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Este documento é um excerto do sítio EUR-Lex

Documento 62022CJ0305

Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 4 de setembro de 2025.

Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Cooperação judiciária em matéria penal — Decisão‑Quadro 2002/584/JAI — Mandado de detenção europeu emitido para efeitos da execução de uma pena privativa de liberdade — Artigo 4.°, ponto 6 — Motivo de não execução facultativa do mandado de detenção europeu — Condições de assunção da execução dessa pena pelo Estado de execução — Artigo 3.°, ponto 2 — Conceito de julgamento definitivo pelos mesmos factos — Decisão‑Quadro 2008/909/JAI — Reconhecimento mútuo das sentenças em matéria penal para efeitos da sua execução noutro Estado‑Membro — Artigo 25.° — Respeito das condições e do procedimento previstos nesta decisão‑quadro nos casos em que um Estado‑Membro se compromete a executar uma condenação aplicada por uma sentença proferida por um órgão jurisdicional do Estado de emissão — Exigência do consentimento do Estado de emissão quanto à assunção da execução dessa condenação por outro Estado‑Membro — Artigo 4.° — Possibilidade concedida ao Estado de emissão de transmitir ao Estado de execução a sentença e a certidão referidas neste artigo — Consequências da falta dessa transmissão — Princípio da cooperação leal — Artigo 22.° — Direito de o Estado de emissão executar essa condenação — Manutenção do mandado de detenção europeu — Obrigação de a autoridade judiciária de execução executar o mandado de detenção europeu.
Processo C-305/22.

Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2025:665

 ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

4 de setembro de 2025 ( *1 ) ( i )

«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Cooperação judiciária em matéria penal — Decisão‑Quadro 2002/584/JAI — Mandado de detenção europeu emitido para efeitos da execução de uma pena privativa de liberdade — Artigo 4.o, n.o 6 — Motivo de não execução facultativa do mandado de detenção europeu — Condições de assunção da execução dessa pena pelo Estado de execução — Artigo 3.o, ponto 2 — Conceito de julgamento definitivo pelos mesmos factos — Decisão‑Quadro 2008/909/JAI — Reconhecimento mútuo das sentenças em matéria penal para efeitos da sua execução noutro Estado‑Membro — Artigo 25.o — Respeito das condições e do procedimento previstos nesta decisão‑quadro nos casos em que um Estado‑Membro se compromete a executar uma condenação aplicada por uma sentença proferida por um tribunal do Estado de emissão — Exigência do consentimento do Estado de emissão quanto à assunção da execução dessa condenação por outro Estado‑Membro — Artigo 4.o — Possibilidade concedida ao Estado de emissão de transmitir ao Estado de execução a sentença e a certidão referidas neste artigo — Consequências da falta dessa transmissão — Princípio da cooperação leal — Artigo 22.o — Direito de o Estado de emissão executar essa condenação — Manutenção do mandado de detenção europeu — Obrigação de a autoridade judiciária de execução executar o mandado de detenção europeu»

No processo C‑305/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Curtea de Apel Bucureşti (Tribunal de Recurso de Bucareste, Roménia), por Decisão de 11 de abril de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 6 de maio de 2022, no processo relativo à execução do mandado de detenção europeu emitido contra

C.J.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, T. von Danwitz, vice‑presidente, F. Biltgen, K. Jürimäe, C. Lycourgos, M. L. Arastey Sahún, S. Rodin, A. Kumin, N. Jääskinen (relator), D. Gratsias e M. Gavalec, presidentes de secção, E. Regan, I. Ziemele, Z. Csehi e O. Spineanu‑Matei, juízes,

advogado‑geral: J. Richard de la Tour,

secretário: R. Șereș, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 13 de março de 2024,

vistas as observações apresentadas:

em representação de C.J., pelo próprio,

em representação do Governo Romeno, por M. Chicu e E. Gane, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Checo, por L. Halajová, M. Smolek, T. Suchá e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Francês, por B. Dourthe, na qualidade de agente,

em representação do Governo Neerlandês, por M. K. Bulterman, M. H. S. Gijzen e C. S. Schillemans, na qualidade de agentes,

em representação da Comissão Europeia, por H. Leupold e L. Nicolae, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 13 de junho de 2024,

visto o Despacho de reabertura da fase oral de 13 de setembro de 2024 e após a audiência de 14 de outubro de 2024,

vistas as observações apresentadas:

em representação do Governo Romeno, por M. Chicu, E. Gane e L. Liţu, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Checo, por L. Halajová, M. Smolek, T. Suchá e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

em representação do Governo Francês, por B. Dourthe, na qualidade de agente,

em representação do Governo Neerlandês, por C. S. Schillemans, na qualidade de agente,

em representação da Comissão Europeia, por H. Leupold, L. Nicolae e J. Vondung, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 12 de dezembro de 2024,

profere o presente

Acórdão

1

O presente pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o, n.os 5 e 6, e do artigo 8.o, n.o 1, alínea c), da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros (JO 2002, L 190, p. 1), bem como do artigo 4.o, n.o 2, do artigo 22.o, n.o 1, e do artigo 25.o da Decisão‑Quadro 2008/909/JAI do Conselho, de 27 de novembro de 2008, relativa à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às sentenças em matéria penal que imponham penas ou outras medidas privativas de liberdade para efeitos da execução dessas sentenças na União Europeia (JO 2008, L 327, p. 27).

2

Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo relativo à execução do mandado de detenção europeu emitido para efeitos de execução de uma pena privativa de liberdade contra C.J. pela Curtea de Apel Bucureşti – Biroul executări penale (Tribunal de Recurso de Bucareste – Serviço de Execução Penal, Roménia).

Quadro jurídico

Direito internacional

3

O artigo 3.o da Convenção Europeia relativa à Transferência de Pessoas Condenadas, assinada em Estrasburgo em 21 de março de 1983, com a epígrafe «Condições da transferência», prevê, no n.o 1:

«Nos termos da presente Convenção, uma transferência apenas pode ter lugar nas seguintes condições:

[…]

f)

Se o Estado da condenação e o Estado da execução estiverem de acordo quanto à transferência».

Direito da União

Decisão‑Quadro 2002/584

4

O considerando 6 da Decisão 2002/584 enuncia:

«O mandado de detenção europeu previsto na presente decisão‑quadro constitui a primeira concretização no domínio do direito penal, do princípio do reconhecimento mútuo, que o Conselho Europeu qualificou de “pedra angular” da cooperação judiciária.»

5

O artigo 1.o desta decisão‑quadro, com a epígrafe «Definição de mandado de detenção europeu e obrigação de o executar», prevê:

«1.   O mandado de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado‑Membro com vista à detenção e entrega por outro Estado‑Membro duma pessoa procurada para efeitos de procedimento penal ou de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade.

2.   Os Estados‑Membros executam todo e qualquer mandado de detenção europeu com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com o disposto na presente decisão‑quadro.

[…]»

6

O artigo 3.o da referida decisão‑quadro, com a epígrafe «Motivos de não execução obrigatória do mandado de detenção europeu», dispõe:

«A autoridade judiciária do Estado‑Membro de execução (a seguir designada “autoridade judiciária de execução”) recusa a execução de um mandado de detenção europeu nos seguintes casos:

[…]

2.

Se das informações de que dispõe a autoridade judiciária de execução resultar que a pessoa procurada foi definitivamente julgada pelos mesmos factos por um Estado‑Membro, na condição de que, em caso de condenação, a pena tenha sido cumprida ou esteja atualmente em cumprimento ou não possa já ser cumprida segundo as leis do Estado‑Membro de condenação;

[…]»

7

O artigo 4.o da mesma decisão‑quadro, com a epígrafe «Motivos de não execução facultativa do mandado de detenção europeu», tem a seguinte redação:

«A autoridade judiciária de execução pode recusar a execução de um mandado de detenção europeu:

[…]

5.

Se das informações de que dispõe a autoridade judiciária de execução resultar que a pessoa procurada foi definitivamente julgada pelos mesmos factos por um país terceiro, na condição de que, em caso de condenação, a pena tenha sido cumprida ou esteja atualmente em cumprimento ou não possa já ser cumprida segundo as leis do país de condenação;

6.

Se o mandado de detenção europeu tiver sido emitido para efeitos de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade, quando a pessoa procurada se encontrar no Estado‑Membro de execução, for sua nacional ou sua residente e este Estado se comprometa a executar essa pena ou medida de segurança nos termos do seu direito nacional;

[…]»

8

O artigo 5.o da Decisão‑Quadro 2002/584, com a epígrafe «Garantias a fornecer pelo Estado‑Membro de emissão em casos especiais», prevê:

«A execução do mandado de detenção europeu pela autoridade judiciária de execução pode estar sujeita pelo direito do Estado‑Membro de execução a uma das seguintes condições:

[…]

3.

