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Documento 62023CJ0156
Judgment of the Court (Third Chamber) of 17 October 2024.#K and Others v Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid.#Request for a preliminary ruling from the Rechtbank Den Haag, zittingsplaats Roermond.#Reference for a preliminary ruling – Area of freedom, security and justice – Immigration policy – Return of third-country nationals staying illegally in a Member State – Directive 2008/115/EC – Article 5 – Principle of non-refoulement – Enforcement of a return decision adopted in the context of a procedure for international protection, as a result of the illegal stay of the third-country national concerned arising from the rejection of an application for a residence permit provided for by national law – Obligation for the administrative authority to assess whether the enforcement of such a decision complies with the principle of non-refoulement – Article 13 – Remedies against decisions related to return – Obligation, for the national court, to raise of its own motion infringement of the principle of non-refoulement when enforcing a return decision – Scope – Article 4, Article 19(2) and Article 47 of the Charter of Fundamental Rights of the European Union.#Case C-156/23.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 17 de outubro de 2024.
K e o. contra Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo rechtbank Den Haag, zittingsplaats Roermond.
Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Política de imigração — Regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular num Estado‑Membro — Diretiva 2008/115/CE — Artigo 5.o — Princípio da não repulsão — Execução de uma decisão de regresso adotada no âmbito de um procedimento de proteção internacional, em consequência da situação irregular do nacional de país terceiro em causa que decorre do indeferimento de um pedido de autorização de residência prevista pelo direito nacional — Obrigação de a autoridade administrativa apreciar a conformidade da execução de tal decisão com o princípio da não repulsão — Artigo 13.o — Vias de recurso contra decisões relacionadas com o regresso — Obrigação de o juiz nacional declarar oficiosamente a violação do princípio da não repulsão na execução de uma decisão de regresso — Alcance — Artigo 4.o, artigo 19.o, n.o 2, e artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Processo C-156/23.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 17 de outubro de 2024.
K e o. contra Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid.
Pedido de decisão prejudicial apresentado pelo rechtbank Den Haag, zittingsplaats Roermond.
Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Política de imigração — Regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular num Estado‑Membro — Diretiva 2008/115/CE — Artigo 5.o — Princípio da não repulsão — Execução de uma decisão de regresso adotada no âmbito de um procedimento de proteção internacional, em consequência da situação irregular do nacional de país terceiro em causa que decorre do indeferimento de um pedido de autorização de residência prevista pelo direito nacional — Obrigação de a autoridade administrativa apreciar a conformidade da execução de tal decisão com o princípio da não repulsão — Artigo 13.o — Vias de recurso contra decisões relacionadas com o regresso — Obrigação de o juiz nacional declarar oficiosamente a violação do princípio da não repulsão na execução de uma decisão de regresso — Alcance — Artigo 4.o, artigo 19.o, n.o 2, e artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Processo C-156/23.
Identificador Europeu da Jurisprudência (ECLI): ECLI:EU:C:2024:892
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)
17 de outubro de 2024 ( *1 )
«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Política de imigração — Regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular num Estado‑Membro — Diretiva 2008/115/CE — Artigo 5.o — Princípio da não repulsão — Execução de uma decisão de regresso adotada no âmbito de um procedimento de proteção internacional, em consequência da situação irregular do nacional de país terceiro em causa que decorre do indeferimento de um pedido de autorização de residência prevista pelo direito nacional — Obrigação de a autoridade administrativa apreciar a conformidade da execução de tal decisão com o princípio da não repulsão — Artigo 13.o — Vias de recurso contra decisões relacionadas com o regresso — Obrigação de o juiz nacional declarar oficiosamente a violação do princípio da não repulsão na execução de uma decisão de regresso — Alcance — Artigo 4.o, artigo 19.o, n.o 2, e artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia»
No processo C‑156/23 [Ararat] ( i ),
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Rechtbank Den Haag, zittingsplaats Roermond (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em Roermond, Países Baixos), por Decisão de 13 de março de 2023, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 14 de março de 2023, no processo
K,
L,
M,
N
contra
Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),
composto por: K. Jürimäe, presidente da Segunda Secção, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, K. Lenaerts, presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Terceira Secção, N. Jääskinen, M. Gavalec e N. Piçarra (relator), juízes,
advogado‑geral: J. Richard de la Tour,
secretário: L. Carrasco Marco, administradora,
vistos os autos e após a audiência de 21 de março de 2024,
vistas as observações apresentadas:
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em representação de K, L, M e N, por C. M. G. M. Raafs, advocaat, |
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– |
em representação do Governo Neerlandês, por M. K. Bulterman e A. Hanje, na qualidade de agentes, |
