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Document 61999CJ0478

Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 7 de Maio de 2002.
Comissão das Comunidades Europeias contra Reino da Suécia.
Incumprimento de Estado - Directiva 93/13/CEE - Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores - Obrigação de introduzir na legislação nacional a lista das cláusulas que podem ser consideradas abusivas que figura no anexo da Directiva 93/13.
Processo C-478/99.

Colectânea de Jurisprudência 2002 I-04147

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2002:281

61999J0478

Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 7 de Maio de 2002. - Comissão das Comunidades Europeias contra Reino da Suécia. - Incumprimento de Estado - Directiva 93/13/CEE - Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores - Obrigação de introduzir na legislação nacional a lista das cláusulas que podem ser consideradas abusivas que figura no anexo da Directiva 93/13. - Processo C-478/99.

Colectânea da Jurisprudência 2002 página I-04147


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


Actos das instituições Directivas Execução pelos Estados-Membros Necessidade de uma transposição exaustiva Lista constante do anexo da directiva integralmente retomada nos trabalhos preparatórios da lei que assegura a sua transposição Admissibilidade

(Directiva 93/13 do Conselho, artigo 3.° , n.° 3)

Sumário


$$Cada um dos Estados-Membros destinatários de uma directiva tem a obrigação de adoptar, na sua ordem jurídica interna, todas as medidas necessárias com vista a assegurar a plena eficácia da directiva, em conformidade com o objectivo por ela prosseguido. É indispensável que a situação jurídica decorrente das medidas nacionais de transposição seja suficientemente precisa e clara e que os beneficiários sejam colocados em situação de conhecer a plenitude dos seus direitos e, sendo caso disso, de os poder invocar perante os órgãos jurisdicionais nacionais.

Esta última condição é particularmente importante quando a directiva em causa visa conceder direitos aos nacionais de outros Estados-Membros, como ocorre no caso da Directiva 93/13, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores. No que respeita ao anexo a que se refere o artigo 3.° , n.° 3, da directiva, segundo o próprio teor desta disposição, o anexo em causa contém uma lista indicativa e não exaustiva de cláusulas que podem ser declaradas abusivas. Está assente que uma cláusula que nela figure não deve ser necessariamente considerada abusiva e que, inversamente, uma cláusula que aí não figure pode, todavia, ser declarada abusiva. Na medida em que não limita a margem de apreciação de que gozam as autoridades nacionais no que respeita à determinação do carácter abusivo de uma cláusula, a lista constante do anexo da directiva não se destina a reconhecer aos consumidores direitos que vão além dos que decorrem dos artigos 3.° a 7.° da directiva. Em nada altera o resultado que é prosseguido pela directiva e que, enquanto tal, é imposto aos Estados-Membros.

Donde resulta que a plena eficácia da directiva pode ser assegurada num quadro legal suficientemente preciso e claro sem que a lista que consta do anexo da directiva faça parte integrante das disposições de transposição da directiva. Na medida em que a lista que figura no anexo da directiva tem um valor indicativo e ilustrativo, constitui uma fonte de informação simultaneamente para as autoridades nacionais encarregadas da aplicação das medidas de transposição e para os particulares aos quais as referidas medidas dizem respeito. Os Estados-Membros devem, portanto, para atingir o resultado prosseguido pela directiva, optar por uma forma e por meios de transposição que garantam de modo bastante o conhecimento da referida lista por parte do público.

( cf. n.os 15, 18, 20-22 )

Partes


No processo C-478/99,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por L. Parpala e P. Stancanelli, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