Quando a pessoa sobre a qual recai um mandado de detenção europeu para efeitos de procedimento penal for nacional ou residente do Estado‑Membro de execução, a entrega pode ficar sujeita à condição de que a pessoa, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado‑Membro de execução para nele cumprir a pena ou medida de segurança privativas de liberdade proferida contra ela no Estado‑Membro de emissão.»

9

O artigo 8.o desta decisão‑quadro, com a epígrafe «Conteúdo e formas do mandado de detenção europeu», dispõe:

«1.   O mandado de detenção europeu contém as seguintes informações, apresentadas em conformidade com o formulário em anexo:

[…]

c)

Indicação da existência de uma sentença com força executiva, de um mandado de detenção ou de qualquer outra decisão judicial com a mesma força executiva abrangida pelo âmbito de aplicação dos artigos 1.o e 2.o;

[…]»

10

O artigo 12.o da referida decisão‑quadro, com a epígrafe «Manutenção da pessoa em detenção», tem a seguinte redação:

«Quando uma pessoa for detida com base num mandado de detenção europeu, a autoridade judiciária de execução decide se deve mantê‑la em detenção em conformidade com o direito do Estado‑Membro de execução. […]»

11

O artigo 26.o da mesma decisão‑quadro, com a epígrafe «Dedução do período de detenção cumprido no Estado‑Membro de execução», prevê, no n.o 1:

«O Estado‑Membro de emissão deduz a totalidade dos períodos de detenção resultantes da execução de um mandado de detenção europeu do período total de privação da liberdade a cumprir no Estado‑Membro de emissão, na sequência de uma condenação a uma pena ou medida de segurança privativas de liberdade.»

Decisão‑Quadro 2008/909

12

Os considerandos 2, 8 e 12 da Decisão‑Quadro 2008/909 enunciam:

«(2)

Em 29 de novembro de 2000, e de acordo com as conclusões de Tampere, o Conselho aprovou um programa de medidas destinadas a aplicar o princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciais em matéria penal, preconizando uma avaliação da necessidade de dispor de mecanismos modernos de reconhecimento mútuo das condenações transitadas em julgado que impliquem privação de liberdade […], bem como de alargar o princípio da transferência de pessoas condenadas aos residentes nos Estados‑Membros […].

[…]

(8)

Nos casos referidos na alínea c) do n.o 1 do artigo 4.o, a transmissão da sentença e da certidão ao Estado de execução fica sujeita à realização de consultas entre as autoridades competentes dos Estados de emissão e de execução e ao consentimento da autoridade competente do Estado de execução. […]

[…]

(12)

A presente decisão‑quadro deverá também aplicar‑se mutatis mutandis à execução de condenações nos casos abrangidos pelo n.o 6 do artigo 4.o e pelo n.o 3 do artigo 5.o da Decisão‑Quadro [2002/584]. O que significa, designadamente, que, sem prejuízo dessa decisão‑quadro, o Estado de execução pode verificar se existem ou não motivos de recusa do reconhecimento e da execução, tal como previsto no artigo 9.o da presente decisão‑quadro, incluindo a verificação da dupla incriminação caso o Estado de execução tenha apresentado uma declaração nos termos do n.o 4 do artigo 7.o, como condição para reconhecer e executar a sentença, a fim de considerar se há que entregar a pessoa condenada ou executar a condenação nos casos previstos no n.o 6 do artigo 4.o da Decisão‑Quadro [2002/584].»

13

O artigo 3.o desta decisão‑quadro, com a epígrafe «Objeto e âmbito de aplicação», dispõe, no n.o 1:

«A presente decisão‑quadro tem por objetivo estabelecer as regras segundo as quais um Estado‑Membro, tendo em vista facilitar a reinserção social da pessoa condenada, reconhece uma sentença e executa a condenação imposta.»

14

O artigo 4.o da referida decisão‑quadro, com a epígrafe «Critérios para transmitir a sentença e a certidão a outro Estado‑Membro», tem a seguinte redação:

«1.   Desde que a pessoa condenada se encontre no Estado de emissão ou no Estado de execução e tenha dado o seu consentimento, nos termos do artigo 6.o, a sentença, acompanhada da certidão, cujo formulário‑tipo se reproduz no anexo I, pode ser transmitida a um dos Estados‑Membros a seguir indicados:

a)

O Estado‑Membro de que a pessoa condenada é nacional e no qual vive; ou

b)

O Estado‑Membro de que a pessoa condenada é nacional para o qual, não sendo embora o Estado‑Membro onde ela vive, será reconduzida uma vez cumprida a pena […]; ou

c)

Qualquer Estado‑Membro, que não os Estados referidos nas alíneas a) ou b), cuja autoridade competente consinta na transmissão da sentença e da certidão.

2.   A transmissão da sentença e da certidão pode efetuar‑se quando a autoridade competente do Estado de emissão tiver verificado, se for caso disso, após consultas entre as autoridades competentes dos Estados de emissão e de execução, que a execução da condenação pelo Estado de execução contribuirá para atingir o objetivo de facilitar a reinserção social da pessoa condenada.

3.   Antes de transmitir a sentença e a certidão, a autoridade competente do Estado de emissão pode consultar, por quaisquer meios adequados, a autoridade competente do Estado de execução. A consulta é obrigatória nos casos referidos na alínea c) do n.o 1. Nesses casos, a autoridade competente do Estado de execução informa imediatamente o Estado de emissão da sua decisão de consentir ou não na transmissão da sentença.

[…]

5.   O Estado de execução pode, por iniciativa própria, solicitar que o Estado de emissão lhe envie a sentença, acompanhada da certidão. […] Os pedidos feitos ao abrigo da presente disposição não implicam que o Estado de emissão seja obrigado a transmitir a sentença acompanhada da certidão.

6.   Ao aplicarem a presente decisão‑quadro, os Estados‑Membros adotam medidas que tenham especialmente em conta o objetivo de facilitar a reinserção social da pessoa condenada e que sirvam de base para as autoridades competentes decidirem se devem ou não consentir na transmissão da sentença e da certidão nos casos abrangidos pela alínea c) do n.o 1.

[…]»

15

O artigo 8.o da mesma decisão‑quadro, com a epígrafe «Reconhecimento da sentença e execução da condenação», prevê:

«1.   A autoridade competente do Estado de execução deve reconhecer a sentença enviada nos termos do artigo 4.o e segundo os procedimentos previstos no artigo 5.o e tomar imediatamente todas as medidas necessárias à execução da condenação, exceto se a autoridade competente decidir invocar um dos motivos de recusa do reconhecimento e da execução previstos no artigo 9.o

2.   Caso a duração da condenação seja incompatível com a legislação nacional do Estado de execução, a autoridade competente do Estado de execução só pode adaptá‑la se essa condenação exceder a pena máxima prevista na sua legislação nacional para infrações semelhantes. A condenação adaptada não pode ser inferior à pena máxima prevista na legislação nacional do Estado de execução para infrações semelhantes.

3.   Caso a natureza da condenação seja incompatível com a legislação nacional do Estado de execução, a autoridade competente desse Estado pode adaptá‑la à pena ou medida prevista na sua legislação nacional para infrações semelhantes. Essa pena ou medida deve corresponder tão exatamente quanto possível à condenação imposta no Estado de emissão, o que significa, por conseguinte, que a condenação não pode ser convertida em sanção pecuniária.

4.   A condenação adaptada não pode agravar, pela sua natureza ou duração, a condenação imposta no Estado de emissão.»

16

Nos termos do artigo 13.o da Decisão‑Quadro 2008/909, com a epígrafe «Retirada da certidão»:

«Enquanto a execução da condenação não tiver sido iniciada no Estado de execução, o Estado de emissão pode retirar a certidão junto desse Estado, devendo apresentar uma justificação. Uma vez retirada a certidão, o Estado de execução deixa de poder executar a condenação.»

17

O artigo 22.o desta decisão‑quadro, com a epígrafe «Consequências da transferência da pessoa condenada», dispõe, no n.o 1:

«Sob reserva do disposto no n.o 2, o Estado de emissão não pode prosseguir a execução da condenação se esta já tiver sido iniciada no Estado de execução.»