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– |
em representação do Governo Dinamarquês, por D. Elkan, na qualidade de agente, |
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– |
em representação do Governo Alemão, por J. Möller e A. Hoesch, na qualidade de agentes, |
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– |
em representação do Governo Suíço, por V. Michel, ministro, e L. Lanzrein, na qualidade de agente, |
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em representação da Comissão Europeia, por A. Katsimerou, S. Noë e F. Wilman, na qualidade de agentes, |
ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 16 de maio de 2024,
profere o presente
Acórdão
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1 |
O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o, do artigo 19.o, n.o 2, e do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), bem como do artigo 5.o da Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular (JO 2008, L 348, p. 98). |
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2 |
Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe K, L, M e N, nacionais de um país terceiro, ao Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Secretário de Estado da Justiça e da Segurança, Países Baixos), a respeito da legalidade de uma decisão que indeferiu o seu pedido de autorização de residência prevista pelo direito neerlandês e declara a irregularidade da sua permanência no território do Reino dos Países Baixos, bem como da execução, como consequência, de uma decisão de regresso anteriormente adotada no âmbito de um procedimento de proteção internacional. |
Quadro jurídico
Direito da União
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3 |
Os considerandos 6, 8, 15 e 23 da Diretiva 2008/115 enunciam:
[…]
[…]
[…]
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4 |
Nos termos do artigo 1.o desta diretiva: «A presente diretiva estabelece normas e procedimentos comuns a aplicar nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular, no respeito dos direitos fundamentais enquanto princípios gerais do direito comunitário e do direito internacional, nomeadamente os deveres em matéria de proteção dos refugiados e de direitos do Homem.» |
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5 |
O artigo 2.o, n.o 1, desta diretiva prevê que esta última é aplicável aos nacionais de países terceiros em situação irregular no território de um Estado‑Membro. |
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6 |
O artigo 3.o da mesma diretiva dispõe: «Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por: […]
[…]» |
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7 |
O artigo 5.o da Diretiva 2008/115, com a epígrafe «Não‑repulsão, interesse superior da criança, vida familiar e estado de saúde», prevê: «Na aplicação da presente diretiva, os Estados‑Membros devem ter em devida conta o seguinte:
e respeitar o princípio da não‑repulsão.» |
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8 |
O artigo 6.o desta diretiva, sob a epígrafe «Decisão de regresso», dispõe, nos seus n.os 1, 4 e 6: «1. Sem prejuízo das exceções previstas nos n.os 2 a 5, os Estados‑Membros devem emitir uma decisão de regresso relativamente a qualquer nacional de país terceiro que se encontre em situação irregular no seu território. […] 4. Os Estados‑Membros podem, a qualquer momento, conceder autorizações de residência autónomas ou de outro tipo que, por razões compassivas, humanitárias ou outras, confiram o direito de permanência a nacionais de países terceiros em situação irregular no seu território. Neste caso, não pode ser emitida qualquer decisão de regresso. Nos casos em que já tiver sido emitida decisão de regresso, esta deve ser revogada ou suspensa pelo prazo de vigência da autorização de residência ou outra que confira direito de permanência. […] 6. A presente diretiva não obsta a que os Estados‑Membros tomem decisões de cessação da permanência regular a par de decisões de regresso, ordens de afastamento, e/ou proibições de entrada, por decisão ou Ato administrativo ou judicial previsto no respetivo direito interno, sem prejuízo das garantias processuais disponíveis ao abrigo do [c]apítulo III e de outras disposições aplicáveis do direito comunitário e do direito nacional.» |
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9 |
O artigo 9.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Adiamento do afastamento», prevê, no seu n.o 1: «Os Estados‑Membros adiam o afastamento nos seguintes casos:
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10 |
Nos termos do artigo 12.o, n.o 1, primeiro parágrafo da mesma diretiva, «[a]s decisões de regresso e, se tiverem sido emitidas, as decisões de proibição de entrada e as decisões de afastamento são emitidas por escrito e contêm as razões de facto e de direito que as fundamentam, bem como informações acerca das vias jurídicas de recurso disponíveis». |
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11 |
O artigo 13.o da Diretiva 2008/115, sob a epígrafe «Vias de recurso», dispõe, nos seus n.os 1 e 2: «1. O nacional de país terceiro em causa deve dispor de vias de recurso efetivo contra as decisões relacionadas com o regresso a que se refere o n.o 1 do artigo 12.o, ou da possibilidade de requerer a sua reapreciação, perante uma autoridade judicial ou administrativa competente ou um órgão competente composto por membros imparciais que ofereçam garantias de independência. 2. A autoridade ou o órgão acima mencionados são competentes para reapreciar as decisões relacionadas com o regresso a que se refere o n.o 1 do artigo 12.o, incluindo a possibilidade de suspender temporariamente a sua execução, a menos que a suspensão temporária já seja aplicável ao abrigo da legislação nacional.» |
