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Document 62019CJ0155
Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 3 de fevereiro de 2021.
Federazione Italiana Giuoco Calcio (FIGC) e Consorzio Ge.Se.Av. S. c. arl contra De Vellis Servizi Globali Srl.
Reenvio prejudicial — Contratos públicos — Procedimento de adjudicação de contratos públicos — Diretiva 2014/24/UE — Artigo 2.o, n.o 1, ponto 4 — Entidade adjudicante — Organismos de direito público — Conceito — Federação desportiva nacional — Satisfação de necessidades de interesse geral — Controlo da gestão da federação por um organismo de direito público.
Processos apensos C-155/19 e C-156/19.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 3 de fevereiro de 2021.
Federazione Italiana Giuoco Calcio (FIGC) e Consorzio Ge.Se.Av. S. c. arl contra De Vellis Servizi Globali Srl.
Reenvio prejudicial — Contratos públicos — Procedimento de adjudicação de contratos públicos — Diretiva 2014/24/UE — Artigo 2.o, n.o 1, ponto 4 — Entidade adjudicante — Organismos de direito público — Conceito — Federação desportiva nacional — Satisfação de necessidades de interesse geral — Controlo da gestão da federação por um organismo de direito público.
Processos apensos C-155/19 e C-156/19.
Court reports – general
ECLI identifier: ECLI:EU:C:2021:88
Processos apensos C‑155/19 e C‑156/19
Federazione Italiana Giuoco Calcio (FIGC)
e
Consorzio Ge.Se.Av. S. c. arl
contra
De Vellis Servizi Globali Srl
(pedidos de decisão prejudicial, apresentados pelo Consiglio di Stato)
Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 3 de fevereiro de 2021
«Reenvio prejudicial — Contratos públicos — Procedimento de adjudicação de contratos públicos — Diretiva 2014/24/UE — Artigo 2.o, n.o 1, ponto 4 — Entidade adjudicante — Organismos de direito público — Conceito — Federação desportiva nacional — Satisfação de necessidades de interesse geral — Controlo da gestão da federação por um organismo de direito público»
Aproximação das legislações — Procedimentos de adjudicação de contratos de empreitada de obras públicas, contratos públicos de fornecimento e contratos públicos de serviços — Diretiva 2014/24 — Entidades adjudicantes — Organismo de direito público — Conceito — Satisfação de necessidades de interesse geral sem caráter industrial ou comercial — Federação desportiva nacional com competências de dimensão pública — Inclusão — Criação como uma associação de direito privado e exercício de outras atividades que não têm caráter público — Irrelevância
[Diretiva 2014/24 do Parlamento e do Conselho, artigo 2.o, n.o 1, ponto 4, alínea a)]
(cf. n.os 36‑44, 48, disp. 1)
Aproximação das legislações — Procedimentos de adjudicação de contratos de empreitada de obras públicas, contratos públicos de fornecimento e contratos públicos de serviços — Diretiva 2014/24 — Entidades adjudicantes — Organismo de direito público — Conceito — Controlo da gestão de um organismo pelos poderes públicos — Critério do controlo de gestão ativo — Federação desportiva nacional gozam de autonomia de gestão — Presunção de ausência de controlo ativo — Critérios aplicáveis para ilidir essa presunção — Apreciação pelo juiz nacional da existência desse controlo ativo
[Diretiva 2014/24 do Parlamento e do Conselho, artigo 2.o, n.o 1, ponto 4, alínea c)]
(cf. n.os 50, 51, 56‑59, 73‑75, disp. 2)
Resumo
Uma federação desportiva nacional, como a Federação Italiana de Futebol, pode estar sujeita às regras de adjudicação de contratos públicos, uma vez que exerce atividades de interesse geral que não são de natureza industrial ou comercial
No entanto, tal federação com personalidade jurídica deve estar sujeita ao controlo de uma autoridade pública, como o Comité Olímpico Nacional Italiano, no sentido de que este último deve poder influenciar as decisões da federação em matéria de contratos públicos
A Federazione Italiana Giuoco Calcio (Federação Italiana de Futebol, a seguir «FIGC») lançou um procedimento por negociação para efeitos de adjudicação dos serviços de transporte do material necessário para o acompanhamento das equipas de futebol nacional e para o armazém da FIGC por um período de três anos. No final desse procedimento, um dos proponentes convidados a participar, mas ao qual o contrato não foi adjudicado, interpôs recurso no Tribunal Administrativo Regional, um recurso para impugnar a forma como decorreu o referido procedimento. De acordo com esse proponente, a FIGC deve ser considerada um organismo de direito público e deveria, portanto, ter respeitado as regras de publicidade estabelecidas na regulamentação em matéria de contratos públicos.
