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Document 52020AE2236

    Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Princípios dos serviços públicos para a estabilidade do regime democrático (parecer exploratório a pedido da presidência alemã)

    EESC 2020/02236

    JO C 56 de 16.2.2021, p. 29–35 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, HR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)

    16.2.2021   

    PT

    Jornal Oficial da União Europeia

    C 56/29


    Parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre «Princípios dos serviços públicos para a estabilidade do regime democrático

    (parecer exploratório a pedido da presidência alemã)

    (2021/C 56/03)

    Relator:

    Christian MOOS (DE-III)

    Correlator:

    Philip VON BROCKDORFF (MT-II)

    Pedido da presidência alemã do Conselho

    Carta de 18.2.2020

    Base jurídica

    Artigo 304.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

    Decisão da Mesa

    17.3.2020

    Competência

    Secção do Emprego, Assuntos Sociais e Cidadania

    Adoção em secção

    11.11.2020

    Adoção em plenária

    2.12.2020

    Reunião plenária n.o

    556

    Resultado da votação

    (votos a favor/votos contra/abstenções)

    220/0/15

    1.   Síntese

    1.1.

    A presidência alemã do Conselho da UE solicitou ao Comité Económico e Social Europeu (CESE) que elaborasse um parecer sobre os princípios dos serviços públicos dos Estados-Membros que é necessário aplicar para salvaguardar os valores fundamentais decisivos da democracia e do Estado de direito, bem como sobre as condições em que esses princípios funcionam como estabilizadores automáticos da democracia e do Estado de direito em períodos de crise.

    1.2.

    Ao longo de mais de uma década, a UE enfrentou crises graves, nomeadamente a ameaça terrorista, a crise financeira e económica mundial, a crise da dívida, a crise do Sistema Europeu Comum de Asilo e a crise ambiental e climática, bem como a pandemia de COVID-19. A eficácia dos serviços públicos reveste-se de importância fundamental para o controlo de crises, pois estes garantem a segurança pública e a segurança de fornecimento, assegurando o acesso aos seus serviços com base no princípio da igualdade de acesso e da universalidade.

    1.3.

    Em algumas destas situações de crise excecionais, foi necessário limitar temporariamente os direitos fundamentais, decretando o estado de emergência. A fim de assegurar que tais medidas são justificadas e proporcionadas, os serviços públicos são confrontados com o desafio de equilibrar a restrição de direitos fundamentais e o respeito do Estado de direito, bem como de assegurar a legalidade de todas as medidas administrativas.

    1.4.

    No que concerne às ameaças à democracia e ao Estado de direito a nível mundial e também na UE, os serviços públicos têm uma função de proteção, na medida em que podem recusar-se a cumprir instruções ilegais, defendendo os valores europeus e o Estado de direito. Ao respeitarem os princípios de base da objetividade, da integridade, da transparência, do respeito pelos outros e do compromisso com a União Europeia e os seus cidadãos, os serviços públicos constituem-se em pilares da democracia e baluarte contra o populismo.

    1.5.

    Com vista a assegurar que os serviços públicos na Europa atuam como estabilizadores automáticos em todas as situações de crise, os valores europeus consagrados nos Tratados da UE, na Carta dos Direitos Fundamentais da UE e na Convenção Europeia dos Direitos Humanos, bem como as garantias constitucionais dos Estados-Membros em matéria de direitos fundamentais e humanos e os valores comuns da União respeitantes aos serviços de interesse económico geral na aceção do artigo 14.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e estabelecidos no Protocolo (n.o 26) relativo aos serviços de interesse geral, anexo ao Tratado da União Europeia (TUE), têm de constituir o diapasão da conduta da administração a nível europeu e, em conformidade com as respetivas constituições, também nos Estados-Membros da UE.

    1.6.

    Além disso, o CESE salienta que o funcionamento dos serviços públicos a todos os níveis na UE exige competências e recursos humanos, técnicos, materiais e financeiros adequados, bem como condições de trabalho adequadas, remuneração digna e diálogo social, de modo que os funcionários públicos possam desempenhar as tarefas que lhes cabem e atuem como estabilizadores automáticos.

    1.7.

    Os Estados-Membros são exclusivamente responsáveis pelos respetivos serviços públicos, organizando-os de acordo com os seus princípios tradicionais e em conformidade com o respetivo direito constitucional. Sem prejuízo do que precede, o CESE defende um quadro jurídico europeu eficaz (incluindo sanções) que assegure a plena observância, por todos os Estados-Membros, da democracia e do Estado de direito, em conformidade com os «critérios de Copenhaga», que constituem uma base necessária para a boa conduta nas administrações da UE e dos seus Estados-Membros.