18

O artigo 23.o da referida decisão‑quadro, com a epígrafe «Línguas», prevê, no n.o 1:

«A certidão deve ser traduzida para a língua ou línguas oficiais do Estado de execução. Aquando da aprovação da presente decisão‑quadro ou em data posterior, qualquer Estado‑Membro pode indicar, em declaração depositada junto do Secretariado‑Geral do Conselho, que aceita a tradução para uma ou várias outras línguas oficiais das instituições da União Europeia.»

19

O artigo 25.o da mesma decisão‑quadro, com a epígrafe «Execução de condenações na sequência de um mandado de detenção europeu», enuncia:

«Sem prejuízo da Decisão‑Quadro [2002/584], o disposto na presente decisão‑quadro deve aplicar‑se, mutatis mutandis, na medida em que seja compatível com as disposições dessa mesma decisão‑quadro, à execução de condenações, se um Estado‑Membro tiver decidido executar a condenação nos casos abrangidos pelo n.o 6 do artigo 4.o daquela decisão‑quadro ou se, nos termos do disposto no n.o 3 do artigo 5.o da mesma decisão‑quadro, tiver estabelecido como condição que a pessoa seja devolvida ao Estado‑Membro em questão para nele cumprir a pena, de forma a evitar a impunidade da pessoa em causa.»

20

O artigo 26.o da Decisão‑Quadro 2008/909, com a epígrafe «Relação com outros acordos e convénios», dispõe, no n.o 1:

«Sem prejuízo da sua aplicação entre Estados‑Membros e países terceiros e das disposições transitórias previstas no artigo 28.o, a presente decisão‑quadro substitui, a partir de 5 de dezembro de 2011, as disposições correspondentes das seguintes convenções, aplicáveis às relações entre Estados‑Membros:

Convenção Europeia relativa à Transferência de Pessoas Condenadas [(Série de Tratados Europeus n.o 112), assinada em Estrasburgo em 21 de março de 1983] e respetivo Protocolo Adicional, de 18 de dezembro de 1997,

Convenção Europeia sobre o Valor Internacional das Sentenças Penais [(Série de Tratados Europeus n.o 70), assinada em Haia em 28 de maio de 1970],

título III, capítulo 5, da Convenção [de aplicação do Acordo de Schengen, entre os Governos dos Estados da União Económica Benelux, da República Federal da Alemanha e da República Francesa relativo à supressão gradual dos controlos nas fronteiras comuns, assinada em Schengen em 19 de junho de 1990 (JO 2000, L 239, p. 19)].

Convenção entre os Estados‑Membros das Comunidades Europeias relativa à Execução de Condenações Penais Estrangeiras, de 13 de novembro de 1991.»

Tramitação no processo principal e questões prejudiciais

21

Em 25 de novembro de 2020, a Curtea de Apel București (Tribunal de Recurso de Bucareste, Roménia), que é o órgão jurisdicional de reenvio, emitiu um mandado de detenção europeu contra C.J., com vista à execução de uma pena de prisão que lhe foi aplicada por Acórdão da sua Segunda Secção Penal, de 27 de junho de 2017. Esse acórdão transitou em julgado na sequência da prolação de um Acórdão da Secção Penal da Înalta Curte de Casație și Justiție (Tribunal Superior de Cassação e Justiça, Roménia), de 10 de novembro de 2020 (a seguir «sentença de condenação»).

22

Em 29 de dezembro de 2020, C.J. foi detido em Itália.

23

Em 31 de dezembro de 2020, o Ministero della Giustizia (Ministério da Justiça, Itália) informou o órgão jurisdicional de reenvio dessa detenção. A pedido deste ministério, o mandado de detenção europeu emitido contra C.J. foi transmitido à Corte d’appello di Roma (Tribunal de Recurso de Roma, Itália), que é a autoridade judiciária de execução.

24

Em 14 de janeiro de 2021, a pedido das autoridades italianas, a autoridade judiciária de emissão transmitiu‑lhes a sentença de condenação. Nessa ocasião, o órgão jurisdicional de reenvio manifestou o seu desacordo em relação ao reconhecimento dessa sentença e à execução, em Itália, da pena aplicada a C.J.

25

A pedido das autoridades judiciárias italianas, esse órgão jurisdicional informou, em 20 de janeiro de 2021, que, em caso de recusa de execução do mandado de detenção europeu emitido contra C.J., em aplicação do artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro 2002/584, não daria o seu consentimento ao reconhecimento a título incidental da referida sentença e à assunção, pela República Italiana, da execução da pena infligida a C.J., e que solicitaria posteriormente tal reconhecimento e tal execução com fundamento na Decisão‑Quadro 2008/909.

26

Por Sentença de 6 de maio de 2021, a Corte d’appello di Roma (Tribunal de Recurso de Roma) recusou a entrega de C.J., reconheceu a sentença de condenação e ordenou a execução dessa condenação em Itália (a seguir «decisão de reconhecimento e de execução»). Esse órgão jurisdicional considerou que a referida condenação devia ser executada em Itália com vista a aumentar a possibilidade de reinserção social de C.J., que residia legal e efetivamente em Itália.

27

Ao deduzir os períodos de detenção já cumpridos por C.J., entre 17 de setembro e 16 de dezembro de 2019 e entre 29 de dezembro de 2020 e a data da prolação da decisão de reconhecimento e de execução, o referido órgão jurisdicional considerou que a pena total que faltava cumprir por C.J. era de 3 anos, 6 meses e 21 dias.

28

Em 20 de maio de 2021, a decisão de reconhecimento e de execução foi comunicada ao órgão jurisdicional de reenvio.

29

Em seguida, foi transmitida uma certidão do Serviço de Execução das Penas do Ministério Público de Roma, de 11 de junho de 2021, às autoridades romenas, da qual resultava que C.J. era objeto de um mandado de execução, emitido em 20 de maio de 2021, sob a forma de «obrigação de permanência na habitação, com suspensão concomitante» e que a pena que faltava cumprir por C.J. era de três anos e onze meses de prisão, tendo o início da execução dessa pena sido fixado em 29 de dezembro de 2020 e o seu termo em 28 de novembro de 2024.

30

Por carta de 28 de junho de 2021 dirigida ao Ministero della Giustizia (Ministério da Justiça) e à Corte d’appello di Roma (Tribunal de Recurso de Roma), as autoridades judiciárias romenas reiteraram a sua posição referida no n.o 24 do presente acórdão e precisaram que, enquanto não fossem informadas do início da execução da pena de prisão de C.J., conservariam o direito de executar a sentença de condenação. Indicaram igualmente que o mandado nacional de execução da pena de prisão proferida contra C.J. e o mandado de detenção europeu emitido contra ele não tinham sido anulados e continuavam em vigor.

31

Em 15 de outubro de 2021, o Serviço de Execução da Segunda Secção Penal da Curtea de Apel București (Tribunal de Recurso de Bucareste) deduziu oposição à execução da sentença de condenação, no órgão jurisdicional de reenvio.

32

Para se pronunciar sobre esta oposição, esse órgão jurisdicional tem de se pronunciar sobre a validade do mandado nacional de execução da pena de prisão proferida contra C.J. e do mandado de detenção europeu emitido contra este.

33

Neste contexto, a Curtea de Apel București (Tribunal de Recurso de Bucareste) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)

Devem as disposições do artigo 25.o da Decisão‑Quadro [2008/909] ser interpretadas no sentido de que a autoridade judiciária de execução de um mandado [de detenção] europeu, quando pretenda aplicar o artigo 4.o, [ponto] 6, da Decisão‑Quadro [2002/584] para efeitos do reconhecimento da decisão condenatória, é obrigada a pedir a [transmissão] da sentença e da certidão emitidas nos termos da Decisão‑Quadro [2008/909], bem como a obter o consentimento do Estado onde teve lugar a condenação, na aceção do artigo 4.o, [n.o] 2, da Decisão‑Quadro [2008/909]?

2)

Devem as disposições do artigo 4.o, [ponto] 6, da Decisão‑Quadro [2002/584], conjugado com o artigo 25.o e com o artigo 4.o, [n.o] 2, da Decisão‑Quadro [2008/909], ser interpretadas no sentido de que a recusa de executar um mandado de detenção europeu emitido para efeitos da execução de uma pena privativa de liberdade e o reconhecimento da decisão condenatória, sem a sua efetiva execução através da prisão da pessoa condenada em consequência de um indulto e da suspensão da execução da pena, em conformidade com a legislação do Estado de execução, e sem a obtenção do consentimento do Estado onde teve lugar a condenação no âmbito do procedimento de reconhecimento, [implicam] a perda do direito do Estado onde teve lugar a condenação de prosseguir a execução da pena em conformidade com o disposto no artigo 22.o, [n.o] 1, da Decisão‑Quadro [2008/909]?