Direito neerlandês
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12 |
O artigo 8:69 do Algemene wet bestuursrecht (Código Administrativo), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Código Administrativo»), dispõe: «1. O órgão jurisdicional decide com base no recurso, na documentação apresentada, na instrução prévia e no exame do processo na audiência. 2. O órgão jurisdicional completa oficiosamente os fundamentos de direito. 3. O órgão jurisdicional pode completar oficiosamente os factos.» |
Litígio no processo principal e questões prejudiciais
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13 |
Em 16 de março de 2011, K e L, duas irmãs, e os seus pais, M e N, todos nacionais de um país terceiro, apresentaram um pedido de proteção internacional. Em 9 de agosto de 2012, este pedido foi objeto de uma decisão de indeferimento que se tornou definitiva, acompanhada de uma decisão de regresso (a seguir «Decisão de 9 de agosto de 2012»). Esta última decisão foi adotada, após uma apreciação, pela autoridade administrativa competente, em aplicação do princípio da não repulsão, do eventual risco de tortura ou de penas ou de tratos desumanos e degradantes a que os recorrentes no processo principal seriam expostos em caso de execução da referida decisão e de afastamento para esse país terceiro. |
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14 |
Em 10 de maio de 2016, os recorrentes no processo principal apresentaram um pedido de autorização de residência previsto num regime nacional aplicável a crianças residentes de longa duração. Este pedido foi indeferido por decisão proferida em 16 de junho de 2016, que se tornou definitiva na sequência do não provimento dos seus recursos dessa decisão, em 17 de janeiro de 2017. |
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15 |
Em 18 de fevereiro de 2019, apresentaram um novo pedido de autorização de residência ao abrigo de outro regime nacional aplicável a crianças residentes de longa duração. Por Despacho de 8 de outubro de 2019, o Secretário de Estado da Justiça e da Segurança indeferiu esse pedido. Consequentemente, declarou, por um lado, que a permanência dos recorrentes no processo principal no território do Reino dos Países Baixos era irregular e, por outro, que a Decisão de regresso adotada a seu respeito de 9 de agosto de 2012 tinha de ser executada. |
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16 |
Os recorrentes no processo principal apresentaram uma reclamação contra a Decisão de 8 de outubro de 2019, que foi indeferida por Decisão de 12 de novembro de 2020 (a seguir «Decisão de 12 de novembro de 2020»), e interpuseram recurso dessa decisão de indeferimento no Rechtbank Den Haag zittingsplaats Roermond (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em Roermond, Países Baixos), que é o órgão jurisdicional de reenvio. Este último deferiu o seu pedido de medidas provisórias destinado a autorizá‑los a aguardar o desfecho desse recurso no território nacional e suspendeu a execução da Decisão de 9 de agosto de 2012. |
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17 |
O órgão jurisdicional de reenvio especifica que a autoridade administrativa que adotou a Decisão de 12 de novembro de 2020, em causa no processo principal, não apreciou se a execução da Decisão de 9 de agosto de 2012, adotada em relação aos recorrentes no processo principal respeitava o princípio da não repulsão. |
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18 |
Além disso, este órgão jurisdicional salienta, por um lado, que, com o seu pedido de autorização de residência, de 18 de fevereiro de 2019, prevista no direito nacional, os recorrentes no processo principal visavam obter a autorização para prosseguir a sua vida privada nos Países Baixos. Observa, por outro lado, que um dos argumentos em apoio desse pedido é o facto de K e L se terem «ocidentalizado», uma vez que cresceram no território do Reino dos Países Baixos e adotaram as normas e os valores que vigoram nesse Estado‑Membro, pelo que receiam, na hipótese de terem de regressar ao seu país de origem, vir a estar numa situação proibida pelo princípio da não repulsão, enunciado no artigo 5.o da Diretiva 2008/115. |
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19 |
O órgão jurisdicional de reenvio observa que tal argumento não tinha sido invocado em apoio do pedido de proteção internacional apresentado em 16 de março de 2011, mas que é suscetível de ser examinado à luz das regras em matéria de proteção internacional e, por conseguinte, de conduzir a autoridade competente para proceder a esse exame, a reconhecer a K e a L, se for caso disso, o estatuto de refugiado, na aceção da Convenção de Genebra. A este respeito, este órgão jurisdicional remete para o processo que deu origem ao Acórdão de 11 de junho de 2024, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Mulheres que se identificam com o valor da igualdade entre os sexos) (C‑646/21, EU:C:2024:487), que estava pendente no Tribunal de Justiça à data da apresentação do pedido de decisão prejudicial no presente processo. |
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20 |
O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que K e L decidiram não apresentar um novo pedido de proteção internacional destinado a submeter à autoridade competente o argumento relativo à sua pretensa «ocidentalização» e, por conseguinte, ao seu receio de serem perseguidas por esse facto, ainda que essa possibilidade lhes fosse oferecida, enquanto o recurso relativo ao seu pedido de residência prevista pelo direito nacional estivesse pendente. O órgão jurisdicional de reenvio salienta ainda que o direito nacional não exclui que um tal argumento poderia ter sido invocado por K e L em apoio do seu pedido de autorização de residência prevista no direito nacional e que a autoridade que tomou a Decisão de 12 de novembro de 2020 poderia, com esse fundamento, ter‑lhes concedido uma «autorização de residência comum». |