    2.   Problemática, definições e objetivo do parecer

    2.1.

    Na União Europeia, não existe uma definição inequívoca de «serviço público». Para efeitos do presente parecer, o CESE considera como serviços públicos os diferentes serviços públicos administrativos e dotados de poderes de autoridade, incluindo os de natureza industrial e comercial, que servem o interesse geral a nível nacional, regional e local.

    2.2.

    Os serviços públicos asseguram os valores fundamentais decisivos da democracia, nomeadamente o respeito dos direitos fundamentais e humanos, o poder constituinte das populações, a separação de poderes, a independência do poder judicial, a responsabilização dos governos, o multipartidarismo, a liberdade de expressão, o direito de oposição, a liberdade dos meios de comunicação social, a não discriminação, os direitos das minorias e a legalidade da ação administrativa. Na União, estes valores fundamentais são definidos como valores europeus, nomeadamente no artigo 2.o do TUE e na Carta dos Direitos Fundamentais.

    2.3.

    O conceito de «estabilizadores automáticos» provém da teoria económica. Por analogia com a definição económica deste conceito, os princípios dos serviços públicos são considerados estabilizadores automáticos que protegem os valores fundamentais da democracia, especialmente em tempos de crise.

    2.4.

    O objetivo do presente parecer consiste em identificar critérios e formular recomendações europeias para que os serviços públicos regidos pela legislação nacional possam funcionar como elemento estabilizador da democracia e do Estado de direito. Pretende-se, nomeadamente, reconhecer o valor essencial de serviços públicos eficazes para a defesa dos valores fundamentais decisivos da democracia e do Estado de direito na Europa.

    2.5.

    Tanto para as pessoas singulares como para as pessoas coletivas, são indispensáveis serviços públicos eficazes, que promovam ativamente uma sociedade dinâmica, uma economia produtiva e uma cooperação baseada na confiança entre os parceiros sociais. Neste processo, os serviços públicos devem assegurar a igualdade de tratamento e a não discriminação, garantindo o acesso incondicional a, por exemplo, educação de qualidade, serviços sociais, cuidados de saúde, habitação, abastecimento de água e de energia e serviços postais para todos os cidadãos, independentemente do género, da origem étnica, da religião, das convicções, da deficiência, da idade ou da orientação sexual.

    2.6.

    Os serviços públicos assumem um papel fundamental na manutenção do regime democrático, mas não podem desempenhar esse papel na ausência de pluralismo político, liberdade de expressão, democracia, direitos da sociedade civil e organismos intermediários, como os sindicatos, que são parte integrante das democracias e, em conjunto com outros intervenientes democráticos, asseguram o progresso social.

    3.   Os períodos de crise: um desafio para a democracia e o Estado de direito

    3.1.   A democracia e as políticas em tempo de crise

    3.1.1.

    Sobretudo em períodos de crise, é essencial assegurar, por exemplo, o apoio às pessoas singulares ou coletivas que ficam vulneráveis, seguindo critérios claros que garantam a igualdade perante a lei, e proporcionar às pessoas e aos grupos desfavorecidos igual acesso a apoio.

    3.1.2.

    Qualquer eventual restrição dos direitos fundamentais com base num estado de emergência decorrente de uma situação de crise excecional deve ser justificada, temporária e proporcionada, bem como autorizada num quadro específico por um parlamento democraticamente eleito. Apesar de uma justiça independente assegurar proteção contra ações ilegais da administração, uma democracia não pode funcionar a longo prazo se os cidadãos não puderem exercer plenamente os seus direitos. Os órgãos legislativos, os governos e os serviços públicos devem não apenas agir em conformidade com os direitos fundamentais, mas também ser o seu garante.

    3.1.3.

    A obrigação de neutralidade da função pública é uma condição prévia para assegurar a igualdade de tratamento de todos os utentes e a prevenção das diferentes formas de discriminação. Todos os Estados-Membros devem garantir que estes trabalhadores estão protegidos contra o populismo.

    3.2.   Terrorismo e medidas governamentais de luta contra o terrorismo

    3.2.1.