3)

Deve o artigo 8.o, [n.o] 1, alínea c), da Decisão‑Quadro [2002/584] ser interpretado no sentido de que uma decisão de condenação numa pena privativa de liberdade com base na qual foi emitido um mandado de detenção europeu cuja execução foi recusada ao abrigo do artigo 4.o, [ponto] 6, [desta decisão‑quadro], com reconhecimento da sentença mas sem a sua efetiva execução através da prisão da pessoa condenada em consequência de um indulto e da suspensão da execução da pena, em conformidade com a legislação do Estado de execução, e sem a obtenção do consentimento do Estado onde teve lugar a condenação no âmbito do procedimento de reconhecimento, perde o seu caráter executório?

4)

Devem as disposições do artigo 4.o, [ponto] 5, da Decisão‑Quadro [2002/584] ser interpretadas no sentido de que uma sentença que determina a recusa de execução de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos da execução de uma pena privativa de liberdade e o reconhecimento da decisão condenatória nos termos do artigo 4.o, [ponto] 6, [desta decisão‑quadro], mas sem a sua efetiva execução através da prisão da pessoa condenada em consequência de um indulto e da suspensão da execução da pena, em conformidade com a legislação do Estado de execução (Estado‑Membro da [União Europeia]), e sem a obtenção do consentimento do Estado onde teve lugar a condenação no âmbito do procedimento de reconhecimento, constitui um “[julgamento definitivo] pelos mesmos factos por um país terceiro”?

Em caso de resposta afirmativa à quarta questão,

5)

Devem as disposições do artigo 4.o, [ponto] 5, da Decisão‑Quadro [2002/584] ser interpretadas no sentido de que uma sentença que determina a recusa de execução de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos da execução de uma pena privativa de liberdade e o reconhecimento da decisão condenatória nos termos do artigo 4.o, [ponto] 6, [desta decisão‑quadro], com suspensão da execução da pena em conformidade com a legislação do Estado de execução, constitui uma “pena […] atualmente em cumprimento” se a vigilância do condenado ainda não tiver começado?»

Tramitação processual no Tribunal de Justiça

34

Em 23 de janeiro de 2024, o Tribunal de Justiça decidiu remeter o presente processo à Primeira Secção. A audiência realizou-se em 13 de março de 2024 e o advogado‑geral apresentou as suas conclusões em 13 de junho de 2024, tendo a fase oral do processo sido subsequentemente encerrada.

35

A pedido da Primeira Secção do Tribunal de Justiça, apresentado em aplicação do artigo 60.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, este último decidiu, em 9 de julho de 2024, remeter o processo à Grande Secção.

36

Por Despacho de 13 de setembro de 2024, C.J. (Execução de uma condenação na sequência de um MDE) (C‑305/22, EU:C:2024:783), o Tribunal de Justiça, ouvido o advogado‑geral, ordenou a reabertura da fase oral do processo, em conformidade com o artigo 83.o do Regulamento de Processo. Em 14 de outubro de 2024, realizou‑se uma segunda audiência.

37

Em 12 de dezembro de 2024, o advogado‑geral apresentou conclusões complementares.

Quanto às questões prejudiciais

Quanto às três primeiras questões

38

Com as três primeiras questões, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro 2002/584 e os artigos 4.o, 22.o e 25.o da Decisão‑Quadro 2008/909 devem ser interpretados no sentido de que:

por um lado, a recusa de a autoridade judiciária de execução, baseada no motivo de não execução facultativa previsto no artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro 2002/584, entregar uma pessoa que é objeto de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de execução de uma pena privativa de liberdade pressupõe que essa autoridade judiciária respeite as condições e o procedimento previstos na Decisão‑Quadro 2008/909 no que se refere ao reconhecimento da sentença de condenação nessa pena e à assunção da execução da referida pena e,

por outro lado, se for caso disso, o Estado de emissão conserva o direito de executar a mesma pena e, por conseguinte, de manter o mandado de detenção europeu em circunstâncias em que, sem ter respeitado as condições e o procedimento previstos na Decisão‑Quadro 2008/909 quanto ao reconhecimento dessa sentença e à assunção dessa execução, a autoridade judiciária de execução recusou, com fundamento nesse motivo, a execução desse mandado de detenção europeu.

Quanto ao impacto da Decisão‑Quadro 2008/909 na invocação do motivo de não execução facultativa previsto no artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro 2002/584

39

Antes de mais, importa recordar, no que respeita à Decisão‑Quadro 2002/584, que, ao instituir um sistema simplificado e eficaz de entrega das pessoas condenadas ou suspeitas de terem infringido a lei penal, esta decisão‑quadro pretende facilitar e acelerar a cooperação judiciária com vista a contribuir para a realização do objetivo, fixado à União, de se tornar um espaço de liberdade, segurança e justiça, baseando‑se no grau de confiança elevado que deve existir entre os Estados‑Membros [Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão), C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU, EU:C:2022:100, n.o 42 e jurisprudência referida].

40

No domínio regido por esta decisão‑quadro, o princípio do reconhecimento mútuo, que, como resulta designadamente do seu considerando 6, constitui a «pedra angular» da cooperação judiciária em matéria penal, encontra a sua expressão no artigo 1.o, n.o 2, da referida decisão‑quadro, que consagra a regra por força da qual os Estados‑Membros são obrigados a executar todo e qualquer mandado de detenção europeu com base no princípio do reconhecimento mútuo e em conformidade com as disposições da mesma decisão‑quadro [v., neste sentido, Acórdão de 6 de junho de 2023, O. G. (Mandado de detenção europeu contra um nacional de um Estado terceiro), C‑700/21, EU:C:2023:444, n.o 32 e jurisprudência referida].

41

Daqui resulta, por um lado, que as autoridades judiciárias de execução só podem recusar executar um mandado de detenção europeu por motivos decorrentes da Decisão‑Quadro 2002/584, conforme interpretada pelo Tribunal de Justiça. Por outro lado, enquanto a execução do mandado de detenção europeu constitui o princípio, a recusa da sua execução é concebida como uma exceção, que deve ser objeto de interpretação estrita [Acórdão de 6 de junho de 2023, O. G. (Mandado de detenção europeu contra um nacional de um Estado terceiro), C‑700/21, EU:C:2023:444, n.o 33 e jurisprudência referida].

42

No que respeita a esses motivos, esta decisão‑quadro enuncia, no artigo 3.o, os motivos de não execução obrigatória do mandado de detenção europeu e, nos seus artigos 4.o e 4.o‑A, os motivos de não execução facultativa do mesmo.

43

Quanto aos motivos de não execução facultativa enumerados no artigo 4.o da Decisão‑Quadro 2002/584, a aplicação do motivo previsto no n.o 6 deste artigo está sujeita à reunião de duas condições, a saber, por um lado, que a pessoa procurada se encontre no Estado‑Membro de execução, seja sua nacional ou aí resida e, por outro, que esse Estado se comprometa a executar, em conformidade com o seu direito interno, a pena ou a medida de segurança para a qual o mandado de detenção europeu foi emitido [Acórdão de 6 de junho de 2023, O. G. (Mandado de detenção europeu contra um nacional de um Estado terceiro), C‑700/21, EU:C:2023:444, n.o 46 e jurisprudência referida].

44

Quando a autoridade judiciária de execução constata que estas duas condições estão reunidas, deve ainda apreciar se existe um interesse legítimo que justifique que a pena infligida no Estado‑Membro de emissão seja executada no território do Estado‑Membro de execução. Esta apreciação permite a essa autoridade ter em conta o objetivo prosseguido pelo artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro 2002/584, que consiste, segundo jurisprudência assente, em aumentar a possibilidade de reinserção social da pessoa procurada no termo da pena a que esta última foi condenada [v., neste sentido, Acórdão de 6 de junho de 2023, O. G. (Mandado de detenção europeu contra um nacional de um Estado terceiro), C‑700/21, EU:C:2023:444, n.o 49 e jurisprudência referida].

45

Quanto ao impacto da Decisão‑Quadro 2008/909 na aplicação do motivo de não execução facultativa previsto no artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro 2002/584, importa recordar que, à semelhança da Decisão‑Quadro 2002/584, a Decisão‑Quadro 2008/909 concretiza, no domínio penal, os princípios da confiança mútua e do reconhecimento mútuo que impõem, designadamente no que respeita ao espaço de liberdade, segurança e justiça, que cada Estado‑Membro considere, salvo em circunstâncias excecionais, que os restantes Estados‑Membros respeitam o direito da União e, muito particularmente, os direitos fundamentais reconhecidos por este direito. Esta última decisão‑quadro reforça, assim, a cooperação judiciária no que respeita ao reconhecimento e execução de sentenças em matéria penal quando estejam em causa pessoas que tenham sido condenadas a penas de prisão ou a outras medidas privativas de liberdade noutro Estado‑Membro, tendo em vista facilitar a sua reinserção social (v., neste sentido, Acórdão de 9 de novembro de 2023, Staatsanwaltschaft Aachen, C‑819/21, EU:C:2023:841, n.o 19).