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21 |
Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em primeiro lugar, sobre se o artigo 5.o da Diretiva 2008/115, que, lido em conjugação com o artigo 19.o, n.o 2, da Carta, «contém uma obrigação claramente enunciada, sem exceção nem reserva», de os Estados‑Membros respeitarem o princípio da não repulsão quando aplicam esta diretiva, deve ser interpretado no sentido de que, quando a autoridade administrativa competente verifique que um nacional de um país terceiro se encontra em situação irregular e ordene, em relação a este último, a execução de uma decisão de regresso adotada anteriormente no âmbito de um procedimento de proteção internacional, essa autoridade está obrigada a reapreciar essa decisão de regresso à luz do princípio da não repulsão, devendo efetuar uma apreciação atualizada do risco que o destinatário da mesma corre de ser exposto a tortura ou a penas ou tratos desumanos ou degradantes em caso de afastamento para esse país terceiro. |
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22 |
A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio salienta, por um lado, que, na prática jurídica nacional, o afastamento não é ordenado por uma decisão ou por um ato distinto da decisão de regresso. Esta última impõe, portanto, não só um dever de regresso do nacional de país terceiro que é o seu destinatário, mas impõe também, à autoridade administrativa competente, a obrigação de proceder ao transporte físico para fora do Estado‑Membro em caso de recusa de cumprir esse dever de regresso. |
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23 |
Esse órgão jurisdicional sublinha, por outro lado, que, embora, segundo a prática nacional, o risco de violação do princípio da não repulsão seja sistematicamente apreciado no âmbito de um procedimento de proteção internacional, tal não é, todavia, o caso numa situação como a que está em causa no processo principal, caracterizada pelo indeferimento de um pedido de autorização de residência prevista pelo direito nacional. Com efeito, esse indeferimento tem como consequência a irregularidade da situação do nacional de país terceiro em causa e um dever de regresso imposta a este último. |
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24 |
Em segundo lugar, uma vez que a eventual confirmação, pelo órgão jurisdicional de reenvio, da legalidade da Decisão de 12 de novembro de 2020, que indeferiu o pedido de autorização de residência prevista pelo direito nacional, determinará o caráter irregular da permanência dos recorrentes no processo principal no território do Estado‑Membro em causa e, como tal, a execução da Decisão de 9 de agosto de 2012, cuja suspensão termina, esse órgão jurisdicional interroga‑se sobre se o artigo 5.o da Diretiva 2008/115, em conjugação não só com o artigo 19.o, n.o 2, da Carta mas também com o seu artigo 47.o, o obriga a fiscalizar o respeito pelo princípio da não repulsão pela autoridade administrativa que determinou a execução dessa decisão de regresso e, se for caso disso, a examinar oficiosamente o risco de violação deste princípio. |
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25 |
A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio manifesta dúvidas quanto à aplicabilidade do artigo 8:69 da Lei Geral do Direito Administrativo à matéria em causa, que define, em termos gerais, os poderes oficiosos do juiz administrativo. Salienta igualmente que, na prática nacional, os órgãos jurisdicionais não são obrigados a declarar oficiosamente uma violação do princípio da não repulsão garantido pelo artigo 5.o da Diretiva 2008/115. |
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26 |
O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, assim, sobre se os fundamentos que levaram o Tribunal de Justiça a declarar, no seu Acórdão de 8 de novembro de 2022, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Exame oficioso da detenção) (C‑704/20 e C‑39/21, EU:C:2022:858), que a fiscalização, por uma autoridade judicial, do cumprimento dos requisitos de legalidade da detenção de um nacional de um país terceiro que decorrem do direito da União deve conduzir essa autoridade a suscitar oficiosamente, com base nos elementos do processo levados ao seu conhecimento, completados ou clarificados durante o processo contraditório que lhe foi submetido, o eventual incumprimento de um requisito de legalidade que não tenha sido invocado pela pessoa em causa, se aplicam, por analogia, à obrigação de respeitar o princípio da não repulsão na execução de uma decisão de regresso como a que está em causa no processo principal. Além disso, interroga‑se sobre o alcance da obrigação de suscitar oficiosamente a violação do princípio da não repulsão, admitindo que esta está demonstrada, varia consoante seja executada no âmbito de um procedimento de proteção internacional, ou de um procedimento, como o que está em causa no processo principal, que foi iniciado por um pedido de autorização de residência prevista pelo direito nacional. |
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27 |
O órgão jurisdicional de reenvio considera, em todo o caso, que tanto o princípio da não repulsão, que se reveste de caráter absoluto, como o direito fundamental a uma ação perante um tribunal, previsto no artigo 47.o da Carta, só são plenamente garantidos se a autoridade judiciária for obrigada a verificar oficiosamente, aplicando, se for caso disso, o artigo 8:69 do Código Administrativo, se a execução de uma decisão de regresso como a que está em causa no processo principal não poderá expor os nacionais de países terceiros, que são seus destinatários, a um risco de tortura ou de penas ou a tratamentos desumanos ou degradantes nesse país terceiro. Em seu entender, uma prática jurídica nacional na qual a fiscalização jurisdicional se limita à apreciação dos argumentos e dos fundamentos expressamente apresentados pelo nacional do país terceiro em causa não é conciliável com o caráter absoluto do princípio da não repulsão garantido pelo direito da União. |
