estado‑Membro em causa que determina, através do exercício das suas competências próprias em matéria de fiscalidade direta e no respeito da sua autonomia fiscal, as características constitutivas do imposto, as quais definem, em princípio, o quadro de referência. Por conseguinte, ao determinar o quadro de referência, a Comissão só se pode afastar da interpretação das disposições pertinentes do direito nacional dada pelo Estado‑Membro em causa se conseguir demonstrar que prevalece outra interpretação na jurisprudência ou na prática administrativa desse Estado‑Membro, baseando‑se, para o efeito, em elementos fiáveis e concordantes, que estão sujeitos a esse debate contraditório. Neste contexto, o Estado‑Membro em causa está vinculado por um dever de cooperação leal e deve fornecer de boa‑fé à Comissão todas as informações pertinentes solicitadas por esta última, relativas à interpretação das disposições do direito nacional pertinentes. Quando a Comissão, à luz das informações fornecidas pelo Estado‑Membro em causa, não disponha de jurisprudência ou de práticas administrativas nacionais que fundamentem a sua própria interpretação do direito nacional, esta interpretação só pode prevalecer sobre a defendida por esse Estado‑Membro se a Comissão puder demonstrar que esta última interpretação é incompatível com a redação das disposições relevantes.

Com base nestes princípios, o Tribunal de Justiça examina se a interpretação do direito nacional que deve prevalecer é aquela em que se baseia a decisão controvertida, confirmada pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido ou a defendida pelo Estado‑Membro em causa.

O Tribunal de Justiça considera que, no acórdão recorrido, o Tribunal Geral, antes de mais, observou que o SGIS se baseia no princípio da territorialidade, por força do qual unicamente são tributados os lucros obtidos no Reino Unido. Em seguida, declarou que as regras aplicáveis às SEC que permitiam a tributação de lucros artificialmente desviados do Reino Unido em benefício de uma SEC assentavam numa lógica que constituiu, é certo, um complemento ou um corolário do SGIS, mas que dele era distinta e dissociável. Por último, considerou que estas regras não constituíam uma exceção ao SGIS, mas podiam ser antes consideradas o seu prolongamento.

A este respeito, o Tribunal de Justiça observa que as disposições nacionais que constituam o corolário, o complemento ou o prolongamento de um quadro legislativo mais amplo dificilmente podem ser consideradas claramente dissociáveis deste último elemento, pelo que a sua separação é, em princípio, artificial.

No caso em apreço, o Tribunal de Justiça declara que nada se opõe à interpretação das regras aplicáveis às SEC defendida pelo Reino Unido, segundo a qual, em substância, estas regras obedecem à mesma lógica que o SGIS, predominantemente baseada no princípio da territorialidade. Com efeito, permitem tributar os lucros das SEC da mesma forma que o seriam se tivessem sido obtidos pelas sociedades do Reino Unido que as controla, quando existe um risco suficientemente elevado de que esses lucros decorram de expedientes que resultem em desvios artificiais de lucros ou na erosão da base tributável do imposto sobre as sociedades no Reino Unido. As isenções em causa permitem que o encargo SEC não seja total ou parcialmente aplicado quando o risco não é suficientemente importante. Assim, os capítulos destas normas que preveem respetivamente o encargo SEC e as isenções em causa devem ser lidos conjuntamente, visto que se complementam mutuamente e definem, em conjunto, o âmbito de aplicação deste encargo, tendo em conta a avaliação do referido risco.

Para chegar a esta conclusão, o Tribunal de Justiça observa que desde que os lucros preencham as condições de aplicação do capítulo das regras relativas às SEC no que respeita às isenções em causa, não há que os examinar à luz dos outros capítulos, incluindo os que estabelecem os critérios segundo os quais os lucros financeiros não comerciais de uma SEC são tributáveis no Reino Unido. Do mesmo modo, as disposições que definem estes últimos critérios subordinam a sua aplicação ao facto de os lucros financeiros não comerciais em causa não estarem abrangidos pelo capítulo relativo às isenções em causa. O facto de estas isenções se poderem aplicar a lucros financeiros não comerciais que preencham uma parte dos critérios do encargo SEC não contradiz a interpretação defendida pelo Reino Unido, uma vez que, segundo a avaliação feita pelo legislador do Reino Unido, se as condições exigidas para tais isenções estiverem preenchidas é possível excluir a existência de um risco suficientemente elevado.

O Tribunal de Justiça acrescenta que a interpretação das regras aplicáveis às SEC invocada pelos recorrentes está em conformidade com os princípios expressos no Acórdão Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas ( 3 ). Por força deste acórdão, os artigos 49.° e 54.° TFUE opõem‑se a que um Estado‑Membro tribute uma sociedade residente pelos lucros obtidos por uma SEC noutro Estado‑Membro, a não ser que estes resultem de expedientes puramente artificiais destinados a eludir o imposto nacional normalmente devido. Por conseguinte, tal tributação é excluída quando se verificar, com base em elementos objetivos e comprováveis por terceiros, que a referida SEC está realmente implantada no Estado‑Membro de acolhimento e aí exerce atividades económicas efetivas. A interpretação dos recorrentes segundo a qual as regras aplicáveis às SEC visam tributar os lucros que decorrem de práticas abusivas, como os expedientes puramente artificiais, concedendo aos contribuintes a possibilidade de apresentarem um pedido de isenção total ou parcial na ausência do risco da existência de tais expedientes, reflete aqueles princípios.

À luz destas considerações, o Tribunal de Justiça declara que as regras aplicáveis às SEC fazem parte integrante do SGIS e o complementam, seguindo a mesma lógica, predominantemente baseada no princípio da territorialidade. Com efeito, o encargo SEC não é aplicado, ou é aplicado de forma parcial, aos lucros financeiros não comerciais das SEC que não tenham um nexo territorial bastante com o Reino Unido e que não constituam lucros artificialmente desviados ou uma erosão da base tributável do imposto sobre as sociedades do Reino Unido. Por conseguinte, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar, à semelhança da Comissão, que o quadro de referência para efeitos do exame da seletividade das isenções em causa era constituído apenas pelas regras aplicáveis às SEC.

Constituindo a determinação do quadro de referência o ponto de partida da análise da seletividade, o erro do Tribunal Geral vicia toda esta análise. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça anula na íntegra o acórdão recorrido e, decidindo definitivamente o litígio, anula a decisão controvertida da Comissão pelos mesmos motivos.


( 1 ) Acórdão de 8 de junho de 2022, Reino Unido e ITV/Comissão (T‑363/19 e T‑456/19, EU:T:2022:349) (a seguir, «acórdão recorrido»).

( 2 ) Decisão (UE) 2019/1352 da Comissão, de 2 de abril de 2019, relativa ao auxílio estatal SA.44896, concedido pelo Reino Unido, no que respeita à isenção sobre o financiamento dos grupos no âmbito das sociedades estrangeiras controladas (SEC) (JO 2019, L 216, p. 1, a seguir, «decisão controvertida»).

( 3 ) Acórdão de 12 de setembro de 2006, Cadbury Schweppes e Cadbury Schweppes Overseas (C‑196/04, EU:C:2006:544)

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