46

Em conformidade com o seu artigo 3.o, n.o 1, a Decisão‑Quadro 2008/909 tem por objetivo estabelecer as regras segundo as quais um Estado‑Membro, tendo em vista facilitar a reinserção social da pessoa condenada, reconhece uma sentença e executa a condenação imposta por um órgão jurisdicional de outro Estado‑Membro. Como resulta do seu artigo 26.o, n.o 1, esta decisão‑quadro substitui as disposições das convenções relativas à transferência de pessoas condenadas, identificadas neste artigo, aplicáveis nas relações entre os Estados‑Membros (v., neste sentido, Acórdão de 24 de junho de 2019, Popławski, C‑573/17, EU:C:2019:530, n.os 36 e 37).

47

Assim, tendo em conta a identidade do objetivo prosseguido, por um lado, pelo motivo de não execução facultativa previsto no artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro 2002/584 e, por outro, pelas regras previstas na Decisão‑Quadro 2008/909, a saber, o objetivo de facilitar a reinserção social das pessoas condenadas noutro Estado‑Membro, há que considerar que, quando uma autoridade judiciária do Estado de execução pretenda aplicar este motivo, deve ter em conta estas regras.

48

A este respeito, há que sublinhar, à semelhança do advogado‑geral no n.o 45 das suas Conclusões de 13 de junho de 2024, que nada permite considerar que o legislador da União tenha pretendido prever dois regimes jurídicos distintos no que se refere ao reconhecimento e à execução de sentenças em matéria penal, em função da existência ou não de um mandado de detenção europeu.

49

Neste sentido, o artigo 25.o da Decisão‑Quadro 2008/909, lido à luz do seu considerando 12, dispõe que esta decisão‑quadro se deve aplicar, mutatis mutandis, na medida em que seja compatível com as disposições da Decisão‑Quadro 2002/584, à execução de condenações, se um Estado‑Membro tiver decidido executar a condenação nos casos abrangidos pelo artigo 4.o, n.o 6, desta última decisão‑quadro. É igualmente esse o caso se, nos termos do disposto no artigo 5.o, ponto 3, da referida última decisão‑quadro, um Estado‑Membro tiver estabelecido, como condição da execução de um mandado de detenção europeu para efeitos de procedimento penal no Estado de emissão, que a pessoa em causa seja devolvida ao Estado de execução para nele cumprir a pena proferida no Estado de emissão.

50

No que se refere a esta última hipótese, prevista no artigo 5.o, ponto 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a execução da pena é regulada pela Decisão‑Quadro 2008/909. Com efeito, como o Tribunal de Justiça salientou, quando a execução de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de procedimento penal está sujeita à condição prevista neste artigo 5.o, ponto 3, o Estado de execução, para executar a pena ou a medida de segurança privativas de liberdade proferida no Estado de emissão contra a pessoa em causa, deve respeitar as regras pertinentes da Decisão‑Quadro 2008/909 [v., neste sentido, Acórdão de 11 de março de 2020, SF (Mandado de detenção europeu — Garantia de devolução ao Estado de execução), C‑314/18, EU:C:2020:191, n.o 68].

51

À semelhança da situação prevista no artigo 5.o, ponto 3, da Decisão‑Quadro 2002/584, há que considerar que, quando uma autoridade judiciária de execução pretende recusar, com fundamento no motivo de não execução facultativa previsto no artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro 2002/584, a execução de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de execução de uma pena privativa de liberdade, o reconhecimento da sentença de condenação nessa pena e da assunção da execução da referida pena são regulados pela Decisão‑Quadro 2008/909.

52

Com efeito, a recusa, baseada no artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro 2002/584, de executar um mandado de detenção europeu pressupõe um verdadeiro compromisso do Estado de execução de executar a pena privativa de liberdade proferida contra a pessoa procurada [v., neste sentido, Acórdão de 6 de junho de 2023, O. G. (Mandado de detenção europeu contra um nacional de um Estado terceiro), C‑700/21, EU:C:2023:444, n.o 48 e jurisprudência referida]. Quando essa pessoa tenha sido condenada no Estado de emissão, isso implica necessariamente que as autoridades do Estado de execução reconheçam a sentença de condenação proferida contra a referida pessoa em conformidade com as disposições da Decisão‑Quadro 2008/909.

53

É certo que o Tribunal de Justiça deduziu do artigo 25.o da Decisão‑Quadro 2008/909 que nenhuma das disposições desta decisão‑quadro pode afetar o alcance ou as modalidades de aplicação do motivo de não execução facultativa estabelecido no artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro 2002/584 (Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Sut, C‑514/17, EU:C:2018:1016, n.o 48).

54

Esta constatação não implica, todavia, que as condições de reconhecimento e de execução das sentenças em matéria penal previstas na Decisão‑Quadro 2008/909 não sejam aplicáveis quando um Estado‑Membro se comprometa a executar uma condenação em conformidade com o artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro 2002/584, mesmo que a aplicação da Decisão‑Quadro 2008/909 não conduza a nenhuma incompatibilidade ou incoerência na aplicação conjugada destes dois atos. Como observou o advogado‑geral no n.o 63 das suas Conclusões de 13 de junho de 2024, as condições de reconhecimento e de execução das sentenças em matéria penal previstas na Decisão‑Quadro 2008/909 são aplicáveis quando é invocado o motivo de não execução facultativa previsto no artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro 2002/584, desde que, como prevê expressamente o artigo 25.o da Decisão‑Quadro 2008/909 e como o próprio Tribunal de Justiça salientou no n.o 48 do Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Sut (C‑514/17, EU:C:2018:1016), essas condições sejam compatíveis com as disposições da Decisão‑Quadro 2002/584. Isto permite garantir o bom funcionamento do sistema simplificado e eficaz de entrega das pessoas procuradas estabelecido por esta última decisão‑quadro.

55

A este respeito, importa salientar que, em conformidade com o artigo 26.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2008/909, esta última substituiu, a partir de 5 de dezembro de 2011, as disposições correspondentes da Convenção Europeia relativa à Transferência de Pessoas Condenadas e do respetivo Protocolo Adicional de 18 de dezembro de 1997.

56

Como salientou, nomeadamente, o Governo Francês na audiência de alegações de 14 de outubro de 2024, o artigo 3.o, n.o 1, alínea f), desta convenção previa que o Estado de condenação e o Estado de execução tinham de estar de acordo sobre a transferência de uma pessoa condenada.

57

Este artigo 3.o, n.o 1, alínea f), foi substituído, na sequência da adoção da Decisão‑Quadro 2008/909, pela exigência do consentimento do Estado de emissão quanto à assunção da execução da pena proferida neste Estado. Esse consentimento traduz‑se na transmissão, segundo as modalidades estabelecidas no artigo 4.o desta decisão‑quadro, ao Estado de execução, da sentença de condenação proferida por um tribunal do Estado de emissão, acompanhada da certidão cujo formulário figura no anexo I da referida decisão‑quadro.

58

Com efeito, resulta expressamente da rubrica f) do formulário de certidão que figura no anexo I da Decisão‑Quadro 2008/909 que, precisamente no âmbito da invocação do motivo de não execução facultativa previsto no artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro 2002/584, as disposições da Decisão‑Quadro 2008/909 são suscetíveis de se aplicar, devendo essa certidão fazer referência a esse motivo quando o mesmo é invocado.

59

A necessidade de obter o consentimento do Estado de emissão quanto à assunção da execução da condenação proferida decorre igualmente do artigo 13.o da Decisão‑Quadro 2008/909. Com efeito, resulta deste artigo que, enquanto a execução da condenação não tiver sido iniciada no Estado de execução, o Estado de emissão pode retirar a certidão correspondente junto do Estado de execução e que, uma vez retirada a certidão, o Estado de execução deixa de poder executar a condenação.