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28 |
Nestas condições, o Rechtbank Den Haag, zittingsplaats Roermond (Tribunal de Primeira Instância de Haia, lugar da audiência em Roermond) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
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Quanto às questões prejudiciais
Quanto à terceira questão
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29 |
Com a sua terceira questão, que importa examinar em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.o da Diretiva 2008/115, lido em conjugação com o artigo 19.o, n.o 2, da Carta, deve ser interpretado no sentido de que obriga uma autoridade administrativa que indefira um pedido de autorização de residência prevista no direito nacional e, consequentemente, constate que o nacional de país terceiro em causa se encontra em situação irregular no território do Estado‑Membro em causa, a garantir o respeito pelo princípio da não repulsão, reexaminando, à luz deste princípio, a decisão de regresso anteriormente adotada contra esse nacional no âmbito de um procedimento de proteção internacional e cuja suspensão terminou na sequência desse indeferimento. |
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30 |
A título preliminar, importa recordar que o objetivo principal da Diretiva 2008/115 consiste, como resulta dos seus considerandos 2 e 4, na definição de uma política eficaz de afastamento e repatriamento com pleno respeito pelos direitos fundamentais, bem como pela dignidade das pessoas em questão [Acórdãos de 19 de junho de 2018, Gnandi, C‑181/16, EU:C:2018:465, n.o 48, e de 22 de novembro de 2022, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Afastamento — Canábis terapêutica), C‑69/21, EU:C:2022:913, n.o 88]. |
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31 |
Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115 e sem prejuízo das exceções previstas no artigo 2.o, n.o 2, dessa diretiva, esta última é aplicável a todos os nacionais de países terceiros em situação irregular no território de um Estado‑Membro. Além disso, resulta do artigo 3.o, ponto 2, da referida diretiva, em conjugação, nomeadamente, com o seu artigo 1.o, que qualquer nacional de um país terceiro que se encontre no território de um Estado‑Membro sem preencher as condições de entrada, permanência ou residência no mesmo está, por este simples facto, em situação irregular, e está abrangido pelo âmbito de aplicação da referida diretiva [v., neste sentido, Acórdãos de 19 de junho de 2018, Gnandi, C‑181/16, EU:C:2018:465, n.o 39; de 3 de junho de 2021, Westerwaldkreis, C‑546/19, EU:C:2021:432, n.os 43 e 44, e de 9 de novembro de 2023, Odbor azylové a migrační politiky MV (Âmbito de aplicação da Diretiva Regresso), C‑257/22, EU:C:2023:852, n.o 36]. |
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32 |
Daqui resulta que o âmbito de aplicação da Diretiva 2008/115 é definido por referência apenas à situação irregular na qual se encontra um nacional de um país terceiro, independentemente dos motivos que estão na origem dessa situação ou das medidas suscetíveis de serem adotadas em relação a esse nacional (Acórdão de 3 de junho de 2021, Westerwaldkreis, C‑546/19, EU:C:2021:432, n.o 45). |
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33 |
Por outro lado, estando um nacional de um país terceiro, à semelhança dos recorrentes no processo principal, abrangido pelo âmbito de aplicação dessa diretiva, esse nacional de um país terceiro deve, em princípio, estar sujeito às normas e aos procedimentos comuns aí previstos com vista ao seu regresso, enquanto a sua situação não tiver, sendo caso disso, sido regularizada [v., neste sentido, Acórdãos de 24 de fevereiro de 2021, M e o. (Transferência para um Estado‑Membro), C‑673/19, EU:C:2021:127, n.o 31, e de 22 de novembro de 2022, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Afastamento — Canábis terapêutica), C‑69/21, EU:C:2022:913, n.o 52]. |
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34 |
Nesta perspetiva, resulta do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115 que, tendo sido determinado o caráter irregular da permanência, qualquer nacional de um país terceiro deve, sem prejuízo das exceções previstas nos n.os 2 a 5 do referido artigo e no estrito cumprimento dos requisitos fixados no artigo 5.o desta diretiva, ser objeto de uma decisão de regresso, a qual deve identificar, entre os países terceiros referidos no artigo 3.o, n.o 3, da diretiva referida, aquele para o qual deve ser afastado [Acórdãos de 22 de novembro de 2022, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Afastamento — Canábis terapêutica), C‑69/21, EU:C:2022:913, n.o 53, e de 6 de julho de 2023, Bundesamt für Fremdenwesen und Asyl (Refugiado que cometeu um crime grave), C‑663/21, EU:C:2023:540, n.o 46]. |