    Pelo menos desde o dia 11 de setembro de 2001, proteger as liberdades e, simultaneamente, garantir a segurança tornou-se um exercício de equilíbrio complexo. Trata-se de um grande desafio, nomeadamente para os serviços públicos, dada a dificuldade em conciliar a proteção das liberdades fundamentais e o Estado de direito, por um lado, com novas competências executivas, por outro.

    3.2.2.

    É precisamente na utilização efetiva do monopólio do uso da força, detido pelo Estado, que se concretiza o exercício do equilíbrio entre a restrição dos direitos fundamentais e a garantia de segurança, não apenas em abstrato, mas também na sua aplicação prática quotidiana. Para tal, é necessário que os serviços públicos disponham de pessoal com formação adequada, bem como dos recursos materiais necessários para agir, sem prejuízo do respeito pelas liberdades. Devem existir garantias para evitar qualquer abuso do poder público e assegurar o direito de recurso contra atos que ultrapassem a competência dos serviços públicos, sejam estes atos legislativos ou cometidos por uma pessoa.

    3.2.3.

    Os serviços públicos asseguram a manutenção da ordem pública. Neste contexto, devem procurar um equilíbrio entre a segurança e a proteção dos direitos fundamentais, no quadro que lhes é conferido pelo princípio do exercício adequado do poder de apreciação.

    3.2.4.

    A par das organizações da sociedade civil e de diversos serviços sociais independentes, os serviços públicos constituem um pilar fundamental para a prevenção da radicalização extremista, da violência e da intolerância, a promoção da democracia e da coesão social e a defesa dos valores europeus, nomeadamente no contexto do ensino público.

    3.3.   Crise financeira mundial e crise da dívida

    3.3.1.

    As medidas de austeridade aplicadas durante vários anos na sequência da crise financeira mundial e da crise da dívida afetaram os serviços públicos e tiveram repercussões negativas na sua eficácia.

    3.3.2.

    Este período demonstrou que a redução da dívida a curto prazo não passa necessariamente pela privatização de serviços de interesse geral.

    3.3.3.

    A garantia permanente e rigorosa do livre acesso a serviços de interesse geral de qualidade deve ser uma realidade na UE. É sobretudo em períodos de crise que estes serviços demonstram, através da sua continuidade, o seu papel de fortes amortecedores de impactos sociais.

    3.3.4.

    A eficiência e o bom funcionamento dos serviços públicos contribuem significativamente para manter um nível adequado de despesa pública. A eficiência não pressupõe uma «diminuição do papel do Estado», já que um funcionamento inadequado provoca um aumento global dos custos sociais e económicos.

    3.3.5.

    Os serviços públicos que dispõem de pessoal qualificado e dos recursos materiais necessários contribuem para a prevenção de crises futuras mediante uma aplicação eficaz das regras. É o que acontece, por exemplo, quando uma administração combate com êxito a elisão e a evasão fiscais, garantindo assim a entrada de receitas públicas, ou quando assegura uma fiscalização eficaz do setor financeiro.

    3.4.   Crise do Sistema Europeu Comum de Asilo

    3.4.1.

    Desde 2015, a Europa registou um aumento acentuado do número de refugiados. A eficácia dos serviços públicos, a par do empenho da sociedade civil, é crucial para responder a este desafio. O CESE reitera que o direito de asilo e o direito internacional pertinente nesta matéria devem ser assegurados em todos os Estados-Membros da UE e que o Sistema Europeu Comum de Asilo deve ser completado.

    3.4.2.

    É necessário introduzir uma solução pan-europeia para os casos em que as capacidades dos serviços públicos de um ou mais Estados-Membros são insuficientes para assegurar uma proteção adequada dos direitos fundamentais e humanos dos refugiados, nomeadamente nos pontos de entrada na UE. Importa assegurar que os serviços públicos de toda a União possam respeitar os valores europeus no cumprimento das suas missões.

    3.4.3.

    Quando os serviços públicos de um Estado-Membro exercem competências soberanas em nome de todos os Estados-Membros da União, cabe proceder a uma partilha equitativa dos encargos que daí decorrem. Paralelamente, é essencial assegurar uma proteção máxima dos direitos fundamentais e humanos e o respeito dos valores europeus neste contexto.

    3.4.4.

    A interoperabilidade digital dos sistemas de controlo nas fronteiras deve respeitar as regras relativas à proteção dos dados pessoais. A UE deve assegurar o respeito pela proteção dos dados pessoais por todas as administrações de todos os Estados-Membros.

    3.5.   Crise ambiental e climática

    3.5.1.