Reino da Suécia, representado por L. Nordling e A. Kruse, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandado,

apoiado por

Reino da Dinamarca, representado por J. Molde, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

e por

República da Finlândia, representada por T. Pynnä e E. Bygglin, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

intervenientes,

que tem por objecto obter a declaração de que, ao não ter adoptado as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para transpor para o seu ordenamento jurídico interno o anexo a que se refere o artigo 3._, n._ 3, da Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO L 95, p. 29), o Reino da Suécia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força desta directiva,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Quinta Secção),

composto por: P. Jann (relator), presidente de secção, D. A. O. Edward e M. Wathelet, juízes,

advogado-geral: L. A. Geelhoed,

secretário: H. A. Rühl, administrador principal,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações das partes na audiência de 25 de Outubro de 2001,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 31 de Janeiro de 2002,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 16 de Dezembro de 1999, a Comissão das Comunidades Europeias propôs, nos termos do artigo 226._ CE, uma acção destinada a obter a declaração de que, ao não ter adoptado as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para transpor para o seu ordenamento jurídico interno o anexo a que se refere o artigo 3._, n._ 3, da Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO L 95, p. 29, a seguir «directiva»), o Reino da Suécia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força desta directiva.

A directiva

2 Nos termos do seu artigo 1._, a directiva tem por objecto a aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros relativas às cláusulas abusivas em contratos celebrados entre profissionais e consumidores. O artigo 8._ prevê, todavia, que os Estados-Membros podem adoptar ou manter disposições mais rigorosas para garantir um nível de protecção mais elevado para o consumidor.

3 O artigo 3._ da directiva tem o seguinte teor:

«1. Uma cláusula contratual que não tenha sido objecto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa fé, der origem a um desequilíbrio significativo, em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.

2. [...]

3. O anexo contém uma lista indicativa e não exaustiva de cláusulas que podem ser consideradas abusivas.»

4 A directiva contém um anexo, intitulado «Cláusulas previstas no n._ 3 do artigo 3._», que enumera dezassete tipos de cláusulas contratuais. O décimo sétimo considerando da directiva precisa a este respeito que, «para efeitos da presente directiva, a lista das cláusulas constantes do anexo terá um carácter meramente indicativo e [...], devido a esse carácter mínimo, poderá ser alargada ou limitada, nomeadamente quanto ao alcance de tais cláusulas, pelos Estados-Membros no âmbito das respectivas legislações».

5 Nos termos do artigo 10._ da directiva, os Estados-Membros deviam adoptar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para lhe dar cumprimento o mais tardar em 31 de Dezembro de 1994.

A regulamentação nacional

6 A directiva foi transposta para o direito sueco através da lagen (1994:1512) om avtalsvillkor i konsumentförhållanden (lei sobre as cláusulas contratuais nas relações com os consumidores) e através da lagen (1994:1513) om ändring i lagen (1915:218) om avtal och andra rättshandlingar på förmögenhetsrättens område (lei que altera a lei dos contratos e outros actos jurídicos em matéria de direitos patrimoniais).

7 O anexo da directiva não está inserido no texto destas leis. Consta, com o correspondente comentário, na exposição de motivos do projecto de lei que conduziu à lagen (1994:1512).

A tramitação processual

8 Considerando que a directiva não tinha sido exaustivamente transposta para o direito sueco no prazo fixado, a Comissão deu início ao processo por incumprimento. Depois de ter notificado o Reino da Suécia para lhe apresentar as suas observações, a Comissão formulou, em 6 de Abril de 1998, um parecer fundamentado, convidando este Estado-Membro a tomar as medidas necessárias para dar cumprimento ao mesmo no prazo de dois meses a contar da sua notificação. Dado que o Reino da Suécia não deu seguimento a este parecer, a Comissão intentou a presente acção.

9 Por despachos do presidente do Tribunal de Justiça de 26 de Maio e 4 de Julho de 2000, a República da Finlândia e o Reino da Dinamarca foram admitidos a intervir em apoio dos pedidos do Reino da Suécia.

Quanto ao mérito

10 A Comissão sustenta que a directiva prossegue um duplo objectivo: por um lado, como resulta do seu artigo 1._ e do seu segundo considerando, pretende harmonizar as disposições em vigor nos Estados-Membros relativas às cláusulas abusivas inseridas nos contratos celebrados com os consumidores; por outro lado, como indicam os seus quinto e oitavo considerandos, destina-se a melhorar a informação dos consumidores sobre as normas aplicáveis.