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O artigo 5.o da Diretiva 2008/115, que constitui uma regra geral que se impõe aos Estados‑Membros desde que estes apliquem esta diretiva, obriga a autoridade nacional competente a respeitar, em todas as fases do procedimento de regresso, o princípio da não repulsão, garantido, enquanto direito fundamental, no artigo 18.o da Carta, lido em conjugação com o artigo 33.o da Convenção de Genebra, bem como no artigo 19.o, n.o 2, da Carta [Acórdãos de 22 de novembro de 2022, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Afastamento — Canábis terapêutica), C‑69/21, EU:C:2022:913, n.o 55, e de 6 de julho de 2023, Bundesamt für Fremdenwesen und Asyl (Refugiado que cometeu um crime grave), C‑663/21, EU:C:2023:540, n.o 49]. Por conseguinte, tendo em conta o objetivo que prossegue, este artigo 5.o não pode ser objeto de interpretação restritiva [v., neste sentido, Acórdão de 11 de março de 2021, État Belge (Regresso do progenitor de um menor), C‑112/20, EU:C:2021:197, n.o 35]. Por último, o referido artigo 5.o tem efeito direto e pode, portanto, ser invocado por um particular e aplicado pelas autoridades administrativas e pelos órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros [Acórdão de 27 de abril de 2023, M.D. (Proibição de entrada na Hungria), C‑528/21, EU:C:2023:341, n.o 97]. |
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36 |
Ora, o artigo 19.o, n.o 2, da Carta, lido em conjugação com o artigo 4.o da mesma, proíbe em termos absolutos, independentemente do comportamento da pessoa em causa, o afastamento, a expulsão ou a extradição para um Estado onde essa pessoa corra um sério risco de ser sujeita a pena de morte, a tortura ou a tratos ou penas desumanos ou degradantes. Por conseguinte, os Estados‑Membros não podem afastar, expulsar ou extraditar um estrangeiro quando existam motivos sérios e fundados para crer que este corre no país de destino um risco sério de ser sujeito a tratos proibidos por estas duas disposições da Carta [v., neste sentido, Acórdãos de 6 de julho de 2023, Bundesamt für Fremdenwesen und Asyl (Refugiado que cometeu um crime grave), C‑663/21, EU:C:2023:540, n.o 36, e de 18 de junho de 2024, Generalstaatsanwaltschaft Hamm (Pedido de extradição de um refugiado para a Turquia), C‑352/22, EU:C:2024:521, n.o 61]. Esta proibição reflete um dos valores fundamentais da União e dos seus Estados‑Membros, conforme consagrados no artigo 2.o TUE, e o seu caráter absoluto está estreitamente relacionado com o respeito da dignidade do ser humano referido neste artigo 2.o e no artigo 1.o da Carta (v., neste sentido, Acórdão de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru, C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.os 85 e 87). |
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37 |
Além disso, os Estados‑Membros são obrigados a permitir que as pessoas em causa invoquem qualquer alteração de circunstâncias ocorrida depois de a decisão de regresso ter sido adotada, que seja suscetível de ter um impacto significativo sobre a apreciação da situação do nacional de país terceiro em causa à luz, nomeadamente, do artigo 5.o da Diretiva 2008/115 (v., neste sentido, Acórdão de 19 de junho de 2018, Gnandi, C‑181/16, EU:C:2018:465, n.o 64). |
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38 |
Resulta do exposto que, numa situação como a que está em causa no processo principal, o artigo 5.o da Diretiva 2008/115, lido à luz do artigo 4.o e do artigo 19.o, n.o 2, da Carta, obriga a autoridade nacional a proceder, antes de executar a decisão de regresso, a uma avaliação atualizada dos riscos em que o nacional de país terceiro incorre de ser exposto a tratos proibidos em termos absolutos por estas duas disposições da Carta. Esta avaliação, que deve ser distinta e autónoma relativamente à realizada no momento da adoção da referida decisão de regresso, deve permitir à autoridade nacional assegurar‑se, tendo em conta qualquer alteração de circunstâncias ocorrida, bem como qualquer novo elemento eventualmente avançado por esse nacional de país terceiro, de que não existem motivos sérios e comprovados para crer que o referido nacional de país terceiro ficará exposto, em caso de regresso a um país terceiro, a um risco real de ser sujeito, neste último, à pena de morte, a tortura ou a tratos desumanos ou degradantes. Com efeito, tal avaliação atualizada é a única que permite a essa autoridade garantir que o afastamento está em conformidade com as condições legais impostas, nomeadamente com as exigências fixadas no artigo 5.o da Diretiva 2008/115. |
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39 |
Na hipótese de a autoridade nacional competente chegar, no termo dessa avaliação, à conclusão de que o afastamento do nacional de país terceiro em causa o expõe a um risco sério de ser sujeito a pena de morte, a tortura ou a tratos ou penas desumanos ou degradantes, essa autoridade deve adiar esse afastamento enquanto tal risco perdurar, em conformidade com o artigo 9.o, n.o 1, alínea a), desta diretiva [v., neste sentido, Acórdãos de 3 de junho de 2021, Westerwaldkreis, C‑546/19, EU:C:2021:432, n.o 59, e de 22 de novembro de 2022, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Afastamento — Canábis terapêutica), C‑69/21, EU:C:2022:913, n.o 58 e 59]. |
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40 |
Decorre igualmente do exposto que uma regra ou uma prática nacional nos termos da qual a apreciação do respeito pelo princípio da não repulsão apenas pode ser efetuada no âmbito de um procedimento de proteção internacional é contrária ao artigo 5.o da Diretiva 2008/115, lido em conjugação com o artigo 19.o, n.o 2, da Carta. Com efeito, como resulta dos n.os 30 a 34 do presente acórdão, esta diretiva, incluindo o seu artigo 5.o, aplica‑se a qualquer nacional de país terceiro em situação irregular, independentemente dos motivos na origem dessa situação. De resto, o objetivo de eficácia da política de afastamento, no respeito dos direitos fundamentais, recordado no n.o 30 do presente acórdão, milita igualmente contra tal regra ou prática nacional. |
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41 |