    Os serviços públicos são importantes para realizar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e aplicar o Pacto Ecológico Europeu. Podem funcionar como catalisadores da mudança, através de iniciativas e políticas favoráveis ao ambiente em matéria de contratos públicos e práticas de trabalho.

    3.5.2.

    A transformação ecológica é também uma questão de justiça social. A partilha dos encargos apenas será aceite se estes forem repartidos equitativamente e se os requisitos forem aplicados de forma não discriminatória.

    3.5.3.

    Os serviços públicos podem aplicar sistemas de incentivos e propor novos serviços, designadamente nos domínios da mobilidade, bem como do aprovisionamento e da segurança em matéria de energia. A sustentabilidade e a neutralidade carbónica também figuram entre os princípios fundamentais que a União deve fazer respeitar em todos os serviços públicos na Europa.

    3.6.   A pandemia de COVID-19

    3.6.1.

    Os conflitos entre liberdade e segurança e entre direitos e estado de emergência reemergiram com a crise da COVID-19. Os riscos, assim como as restrições das liberdades, afetam todos por igual.

    3.6.2.

    Os serviços públicos e os seus trabalhadores estão na primeira linha da luta contra o vírus. Devem assegurar, em todas as circunstâncias, a saúde pública, a prevenção dos riscos e a segurança do fornecimento.

    3.6.3.

    A crise da COVID-19 demonstra o quanto os Estados-Membros e os seus cidadãos precisam de serviços públicos reativos, eficientes, modernos e com financiamento suficiente. Uma crise grave pode exigir decisões rápidas, que devem ser adequadamente justificadas e não podem escapar ao controlo democrático, sob pena de lesar a própria democracia. A vontade de cumprir as regras diminui quando há um défice de legitimidade. A fim de agir rapidamente em períodos de crise, os governos devem ser depositários da confiança da sociedade e tirar partido da eficácia dos serviços públicos. Enquanto ramo administrativo do poder executivo, os próprios serviços públicos devem suscitar confiança para poderem aplicar eficazmente as decisões.

    3.6.4.

    A pandemia demonstrou que os serviços públicos necessitam de pessoal qualificado e competente, bem como de recursos materiais e de reservas suficientes. O reconhecimento da natureza fundamental das missões de serviço público justifica uma remuneração adequada dos trabalhadores dos serviços públicos e a aplicação de normas sociais mínimas em toda a Europa. Muitos Estados-Membros da UE enfrentam um desafio demográfico que cumpre ter em conta, uma vez que, na concorrência para recrutar os melhores talentos, os serviços públicos devem também tornar-se ou manter-se financeiramente atrativos.

    3.6.5.

    A qualidade dos princípios dos serviços públicos e a adequação das condições de trabalho dos trabalhadores dos serviços públicos, incluindo um diálogo social e um clima democrático adequados, reforçam a confiança dos cidadãos nos seus governos.

    3.6.6.

    A fim de conciliar o direito à vida com o direito à integridade física, todos os Estados-Membros da UE limitaram, recentemente, outros direitos fundamentais de forma inédita em democracia. Estas medidas sem precedentes devem ser apenas temporárias e estar sujeitas a uma fiscalização regular pelos parlamentos eleitos.

    3.6.7.

    Por seu turno, os serviços públicos precisam de decisões governamentais explícitas, bem como de clareza e segurança jurídicas. Os princípios da transparência e da boa administração que a UE aplica a si própria obrigam-na a velar por que todos os serviços públicos na Europa respeitem estes princípios.

    3.6.8.

    Muitos serviços públicos têm a responsabilidade de combater as consequências económicas e sociais da crise. Em conjunto, demonstram concretamente o valor essencial de uma gestão eficaz em períodos de crise.

    4.   Os serviços públicos enquanto estabilizadores automáticos

    4.1.

    Para poderem desempenhar o papel de estabilizador automático, as administrações de toda a UE devem ser eficazes, estar presentes a nível europeu, nacional, regional e local e possuir as competências e os recursos humanos, técnicos, materiais e financeiros necessários para cumprirem as missões que lhes são cometidas.

    4.2.

    Exceto ao nível europeu, não é necessário submeter a repartição de funções entre os diferentes níveis a uma regulamentação harmonizada em toda a União, mas devem ser tidas em conta as condições específicas a cada Estado-Membro, a fim de assegurar práticas administrativas eficazes.

    4.3.

