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Document 62016CJ0684

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 6 de novembro de 2018.
Max-Planck-Gesellschaft zur Förderung der Wissenschaften eV contra Tetsuji Shimizu.
Reenvio prejudicial — Política social — Organização do tempo de trabalho — Diretiva 2003/88/CE — Artigo 7.o — Direito a férias anuais remuneradas — Legislação nacional que prevê a perda das férias anuais remuneradas não gozadas e da retribuição financeira a título das referidas férias caso o trabalhador não tenha apresentado um pedido de férias antes da cessação da relação de trabalho — Diretiva 2003/88/CE — Artigo 7.o — Obrigação de interpretação conforme do direito nacional — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 31.o, n.o 2 — Invocabilidade no âmbito de um litígio entre particulares.
Processo C-684/16.

Court reports – general

Processo C‑684/16

Max‑Planck‑Gesellschaft zur Förderung der Wissenschaften eV

contra

Tetsuji Shimizu

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesarbeitsgericht)

«Reenvio prejudicial — Política social — Organização do tempo de trabalho — Diretiva 2003/88/CE — Artigo 7.o — Direito a férias anuais remuneradas — Legislação nacional que prevê a perda das férias anuais remuneradas não gozadas e da retribuição financeira a título das referidas férias caso o trabalhador não tenha apresentado um pedido de férias antes da cessação da relação de trabalho — Diretiva 2003/88/CE — Artigo 7.o — Obrigação de interpretação conforme do direito nacional — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 31.o, n.o 2 — Invocabilidade no âmbito de um litígio entre particulares»

Sumário — Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 6 de novembro de 2018

  1. Política social — Proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores — Organização do tempo de trabalho — Direito a férias anuais remuneradas — Legislação nacional que prevê a perda automática das férias anuais remuneradas não gozadas e da retribuição financeira a título das referidas férias caso o trabalhador não tenha apresentado um pedido de férias antes da cessação da relação de trabalho — Inexistência de verificação prévia quanto à possibilidade de o trabalhador exercer efetivamente esse direito — Inadmissibilidade — Obrigações do juiz nacional — Interpretação conforme ao direito da União da regulamentação nacional

    (Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 31.°, n.o 2, e 52.°, n.o 1; Diretiva 2003/88 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 7.o)

  2. Política social — Proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores — Organização do tempo de trabalho — Direito a férias anuais remuneradas — Diretiva 2003/88 — Artigo 7.o — Efeito direto — Possibilidade de o invocar no âmbito de um litígio entre particulares — Inexistência

    (Diretiva 2003/88 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 7.o)

  3. Política social — Proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores — Organização do tempo de trabalho — Direito a férias anuais remuneradas — Princípio do direito social da União que reveste particular importância — Alcance

    (Artigo 151.o TFUE; Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 21.°, n.o 1, 27.° e 31.°, n.o 2; Diretiva 2003/88 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 7.o; Diretiva 93/104 do Conselho, artigo 7.o)

  4. Política social — Proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores — Organização do tempo de trabalho — Direito a férias anuais remuneradas — Legislação nacional julgada contrária à Diretiva 2003/88 e à Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Obrigações de um órgão jurisdicional nacional ao qual foi submetido um litígio entre particulares — Não aplicação da referida legislação nacional e concessão das férias anuais remuneradas ou da retribuição financeira em caso de cessação da relação de trabalho — Limites

    (Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 21.°, n.o 1, 31.°, n.o 2, e 51.°, n.o 1; Diretiva 2003/88 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 7.o)

  1.  O artigo 7.o da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, e o artigo 31.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, por força da qual, caso o trabalhador não tenha pedido para poder exercer o seu direito a férias anuais remuneradas no decurso do período de referência em causa, esse trabalhador perde, no final desse período, automaticamente e sem verificação prévia da questão de saber se este foi efetivamente posto em posição de exercer esse direito, pela entidade patronal, nomeadamente através de uma informação adequada por parte desta, os dias de férias anuais remuneradas adquiridos nos termos das referidas disposições a título do referido período, bem como, correlativamente, o seu direito a uma retribuição financeira a título de férias anuais remuneradas não gozadas em caso de cessação da relação de trabalho. A este respeito, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, tomando em consideração todo o direito interno e aplicando os métodos de interpretação por este reconhecidos, se pode efetuar uma interpretação deste direito que seja suscetível de garantir a plena eficácia do direito da União.