Como salienta, em substância, o advogado‑geral nos n.os 52 e 57 das suas conclusões, não se pode, portanto, exigir que K e L apresentem um pedido de proteção internacional nos termos da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9), e da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 60), para lhes ser garantido o pleno respeito pelo princípio da não repulsão previsto no artigo 5.o da Diretiva 2008/115, lido em conjugação com o artigo 19.o, n.o 2, da Carta. |
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42 |
No caso em apreço, a circunstância de K e L terem invocado a sua «ocidentalização» deveria assim ter levado a autoridade competente a examinar, nos termos do artigo 5.o da Diretiva 2008/115, lido em conjugação com o artigo 19.o, n.o 2, da Carta, se o princípio da não repulsão se opõe à execução da decisão de regresso que lhes diz respeito e, se for caso disso, adiar o afastamento, em conformidade com o artigo 9.o, n.o 1, alínea a), desta diretiva. |
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43 |
Tendo em conta os motivos precedentes, há que responder à terceira questão que o artigo 5.o da Diretiva 2008/115, lido em conjugação com o artigo 19.o, n.o 2, da Carta, deve ser interpretado no sentido de que obriga uma autoridade administrativa que indefere um pedido de autorização de residência que se baseia no direito nacional e, consequentemente, constata que o nacional de país terceiro em causa se encontra em situação irregular no território do Estado‑Membro em causa, a garantir o respeito pelo princípio da não repulsão, reexaminando, à luz deste princípio, a decisão de regresso anteriormente adotada contra esse nacional no âmbito de um procedimento de proteção internacional e cuja suspensão terminou na sequência desse indeferimento. |
Quanto à primeira questão
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44 |
Com a sua primeira questão, que importa examinar em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 13.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2008/115, lido em conjugação com o seu artigo 5.o, bem como com o artigo 19.o, n.o 2, e com o artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que obriga um órgão jurisdicional nacional, chamado a pronunciar‑se sobre a fiscalização da legalidade de um ato através do qual a autoridade nacional competente indeferiu um pedido de autorização de residência prevista no direito nacional, e, consequentemente, pôs termo à suspensão da execução de uma decisão de regresso anteriormente adotada no âmbito de um procedimento de proteção internacional, a suscitar oficiosamente a eventual violação do princípio da não repulsão resultante da execução desta última decisão, com base nos elementos do processo levados ao seu conhecimento, conforme completados ou clarificados no termo de um processo contraditório. |
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45 |
Nos termos do artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2008/115, o nacional de país terceiro em causa deve dispor de vias de recurso efetivo contra as decisões relacionadas com o regresso a que se refere o artigo 12.o, n.o 1, desta diretiva, ou da possibilidade de requerer a sua reapreciação, perante uma autoridade judicial ou administrativa competente ou um órgão competente composto por membros imparciais que ofereçam garantias de independência. |
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46 |
Todavia, as características do referido recurso devem ser determinadas em conformidade com o artigo 47.o da Carta, nos termos do qual toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal nos termos previstos nesse artigo, e com o princípio da não repulsão, garantido, nomeadamente, no artigo 19.o, n.o 2, da Carta e no artigo 5.o da Diretiva 2008/115 (Acórdão de 30 de setembro de 2020, CPAS de Liège, C‑233/19, EU:C:2020:757, n.o 45). Estas disposições, como recordado no n.o 35 do presente acórdão, obrigam as autoridades nacionais a ter em conta este princípio em todas as fases do procedimento, desde o momento da adoção de uma decisão de regresso até ao momento da fiscalização jurisdicional da execução dessa decisão. |
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47 |
Para o efeito, resulta do artigo 13.o, n.o 2, desta diretiva que tanto as autoridades administrativas nacionais como as autoridades judiciais perante as quais é impugnada a legalidade de uma decisão relacionada com o regresso devem poder proceder à reapreciação dessa decisão e adiar, se for caso disso, o afastamento [v., neste sentido, Acórdão de 27 de abril de 2023, M.D. (Proibição de entrada na Hungria), C‑528/21, EU:C:2023:341, n.o 108]. A este respeito, como enuncia o considerando 15 da referida diretiva, os Estados‑Membros têm a faculdade de decidir se essa reapreciação deve ou não conferir a essas autoridades a competência para substituir a decisão anterior pela sua própria decisão relacionada com o regresso. |
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48 |
Além disso, para que a proteção jurisdicional garantida no artigo 47.o da Carta e concretizada no artigo 13.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2008/115 seja efetiva, o recurso deve necessariamente revestir efeito suspensivo quando for interposto de uma decisão de regresso cuja execução é suscetível de expor o nacional de um país terceiro em causa a um risco real de ser sujeito a tratos desumanos ou degradantes [v., neste sentido, Acórdãos de 19 de junho de 2018, Gnandi, C‑181/16, EU:C:2018:465, n.o 56; de 30 de setembro de 2020, CPAS de Liège, C‑233/19, EU:C:2020:757, n.o 46, e de 27 de abril de 2023, M.D. (Proibição de entrada na Hungria), C‑528/21, EU:C:2023:341, n.o 109]. |
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49 |