11 O facto de a lista das cláusulas abusivas que consta do anexo da directiva ser, como indica o artigo 3._, n._ 3, da directiva, «não exaustiva» significará que, em conformidade com o artigo 8._ da directiva, pode ser acrescentada ou ser objecto de formulações mais limitativas por parte dos Estados-Membros no âmbito das respectivas legislações. De igual modo, o facto de esta lista ser, como precisa o referido artigo 3._, n._ 3, «indicativa» apenas significa que as cláusulas enumeradas não devem ser automaticamente consideradas como abusivas, mas que a autoridade nacional competente deve poder apreciar livremente a natureza das cláusulas à luz dos critérios gerais enunciados nos artigos 3._, n._ 1, e 4._, da directiva.

12 Será indispensável em todo o caso, para se poder atingir o duplo objectivo prosseguido e satisfazer os requisitos da segurança jurídica, que esta lista seja publicada como parte integrante das disposições de transposição da directiva. Uma simples menção nos trabalhos preparatórios de uma lei não bastará, como decorrerá do acórdão de 30 de Janeiro de 1985, Comissão/Dinamarca (143/83, Recueil, p. 427, n._ 11). Será duvidoso que o público interessado, que inclui não apenas os consumidores mas também os operadores económicos tanto suecos como estrangeiros, e as autoridades nacionais competentes para a aplicação das medidas de transposição da directiva tenham um fácil acesso a estes trabalhos preparatórios, ou mesmo que estejam informados da sua existência e da sua importância.

13 O Governo sueco, apoiado em todos os seus fundamentos e argumentos pelos Governos dinamarquês e finlandês, recorda que, em conformidade com o artigo 249._ CE, os Estados-Membros gozam de uma grande liberdade no que respeita à forma e aos meios de transposição de uma directiva. O presente processo será distinto do processo Comissão/Dinamarca, já referido, na medida em que a lista que consta do anexo da directiva, que apenas será um instrumento de interpretação dos critérios gerais definidos pelos artigos 3._, n._ 1, e 4._ da directiva, não terá como objectivo, por si só, a criação de direitos e obrigações para os particulares.

14 Quando se procedeu à transposição da directiva, a questão do seu anexo terá sido objecto de uma profunda discussão. Nos termos de uma longa tradição jurídica na Suécia e nos demais países nórdicos, os trabalhos preparatórios constituem um importante instrumento para a interpretação das leis. A incorporação do anexo da directiva nestes trabalhos terá assim surgido como a solução mais adequada. Os tribunais suecos terão já considerado como abusivas a maior parte das cláusulas mencionadas no referido anexo, remetendo eventualmente para a lista em questão, e o público interessado estará informado da sua existência através de diversos meios.

15 A este respeito, há que recordar que, segundo uma jurisprudência constante, cada um dos Estados-Membros destinatários de uma directiva tem a obrigação de adoptar, na sua ordem jurídica interna, todas as medidas necessárias com vista a assegurar a plena eficácia da directiva, em conformidade com o objectivo por ela prosseguido (v., designadamente, acórdãos de 17 de Junho de 1999, Comissão/Itália, C-336/97, Colect., p. I-3771, n._ 19, e de 8 de Março de 2001, Comissão/França, C-97/00, Colect., p. I-2053, n._ 9).

16 No caso em apreço, o artigo 6._ da directiva impõe que os Estados-Membros tomem as medidas necessárias para que as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor. O artigo 7._ impõe-lhes igualmente a obrigação de criarem os meios adequados e eficazes a fim de pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional.

17 O artigo 3._ da directiva enuncia de forma abstracta os elementos que conferem a uma cláusula um carácter abusivo. O artigo 4._ precisa que este carácter abusivo deve ser apreciado tendo em consideração todas as circunstâncias que rodearam a celebração do contrato. O artigo 5._ prevê uma obrigação de clareza nas cláusulas propostas ao consumidor.