60

Ora, a aplicação, no âmbito da invocação do motivo de não execução facultativa previsto no artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro 2002/584, das condições previstas na Decisão‑Quadro 2008/909 no que respeita ao reconhecimento, no Estado de execução, da condenação que justificou a emissão do mandado de detenção europeu e a assunção, pelo mesmo Estado, da execução da pena infligida, particularmente a exigência de consentimento do Estado de emissão para essa assunção, é compatível com o objetivo de aumentar, no termo dessa pena, a possibilidade de reinserção social da pessoa procurada, prosseguido por esta disposição.

61

Com efeito, por um lado, decorre das disposições conjugadas do artigo 4.o, n.o 1, alínea c), da Decisão‑Quadro 2008/909, e do n.o 2 deste artigo, lidos à luz do considerando 8 desta decisão‑quadro, que só quando a autoridade competente do Estado de emissão tiver adquirido a certeza de que a execução da condenação pelo Estado de execução contribuirá para o objetivo de facilitar a reinserção social da pessoa condenada é que pode transmitir à autoridade competente deste último Estado a sentença de condenação e a certidão que a deve acompanhar, cujo formulário‑tipo figura no anexo I da referida decisão‑quadro.

62

Por outro lado, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o objetivo de aumentar a possibilidade de reinserção social da pessoa procurada após o cumprimento da pena a que foi condenada, por mais importante que seja, não reveste caráter absoluto, devendo esse objetivo ser conciliado, em especial, com a regra essencial enunciada no artigo 1.o, n.o 2, da Decisão‑Quadro 2002/584, segundo a qual, em princípio, os Estados‑Membros executam todo e qualquer mandado de detenção europeu (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de outubro de 2009, Wolzenburg, C‑123/08, EU:C:2009:616, n.o 62, e de 13 de dezembro de 2018, Sut, C‑514/17, EU:C:2018:1016, n.o 46).

63

Assim, como salientou o advogado‑geral no n.o 68 das suas Conclusões de 13 de junho de 2024, tendo em conta as diferentes funções da pena na sociedade, o Estado‑Membro no qual uma pessoa foi condenada pode legitimamente invocar considerações de política penal que lhe são próprias para justificar que a pena proferida seja executada no seu território, recusando, por conseguinte, a transmissão da sentença de condenação e da certidão que a deve acompanhar ao abrigo da Decisão‑Quadro 2008/909, mesmo quando considerações relacionadas com a reinserção social da pessoa procurada possam militar a favor da execução dessa pena no território de outro Estado‑Membro.

64

A margem de apreciação do Estado de emissão relativamente ao consentimento previsto no artigo 4.o, n.o 1, alínea c), e n.o 2, da Decisão‑Quadro 2008/909, conforme explicitada nos n.os 61 a 63 do presente acórdão, é ainda confirmada pelo n.o 5 deste mesmo artigo, que prevê que, quando o Estado de execução, por sua própria iniciativa, solicitar a esse primeiro Estado o envio da sentença acompanhada da sua certidão, tal pedido não cria a obrigação de o Estado de emissão lhe dar um seguimento favorável.

65

Além disso, nenhuma disposição desta decisão‑quadro nem da Decisão‑Quadro 2002/584 permite considerar que o facto de a autoridade judiciária de execução invocar o motivo de não execução facultativa previsto no artigo 4.o, n.o 6, desta última decisão‑quadro teria como consequência pôr em causa a referida margem de apreciação do Estado de emissão.

66

A este respeito, a emissão, por um Estado‑Membro, de um mandado de detenção europeu para efeitos de execução de uma pena privativa de liberdade testemunha precisamente o facto de esse Estado privilegiar, em princípio, a execução da pena no seu território em vez da aplicação do mecanismo de reconhecimento e de execução das sentenças em matéria penal previsto na Decisão‑Quadro 2008/909, com vista a essa execução noutro Estado‑Membro. Neste contexto, a eficácia do sistema de entrega entre os Estados‑Membros instituído pela Decisão‑Quadro 2002/584 ficaria comprometida se, nesse caso, o Estado de execução pudesse derrogar unilateralmente o princípio da execução do mandado de detenção europeu, ao abrigo da invocação desse motivo de não execução facultativa, sem que estivessem preenchidas as condições de reconhecimento e de execução de uma sentença de condenação previstas na Decisão‑Quadro 2008/909.

67

Daqui resulta que, no âmbito da invocação do motivo de não execução facultativa previsto no artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro 2002/584, a assunção, pelo Estado de execução, da execução da pena aplicada pela sentença de condenação proferida no Estado de emissão e que justificou a emissão do mandado de detenção europeu está sujeita ao consentimento desse Estado de emissão, em conformidade com as regras previstas na Decisão‑Quadro 2008/909.

68

Não obstante, embora a transmissão pelo Estado de emissão da sentença de condenação e da certidão que a deve acompanhar seja concebida como uma simples possibilidade, incluindo na hipótese de o Estado de execução pretender assumir a execução da pena invocando esse motivo de não execução, importa recordar que, para, nomeadamente, assegurar que o funcionamento do mandado de detenção europeu não seja paralisado, o dever de cooperação leal, consagrado no artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, TUE, implica um diálogo entre as autoridades judiciárias de execução e as autoridades judiciárias de emissão. Decorre, nomeadamente, deste princípio que os Estados‑Membros se respeitam e se assistem mutuamente no cumprimento das missões decorrentes dos Tratados [v., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão), C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU, EU:C:2022:100, n.o 48 e jurisprudência referida].

69

Por conseguinte, as autoridades judiciárias de emissão e de execução devem, para assegurar uma cooperação eficaz em matéria penal, fazer pleno uso dos instrumentos previstos nas Decisões‑Quadro 2002/584 e 2008/909, como as consultas que precedem a transmissão da sentença de condenação proferida por um tribunal do Estado de emissão, bem como da certidão cujo formulário figura no anexo I da Decisão‑Quadro 2008/909, a fim de favorecer a confiança mútua em que assenta essa cooperação [v., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2022, Openbaar Ministerie (Tribunal estabelecido por lei no Estado‑Membro de emissão), C‑562/21 PPU e C‑563/21 PPU, EU:C:2022:100, n.o 49 e jurisprudência referida]. A este respeito, recorde‑se que, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 3, desta última decisão‑quadro, tal consulta é obrigatória quando, como no caso em apreço, a execução da condenação está prevista num Estado‑Membro diferente do da nacionalidade da pessoa em causa, a saber, na hipótese prevista no artigo 4.o, n.o 1, alínea c), da referida última decisão‑quadro.

70

Se não for possível uma assunção real da execução da pena pelo Estado de execução, por qualquer razão, incluindo por não respeito das condições e do procedimento previstos na Decisão‑Quadro 2008/909, decorre do princípio do reconhecimento mútuo que, para evitar a impunidade da pessoa procurada, deve ser executado um mandado de detenção europeu. Com efeito, como salientado no n.o 41 do presente acórdão, a execução do mandado de detenção europeu constitui o princípio, sendo a recusa de execução uma exceção, a qual deve, portanto, ser objeto de interpretação estrita.

71

No que respeita às obrigações do Estado de emissão, importa sublinhar que cabe a este Estado assegurar que a prerrogativa que lhe é concedida pela Decisão‑Quadro 2008/909 de não transmitir ao Estado de execução a sentença de condenação proferida por um dos seus tribunais, bem como a certidão cujo formulário figura no anexo I desta decisão‑quadro, seja exercida de modo que permita uma cooperação eficaz entre as autoridades competentes dos Estados‑Membros em matéria penal e que assegure que o funcionamento do mandado de detenção europeu e o reconhecimento mútuo das sentenças em matéria penal para que os efeitos da sua execução noutro Estado‑Membro não sejam paralisados.

72

Por conseguinte, quando uma autoridade judiciária de execução pretende recusar, com fundamento no motivo de não execução facultativa previsto no artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro 2002/584, a execução de um mandado de detenção europeu, a autoridade competente do Estado de emissão pode recusar essa transmissão se considerar, com fundamento em circunstâncias objetivas, que a pena não será efetivamente executada no Estado de execução ou que a execução dessa pena nesse Estado não contribuirá para o objetivo de reinserção social da pessoa procurada, no termo da pena privativa de liberdade a que foi condenada. A autoridade judiciária de emissão pode ainda recusar essa transmissão com fundamento em considerações relacionadas com a política penal própria do Estado de emissão.

Quanto ao direito de o Estado de emissão executar uma pena privativa de liberdade quando a autoridade judiciária de execução recusou executar um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de execução dessa pena, com fundamento no artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro 2002/584, sem respeitar as condições e o procedimento previstos na Decisão‑Quadro 2008/909, relativos ao reconhecimento da sentença de condenação na referida pena e à assunção da sua execução

73

Importa examinar se, em circunstâncias em que, sem respeitar as condições e o procedimento previstos na Decisão‑Quadro 2008/909, a autoridade judiciária de execução recusou, com fundamento no motivo de não execução facultativa previsto no artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro 2002/584, executar um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de execução de uma pena privativa de liberdade, o Estado de emissão conserva o direito de executar essa pena.