Daqui resulta que, como o advogado‑geral salientou, em substância, no n.o 50 das suas conclusões, as modalidades processuais definidas no artigo 13.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2008/115 têm por finalidade garantir que um nacional de um país terceiro a respeito do qual foi adotada uma decisão de regresso não seja afastado em condições contrárias ao artigo 5.o desta diretiva. Visam, assim, garantir o respeito pelo princípio da não repulsão, que reveste, como foi declarado no n.o 36 do presente acórdão, caráter absoluto. Ora, cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais competentes velar, se for caso disso oficiosamente, pelo respeito deste princípio quando os elementos do processo levados ao seu conhecimento indiciam uma eventual violação do mesmo. |
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50 |
Com efeito, como o advogado‑geral sublinha no n.o 51 das suas conclusões, a proteção jurisdicional garantida pelo artigo 47.o da Carta e concretizada no artigo 13.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2008/115 não seria efetiva nem completa se o juiz nacional não fosse obrigado a declarar oficiosamente a violação do princípio da não repulsão, uma vez que os elementos do processo levados ao seu conhecimento, completados ou clarificados durante o processo contraditório que lhe foi submetido, tendem a demonstrar que a decisão de regresso assenta numa apreciação obsoleta dos riscos de tratamentos proibidos por este princípio, incorridos pelo nacional de país terceiro em causa se devesse regressar ao país terceiro em causa, e daí retirar todas as consequências quanto à execução dessa decisão. Uma limitação da função do juiz nacional pode ter como consequência a execução dessa decisão, apesar de tais elementos indicarem que o interessado corre o risco de ser sujeito, nesse país terceiro, a esses tratos proibidos absolutamente pelo artigo 4.o da Carta [v., neste sentido, Acórdão de 8 de novembro de 2022, Staatssecretaris van Justitie en Veiligheid (Exame oficioso da detenção), C‑704/20 e C‑39/21, EU:C:2022:858, n.o 94]. |
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51 |
A existência desta obrigação do juiz nacional de assegurar, se for caso disso oficiosamente, o respeito pelo princípio da não repulsão impõe‑se do mesmo modo no âmbito de um procedimento de proteção internacional e no âmbito de um processo, como o que está em causa no processo principal, iniciado por um pedido de autorização de residência prevista pelo direito nacional. Com efeito, como resulta dos n.os 31 a 34 do presente acórdão, a Diretiva 2008/115, cujo artigo 13.o, n.os 1 e 2, fundamenta a referida obrigação, aplica‑se a qualquer nacional de um país terceiro que se encontre em situação irregular no território de um Estado‑Membro. |
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52 |
Tendo em conta os motivos que precedem, há que responder à primeira questão que o artigo 13.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2008/115, lido em conjugação com o seu artigo 5.o, bem como com o artigo 19.o, n.o 2, e com o artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que obriga um órgão jurisdicional nacional, chamado a pronunciar‑se sobre a fiscalização da legalidade de um ato através do qual a autoridade nacional competente indeferiu um pedido de autorização de residência prevista no direito nacional, e, consequentemente, pôs termo à suspensão da execução de uma decisão de regresso anteriormente adotada no âmbito de um procedimento de proteção internacional, a suscitar oficiosamente a eventual violação do princípio da não repulsão resultante da execução desta última decisão, com base nos elementos do processo levados ao seu conhecimento, conforme completados ou clarificados no termo de um processo contraditório. |
Quanto à segunda questão
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53 |
Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.o da Diretiva 2008/115, lido em conjugação com o artigo 19.o, n.o 2, da Carta, deve ser interpretado no sentido de que obriga a autoridade administrativa que, no âmbito de um procedimento que não foi iniciado por um pedido de proteção internacional, indefira um pedido de autorização de residência prevista pelo direito nacional e, consequentemente, verifique a situação irregular, no território do Estado‑Membro em causa, do nacional de país terceiro que apresentou esse pedido, a não tomar uma decisão de regresso a respeito deste último sem ter apreciado previamente o respeito pelo princípio da não repulsão. |
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54 |
Conforme o órgão jurisdicional de reenvio reconhece expressamente, esta questão «diz respeito à situação em que anteriormente não tenha sido tomada nenhuma decisão de regresso». Ora, na medida em que, no processo principal, foi adotada uma decisão de regresso contra os recorrentes no processo principal em 9 de agosto de 2012, a referida questão é hipotética e convida o Tribunal de Justiça a formular uma opinião consultiva, em violação da sua missão no quadro da cooperação jurisdicional instituída pelo artigo 267.o TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de dezembro de 1981, Foglia, 244/80, EU:C:1981:302, n.o 18, e de 22 de fevereiro de 2022, Stichting Rookpreventie Jeugd e o., C‑160/20, EU:C:2022:101, n.o 84). |
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55 |
Por conseguinte, a segunda questão é inadmissível. |
Quanto às despesas
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56 |
Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis. |
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Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara: |
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Assinaturas |
( *1 ) Língua do processo: neerlandês.
( i ) O nome do presente processo é um nome fictício. Não corresponde ao nome verdadeiro de nenhuma das partes no processo.