    Cabe aos Estados-Membros determinar quais os serviços prestados por entidades públicas e quais os serviços prestados por entidades privadas. Neste contexto, devem assegurar que não há falta de prestadores de serviços privados ou públicos em períodos de crise, a fim de evitar riscos em matéria de segurança pública ou de segurança de fornecimento.

    4.4.

    Ao respeitarem rigorosamente os princípios da legalidade da ação administrativa, da proporcionalidade e da igualdade de tratamento e assegurarem o direito a uma boa administração, os serviços públicos promovem a confiança no Estado de direito e na democracia e reforçam a resistência às promessas populistas.

    4.5.

    Os serviços públicos que funcionam de forma transparente dão um contributo essencial para a luta contra a corrupção e, consequentemente, para a fiabilidade e a relação custo-eficácia dos serviços. O respeito dos princípios fundamentais, a disponibilidade e a competência dos serviços públicos na Europa, bem como a sua abertura à fiscalização por órgãos de controlo independente, reforçam a confiança.

    4.6.

    Ao aplicarem efetivamente os seus princípios, em particular no tocante à observância dos direitos fundamentais e humanos pelos governos e legisladores a todos os níveis, os serviços públicos asseguram uma função de redistribuição e de proteção, visto que podem recusar instruções ilegais e, deste modo, protegem a democracia e o Estado de direito.

    4.7.

    O ensino público deve dar um contributo significativo neste contexto, transmitindo os valores europeus e promovendo uma cultura cívica democrática. A educação formal é um serviço público essencial de pleno direito, especialmente para a preparação dos cidadãos de amanhã.

    4.8.

    A pandemia em curso demonstra de que forma a sobrecarga de um sistema de saúde pode resultar na violação da dignidade humana e revela a necessidade imperiosa de dispor de pessoal e de capacidade de prestação de cuidados em quantidade suficiente.

    4.9.

    A eficácia de serviços sociais que proporcionam um acesso livre e não discriminatório à segurança social reforça a confiança no Estado de direito. Neste contexto, os serviços públicos são, em si mesmos, uma expressão da solidariedade social.

    5.   Princípios dos serviços públicos na União Europeia

    5.1.

    Os Estados-Membros são e permanecerão exclusivamente responsáveis pelos respetivos serviços públicos, organizando-os de acordo com os seus princípios tradicionais e em conformidade com o respetivo direito constitucional. Sem prejuízo desta situação, à luz das ameaças à democracia e ao Estado de direito em todo o mundo e, infelizmente, também na Europa, afigura-se necessário o estabelecimento de garantias e princípios europeus comuns para assegurar que a função pública e os serviços públicos continuam a ser garantes da democracia e do Estado de direito.

    5.2.

    O CESE defende um quadro jurídico europeu eficaz que assegure a plena conformidade com os critérios de Copenhaga, utilizados como critérios de adesão à UE desde 1993 para todos os Estados-Membros. Tal quadro deve prever a possibilidade de sanções.

    5.3.

    Em todos os serviços públicos da União e dos Estados-Membros, os valores europeus consagrados nos Tratados, na Carta dos Direitos Fundamentais e na Convenção Europeia dos Direitos Humanos, bem como as garantias dos Estados-Membros em matéria de direitos fundamentais e humanos inscritas nas constituições nacionais, constituem o diapasão da conduta da administração.

    5.4.

    Os valores comuns da União no que respeita aos serviços de interesse económico geral na aceção do artigo 14.o do TFUE e estabelecidos no Protocolo (n.o 26) relativo aos serviços de interesse geral, anexo ao TUE, fornecem orientações para a aplicação dos princípios dos serviços públicos em todos os Estados-Membros.

    5.5.

    Os serviços públicos nos Estados-Membros da UE, independentemente da sua diversidade, devem obedecer a três princípios: neutralidade, respeito pela ordem e segurança públicas e transparência. As lacunas em matéria de independência do poder judicial e as alterações constitucionais que comprometem os princípios dos serviços públicos acima referidos, pondo em causa os princípios tradicionais dos serviços públicos, devem dar origem a sanções eficazes.

    5.6.

    Em conformidade com o princípio da neutralidade, os serviços públicos devem assegurar o acesso aos seus serviços com base no princípio da igualdade de tratamento e da universalidade. A acessibilidade destes serviços deve também ser plenamente assegurada aos grupos sociais com maiores dificuldades de acesso, como as pessoas com deficiência e os habitantes de zonas rurais.

    5.7.