Tendo o Tribunal Administrativo Regional dado provimento ao recurso e anulado a adjudicação do contrato em causa, a FIGC e a entidade à qual esta adjudicou o contrato interpuseram recurso da sentença proferida por esse órgão jurisdicional para o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália). Perante este órgão jurisdicional, contestaram nomeadamente a premissa de que a FIGC deve ser classificada de «organismo de direito público».
Foi neste contexto que o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu submeter ao Tribunal de Justiça duas questões prejudiciais relativas à interpretação da Diretiva relativa aos contratos públicos ( 1 ). Este órgão jurisdicional pretende clarificar se a FIGC preenche determinadas condições, enunciadas por essa diretiva, para poder ser qualificada de «organismo de direito público» e ser, assim, obrigada a aplicar as normas relativas à adjudicação dos contratos públicos. Mais concretamente, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal que interprete, por um lado, a condição de um «organismo de direito público» ter sido criado para o fim específico de satisfazer necessidades de interesse geral, sem caráter industrial ou comercial ( 2 ) e, por outro, a condição, de a gestão desse organismo estar sujeita ao controlo de uma autoridade pública ( 3 ).
Apreciação do Tribunal de Justiça
Em primeiro lugar, o Tribunal salienta que, em Itália, a atividade de interesse geral que constitui o desporto é exercida por cada uma das federações desportivas nacionais no âmbito de competências de dimensão pública expressamente atribuídas a essas federações pela legislação nacional, precisando‑se que várias dessas missões parecem desprovidas de caráter industrial ou comercial. O Tribunal concluiu que, uma vez que assegura efetivamente essas competências, uma federação desportiva nacional, como a FIGC, pode ser considerada criada para o fim específico de satisfazer necessidades de interesse geral que não sejam de natureza industrial ou comercial.
O Tribunal precisa que esta conclusão não é posta em causa pelo facto de a FIGC, por um lado, ter a forma jurídica de associação de direito privado e, por outro, prosseguir, a par das atividades de interesse geral taxativamente enumeradas na legislação nacional, outras atividades que constituem uma grande parte do conjunto das suas atividades e que são autofinanciadas.
Em segundo lugar, quanto à questão de saber se a gestão de uma federação desportiva nacional deve ser considerada sujeita ao controlo de uma autoridade pública como, no presente caso, o Comitato Olimpico Nazionale Italiano (Comité Olímpico Nacional Italiano, a seguir «CONI»), o Tribunal considera que uma administração pública encarregada, no essencial, de aprovar regras em matéria desportiva, de verificar a sua boa aplicação e de intervir unicamente ao nível da organização das competições e da preparação olímpica sem regulamentar a organização e a prática quotidiana das diferentes disciplinas desportivas não pode ser considerada, à primeira vista, um órgão hierárquico capaz de controlar e dirigir a gestão das federações desportivas nacionais. Acrescenta que a autonomia de gestão conferida às federações desportivas nacionais em Itália parece, a priori, militar contra um controlo ativo do CONI a ponto de este estar em condições de influenciar a gestão de uma federação desportiva nacional como a FIGC, nomeadamente em matéria de adjudicação de contratos públicos.
Contudo, o Tribunal precisa que tal presunção pode ser ilidida se se demonstrar que os diferentes poderes de que o CONI está dotado perante a FIGC têm por efeito criar uma dependência dessa federação relativamente ao CONI a ponto de este poder influenciar as decisões da referida federação em matéria de contratos públicos.
Embora sublinhe que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar a existência de uma dependência associada a essa possibilidade de influência, o Tribunal presta esclarecimentos destinados a guiar o órgão jurisdicional nacional na sua decisão. Neste contexto, o Tribunal refere nomeadamente que, para avaliar a existência de um controlo ativo do CONI sobre a gestão da FIGC e de uma possibilidade de influência nas decisões deste último em matéria de contratos públicos, a análise dos diferentes poderes de que o CONI está investido em relação à FIGC deve ser objeto de uma apreciação global.
Além disso, salienta que, no caso de se concluir que o CONI controla a gestão das federações desportivas nacionais, o facto de estas, em virtude da sua participação maioritária nos principais órgãos colegiais deliberativos do CONI, poderem exercer influência sobre a atividade desta última só será relevante se se puder determinar que cada uma dessas federações desportivas nacionais, considerada isoladamente, está em condições de exercer uma influência significativa sobre o controlo de gestão exercido pelo CONI a seu respeito, com a consequência de esse controlo ser neutralizado e de uma tal federação recuperar assim o controlo sobre a sua gestão.
( 1 ) Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE (JO 2014, L 94, p. 65).
( 2 ) Artigo 2.o, n.o 1, ponto 4, alínea a), da Diretiva 2014/24.
( 3 ) Artigo 2.o, n.o 1, ponto 4, alínea c), da Diretiva 2014/24.