74

No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que, chamado a pronunciar‑se sobre o mandado de detenção europeu emitido para efeitos de execução de uma pena privativa de liberdade contra C.J., a autoridade judiciária de execução considerou que, para aumentar a possibilidade de reinserção social dessa pessoa, essa pena devia ser executada em Itália. Assim, esta autoridade, por meio da decisão de reconhecimento e de execução, recusou a entrega da referida pessoa, reconheceu a sentença de condenação e ordenou a execução da referida pena em Itália. Esta decisão foi tomada apesar de o órgão jurisdicional de reenvio ter comunicado essa sentença à autoridade judiciária de execução, mas não a certidão cujo formulário figura no anexo I da Decisão‑Quadro 2008/909, e de esse órgão jurisdicional ter manifestado o seu desacordo quanto ao reconhecimento da referida sentença e à assunção da execução em Itália da pena de prisão aplicada a C.J.

75

A este respeito, como resulta dos n.os 54 a 67 do presente acórdão, no âmbito da invocação do motivo de não execução facultativa previsto no artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro 2002/584, o reconhecimento da sentença de condenação a uma pena de prisão proferida por um tribunal do Estado de emissão e a assunção da execução dessa pena pelo Estado de execução devem ser efetuados no respeito das condições e do procedimento previstos na Decisão‑Quadro 2008/909, o que implica, nomeadamente, que o Estado de emissão deve consentir essa assunção.

76

Há que constatar que, quando, como no caso em apreço, a execução de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de execução de uma pena privativa de liberdade foi recusada pela autoridade judiciária de execução em violação das condições e do procedimento previstos na Decisão‑Quadro 2008/909, esse mandado de detenção pode ser mantido pela autoridade judiciária de emissão. Do mesmo modo, o Estado de emissão conserva o direito de executar essa pena.

77

Com efeito, o Tribunal de Justiça já teve ocasião de declarar que a manutenção, pela autoridade judiciária de emissão, de um mandado de detenção europeu se pode revelar necessária, nomeadamente quando a decisão de recusa não era conforme com o direito da União, para concluir o processo de entrega de uma pessoa procurada e, assim, favorecer a realização do objetivo de luta contra a impunidade prosseguido por esta decisão‑quadro. Assim, o simples facto de a autoridade judiciária de execução ter recusado executar um mandado de detenção europeu não pode impedir, enquanto tal, que a autoridade judiciária de emissão mantenha esse mandado de detenção (v., neste sentido, Acórdão de 29 de julho de 2024, Breian, C‑318/24 PPU, EU:C:2024:658, n.os 51 e 53).

78

Estas considerações são válidas, mutatis mutandis, no que respeita ao direito de o Estado de emissão executar a pena de prisão aplicada à pessoa que é objeto do mandado de detenção europeu em circunstâncias como as referidas no n.o 76 do presente acórdão e não podem ser postas em causa à luz do artigo 22.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2008/909, que prevê que o Estado de emissão não pode prosseguir a execução da condenação proferida se esta já tiver sido iniciada no Estado de execução.

79

Com efeito, importa sublinhar que esta disposição não é aplicável quando, como no caso em apreço, a recusa da entrega com fundamento no artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro 2002/584, pelo Estado de execução, não foi efetuada em conformidade com as regras enunciadas pela Decisão‑Quadro 2008/909. Por um lado, como indicou o advogado‑geral no n.o 81 das suas Conclusões de 12 de dezembro de 2024, admitir que, em tal situação, o início da execução da pena no Estado‑Membro de execução possa retirar ao Estado‑Membro de emissão a sua competência para executar essa pena permitiria contornar as regras fixadas pela Decisão‑Quadro 2008/909.

80

Por outro lado, o facto de, nessa situação, o Estado de emissão perder a sua competência para executar a referida pena teria como consequência não só violar as regras de reconhecimento e de execução da sentença do Estado de emissão previstas na Decisão‑Quadro 2008/909 mas também prejudicar o funcionamento do sistema simplificado e eficaz de entrega das pessoas procuradas estabelecido pela Decisão‑Quadro 2002/584, ao permitir, em especial, pôr em causa o objetivo de luta contra a impunidade prosseguido por esta [v., neste sentido, Acórdãos de 6 de julho de 2023, Minister for Justice and Equality (Pedido de consentimento – Efeitos do mandado de detenção europeu inicial), C‑142/22, EU:C:2023:544, n.o 51, e de 29 de julho de 2024, Breian, C‑318/24 PPU, EU:C:2024:658, n.o 51 e jurisprudência referida].

81

É certo que resulta da jurisprudência que a articulação prevista pelo legislador da União entre a Decisão‑Quadro 2002/584 e a Decisão‑Quadro 2008/909 deve contribuir para alcançar o objetivo, referido no n.o 46 do presente acórdão, de facilitar a reinserção social da pessoa em causa [Acórdão de 11 de março de 2020, SF (Mandado de detenção europeu – Garantia de devolução ao Estado de execução), C‑314/18, EU:C:2020:191, n.o 51 e jurisprudência referida].

82

Todavia, se o Estado de execução pudesse, baseando‑se nesse objetivo, recusar a execução de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de execução de uma pena privativa de liberdade, sem o consentimento do Estado de emissão quanto à assunção dessa execução pelo primeiro Estado, poderia criar um risco elevado de impunidade de pessoas que tentam escapar à justiça depois de terem sido objeto de uma condenação num Estado‑Membro e, em última análise, poria em perigo o funcionamento eficaz do sistema simplificado de entrega entre os Estados‑Membros estabelecido pela Decisão‑Quadro 2002/584.

83

Importa acrescentar que a interpretação do artigo 22.o da Decisão‑Quadro 2008/909 enunciada no n.o 79 do presente acórdão, que consiste em sujeitar a possibilidade de aplicar o motivo de não execução facultativa previsto no artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro 2002/584 ao consentimento do Estado de emissão para que a pena seja executada no Estado de execução, é corroborada pelo facto de, como indicado no n.o 57 deste acórdão, esse consentimento se materializar na transmissão da sentença de condenação e da certidão cujo formulário figura no anexo I da Decisão‑Quadro 2008/909. Com efeito, estes documentos, especialmente esta certidão, contêm indicações essenciais para permitir a execução efetiva da pena proferida. Para o efeito, o artigo 23.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2008/909 prevê, além disso, que a referida certidão deve ser traduzida para a língua ou línguas oficiais do Estado de execução.

84

Daqui decorre que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, as Decisões‑Quadro 2002/584 e 2008/909 não se opõem a que o mandado de detenção europeu emitido contra C.J. seja mantido e que a pena que lhe foi aplicada seja executada no Estado de emissão, a saber, a Roménia.

85

Todavia, dado que essa manutenção é suscetível de comprometer a liberdade individual da pessoa procurada, há ainda que precisar que cabe à autoridade judiciária de emissão examinar se, à luz das especificidades do caso concreto, essa manutenção reveste um caráter proporcionado. No âmbito desse exame, incumbe nomeadamente a essa autoridade ter em conta as consequências para essa pessoa da manutenção do mandado de detenção europeu emitido contra ela, bem como as perspetivas de execução desse mandado de detenção (v., neste sentido, Acórdão de 29 de julho de 2024, Breian, C‑318/24 PPU, EU:C:2024:658, n.o 54 e jurisprudência referida).

86

Na hipótese de o Estado de emissão decidir, no termo desse exame, manter o mandado de detenção europeu, incumbe‑lhe, se for caso disso, quando a pessoa procurada é entregue a esse Estado ou quando regressa voluntariamente ao seu território, ter em conta o artigo 26.o, n.o 1, da Decisão‑Quadro 2002/584. Esta disposição, uma vez que impõe a tomada em consideração de todo o período durante o qual a pessoa condenada esteve detida no Estado de execução, garante que essa pessoa não tenha de cumprir, em última instância, uma detenção cuja duração total, tanto no Estado de execução como no Estado de emissão, excederia a duração da pena privativa de liberdade a que foi condenada no Estado de emissão (v., neste sentido, Acórdão de 28 de julho de 2016, JZ, C‑294/16 PPU, EU:C:2016:610, n.o 43).