    É essencial assegurar a legalidade de todos os atos da administração. As leis e as orientações não podem ser contrárias à ordem constitucional nem aos valores europeus, devendo respeitar os princípios da proporcionalidade, da igualdade de tratamento e do exercício adequado do poder de apreciação.

    5.8.

    Os serviços públicos aplicam o direito a uma boa administração e atuam de forma transparente para permitir a fiscalização democrática do poder executivo, além de assegurarem um acesso livre às informações administrativas e responderem sem reservas aos pedidos de informação. As exceções devem ser interpretadas de forma restritiva.

    5.9.

    Os serviços públicos estão vinculados pela Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção e adotam todas as medidas necessárias de luta contra a corrupção. Aplicam igualmente as recomendações dos relatórios europeus anticorrupção.

    5.10.

    Os serviços públicos assentam integralmente numa cultura cívica democrática. O papel de uma sociedade civil eficaz e estruturada e da oposição política é fundamental para a defesa deste princípio.

    5.11.

    O estatuto dos trabalhadores dos serviços públicos deve assegurar-lhes a proteção e a segurança garantidas pela lei, de modo que possam recusar instruções de serviço ilegais e apresentar queixas de acordo com as regras. Tal contribui para o bom funcionamento dos serviços públicos e constitui uma garantia de democracia e de defesa do interesse geral contra a corrupção, a fraude ou os abusos.

    5.12.

    A diretiva europeia relativa à proteção reforçada dos denunciantes aplica-se aos trabalhadores dos serviços públicos. Tal como salientado no Parecer do CESE «Reforço da proteção dos denunciantes em toda a UE (SOC/593)» (1), cabe ao denunciante escolher se apresenta a denúncia por via interna ou externa às autoridades competentes (em que não se incluem os meios de comunicação social ou o público).

    5.13.

    Não obstante a digitalização dos serviços, cabe igualmente manter, no futuro, a possibilidade de aceder aos mesmos em pessoa: tal aplica-se a todos os serviços públicos, locais, regionais e nacionais, de modo que o acompanhamento das pessoas vulneráveis (idosos, pessoas carenciadas, migrantes, etc.) se realize ad personam e que a digitalização não seja um fator adicional de exclusão para todos estes grupos sociais.

    5.14.

    É essencial que os serviços públicos acompanhem a evolução do nível de digitalização, sem, todavia, pôr em risco os direitos fundamentais, incluindo os direitos dos trabalhadores. Os serviços públicos devem, nomeadamente, assegurar a proteção de dados e o direito à autodeterminação em matéria de dados no âmbito da administração em linha.

    5.15.

    Os serviços públicos devem dispor das competências e dos recursos humanos, técnicos, materiais e financeiros necessários para cumprir as missões que lhes são confiadas. Para assegurar o seu bom funcionamento, incluindo num estado de emergência associado a uma crise, é indispensável que disponham de reservas suficientes em cada um destes domínios.

    5.16.

    A organização dos serviços públicos nacionais, que constituem elementos essenciais da identidade nacional, é uma responsabilidade exclusiva dos Estados-Membros. Contudo, deve assegurar-se a sua interoperabilidade no quadro do sistema de governação europeu a vários níveis.

    5.17.

    A cooperação europeia e a aplicação prática dos princípios dos serviços públicos na UE devem fazer parte dos conteúdos de formação de todos os trabalhadores que exercem funções públicas.

    5.18.

    É necessário aumentar o número de intercâmbios de pessoal entre a União e os Estados-Membros, bem como entre os Estados-Membros, por forma a reforçar a ligação entre os diferentes níveis da administração no quadro do sistema europeu a vários níveis. A mobilidade profissional dos trabalhadores dos serviços públicos deve ser assegurada nos Estados-Membros e não deve comportar quaisquer desvantagens para os que decidam exercê-la.

    5.19.

    As instituições europeias que disponibilizam atividades de formação e aperfeiçoamento profissionais contínuos devem proporcionar aos trabalhadores dos serviços públicos a todos os níveis meios para aplicar os princípios dos serviços públicos e assegurar o papel destes últimos enquanto estabilizadores automáticos.

    5.20.

    É essencial que todos os serviços públicos que participam na distribuição de fundos europeus respeitem e apliquem os princípios dos serviços públicos.

    Bruxelas, 2 de dezembro de 2020.

    A Presidente do Comité Económico e Social Europeu

    Christa SCHWENG


    (1)  JO C 62 de 15.2.2019, p. 155.


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