    Embora importe esclarecer, em resposta à interrogação contida a este respeito na primeira questão, que o cumprimento da obrigação que decorre, para a entidade patronal, do artigo 7.o da Diretiva 2003/88 não pode ir ao ponto de a obrigar a impor aos seus trabalhadores que exerçam efetivamente o seu direito a férias anuais remuneradas (v., neste sentido, Acórdão de 7 de setembro de 2006, Comissão/Reino Unido, C‑484/04, EU:C:2006:526, n.o 43), não deixa de ser verdade que a referida entidade patronal deve, em contrapartida, garantir que dá ao trabalhador condições para exercer tal direito (v., neste sentido, Acórdão de 29 de novembro de 2017, King, C‑214/16, EU:C:2017:914, n.o 63).

    Para este efeito, e como salientou igualmente o advogado‑geral nos n.os 41 a 43 das suas conclusões, a entidade patronal deve, nomeadamente, tendo em conta o caráter imperativo do direito a férias anuais remuneradas e a fim de garantir o efeito útil do artigo 7.o da Diretiva 2003/88, garantir de forma concreta e com total transparência que o trabalhador esteja efetivamente em condições de gozar as suas férias anuais remuneradas, incentivando‑o, se necessário formalmente, a fazê‑lo, e informando‑o, de forma precisa e em tempo útil para garantir que as referidas férias sejam adequadas para assegurar ao interessado o repouso e descontração que devem permitir, de que, se não as gozar, serão perdidas no termo do período de referência ou de um período de reporte autorizado.

    Além disso, o ónus da prova nesta matéria cabe à entidade patronal (v., por analogia, Acórdão de 16 de março de 2006, Robinson‑Steele e o., C‑131/04 e C‑257/04, EU:C:2006:177, n.o 68). Caso a entidade patronal não esteja em posição de provar que demonstrou toda a diligência exigida para que o trabalhador estivesse efetivamente em posição de gozar as férias anuais remuneradas a que tinha direito, há que considerar que a extinção do direito às referidas férias no termo do período de referência ou de reporte autorizado e, em caso de cessação da relação de trabalho, o não pagamento correlativo de uma retribuição financeira a título das férias anuais não gozadas infringem, respetivamente, o artigo 7.o, n.o 1, e o artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88.

    Assim, uma vez que a legislação em causa no processo principal procede à implementação da Diretiva 2003/88, o artigo 31.o, n.o 2, da Carta tem vocação para ser aplicado no processo principal (v., por analogia, Acórdão de 15 de janeiro de 2014, Association de médiation sociale, C‑176/12, EU:C:2014:2, n.o 43).

    Neste contexto, há, por último, que recordar que só podem ser introduzidas restrições ao direito fundamental a férias anuais remuneradas consagrado no artigo 31.o, n.o 2, da Carta caso estas respeitem as condições estritas previstas no artigo 52.o, n.o 1, desta e, nomeadamente, o conteúdo essencial do referido direito. Assim, os Estados‑Membros não podem derrogar o princípio decorrente do artigo 7.o da Diretiva 2003/88, analisado à luz do artigo 31.o, n.o 2, da Carta, segundo o qual um direito adquirido a férias anuais remuneradas não se pode extinguir no termo do período de referência e/ou de um período de transferência previsto no direito nacional, quando o trabalhador não teve condições de gozar as suas férias (v., neste sentido, Acórdão de 29 de novembro de 2017, King, C‑214/16, EU:C:2017:914, n.o 56).

    (cf. n.os 44‑46, 50, 54, 61, disp. 1)

  2.  Como tal, pese embora o artigo 7.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2003/88 satisfazer os critérios de incondicionalidade e de precisão suficiente exigidos para gozar de efeito direto (v., neste sentido, Acórdão da mesma data, Bauer e Willmeroth, C‑569/16 e C‑570/16, n.os 71 a 73), as referidas disposições não podem ser invocadas num litígio entre particulares a fim de garantir o pleno efeito do direito a férias anuais remuneradas, deixando de aplicar qualquer disposição nacional contrária (Acórdão de 26 de março de 2015, Fenoll, C‑316/13, EU:C:2015:200, n.o 48).