18 Estas disposições, que visam conceder direitos aos consumidores, definem o resultado que é prosseguido pela directiva. Segundo uma jurisprudência constante, é indispensável que a situação jurídica decorrente das medidas nacionais de transposição seja suficientemente precisa e clara e que os beneficiários sejam colocados em situação de conhecer a plenitude dos seus direitos e, sendo caso disso, de os poder invocar perante os órgãos jurisdicionais nacionais (v., designadamente, acórdãos de 23 de Março de 1995, Comissão/Grécia, C-365/93, Colect., p. I-499, n._ 9, e de 10 de Maio de 2001, Comissão/Países Baixos, C-144/99, Colect., p. I-3541, n._ 17). Como o Tribunal de Justiça já salientou, esta última condição é particularmente importante quando a directiva em causa visa conceder direitos aos nacionais de outros Estados-Membros, como ocorre no caso em apreço (acórdão Comissão/Países Baixos, já referido, n._ 18).

19 A Comissão não alega que o Reino da Suécia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força das referidas disposições da directiva.

20 No que respeita ao anexo a que se refere o artigo 3._, n._ 3, da directiva e cuja transposição constitui o objecto da presente acção, há que referir que, segundo o próprio teor desta disposição, o anexo em causa contém uma lista indicativa e não exaustiva de cláusulas que podem ser declaradas abusivas. Está assente que uma cláusula que nela figure não deve ser necessariamente considerada abusiva e que, inversamente, uma cláusula que aí não figure pode, todavia, ser declarada abusiva.

21 Na medida em que não limita a margem de apreciação de que gozam as autoridades nacionais no que respeita à determinação do carácter abusivo de uma cláusula, a lista constante do anexo da directiva não se destina a reconhecer aos consumidores direitos que vão além dos que decorrem dos artigos 3._ a 7._ da directiva. Em nada altera o resultado que é prosseguido pela directiva e que, enquanto tal, é imposto aos Estados-Membros. Donde resulta que, contrariamente à tese sustentada pela Comissão, a plena eficácia da directiva pode ser assegurada num quadro legal suficientemente preciso e claro sem que a lista que consta do anexo da directiva faça parte integrante das disposições de transposição da directiva.

22 Na medida em que a lista que figura no anexo da directiva tem um valor indicativo e ilustrativo, constitui uma fonte de informação, simultaneamente para as autoridades nacionais encarregadas da aplicação das medidas de transposição e para os particulares aos quais as referidas medidas dizem respeito. Como referiu o advogado-geral no n._ 48 das suas conclusões, os Estados-Membros devem, portanto, para atingir o resultado prosseguido pela directiva, optar por uma forma e por meios de transposição que garantam de modo bastante o conhecimento da referida lista por parte do público.

23 No caso em apreço, o anexo da directiva foi integralmente retomado nos trabalhos preparatórios da lei que assegurou a transposição da directiva. O Governo sueco alegou que, nos termos de uma longa tradição jurídica da Suécia e dos demais países nórdicos, os trabalhos preparatórios constituem um importante instrumento para a interpretação das leis. Afirmou ainda que estes trabalhos podem ser facilmente consultados e que, além disso, a informação do público sobre as cláusulas consideradas ou que podem ser consideradas como abusivas está assegurada de diversos modos. Em resposta a estas explicações, a Comissão limitou-se a sustentar que estes elementos não podem compensar o facto de a lista constante do anexo da directiva não fazer parte integrante das disposições que procederam à transposição da directiva.

24 Nestas condições, importa considerar que a Comissão não demonstrou que as medidas tomadas pelo Reino da Suécia não garantem de um modo bastante que o público possa tomar conhecimento da lista constante do anexo da directiva.

25 Decorre das precedentes considerações que a Comissão não demonstrou que o Reino da Suécia não adoptou as medidas necessárias para a transposição para a sua ordem jurídica interna do anexo a que se refere o artigo 3._, n._ 3, da directiva.

26 Por conseguinte, há que julgar a acção improcedente.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

27 Nos termos do artigo 69._, n._ 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Reino da Suécia pedido a condenação da Comissão e tendo esta sido vencida, há que condená-la nas despesas. Nos termos do artigo 69._, n._ 4, do mesmo regulamento, o Reino da Dinamarca e a República da Finlândia suportarão as suas próprias despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Quinta Secção)

decide:

1) A acção é julgada improcedente.

2) A Comissão das Comunidades Europeias é condenada nas despesas.

3) O Reino da Dinamarca e a República da Finlândia suportarão as suas próprias despesas.

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