87

Tendo em conta os fundamentos precedentes, importa responder às três primeiras questões que o artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro 2002/584 e os artigos 4.o, 22.o e 25.o da Decisão‑Quadro 2008/909 devem ser interpretados no sentido de que:

por um lado, a recusa de a autoridade judiciária de execução, baseada no motivo de não execução facultativa previsto no artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro 2002/584, entregar uma pessoa que é objeto de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de execução de uma pena privativa de liberdade pressupõe que essa autoridade judiciária respeite as condições e o procedimento previstos na Decisão‑Quadro 2008/909 no que se refere ao reconhecimento da sentença de condenação nessa pena e à assunção da execução da referida pena e,

por outro lado, o Estado de emissão conserva o direito de executar a mesma pena e, por conseguinte, de manter o mandado de detenção europeu em circunstâncias em que, sem ter respeitado as condições e o procedimento previstos na Decisão‑Quadro 2008/909 quanto ao reconhecimento dessa sentença e à assunção dessa execução, a autoridade judiciária de execução recusou, com fundamento nesse motivo, a execução desse mandado de detenção europeu.

Quanto à quarta questão

88

Importa recordar que, segundo jurisprudência constante, no âmbito do procedimento de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao órgão jurisdicional nacional uma resposta útil que lhe permita decidir do litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas (Acórdão de 25 de fevereiro de 2025, Alphabet e o., C‑233/23, EU:C:2025:110, n.o 33 e jurisprudência referida).

89

Em conformidade com o artigo 4.o, ponto 5, da Decisão‑Quadro 2002/584, referido na quarta questão, a autoridade judiciária de execução pode recusar a execução do mandado de detenção europeu se resultar das informações de que dispõe que a pessoa procurada foi definitivamente julgada pelos mesmos factos por um país terceiro, na condição de que, em caso de condenação, a pena tenha sido cumprida ou esteja atualmente em cumprimento ou não possa já ser cumprida segundo as leis do país de condenação. Ora, no caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que a decisão de reconhecimento e de execução foi adotada por um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro da União, a saber, a República Italiana.

90

Nestas condições, só é pertinente o motivo de não execução obrigatória previsto no artigo 3.o, ponto 2, da Decisão‑Quadro 2002/584, que concretiza o princípio ne bis in idem cujo respeito incumbe aos Estados‑Membros assegurar.

91

Por conseguinte, há que considerar que, com a quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, ponto 2, da Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretado no sentido de que constitui um «[julgamento definitivo] pelos mesmos factos», na aceção desta disposição, uma decisão pela qual a autoridade judiciária de execução recusou, com fundamento no artigo 4.o, n.o 6, desta decisão‑quadro, entregar uma pessoa que é objeto de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de execução de uma pena privativa de liberdade, reconheceu a sentença de condenação nessa pena e ordenou a execução da referida pena no Estado de execução.

92

Em conformidade com o artigo 3.o, ponto 2, da Decisão‑Quadro 2002/584, se das informações de que dispõe a autoridade judiciária de execução resultar que a pessoa procurada foi definitivamente julgada pelos mesmos factos por um Estado‑Membro, esta autoridade deve recusar a execução de um mandado de detenção europeu, na condição de que, em caso de condenação, a pena tenha sido cumprida ou esteja atualmente em cumprimento ou não possa já ser cumprida segundo as leis do Estado‑Membro de condenação.

93

A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que uma pessoa procurada é considerada «definitivamente julgada pelos mesmos factos», na aceção do artigo 3.o, ponto 2, quando, na sequência de um processo penal, a ação pública fica definitivamente extinta ou ainda quando as autoridades judiciárias de um Estado‑Membro proferiram uma decisão que absolve definitivamente o arguido dos factos de que foi acusado (v., neste sentido, Acórdão de 16 de novembro de 2010, Mantello, C‑261/09, EU:C:2010:683, n.o 45 e jurisprudência referida).

94

Além disso, no que respeita mais especificamente a um pedido de entrega, resulta da jurisprudência que uma decisão de uma autoridade judiciária de execução de recusar a execução de um mandado de detenção não pode ser considerada um «[julgamento definitivo] pelos mesmos factos», na aceção do artigo 3.o, ponto 2, da Decisão‑Quadro 2002/584. Com efeito, o exame de tal pedido não implica a instauração de uma ação penal pelo Estado de execução contra a pessoa cuja entrega é pedida e não comporta uma apreciação quanto ao mérito do processo [v., por analogia, Acórdão de 14 de setembro de 2023, Sofiyska gradska prokuratura (Mandados de detenção sucessivos), C‑71/21, EU:C:2023:668, n.os 52 e 54].

95

O mesmo se aplica a uma decisão, como a decisão de reconhecimento e de execução, pela qual é reconhecida uma sentença de condenação proferida noutro Estado‑Membro e pela qual é ordenada a execução da condenação proferida por essa sentença.

96

Com efeito, como resulta da jurisprudência referida no n.o 94 do presente acórdão, o exame efetuado neste âmbito não implica a instauração de uma ação penal contra a pessoa condenada e não comporta uma apreciação quanto ao mérito do processo. Em vez de conduzir à prolação de uma nova condenação sobre os mesmos factos, tal decisão visa permitir que a condenação proferida no Estado de emissão possa ser executada no Estado de execução.

97

Por conseguinte, uma decisão pela qual a autoridade judiciária de execução recusou, com fundamento no artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro 2002/584, a execução de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de execução de uma pena privativa de liberdade, reconheceu a sentença de condenação nessa pena e ordenou a execução da referida pena não pode ser considerada um «[julgamento definitivo] pelos mesmos factos», na aceção do artigo 3.o, ponto 2, desta decisão‑quadro.

98

Tendo em conta todos os fundamentos precedentes, há que responder à quarta questão que o artigo 3.o, ponto 2, da Decisão‑Quadro 2002/584 deve ser interpretado no sentido de que não constitui um «[julgamento definitivo] pelos mesmos factos», na aceção desta disposição, uma decisão pela qual a autoridade judiciária de execução recusou, com fundamento no artigo 4.o, n.o 6, desta decisão‑quadro, entregar uma pessoa que é objeto de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de execução de uma pena privativa de liberdade, reconheceu a sentença de condenação nessa pena e ordenou a execução da referida pena no Estado de execução.

Quanto à quinta questão

99

Tendo em conta a resposta dada à quarta questão, não há que responder à quinta questão prejudicial.

Quanto às despesas

100

Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

 

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

 

1)

O artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados‑Membros, e os artigos 4.o, 22.o e 25.o da Decisão‑Quadro 2008/909/JAI do Conselho, de 27 de novembro de 2008, relativa à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às sentenças em matéria penal que imponham penas ou outras medidas privativas de liberdade para efeitos da execução dessas sentenças na União Europeia,

devem ser interpretados no sentido de que:

por um lado, a recusa de a autoridade judiciária de execução, baseada no motivo de não execução facultativa previsto no artigo 4.o, n.o 6, da Decisão‑Quadro 2002/584, entregar uma pessoa que é objeto de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de execução de uma pena privativa de liberdade pressupõe que essa autoridade judiciária respeite as condições e o procedimento previstos na Decisão‑Quadro 2008/909 no que se refere ao reconhecimento da sentença de condenação nessa pena e à assunção da execução da referida pena e,

por outro lado, o Estado de emissão conserva o direito de executar a mesma pena e, por conseguinte, de manter o mandado de detenção europeu em circunstâncias em que, sem ter respeitado as condições e o procedimento previstos na Decisão‑Quadro 2008/909 quanto ao reconhecimento dessa sentença e à assunção dessa execução, a autoridade judiciária de execução recusou, com fundamento nesse motivo, a execução desse mandado de detenção europeu.

 

2)

O artigo 3.o, ponto 2, da Decisão‑Quadro 2002/584

deve ser interpretado no sentido de que:

não constitui um «[julgamento definitivo] pelos mesmos factos», na aceção desta disposição, uma decisão pela qual a autoridade judiciária de execução recusou, com fundamento no artigo 4.o, n.o 6, desta decisão‑quadro, entregar uma pessoa que é objeto de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos de execução de uma pena privativa de liberdade, reconheceu a sentença de condenação nessa pena e ordenou a execução da referida pena no Estado de execução.

 

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: romeno.

( i ) Os indicadores, os títulos e os n.os 25, 38, 43‑45, 47, 49, 51‑54, 57, 58, 60, 65, 67‑69, 71‑73, 75, 79, 83, 87, 91, 97, 98 e os n.os 1 e 2 do dispositivo do presente texto foram objeto de uma alteração de ordem linguística, posteriormente à sua disponibilização em linha.

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