    (cf. n.o 68)

  3.  V. texto da decisão.

    (cf. n.os 69, 70, 72, 73)

  4.  Em caso de impossibilidade de interpretar uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, de forma a garantir a conformidade com o artigo 7.o da Diretiva 2003/88 e com o artigo 31.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais, decorre desta última disposição que o órgão jurisdicional nacional a que foi submetido um litígio que opõe um trabalhador à sua antiga entidade patronal que tenha a qualidade de particular, deve afastar a aplicação da referida legislação nacional e garantir que, a menos que essa entidade patronal esteja em posição de provar que demonstrou ter utilizado toda a diligência exigida para que o trabalhador estivesse efetivamente em condições de gozar as férias anuais remuneradas a que tinha direito ao abrigo do direito da União, o referido trabalhador não pode ser privado dos seus direitos adquiridos a tais férias anuais remuneradas nem, correlativamente, e em caso de cessação da relação de trabalho, da retribuição financeira a título de férias não gozadas cujo pagamento incumbe, neste caso, diretamente à entidade patronal em causa.

    O direito a um período de férias anuais remuneradas, consagrado na esfera jurídica de qualquer trabalhador pelo artigo 31.o, n.o 2, da Carta, reveste, assim, quanto à sua própria existência, um caráter simultaneamente imperativo e incondicional, não carecendo esta segunda vertente, com efeito, de ser concretizada por disposições do direito da União ou do direito nacional, as quais são apenas chamadas para especificar a duração exata das férias anuais e, se for caso disso, certas condições do exercício deste direito. Daqui decorre que a referida disposição basta, por si só, para conferir aos particulares um direito que pode ser invocado enquanto tal num litígio que os oponha à sua entidade patronal numa situação abrangida pelo direito da União e que, consequentemente, se insere no âmbito de aplicação da Carta (v., por analogia, Acórdão de 17 de abril de 2018, Egenberger, C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 76).

    No que se refere ao efeito assim exercido pelo artigo 31.o, n.o 2, da Carta sobre as entidades patronais que tenham a qualidade de particular, há que salientar que, embora o artigo 51.o, n.o 1, da referida Carta indique que as suas disposições têm por destinatários as instituições, órgãos e organismos da União, na observância do princípio da subsidiariedade, bem como os Estados‑Membros, apenas quando apliquem o direito da União, em contrapartida, o referido artigo 51.o, n.o 1, não aborda a questão de saber se os particulares podem, se for caso disso, estar diretamente obrigados a respeitar certas disposições da referida Carta e não pode, portanto, ser interpretado no sentido de que exclui sistematicamente essa possibilidade.

    Desde logo, e como o advogado‑geral recordou no n.o 78 das suas Conclusões nos processos apensos Bauer e Willmeroth (C‑569/16 e C‑570/16, EU:C:2018:337), a circunstância de certas disposições do direito primário terem, primariamente, por objeto os Estados‑Membros, não é suscetível de excluir que estas se possam aplicar nas relações entre particulares (v., neste sentido, Acórdão de 17 de abril de 2018, Egenberger, C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 77).

    Em seguida, o Tribunal de Justiça já admitiu, nomeadamente, que a proibição consagrada no artigo 21.o, n.o 1, da Carta basta, por si só, para conferir a um particular um direito que pode ser invocado enquanto tal num litígio que o oponha a outro particular (v., neste sentido, Acórdão de 17 de abril de 2018, Egenberger, C‑414/16, EU:C:2018:257, n.o 76) sem, portanto, que o artigo 51.o, n.o 1, da Carta faça obstáculo a tal.

    Por último, e, mais precisamente, no que se refere ao artigo 31.o, n.o 2, da Carta, importa sublinhar que o direito de cada trabalhador a períodos de férias anuais remuneradas implica, pela sua própria natureza, uma obrigação correspondente na esfera jurídica da entidade patronal, a saber, a de conceder tais períodos ou uma retribuição a título das férias anuais remuneradas não gozadas no termo da cessação da relação de trabalho.

    (cf. n.os 74, 76‑79, 81, disp. 2)

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